O Grupo de Trabalho Antirracista do Sintufrj organizou nesta quarta-feira, dia 29, um evento de encerramento do mês da Consciência Negra. Na programação, muita cultura e debates sobre os avanços das políticas de ações afirmativas no Brasil e o caminho ainda necessário a percorrer para a democratização racial do país. O Projeto Africanidade na Dança-Educação, da Escola de Educação Física e Desportos, fez uma apresentação especial com tambores e danças de terreiro na abertura dos trabalhos.

O convidado da atividade da manhã foi o vereador Edson Santos, do PT. O parlamentar é ex-ministro da IMG 20231129 122652Igualdade Racial e um dos históricos militantes das políticas de ações afirmativas. “Historicamente, os filhos do povo sempre foram muito distanciados do mundo acadêmico. A universidade era um ambiente para a elite branca e seus filhos”, afirmou o vereador, ao justificar a importância das cotas para o acesso ao ensino superior. Ele é um defensor também  de políticas de permanência estudantil. “Não podemos perder talentos porque o estudante precisa trabalhar. Eu penso que um auxílio justo seria no valor de um salário mínimo”.

Universitário entre o final dos anos 1970 e início dos anos 1980, ele relatou que a universidade pública mudou. “Na UERJ inteira só tínhamos três negros no movimento estudantil. Hoje, a universidade está com mais diversidade, está mais colorida. Os jovens negros estudantes estão com mais protagonismo nas instituições”, afirmou.

Edson Santos também apontou a mudança na cultura universitária. “A universidade era uma bolha fechada, mas a cota a democratiza. E, do ponto de vista da produção científica, assuntos que passavam longe da universidade passam a ser temas de pesquisas por conta da vivência diferenciada das pessoas”, reiterou.

Sobre a revisão da lei de cotas, Edson Santos comemorou as mudanças: o fato de o estudante cotista concorrer primeiro às vagas gerais, o que contribui para aumentar o número de negros para além do sistema de cotas; a redução da renda per capita para um salário mínimo; e a inclusão de quilombolas. “Ampliar o acesso à universidade é bom também para o Brasil, porque quanto mais qualificada for nossa mão de obra, maior será nossa competitividade no mundo globalizado”.

Abertura

A abertura foi feita por representantes de técnicos, docentes e estudantes. “A parte cultural do movimento negro é muito importante para a nossa afirmação”, defendeu Marly Rodrigues, coordenadora de Políticas Sociais do Sintufrj. Ela também falou sobre a democratização do acesso à UFRJ. “Hoje vemos uma universidade bem povoada pela população negra, mas isso não foi dado de mão beijada. Foi uma conquista fruto de muita luta”, advertiu.

Pela AdUFRJ, a vice-presidenta Nedir do Espirito Santo parabenizou a realização do evento, mas enfatizou a necessidade de mais articulação e mobilização do movimento negro na universidade. “Ainda há muito trabalho a ser feito para congregar o movimento negro na UFRJ para atuar por mais representatividade em todos os espaços”, afirmou. Ela também comentou sobre o acesso à graduação e disse que o foco precisa ser, a partir de agora, o acesso amplo da população negra à pós-graduação e à carreira docente. “A graduação já tem outra cor, mas precisamos dessa inserção na pós para que no futuro próximo a gente tenha mais professores negros na universidade”.

O DCE foi representado pela estudante Giovanna almeida, que também coordena o movimento negro Perifa Zumbi. “Nós ainda somos menos de 20% nas universidades. Ainda somos aqueles que têm dificuldade de concluir a faculdade e de se inserir no mercado de trabalho. Os mais prejudicados com a reforma trabalhista e da previdência, que não conseguem trabalho e nem se aposentar, são majoritariamente pessoas pretas”, pontuou a estudante.

 

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A AdUFRJ ganhou em primeira instância uma ação civil pública movida pela assessoria jurídica do sindicato para suspender os efeitos das resoluções do Conselho Universitário (17/2020 e 134/2022) que tratam das progressões e promoções docentes.

Na sentença, o juiz federal Antonio Henrique Correa da Silva determinou que a universidade volte a apreciar pedidos de progressões múltiplas e a atribuir aos pedidos os "efeitos financeiros retroativos à data de cumprimento dos respectivos interstícios".

O juiz estabeleceu, ainda, a tutela provisória da matéria, ou seja, o cumprimento imediato da sentença para todos os processos administrativos de progressão e promoção docentes já em curso e que ainda estão pendentes na UFRJ. Além disso, ordena que a universidade não exija que os professores devolvam eventuais recursos ao erário.

Halley Lino de Souza, advogado da Lindenmeyer Advocacia & Associados, que assessora juridicamente da AdUFRJ, afirma que o resultado da ação, ainda que em primeira instância, significa uma grande vitória para o sindicato e para os professores da UFRJ. "É uma vitória que se une à batalha que a AdUFRJ tem travado junto ao Poder Judiciário, junto à Advocacia-Geral da União e também junto à administração da universidade para que se modifique esse entendimento", diz. "É uma grande conquista para que se consolide o direito às progressões múltiplas e o reconhecimento do direito a partir do cumprimento dos requisitos".

Presidente da AdUFRJ, a professora Mayra Goulart também comemora a decisão. "Esse tema foi alvo de muita fake news durante o processo de eleição da nossa atual diretoria. Desde o primeiro momento em que esse tema foi levado ao Consuni, a nossa decisão era a mesma: a favor da integralidade do direito do professor tal qual estabelecido na legislação", afirma. "A decisão do Consuni contrariava esse direito. Imediatamente reagimos e entramos na Justiça. Então, esta sentença consagra todo o nosso esforço e o nosso entendimento desde o primeiro momento".

A universidade ainda pode recorrer da decisão em segunda instância.

Não haverá mais a consulta institucional à comunidade da UFRJ sobre a possibilidade de adesão à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). O reitor Roberto Medronho havia se comprometido com a medida há dez dias, em reunião com AdUFRJ, DCE, Sintufrj e APG, mas foi informado pelos setores técnicos responsáveis de que a universidade não possui condições para fazer a consulta este ano.
Hoje à tarde, em nova reunião com as entidades representativas, a reitoria explicou as dificuldades. Uma delas é a necessidade de processar o imenso universo eleitoral de quase 80 mil pessoas para evitar duplicidade de votação — há técnicos e professores que são estudantes de pós, por exemplo. Isso não é possível em pouco tempo.
Outra dificuldade são as previsões climáticas para os próximos dias, com novas ondas de calor. A situação já interrompeu o funcionamento dos servidores da UFRJ por duas vezes, só em novembro.
"Estamos diante de um alto risco de sobrecarga de energia e chuvas torrenciais. Esse cenário pode causar nova interrupção de energia no campus e, consequentemente, no nosso Data Center, que se encontra em processo de substituição de sua rede de refrigeração", diz trecho do parecer elaborado pela Superintendência Geral de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e a Superintendência Geral de Comunicação (SGCOM).
Representantes do Sintufrj e DCE argumentaram que seria importante adiar a deliberação sobre a Ebserh para o próximo ano, depois de a consulta ser viabilizada. Mas o reitor respondeu que a universidade não poderia perder mais tempo, sob o risco de ficar sem recursos para uma eventual implementação da empresa em 2024. "Qualquer coisa que seja feita após, só poderá ser implementada na Lei Orçamentária de 2025. Aí é mais tempo que a gente perde", disse.

404622775 745912684249156 5769044041792420597 nFoto da home: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

A Advocacia-Geral da União aprovou parecer que volta a permitir a progressão funcional dos professores federais em mais de um nível, de uma só vez. São as chamadas progressões múltiplas. O documento foi acatado pelo advogado-geral da União, Jorge Messias, e revê uma interpretação da lei – adotada anteriormente pela AGU – que indicava, além da necessidade do cumprimento do interstício de 24 meses, a aprovação do parecer da banca avaliadora de desempenho para só então os efeitos valerem. Esse equívoco trazia inúmeros prejuízos financeiros para os professores e de perda de contagem de tempo para o início do novo ciclo de avaliação.

Agora, o novo entendimento parte do pressuposto de que a avaliação tem natureza declaratória, de modo que o direito à progressão não se dá com o fim da análise das atividades realizadas a cada 24 meses, mas no momento em que o docente atende aos requisitos. O posicionamento é o mesmo defendido pela AdUFRJ.

O parecer evita que os professores sejam prejudicados, já que, mesmo que a Administração Pública não conclua de imediato a avaliação de desempenho, os efeitos da progressão funcional não ficam condicionados ao encerramento do procedimento avaliatório.

Presidente da AdUFRJ, a professora Mayra Goulart lembra que o tema das progressões é central em sua gestão. “Essa diretoria acredita que é um tema prioritário, pois diz respeito ao reconhecimento do trabalho do docente”, afirma. “Recentemente, temos feito uma série de iniciativas para simplificar interna e administrativamente as progressões, mas também para haver essa modificação nacional e reverter os impedimentos impostos aos professores”, explica. “Queremos que se cumpra o que a lei determina: ter o interstício de 24 meses e cumprir os requisitos funcionais. Nesse sentido, o parecer aprovado pela AGU é uma grande vitória”, finaliza a professora

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ENTREVISTA I NILO POMPÍLIO, PROFESSOR TITULAR DA FACULDADE DE DIREITO

“A maior ferramenta de libertação é o conhecimento”

Aos 64 anos, o professor de Direito Processual Penal da UFRJ, Nilo César Martins Pompílio da Hora, é o mais novo titular da Faculdade Nacional de Direito. A conquista é um marco não só pessoal, mas na história da FND: ele é o primeiro docente negro a alcançar o topo da carreira em mais de 130 anos de existência da unidade. “Essa titularidade não é minha. É dos meus pais. É de quem veio antes de mim e teve menos oportunidades do que eu tive porque sofreu muito mais preconceito do que eu sofri”, desabafa o professor em entrevista ao Jornal da AdUFRJ. O gosto pela sala de aula vem de berço. Seu pai era José Pompílio da Hora, o primeiro professor negro da FND. Sua mãe, Níria Martins Pompílio da Hora, professora de Língua Portuguesa do Colégio Pedro II. “Eu olhava para eles e sonhava em ser igual. Eles são os donos desse título. Essa homenagem é para eles”. Despido da vaidade tão corriqueira no meio acadêmico, o docente afirma estar vivendo um dos momentos mais felizes de sua vida. “Não sou ícone. Quero apenas que essa conquista seja inspiração para quem vem depois. Essa titularidade tem que ser instrumento de inclusão”.

Jornal da AdUFRJ – Seu memorial foi defendido em setembro e o senhor aprovado por unanimidade pela banca. Como é esse sentimento?
Nilo Pompílio
– Estou feliz à beça. Meu pai foi o primeiro professor preto da FND. Dava aula de Direito Romano. Então, eu quis dedicar essa titulação a ele, à minha mãe, aos meus alunos. Estou num momento muito feliz da minha vida. Sou professor há 40 anos. Produzindo e compartilhando conhecimento. A maior ferramenta de libertação é o conhecimento. Foi isso que meu pai me ensinou.

Ser professor sempre foi seu sonho ou sua família o incentivou?
Ser professor é motivo para mim de grande alegria. Eu acordo às 5h com prazer todas às terças e quintas para dar aula. Eu tive grandes espelhos em casa. Meus pais sempre foram professores. Eu ficava maravilhado com alguém formando pessoas. Então, eu sou ferramenta. Meu pai e minha mãe viveram adversidades enormes e me permitiram estar aqui. Eu olhava para eles e sonhava em ser igual. Essa homenagem é para eles.Essa titularidade não é minha. É dos meus pais. É de quem veio antes de mim e teve menos oportunidades do que eu tive porque sofreu muito mais preconceito do que eu sofri.WhatsApp Image 2023 11 22 at 20.26.21 2Foto: Acervo Pessoal

Como é para o senhor ser o primeiro docente negro do Direito a chegar a titular e se tornar um ícone?
Não sou ícone. Quero apenas que essa conquista seja inspiração para quem vem depois. Essa titularidade tem que ser instrumento de inclusão.

E como vê o fato de ser o único docente até agora, em mais de 130 anos de história da FND, a alcançar o último nível da carreira?
É lamentável que só em 2023 um professor negro chegue à classe de titular na Faculdade Nacional de Direito. Meu pai sofria muito preconceito, foi notadamente marginalizado. É uma tristeza. Essa instituição foi honrada por raríssimos negros que foram invisibilizados em suas trajetórias. Hoje ainda somos pouquíssimos. Por isso, assumo o compromisso com as políticas de acesso. Só se acaba com a invisibilidade quando você dá oportunidades.

Mas a academia mudou muito ao longo dos anos, não?
A universidade é muito mais preta do que na minha época, mas pode ser mais. Somos um país fortemente marcado pelo preconceito contra o negro, contra a mulher. Recebi muitas felicitações, mas sempre há segmentos que se incomodam por eu ter chegado a titular, pelo fato de eu ser negro. No entanto, eu tenho responsabilidade com meus alunos. Sou muito feliz ao estar na frente de jovens negros e negras em sala de aula. Mas quero ver mais pretos e pretas nas aulas, na carreira docente, em projetos de pesquisa, em postos de comando, tomando decisões. A academia é notadamente muito carente de pretos e pretas no corpo docente.

O senhor acredita que as cotas nos concursos de professores podem ajudar nesse processo?
Ajudam, sim. Contribuem fortemente para a diversidade na academia. Mas é preciso ter mais espaço nos programas de pós-graduação. Ainda há pouco espaço. A cota precisa ser monitorada para ser melhor cumprida. No momento em que você der espaço para o povo preto dentro dos programas de pós-graduação, você consegue de fato espelhar a diversidade. E esse conhecimento vai interferir na sociedade. É preciso ter pessoas pretas na formação da opinião pública, para que nossa sociedade mude, deixe de ser racista. Causa espanto não ver tantas pessoas pretas competentes nessas posições. Elas existem, são muito mais qualificadas do que eu, inclusive, mas ainda falta espaço. A invisibilidade das pessoas pretas ainda é imposta e está sendo lentamente combatida com a inclusão.

Em seu artigo “Processo Penal Brasileiro para Negros”, o senhor diz que “desde a abolição da escravatura, a normatividade penal funciona como ferramenta de controle social e segregação racial”. Isso permanece?
Permanece firme e forte. Eu já fui parado inúmeras vezes, inclusive por pessoas (policiais) da minha cor. Elas não se enxergam como pretas. Eu já passei por abordagens desse tipo “n” vezes. A atitude é de pura discriminação. E a gente segue observando as invasões nas favelas com essa segregação sendo perpetuada, com abuso de autoridade. É muito sério tudo isso. A gente está em 2023, não pode mais haver lugar para esse tipo de coisa. Mas há um viés ideológico que olha o povo preto como inimigo.

Essa constatação o levou a desenvolver o projeto de pesquisa Processo Penal Brasileiro para Negros?
Sim, nossa sociedade tem ferramentas de exclusão pautadas no racismo. O Estado Novo decretou em 1941 a vadiagem como crime, embora o Estado não fornecesse moradia, trabalho, alimentação. Essa lei ainda existe. Ainda está em vigor. Então, há práticas e ferramentas que carecem de revisão. Reconhecimento de pessoas e coisas por foto, por exemplo, flagrantes questionáveis, falhas de investigação. São instrumentos usados contra o povo preto. A população carcerária é majoritariamente preta. Então, nosso trabalho é analisar esses instrumentos para propor mudanças.

O senhor acha que essas mudanças vão acontecer?
Estão acontecendo, lentamente, mas acontecem. Algumas coisas já estão em processo de revisão, como o reconhecimento por foto. E eu quero ter oportunidade de produzir mais para impactar mais a sociedade. Não paguei para estudar, para fazer graduação, mestrado, doutorado. Preciso retribuir tudo isso que eu recebi. Quero ver pessoas pretas em cargos de decisão. O discurso antirracista não basta. É preciso vontade política e prática.

WhatsApp Image 2023 11 22 at 20.32.39Arte da capa inspirada em foto de Nelson Mandela, feita em 2011 por Adrian Steirn

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