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Foto: Fernando Souza/Arquivo AdUFRJUma boa notícia para a comunidade acadêmica. A concorrência pela UFRJ aumentou e a universidade voltou a ter a maior parte de suas vagas preenchida ainda na chamada regular do Sistema de Seleção Unificada (SiSU). Estão ocupadas 65% do total de 9.050 vagas. O índice já chegou a ser menor que 50% em anos anteriores.
Pró-reitora de Graduação, a professora Maria Fernanda Quintela celebra a marca. “Nós tivemos um aumento da procura pela UFRJ, se compararmos aos últimos cinco anos. Já na primeira etapa da matrícula, percebemos que os números eram expressivos”, conta a pró-reitora. “Esta é uma notícia muito importante para a universidade”.
Ela destaca que a lista de espera deste ano também é a maior desde a pandemia. Aguardam uma vaga na maior federal do país 33.359 estudantes. O aumento entre os que manifestam interesse pela UFRJ, em relação ao ano passado, por exemplo, é de 33,4%. “Esta é outra grande notícia para a nossa universidade, que evidencia que há, de fato, uma retomada da preferência pela UFRJ”, acredita a pró-reitora.
O Jornal da AdUFRJ comparou o número de candidatos inscritos no SiSU para verificar se um eventual aumento de participantes na seleção teria influência na procura pela UFRJ. Os dados mostram que em 2024 se inscreveram 1,27 milhão de candidatos, contra 1,31 milhão em 2025. Um crescimento de apenas 3,15%.
Superintendente de Acesso e Registro da PR-1, Ricardo Anaya conta que em 2024, a UFRJ conseguiu preencher 95,7% das vagas somente após a décima reclassificação. “A expectativa desse ano é que atingiremos a ocupação total com um número bem menor de chamadas”, revela. “Isso implica em candidatos com notas mais altas e mais preparados. É bom para a universidade e para toda a sociedade”, avalia.
POSSÍVEIS RAZÕES
Para a pró-reitora, a efetividade da UFRJ em rankings internacionais e a boa avaliação dos cursos pelo MEC ajudam na retomada do interesse pela universidade. “Temos um perfil dos melhores do Brasil, avaliados com nota máxima do Ministério da Educação em mais de 160 cursos. Isso também faz diferença”, avalia Maria Fernanda.
A agilidade nas análises da documentação de candidatos cotistas, para o superintendente Ricardo Anaya, é outro fator que ajuda na maior efetivação das matrículas. “Hoje temos uma equipe de sete assistentes sociais que fazem em tempo real a análise de documentação dos candidatos que entram por cota de renda”, revela. Até o ano passado, o processo podia levar dois semestres. “Muitas pessoas desistiam pela incerteza. Não sabiam se conseguiriam cursar a universidade, já que sem o resultado da análise, não poderiam pleitear os editais de auxílios da Pró-reitoria de Políticas Estudantis (PR-7)”, explica. “Agora, esse fator deixa de existir e eles poderão disputar os editais já no início do período letivo”, afirma. “Isso também ajuda a ‘fidelizar’ este estudante”, argumenta.
Outro fator que a PR-1 acredita ter sido relevante para o expressivo aumento da procura foi o trabalho de comunicação realizado pela pasta. “A gente redirecionou o trabalho de um grupo de técnicos formados em comunicação para atuar nas redes com as informações sobre o processo seletivo e sobre a nossa universidade”, explica Maria Fernanda.
O superintendente concorda. “Traduzir o edital para a linguagem do candidato ajuda nessa mudança de percepção. Torna a universidade mais próxima e o edital mais fácil de ser compreendido”, avalia. “Estamos muito otimistas e esperamos que essa tendência de alta permaneça para os próximos anos”.
ORGULHO DE SER UFRJ
No mês passado, uma avalanche de fotos, vídeos e posts de candidatos aprovados para a UFRJ tomaram as redes sociais. Todos compartilhavam o orgulho de agora pertencer a uma das mais tradicionais universidades federais do país. Uma dessas histórias é da jovem Luiza Barbosa de Castro, aprovada para o curso de Administração, na Praia Vermelha. Moradora de Coelho Neto, ela ainda não conhece o campus onde irá estudar. “Só passei em frente uma única vez, indo para a praia. Estou muito ansiosa para começar a viver essa loucura que é a universidade”, diz.
Ser caloura de uma das mais conceituadas universidades do Brasil enche a estudante de orgulho. “Foi uma emoção quando soube o resultado. Chamei todo mundo para ver. Foi aquela loucura, todo mundo chorando, se abraçando”, recorda. “Todos os dias a minha mãe fala toda orgulhosa disso. É muito gratificante a gente se dedicar tanto para algo e ver a recompensa chegar”.
O sentimento é compartilhado pela estudante Vitória Silva, aprovada para o curso de Biotecnologia do Campus Caxias. Moradora da Maré, ela é a primeira da família a acessar o ensino superior. “Estou muito orgulhosa. Eu abdiquei de muitas coisas, de muitas vivências, para ser aprovada. Foi uma alegria quando vi o resultado”, conta. “Eu queria fazer uma surpresa para a minha mãe, mas na hora fiquei tão nervosa e emocionada que liguei para todo mundo contando a notícia. Não deu para fazer a surpresa”.
Vitória mora com a mãe e com a irmã mais nova. O pai foi uma das vítimas fatais da covid-19. Saudade que Vitória transformou em impulso para seguir os estudos. “O meu pai foi o meu maior incentivador, minha maior motivação. O bom hábito do estudo eu devo a ele, que me ensinou a ler em casa”, conta. “Sei que ele está muito orgulhoso de mim”.
OUTRAS FEDERAIS
O aumento da procura foi especialmente sentido pela UFRJ. Os dados preliminares indicam que outras federais do Rio tiveram performances bem diferentes. A Universidade Federal Fluminense ofertou no SiSU deste ano 8.507 vagas, 72% delas já preenchidas na chamada regular. Em 2024, foram 8.748 vagas, com ocupação inicial de 65%.
A Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro ofertou, em 2024, 3.870 vagas, com ocupação inicial de 78,5%. Já este ano, a instituição resolveu dividir o processo de seleção entre o primeiro e o segundo semestres. Foram disponibilizadas 2.560 vagas para 2025.1. A ocupação na chamada regular foi de 66%.
Não foi possível comparar os resultados da UniRio, pois a instituição ainda está com a primeira etapa de matrículas da chamada regular em andamento. A universidade ofertou 2.443 vagas no SiSU 2025, mesmo número do ano passado. Em 2024, 43,92% dos candidatos aprovados na chamada regular da UnRio desistiram da vaga.
Foto: DivulgaçãoHá mais de vinte anos na Advocacia-Geral da União (AGU), a procuradora Flávia Corrêa Azeredo de Freitas atua em ações judiciais que envolvem autarquias e fundações federais do Rio e do Espírito Santo. Muitos destes processos são ligados a universidades. Como reconhecimento da expertise administrativa, Flávia foi convidada e escrever um artigo, divulgado dia 9 no site Consultor Jurídico, com propostas para aperfeiçoar o modelo de financiamento das instituições federais. Em entrevista ao Jornal da AdUFRJ, Flávia aprofunda aspectos do texto que chamou a atenção da comunidade acadêmica neste início de ano. Ex-aluna da Faculdade Nacional de Direito, mestre pela UFF e fazendo o doutorado na USP, ela entende o valor de um ensino superior público de qualidade. “Mesmo com orçamento deficitário, a UFRJ conseguiu se manter entre as melhores universidades do país e do mundo. É plausível esperar que, com recursos adequados, a entrega da Universidade para o Estado e a sociedade seja maior”, afirma.
Jornal da Adufrj - O que motivou a senhora a escrever o artigo “Custos sistêmicos do subfinanciamento da UFRJ e propostas corretivas”?
Flávia Corrêa Azeredo de Freitas - Por conta da minha experiência com contencioso administrativo prioritário, atuei em algumas ações envolvendo corte de serviços essenciais nas universidades públicas. Quando surgiu o convite do meu orientador do doutorado para escrever um artigo para a coluna que ele coordena no Consultor Jurídico, resolvi estudar o tema — que tem sido recorrente — com mais profundidade.
O interesse surgiu pois, além de estar no mundo acadêmico por conta do doutorado, a desjudicialização é um dos temas que despertam meu fascínio como pesquisadora. Tomando um caso real, resolvi explorar as potenciais soluções para evitar a discussão judicial de uma relação que deveria ocorrer dentro da normalidade administrativa, entre Poder Público e concessionária.
Por que é importante resolver o problema de financiamento da UFRJ e de outras federais?
O artigo buscou trazer à tona os custos sistêmicos da judicialização em torno do subfinanciamento das universidades. A conta fica mais alta com o pagamento da dívida corrigida, acrescida de juros e honorários. A ameaça de corte de algum serviço essencial, como água e luz, direciona toda a atenção da gestão universitária para o problema, comprometendo a organização e planejamento da universidade com demandas importantes e relacionadas às suas finalidades. Há o risco no comprometimento de pesquisas e na interrupção das aulas. Há reflexos negativos no orçamento das concessionárias, com a imprevisibilidade, faltas e atrasos dos pagamentos. E há ainda o abalo emocional das pessoas envolvidas com a solução do problema.
Mesmo com orçamento deficitário, a UFRJ conseguiu se manter entre as melhores universidades do país e do mundo. É plausível esperar que, com recursos adequados, a entrega da Universidade para o Estado e a sociedade seja maior.
A senhora fez graduação na FND. Há um pouco de afeto no artigo para a resolução do problema das universidades, em especial da UFRJ?
Sim, sou egressa da Faculdade Nacional de Direito, onde tive excelentes professores e fiz amizades que duram até hoje. Fiz mestrado na UFF, universidade que tem sede em Niterói, cidade onde nasci e resido e faço doutorado na USP. Não posso negar que há um componente afetivo, mas, sobretudo, pelo ensino superior público, pois foi boa parte em razão dele que alcancei a posição social e profissional que ocupo hoje. A educação de qualidade é fundamental para o desenvolvimento social e falo isso no artigo. De outro lado, há um desejo de compreender a situação conflituosa como um todo, muito em razão da minha formação em mediação e negociação de conflitos.
No artigo, a senhora menciona o financiamento da USP, que é atrelado ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), como uma ideia a ser debatida para as federais.
Atrelar o financiamento das IFEs a algum percentual do orçamento público pode ser um elemento de solução do problema, mas não deve ser considerado como a única solução. A Constituição estabelece percentuais mínimos para investimento em educação a serem observados pela União, Estados e Municípios, mas não há percentual mínimo atrelado ao ensino superior, como há para a educação básica. Além da vinculação orçamentária é preciso ampliar o leque de possibilidades de recursos para fazer frente às necessidades de ensino, pesquisa e extensão das universidades. Problemas complexos demandam soluções criativas.
A senhora pode dar um exemplo?
No doutorado da USP, tive aula em uma sala bem bonita e reformada, que recebeu o nome de uma grande processualista, a professora Ada Pellegrini Grinover. Ela foi reformada após uma parceria da faculdade com escritórios de advocacia, cujos membros estudaram na USP e tiveram aula com a professora, já falecida, e o Instituto Brasileiro de Direito Processual. Na Faculdade de Direito da USP é possível encontrar, além dessa sala, outros ambientes reformados no âmbito do projeto Adote uma Sala. O projeto é gerido pela Associação dos Antigos Alunos. Sinto que há espaço para explorar (no bom sentido) esse lado afetivo, retributivo e de pertencimento de profissionais destacados com a faculdade pública que os formou. Não apenas na área do Direito, como em outras áreas também.
Mas essas iniciativas são criticadas por setores que dizem que as universidades devem ser financiadas apenas pelo Estado.
Precisamos ter uma visão ampla. O poder público tem suas obrigações, assim como a sociedade civil. Se você puder despertar o interesse e o engajamento da sociedade civil para resolução de problemas que a afetam, isso faz parte da democracia. Se houver uma segurança jurídica para que essa parceria ocorra, eu não vejo problema algum.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação também deveria participar das despesas correntes das universidades?
Não me parece razoável impor apenas ao MEC a obrigação de envio de recursos orçamentários às universidades, pois elas não têm a função apenas de educação, mas de pesquisa e extensão também. Considerando que, a exemplo da realidade da UFRJ, os grandes consumidores de energia são os laboratórios, cuja finalidade é principalmente o desenvolvimento de pesquisa em prol do avanço da ciência, creio ser possível uma construção jurídica que englobe a participação do MCTI no custeio das despesas correntes dos laboratórios. A forma de participação pode, inclusive, se dar pelo custeio de painéis solares ou outras formas de inovação tecnológica que reduzam os custos dos serviços essenciais.
Como tirar essas ideias do papel?
A Rede de Mediação e Negociação (Resolve) foi criada pelo Decreto 12.091/2024. Tem a finalidade de conectar diversos atores para buscar solução de um problema complexo envolvendo uma política pública. O comitê gestor tem a função de realizar a articulação interinstitucional necessária e será instituído por ato das autoridades máximas da Advocacia-Geral da União, da Casa Civil da Presidência da República, do Ministério da Fazenda e do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Penso que o subfinanciamento das universidades federais com todos os problemas dele decorrentes, incluindo a judicialização, possa ser tema a ser tratado na Resolve.
Entre anúncios de impacto internacional imediato, como a retirada dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS), e de largo alcance interno, como o fechamento de agências e programas que atingem mais de 9 mil servidores, o pacote anticiência de Donald Trump assombra o mundo pelo obscurantismo e a truculência. Assim como ordenou por decreto retirar referências às temáticas LGBTQIA+ e de equidade de gênero de bancos de dados e sites oficiais, o mandatário norte-americano suspendeu programas de ajuda humanitária e pesquisas relacionas às mudanças climáticas.
Também por meio de decreto, Trump “decidiu” que, agora, os Estados Unidos reconhecem apenas os gêneros masculino e feminino, e que passam a ser proibidas palavras e expressões como “discriminação”, “racismo”, “minorias” e “inclusão”. Veja a seguir algumas das medidas que vão nortear a política para a Ciência da mais poderosa nação do planeta pelos próximos quatro anos.
SAÍDA DA OMS E RUPTURA COM ACORDO CLIMÁTICO DE PARIS
• Os EUA se retiram da Organização Mundial da Saúde (OMS) e, pela segunda vez, do acordo climático de Paris. Assinado por diversos países, o tratado tem como objetivo reduzir as emissões de gases do efeito estufa e limitar o aquecimento global. Trump já havia retirado o país do acordo em seu primeiro mandato, mas a decisão foi revertida por Joe Biden em 2021.
CORTE DE RECURSOS DE PESQUISA E CONTROLE DA IMPRENSA
• Órgãos como os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, em inglês) e os Institutos Nacionais de Saúde (NIH), passam a atuar com restrições como a suspensão da publicação de relatórios e comunicados, a proibição de contato com a imprensa e o congelamento de recursos e programas de pesquisa.
VETO DE EXPRESSÕES INCLUSIVAS EM ARTIGOS CIENTÍFICOS
• Pesquisadores do CDC foram instruídos a não publicar relatórios ou estudos científicos que contenham palavras consideradas “proibidas” ou problemáticas pela administração Trump, como “gênero”, “LGBT”, “transgênero”, “diversidade” e “inclusão”. Um e-mail da direção da agência aos pesquisadores no fim de janeiro trazia até um texto pronto para que eles justificassem os pedidos de retratação de artigos já submetidos para publicação em revistas científicas: “Em consonância com a Ordem Executiva do Presidente intitulada ‘Defendendo as Mulheres do Extremismo da Ideologia de Gênero e Restaurando a Verdade Biológica ao Governo Federal’, estou me retirando como coautor desta submissão”.
RETIRADOS DO AR SITES OFICIAIS SOBRE VACINAS E DSTS
• Bancos de dados e páginas oficiais com orientações sobre vacinas, vírus e doenças sexualmente transmissíveis, por exemplo, foram retirados “preventivamente” do ar para serem revisados de acordo com as diretrizes da administração trumpista.
BANIDAS REFERÊNCIAS A COTAS RACIAIS E POLÍTICAS DE GÊNERO
• Órgãos oficiais retiraram de suas home pages referências a políticas de igualdade raciais e de diversidade de gênero.
REDUÇÃO ORÇAMENTÁRIA EM PROGRAMAS AMBIENTAIS
• Agências como National Science Foundation (NSF), National Institute of Health (NIH) e National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) sofreram cortes orçamentários severos, por um período inicial de 90 dias. O NIH anunciou mudanças na política de bolsas, reduzindo o limite de gastos com “custos indiretos” para 15%. Esses custos englobam energia, água, laboratórios, equipamentos e equipe administrativa, por exemplo. O impacto imediato é de US$ 4 bilhões. A medida entraria em vigor na segunda-feira (10), mas foi suspensa por liminares da Justiça em 22 estados. O governo deve recorrer.
AFASTAMENTO DE SERVIDORES DOS PROGRAMAS DE DIVERSIDADE
• Fechamento dos programas de diversidade do governo federal, reunidos na agência DEIA (Diversidade, Equidade, Inclusão, Acessibilidade), com a colocação dos funcionários em licença remunerada.
SUSPENSÃO DE PESQUISAS SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS
• Suspensão das pesquisas que envolvam mudanças climáticas, políticas de igualdade racial e políticas LGBTQIA+, entre outros temas. “A partir de hoje, a política governamental dos Estados Unidos é que existem apenas dois gêneros: masculino e feminino”, afirmou Trump em discurso no Capitólio, após tomar posse.
FECHAMENTO DA AGÊNCIA GOVERNAMENTAL USAID
• O presidente confirmou no dia 4 de fevereiro que vai fechar a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês). Segundo a ONU, o órgão é responsável por cerca de 40% de toda a ajuda humanitária no mundo.
PROIBIÇÃO DE PALAVRAS EM DOCUMENTOS OFICIAIS
• Há uma lista de palavras proibidas em documentos oficiais. Um relatório publicado pelo Washington Post, com base em informes internos da NSF, lista os termos “Mulheres”, “Gênero”, “Diversidade”, “Discriminação”, “Igualdade”, “Discurso de ódio”, “Racismo”, “Minorias”, “Trauma” e “Inclusão”. Mas a lista é bem mais ampla, como se pode ver pelo exemplo da “revisão” feita no projeto original da UFMG.
MAYRA GOULART: “SINDICATO DEVE SER ESPAÇO DE ACOLHIMENTO NA ERA TRUMP”
Para a presidenta da AdUFRJ, professora Mayra Goulart, o cerco à Ciência e aos cientistas promovido pelo governo Trump tem também como alvo os servidores públicos, e vai exigir união do campo progressista. “Serão dias difíceis, precisamos estar juntos. Nesse cenário, a AdUFRJ e os sindicatos são locais de acolhimento e defesa dos professores e professoras”, diz Mayra.
Na terça-feira (11), Donald Trump assinou mais um decreto que afeta a administração federal norte-americana. A medida amplia os poderes do novo Departamento de Eficiência Governamental (Doge, na sigla em inglês), comandado pelo bilionário Elon Musk e, entre outras diretrizes, condiciona novas contratações por agências federais a consultas ao departamento, que terá indicados em todos os setores da administração. Mais de 9 mil funcionários federais dos EUA já foram afetados pelos cortes anunciados pelo governo Trump.
Pesquisadora e professora do IFCS/UFRJ, Mayra Goulart acredita que a volta de Trump ao poder estimule a perseguição ao campo progressista, inclusive no Brasil e, sobretudo, com a aproximação das eleições presidenciais do ano que vem. “Está sendo incentivada a delação, principalmente em relação a pesquisas que tratem do núcleo de diversidade e equidade. Eu sou uma cientista, trabalho na universidade e penso que isso está no nosso horizonte. Não é algo que está acontecendo só nos Estados Unidos e, portanto, muito distante de nós”, alerta.
A presidenta da AdUFRJ menciona casos concretos de monitoramento e perseguição de pessoas ligadas ao campo progressistas no Brasil, como o da
professora Lígia Bahia (destaque da edição anterior do jornal) e dá outros exemplos.“Aqui nós temos a ocupação de cargos em secretarias de estaduais de Educação e de Ciência e Tecnologia por quadros do PL. É um processo que está em curso e que pode ser radicalizado até as eleições do ano que vem. Nós, do campo progressista, temos que nos unir e pensar em estratégias para enfrentar isso. O sindicato é um dos poucos espaços aos quais estes cientistas poderão recorrer. Ainda mais um sindicato como a AdUFRJ, que está conectado às entidades científicas e que tem entre seus diretores e ex-diretores pessoas ativas na comunidade científica”.
O professor Marco Antônio Sousa Alves tomou um susto quando recebeu seu projeto “revisado” pela agência de fomento norte-americana Fulbright. Intitulado “O dilema da teoria crítica do Direito: desafios contemporâneos”, o projeto teve seu texto original alterado. Várias palavras e expressões estavam cortadas e teriam que ser substituídas para que o projeto tivesse garantido seu financiamento.
Os autores — além de Marco, a professora Lorena Martoni, também da UFMG — se indignaram com as alterações. “O projeto ficaria todo descaracterizado”, diz Marco, que é professor de Teoria e Filosofia do Direito e do Estado da federal mineira, onde é subcoordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito. Doutor em Filosofia pela UFMG (2014), com estágio na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS/Paris), Marco é também vice-presidente do APUBH, o sindicato dos professores da UFMG, e acha que o momento é de resistência ao pacote anticiência trumpista. Nesta entrevista, ele revela os bastidores da censura ao projeto e afirma que a academia e as instituições científicas não podem aceitar a “cruzada censória” de Trump.
Foto: Arquivo PessoalJornal da AdUFRJ - Como começou a relação com a agência Fulbright?
Marco Antônio - No ano passado houve uma chamada da Fulbright para um programa de cátedra de curta duração, o Fulbright Specialist Program, no qual podemos convidar um professor norte-americano para ficar de 15 a 45 dias aqui no Brasil. Eu e a Lorena (Martoni) submetemos um projeto para trazer o professor Bernard Harcourt, da Universidade de Columbia, um teórico crítico especialista em Michel Foucault. O projeto foi contemplado, estava tudo certo.
Até que Donald Trump assumiu...
E mudou tudo. A gente já estava agendando a vinda dele, que seria em abril, mas na sexta-feira passada (7) a gerente da Fulbright Brasil entrou em contato, muito constrangida, dizendo que tínhamos que fazer adequações no projeto. No primeiro momento, ela deu a entender que era uma mera formalidade para atender à nova diretriz do governo norte-americano. E que, feitos os ajustes, o projeto poderia prosseguir sem problemas.
E que ajustes eram esses?
Quando ela enviou o projeto glosado por e-mail é que nós percebemos o absurdo da situação. Termos como “human rights”, “oppressions of gender, class, and race”, “crisis of democratic principles”, “social emancipation”, “systems of oppression”, “promotion of social justice”, “ecological crisis” e até “cross-cultural interactions” foram cortados. Sobrou pouca coisa do original, foi censura do início ao fim. Como um projeto de ciência social não pode investigar questões de raça, classe, gênero? É uma loucura, uma situação bizarra.
E qual foi a reação de vocês depois da censura?
Conversei com a Lorena e a gente entendeu que o melhor era denunciar isso. Não é possível ignorar, como se nada estivesse acontecendo. Porque isso vai virar uma escalada. Não posso me esconder em relação a isso. A gerente da Fulbrigth está numa situação difícil, ela está tentando salvar os projetos que foram contemplados aqui no Brasil. Mas isso é uma mutilação.
Ela deve estar sendo pressionada como estão outros agentes do governo, não?
Sim. As delações estão sendo incentivadas. Entre os pesquisadores estrangeiros, por exemplo, há receio de que vistos possam ser revistos, além de financiamentos cortados. Entendo a situação de vários colegas que dependem da Fulbright e que ficam calados porque têm medo de perder a bolsa, precisam terminar o doutorado, estão morando no exterior, com a família toda lá. Eles ficam com medo de falar e serem prejudicados. Eu não dependo da Fulbright para nada. Se o projeto perder o financiamento, a vida segue. Não posso aceitar isso calado.Tenho que denunciar.
A reação às medidas ainda é tímida, sobretudo nos Estados Unidos. E sua postura vai contra esse silêncio. O caminho é resistir?
Eu entendo, e é o que eu estou tentando fazer, que o melhor é uma reação, uma resistência pública e imediata para tentar fazer o governo Trump recuar. O caminho não é aceitar os termos que eles estão imputando, que são inconstitucionais, inclusive. Eu acho que as pessoas que estão em condição de falar, e esta é a minha condição, têm que fazer isso e tentar fazer eles recuarem. Eu acho que é um precedente muito perigoso ser permissivo com essa cruzada censória de Trump.
O cerco à Ciência imposto pelo presidente norte-americano Donald Trump desde a sua posse, em 20 de janeiro, já produz efeitos nocivos no Brasil. Em menos de uma semana, o Jornal da AdUFRJ identificou três casos de pesquisadores brasileiros impactados pelas medidas de retenção de verbas e restrição à autonomia de agências de fomento e instituições de pesquisa dos Estados Unidos (veja na página 3 as principais medidas).
Dois casos envolvem professores da UFRJ. O mais grave é o de uma docente do Instituto de Física — a pedido dela, seu nome não é divulgado. Ela estava de malas prontas para passar um ano em uma universidade dos EUA como visitante, com bolsa de pós-doc da National Science Foundation (NSF), e já tinha pedido seu afastamento da UFRJ. Mas, esta semana, recebeu uma mensagem da NSF dizendo que a bolsa tinha sido suspensa. “A bolsa fazia parte de um projeto da NSF e esses projetos estão passando por revisão para se adequarem às ordens do novo governo”, lamentou a docente, que tem esperança de que a bolsa seja liberada após a revisão.
O segundo exemplo é um caso de autocensura. Um professor de um instituto ligado ao CCJE deu entrevista ao Jornal da AdUFRJ na terça-feira (11). Entre outras reflexões, ele afirmou que “as recentes restrições impostas pelo governo Trump à ciência representam um ataque direto à liberdade acadêmica e à autonomia das instituições de pesquisa”. Na quarta (12), o professor fez um pedido ao repórter: “Acabei de saber que recebi uma bolsa para fazer pós-doutorado nos Estados Unidos. Confesso que estou com receio, pela bolsa ser do governo americano, e prefiro que minha entrevista não seja publicada”.
PROJETO CENSURADO
Se os dois casos da UFRJ envolvem bolsas de pós-graduação, o da UFMG tem relação direta com um projeto financiado. Os professores Marco Antônio Sousa Alves e Lorena Martoni, da Faculdade de Direito da UFMG, contemplados em 2024 com uma bolsa da agência Fulbright, foram informados sexta-feira passada (7) de que o projeto teria de ser alterado. As mudanças — entre elas a supressão de termos como “Human Rights” e “oppressions of gender, class, and race” — mutilariam o projeto e os autores não as aceitaram (leia entrevista com o professor Marco Alves na página 4).
A Fundação Fulbright foi criada em 1946 nos Estados Unidos e atua desde 1957 no Brasil. A principal fonte de financiamento da Fulbright é uma verba anual do Departamento de Estado dos EUA. Os recursos da agência sofrem restrições impostas pelo governo Trump.
A Fulbright informou que “consultas sobre esse assunto estão sendo tratadas diretamente com a Embaixada dos EUA”. Já a assessoria de imprensa da Embaixada dos Estados Unidos informou que, tanto a embaixada quanto os consulados, “estão revisando os programas e parcerias para garantir que estejam alinhados com a política externa dos EUA e de acordo com a agenda America First”.
SILÊNCIO E REAÇÃO
O temor de perder bolsas ou ter projetos interrompidos é uma das consequências mais visíveis do pacote trumpista. Pesquisador com larga experiência em colaborações internacionais, o professor Pedro Lagerblad, do IBqM/UFRJ, acredita que seus colegas nos Estados Unidos estejam sendo monitorados. “Tenho até receio de falar algumas coisas por telefone com eles. Há um sentimento de perplexidade. Para quem trabalha com temas ligados a minorias ou equidade de gênero, por exemplo, é muito difícil. Essa turma está na primeira linha de embate. A capacidade de reação das pessoas ainda é pequena”, avalia Pedro.
A presidenta da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Nader, vê a situação com indignação. Com pós-doutorado na University of Southern California (1977) como bolsista do National Institute of Health (NIH) — atingido diretamente pelas medidas de Trump —, ela vislumbra tempos sombrios. “O que me preocupa, entre outras questões, é que há um ambiente persecutório. E você vê um silêncio conspícuo nos Estados Unidos. As manifestações contrárias são de fora de lá. Tudo é muito assustador, mas também me assusta o silêncio”.
Entre os mais firmes posicionamentos está o da revista britânica Lancet, uma das mais conceituadas no meio científico. Em editorial de 8 de fevereiro, intitulado “Caos americano: em defesa da saúde e da medicina”, a Lancet sustenta que a comunidade científica não pode aceitar passivamente as medidas: “É imperativo que as instituições de saúde não se deixem amedrontar e confrontem as políticas nocivas do presidente americano. Este momento é um teste. Como nossa comunidade deve reagir? O resultado imediato tem sido confusão, perturbação e desorientação, mas a resposta não pode ser ditada pelo medo ou pela resignação”.
Superintendente geral de pós-graduação e pesquisa da UFRJ, o professor Felipe Rosa também estranha a falta de reação nos Estados Unidos. “Passei três anos no Laboratório Nacional de Los Alamos, e não havia nada nem remotamente parecido com o que está acontecendo com Trump. Fazíamos discussões francas, com muitos estrangeiros, sem interferências. É chocante ver isso acontecendo com universidades. Está faltando um mínimo de resistência. O conformismo de muitas pessoas envolvidas faz lembrar o nazismo, que também contou com uma aprovação progressiva e silenciosa. A reação tem sido muito pacífica”, diz Felipe.
Professor emérito da UFRJ, Ricardo Medronho acredita que Trump queira impor uma agenda de extrema direita à produção intelectual norte-americana. “Essa cartilha determina que sejam atacados professores universitários, universidades públicas e centros de pesquisa, pois, em sua visão distorcida da realidade, ele acredita que professores e pesquisadores são comunistas e que, por isso, precisam ser combatidos. Surpreende-me a fragilidade das universidades, centros de pesquisa e de ajuda humanitária dos Estados Unidos, pois todas estão seguindo fielmente as determinações do Trump”, diz Medronho. “Isso nunca aconteceria nas universidades públicas brasileiras, pois temos autonomia”, complementa.
TRISTEZA E RECEIO
De forma geral, os cientistas brasileiros temem que a retenção de recursos e a suspensão de programas possam ruir com pesquisas em curso. Fundador e professor titular do Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade (Nupem/UFRJ), Francisco Esteves vê com preocupação as restrições impostas à NSF. “É uma instituição que há décadas mantém intercâmbio com o Brasil, fomenta a instalação e manutenção de equipamentos, e a compra de materiais para a área de Ciências Biológicas, por exemplo. Grande parte dos pesquisadores da UFRJ e do Brasil vai para os Estados Unidos para se qualificar e volta para cá para formar novos profissionais. É motivo de muita tristeza para toda a comunidade científica brasileira”, lamenta Esteves.
Diretor da AdUFRJ e também do Nupem, Rodrigo Fonseca concorda: “É muito grave porque os Estados Unidos recebem muitos brasileiros. Recentemente, o CNPq abriu um edital de colaborações do Brasil com outros países, muitas delas com os Estados Unidos. E há realmente uma caça às bruxas por lá, muitos professores têm medo até de receber e-mails com certos termos que passaram a ser monitorados”.
Para o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, as medidas compõem “uma ofensiva contra o conhecimento, uma oposição à verdade científica”. Em editorial no Jornal da Ciência, da SBPC, em 24 de janeiro, ele destaca: “Se uma potência como os Estados Unidos caminha para o obscurantismo e dominância de poder, cabe à Ciência, cada vez mais, lutar e conscientizar sobre o papel político e o impacto social de sua governança”.
Na visão da pesquisadora Natalia Pasternak, professora da Universidade de Columbia (EUA) e presidente do Instituto Questão de Ciência, os reflexos das medidas para o mundo são imensuráveis. “Tudo o que acontecer com os cortes de agências norte-americanas vai afetar o resto do mundo. Cortes no NIH afetam desenvolvimento de colaboração científica. A própria vacina da dengue do Butantã foi desenvolvida em parceria com o NIH. É triste e de uma crueldade ímpar: imagine quantos programas de AIDS, malária e tuberculose na África simplesmente pararão de existir?”, questiona.