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Por Renan Fernandes

 

salaoA análise dos múltiplos usos da inteligência artificial mobilizou quatro dias de intensa programação do Festival do Conhecimento da UFRJ. A quarta edição do evento, realizada entre 27 e 30 de agosto, contou com 11 mesas especiais e 46 lives que juntaram pesquisadores da universidade e convidados externos. Mais de três mil pessoas se inscreveram para acompanhar as atividades.

“O Festival foi incrível! O público encheu o salão do Fórum da Ciência e Cultura e acompanhou também nas redes”, comemorou a pró-reitora de Extensão, professora Ivana Bentes. “Quem assistiu ao Festival saiu informado de todas as grandes questões sobre IA, os desafios e o que tem de bom também. Conseguimos mesclar pessoas muito experientes e outras jovens, com formações diferentes, de realidades diferentes, e essa diversidade foi muito importante”, completou.

Pela primeira vez desde a criação em 2020, durante a pandemia, o Festival apresentou atividades presenciais. “O modelo híbrido foi muito importante e funcionou perfeitamente. Muitos convidados só puderam participar de forma remota e isso enriqueceu muito os debates”, afirmou a pró-reitora.
Confira, a seguir, as entrevistas que o Jornal da AdUFRJ realizou com alguns dos principais nomes do Festival.

 

EDMUNDO SOUZA E SILVA
edO professor Edmundo Souza e Silva, do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação da Coppe, participou da primeira mesa do Festival do Conhecimento, no dia 27, com o tema “Descomplicando a IA”. O painel discutiu a importância da alfabetização digital da sociedade.


O que é a inteligência artificial?
Inteligência artificial é um conceito muito amplo. Existem vários algoritmos por trás de uma IA. Não sabemos por que o modelo que o ChatGPT usa, chamado de linguagem de grande porte, dá aquelas respostas. Então, não temos como prever o que vai acontecer. Existem pesquisas no mundo inteiro para entender como o algoritmo funciona para poder dar determinada resposta, porque isso tem um impacto enorme no resultado. As respostas são tão boas quanto os dados de entrada. Se você tem dados ruins, as respostas serão ruins. A IA chamada “explicável” é a possibilidade de entender porque os algoritmos dão determinada resposta para que possamos intervir e evitar erros.

Qual é o caminho para descomplicar a IA?
Para mim existe uma palavra: educação. Avançamos com a capacidade de criar modelos para entender o mundo, mas precisamos aumentar o nível de alfabetização digital da sociedade. A disparidade pode aumentar as desigualdades educacionais. A IA é mais uma tecnologia que, no momento, está na moda. Precisamos ter mais gente, mais massa crítica, entendendo como a tecnologia pode ajudar a lidar com problemas. Para isso, precisamos de mais integração entre os campos de saber. Na UFRJ, temos que fazer um esforço para sermos mais integrados como um corpo da universidade. Ainda somos muito compartimentalizados.

O senhor vai assessorar a reitoria para assuntos de IA?
O tema da Academia Brasileira de Ciências esse ano foi Inteligência Artificial e foi criado um documento chamado ‘Recomendações para o avanço da IA no Brasil’. Num evento da Academia, conversando com outros professores da UFRJ, nos organizamos para agitar a universidade a fim de ter mais gente discutindo esse tema. Levamos a ideia até o reitor e ele aceitou. Queremos organizar eventos, conhecer os problemas de cada unidade e propor discussões para criar soluções. A ideia é traçar caminhos para, quem sabe, desenvolver também um documento voltado para a própria UFRJ.


JOANA VARON
WhatsApp Image 2024 09 05 at 15.18.32Joana Varon é fundadora e diretora executiva da Coding Rights, organização feminista que atua e debate tecnologia sob uma perspectiva coletiva, decolonial e antirracista de defesa de direitos humanos.

Como é pesquisar e debater a questão da moderação da inteligência artificial?
O tema é dinâmico e nos últimos anos tudo está muito mais acelerado. Fiz parte do processo de escrita do Marco Civil da internet em 2009 e eram outras preocupações. Desde então, vivemos uma centralização das grandes empresas de tecnologia e uma articulação dessas empresas para fazer lobby no Congresso. O Marco Civil foi possível porque elas ainda estavam desarticuladas. Hoje, na discussão do PL das Fake News, o debate sobre a moderação de conteúdo foi interditado. Essas empresas têm um poder transnacional imenso.

E esse poder dita os rumos da inteligência artificial?
Inteligência artificial é um termo mais de marketing que técnico. Os imaginários de ficção científica estão guiando imageticamente o desenvolvimento tecnológico das grandes empresas. Elon Musk aparece em fotos em poses semelhantes à de capas de revistas e livros, cartazes de filmes famosos, para impulsionar sua narrativa. Esses imaginários são coloniais, patriarcais, com uma visão eurocêntrica do que é ciência, progresso e conhecimento. Essa visão está nos levando para um colapso ambiental. No Brasil e no Sul Global, temos que proteger nossas expressões culturais e precisamos dar luz para nossos imaginários irem para a tecnologia.

É possível uma IA decolonial?
Gestores públicos precisam ter consciência de que é preciso investimento em pesquisa, desenvolvimento e educação para construir um ecossistema para a produção das nossas tecnologias. As empresas fazem ferramentas para um mercado global e universalizam as soluções. A universalização demanda o apagamento de tudo que foge ao padrão. É possível trabalhar com tecnologia a partir de uma perspectiva local e menos universalizante, mais responsável com o meio ambiente e voltada para as nossas necessidades.


KÁTIA AUGUSTA MACIEL
WhatsApp Image 2024 09 05 at 15.22.02Kátia Augusta Maciel, professora do Programa de Pós-graduação em Mídias Criativas da Escola de Comunicação, traçou um panorama das potencialidades e limitações da IA na produção de textos, imagens ou vídeos.

A IA ainda é muito limitada como tecnologia criativa?
Pergunta para o ChatGPT quem é você. Ele vai pegar um monte de informações que não têm nada a ver com você. Tenho uma colega homônima na Escola de Comunicação, que é uma artista. A possibilidade de uma IA misturar nós duas por conta do mesmo nome é enorme. É muito claro que a IA é limitada, genérica, não tem muita substância, afeto. É importante a gente perceber tanto o potencial dessas ferramentas quanto suas limitações. É entender para tirar esse mito que a inteligência artificial é uma coisa espetacular, que vai criar coisas incríveis. Ela foi criada por nós e a maneira como ela vai se desenvolver, como vai proporcionar o avanço da humanidade, também depende de todos nós.

Como usar a IA em processos criativos?
A gente não deve deixar a IA pensar ou criar por nós. Isso é um erro grotesco. Só vai acontecer repetição em cima de repetição. Daqui a pouco, estará todo mundo criando a mesma coisa. A gente precisa criar com, pensar com a inteligência artificial. Usá-la como assistente para sermos mais criativos, mais eficientes. Eu, por exemplo, não sei desenhar e trabalho com audiovisual. Tinha muita dificuldade de fazer um storyboard (roteiro com desenhos em ordem cronológica) de um filme. Hoje, a IA pode me ajudar a fazer o storyboard. Mas não vai me ajudar a filmar. Ainda vou precisar trabalhar com meus colegas humanos atores, fotógrafos, diretores.

O que é o projeto de extensão Metaversidade que a senhora coordena?
Estamos proporcionando cursos de curta duração para estudantes da periferia para promover a inclusão digital. Estamos formando estudantes de dois CIEPs de Nova Iguaçu: o 026 e o 345, através de uma parceria com a Secretaria Estadual de Educação do Rio e o Consulado da Suécia. Levamos o conhecimento sobre as tecnologias digitais em rede para estes estudantes. Ou seja: sobre realidade virtual, o metaverso, realidade aumentada e agora estamos desenvolvendo uma pesquisa sobre inteligências artificiais generativas. Para que elas possam aprender a usar, mas de uma forma crítica. E, dessa forma, diminuir o abismo que há entre os excluídos e os incluídos digitalmente.


GI SANTOS
WhatsApp Image 2024 09 05 at 15.26.23Gi Santos é educadora, empreendedora e especialista em tecnologia educacional. Estreou no último mês de agosto como apresentadora do programa “Assunto na Mesa”, no Canal Futura, onde recebe convidados para debater os impactos da inteligência artificial na educação e no dia a dia das pessoas.

Como novas tecnologias auxiliam o ensino?
Fui professora de Inglês durante muito tempo. Antes mesmo da pandemia da covid-19, já trabalhava com videoconferências conectando crianças daqui do Brasil com crianças que vivem nos Estados Unidos. Com ferramentas de realidade virtual, fazia passeios para melhorar a experiência de aprendizagem, ir além das páginas dos livros. Agora, a realidade aumentada permite que o aluno seja protagonista e interaja com o material didático. Hoje, trabalho com educação corporativa, dialogando com empresas como a inteligência artificial pode ser aplicada de forma ética na educação.

A transparência é uma questão-chave para essa aplicação ética?
A IA está presente no nosso cotidiano. Quando passamos por câmeras de segurança com reconhecimento facial, a IA está ali. Será que somos vistos da mesma maneira por essas câmeras? As placas dizem “sorria! você está sendo filmado”, mas não dizem por que estamos sendo filmados, por quem, para onde vão nossos dados. E não é apenas no caso da segurança. Existem estados discutindo a possibilidade de adotar nas escolas a presença por reconhecimento facial. O que, além da chamada, vai ser registrado? Que outras características dos estudantes vão ser notadas para traçar um perfil? A transparência é importante para sabermos o que está sendo feito com os nossos dados, se eles estão sendo vendidos sem nosso consentimento.

Seu trabalho no Canal Futura é uma continuidade da sua atuação como educadora popular?
A IA é controlada por poucas pessoas que não têm, necessariamente, interesse de que sejamos educados para conhecer o seu funcionamento. Precisamos explicar para a sociedade de forma simples como funcionam essas tecnologias. Explicar que IA não é robô, que existem algoritmos por trás e o que isso significa. Acredito demais no poder da educação. Com transparência e ética, existem grandes possibilidades de usos muito positivos, mas esse é um terreno de debate e disputa. Estou na televisão porque é papel da TV mostrar às pessoas que elas também podem fazer parte dessa discussão. Espero que o “Assunto na Mesa” ajude a popularizar o tema para que tenhamos mais mesas de debates como as que tivemos aqui no Festival do Conhecimento.


FABIO SCARANO
WhatsApp Image 2024 09 05 at 15.29.15Professor do Instituto de Biologia e curador do Museu do Amanhã, Fabio Scarano defendeu o diálogo entre diferentes tipos de ciência para ajudar a resolver os problemas do mundo. E, otimista, espera que a “inteligência artificial” seja aplicada nessa direção.

Qual a importância de discutir o diálogo da IA com outras inteligências?
É importantíssimo. Não dá para dizer “não gosto”. Já deixou de ser isso. É uma questão de “como”: como a gente vai usar isso melhor, que seja sempre democrático, inclusivo das pessoas mais diversas e mesmo de outras espécies. Como defendi aqui, até as plantas têm inteligência. Quem sabe a gente não consegue incorporar isso a essas inteligências mecânicas?

Como assim?
Nós somos fisicamente conectados. Mas, de certa maneira, a sociedade moderna se desconectou espiritualmente: uns dos outros e do mundo natural que nos cerca. Essa desconexão implica uma deficiência da nossa capacidade de sentir. Então a gente não sente as mudanças no mundo. Nós falamos em mudanças climáticas há 40 anos, mas todo ano a gente quebra recorde de emissão de gás estufa. Existe uma distância entre entender e agir e o que está no meio dessas duas coisas é sentir. Para a gente sentir, temos que estar conectados com o mundo.

Como podemos fazer isso?
A palavra ciência significa, no latim, conhecimento. A ciência moderna é um tipo. Temos ciências religiosas, ciências ligadas ao campo artístico, ciências ancestrais. Não há conhecimento que a gente possa abrir mão em um mundo com tantos problemas como o atual. Como a ciência moderna vem sendo a forma de representação da realidade dominante há pelo menos 300 anos, cabe muito a ela abrir esse diálogo. Esta atitude faz com que a própria ciência moderna cresça. Na minha própria prática de pesquisa com as plantas, trabalhei muito com indígenas, como povos locais que me ensinaram um monte. E um aprende com o outro. São formas diferentes de lidar com a realidade, todas elas muito valiosas.
As pessoas dizem que sou otimista. Como dizia o Ariano Suassuna, acho que sou realista esperançoso. Temos dois imperativos no mundo. Um é o da digitalização; outro é o da sustentabilidade. Na medida em que não podemos correr delas, acho que temos sabedoria suficiente para fazer com que tenham sinergia positiva.

 

GUILHERME AMADO
WhatsApp Image 2024 09 05 at 15.29.43O jornalista Guilherme Amado é diretor de conteúdo do projeto Redes Cordiais, que busca construir uma internet mais comprometida com diálogos democráticos. Amado abordou a regulação das redes sociais e da inteligência artificial no país.

O que é o projeto Redes Cordiais?
O projeto foi criado em 2018 quando eu e dois amigos jornalistas estávamos preocupados com o que se avizinhava no Brasil. Houve o ataque à caravana do Lula no Paraná, o assassinato da Marielle no Rio de Janeiro e um candidato muito habilidoso para usar o discurso de ódio para conquistar capital eleitoral. Estávamos aflitos porque víamos que a principal resposta do Jornalismo para melhorar o ambiente digital, a checagem de fatos, era como enxugar gelo. Para cada fake news derrubada, havia dezenas de outras criadas. Pensando no que poderíamos fazer para mudar esse cenário, chegamos à educação midiática, a ideia de criar um ambiente digital mais saudável. Trabalhamos com influenciadores digitais e já formamos 350 pessoas nesses seis anos. São cursos, workshops e palestras com especialistas, em que oferecemos um conjunto de conhecimentos para mudar a atitude nas redes sociais para influenciar os seguidores a adotarem uma nova conduta.

O PL 2630, ou PL das fake news, é a solução para a regulação da internet no Brasil?
Dificilmente vamos chegar a um texto perfeito porque ainda estamos tateando os problemas quanto à IA. O Marco Civil da internet foi um texto muito elogiado quando foi sancionado, mas precisa de atualizações. Isso é normal com legislações sobre tecnologias. O PL 2630 precisa ser melhorado. O ideal é que cheguemos a um texto elogiado neste momento, sabendo que vamos ter que atualizá-lo daqui a cinco ou dez anos. O que não dá é para não ter nenhuma regulação. Está claro que esperar uma autorregulação do mercado de internet não funciona.

Existe uma defasagem na cobertura de inteligência artificial no Brasil?
Antes de o jornalista se preparar para usar a IA, ele precisa se preparar para cobrir a IA. É um dever de casa a ser feito. Conceitos básicos são desconhecidos, questões sobre a regulação não são discutidas. Isso é reflexo também da falta de braço nas redações. Recentemente, uma fonte me passou uma informação de uma audiência pública sobre IA no Senado. Procurei mais informações na internet e não tinha nada. Ninguém enviou repórter para cobrir. Falta investimento para uma cobertura mais especializada como essa.

laboratory 385349 640Imagem: felixioncool, by PixabayA pró-reitoria de Pós-graduação e Pesquisa divulgou, dia 4, o resultado atualizado do edital relativo aos programas de bolsas de Iniciação Científica
(PIBIC), bolsas de Iniciação Científica nas Ações Afirmativas (PIBIC-Af) e bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (PIBITI). São
1.478 professores contemplados com 2.029 bolsas. Na lista anterior, eram 1457 pesquisadores com 1582 bolsas.
O Comitê Institucional do PIBIC informa que ainda irá distribuir mais 121 bolsas de reserva técnica para fazer ajustes na concessão atual. “Queremos
distribuir o quanto antes. Possivelmente, nos próximos dias, pelo menos uma parte”, afirma o professor Thiago Grabois, coordenador do grupo.
A nova lista e a reserva técnica vão recompor os 50% da cota da universidade que haviam sido cortados da primeira listagem por questões financeiras. Somente após uma sinalização positiva de novos recursos por parte do MEC, a reitoria decidiu recuperar a contrapartida da UFRJ em relação às bolsas
oferecidas pelo CNPq. O ministério ainda não confirmou a suplementação
orçamentária.

WhatsApp Image 2024 09 03 at 18.26.33 1Acervo PessoalENTREVISTA I Verônica Salerno, professora do Programa de Pós-Graduação em Educação Física (PPGEF)

Por que é importante a prática de atividades físicas?
A atividade física é importante tanto na prevenção de doenças, quanto no tratamento de diversas patologias. Para quem sofre de doença arterial coronariana, por exemplo, a atividade física é extremamente importante. Ela é uma das poucas maneiras que temos de aumentar uma lipoproteína fundamental – popularmente chamada de colesterol bom – que limpa as artérias. A atividade física, então, regula o metabolismo, atuando na prevenção de doenças. Quando a pessoa já tem a enfermidade instalada, a atividade física aumenta o HDL e consegue ajudar a medicação receitada pelo médico para a redução do colesterol ruim – que é o LDL. Exercício físico também melhora melhora a atividade do músculo cardíaco.

O exercício físico combate o envelhecimento?
Eu costumo dizer que a atividade física é a pílula da juventude. A gente sempre vê nos filmes as pessoas buscarem fontes da juventude. Nós temos essa fonte da juventude nas mãos e não usamos. A atividade física retarda as perdas fisiológicas em 20 anos, dos 30 aos 50 anos. Um indivíduo bem condicionado de 50 anos tem a mesma massa muscular de um indivíduo sedentário de 30. Então, metabolicamente, eu sou tão eficiente aos 50 do que aos 30. E isso evita o surgimento de doenças cardíacas, obesidade, hipertensão. Além disso, dá mais autonomia ao idoso, porque evita os processos de queda com a manutenção da massa muscular. Então, a atividade física, na minha opinião, é vida.

Quais exercícios recomendados para quem tem restrições, como cardiopatias, por exemplo?
Os cardiopatas, dependendo de sua classificação, só vão poder fazer atividades físicas dentro de centros de reabilitação cardíaca, para que sejam monitorados durante a atividade. Porém, os indivíduos que tiveram infartos não complicados e que estão liberados pelo médico para a prática de atividade física, devem realizar exercícios aeróbicos de baixa ou moderada intensidade, no mínimo de três a quatro vezes na semana. Isso deve ser associado também a exercícios de força. Eles não podem ser esquecidos porque ajudam no ganho e na preservação da massa magra. Quanto mais massa magra, metabolicamente mais eficientes somos. Exercícios de moderada intensidade para todo mundo!

JoaoLaet 290824 5Fotos: João LaetLogo na entrada da exposição “Um museu de descobertas”, na recém-inaugurada Estação Museu Nacional, crianças de escolas municipais do Rio de Janeiro deixaram suas impressões sobre a visita em bilhetes escritos em post-its coloridos. “Lugar incrível, espero voltar novamente”, “Mariposas e borboletas são a mesma coisa” e “Muito bom, adoro dinos” foram algumas delas. O mural é como uma sala de recepção: as crianças foram as protagonistas da abertura e são a razão de ser do novo espaço, inaugurado na última quinta-feira de agosto, quase seis anos depois do incêndio que consumiu o Palácio de São Cristóvão, principal sede do Museu Nacional.

A Estação retoma uma das principais atividades do museu, interrompida pela tragédia de 2 de setembro de 2018: as visitas guiadas para alunos das redes pública e privada do Rio de Janeiro. O espaço, que também receberá grupos agendados, fica no campus de ensino e pesquisa do Museu Nacional — na Avenida Bartolomeu de Gusmão, 875, em São Cristóvão, Zona Norte carioca — e tem áreas dedicadas à cultura popular brasileira, como o samba e o teatro de mamulengos, aos povos indígenas, aos estudos de Egiptologia e de espécies como os anfíbios e os polvos.

REDESCOBERTAS
Os alunos da Escola Municipal Mestre Waldemiro, vizinha ao novo espaço, tiveram o privilégio de cortar a fita de inauguração da Estação Museu Nacional. Guiados por monitores, eles percorreram cada divisão da exposição com olhos ávidos por novas descobertas. “Tá tudo ótimo, aprendi muito aqui hoje. Gostei mais da parte dos sapos, não sabia que tinham tantos tipos”, se admirou o aluno Miguel Oliveira, de 12 anos, diante da variedade de espécies de anuros como o sapo-cururu, o sapo-martelo e a rã-manteiga.

A área dedicada aos povos indígenas — “Maloca do Saber” — também fez sucesso com os estudantes. Lá estão utensílios e adereços das etnias kayapó (Mato Grosso e Pará), rikbaktsa (Mato Grosso), guarani-kaiowá (Mato Grosso do Sul) e karajá (Goiás, Mato Grosso, Pará e Tocantins).
Para o diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner, a inauguração da Estação tem um peso simbólico enorme no processo de reconstrução. “Era imenso o nosso desejo em voltar a receber o público escolar. Esse é um aspecto fundamental de nossa instituição”, destacou o professor.

RECONSTRUÇÃO
JoaoLaet 290824 19Kellner lembrou que, depois do incêndio, muitos pensaram que as atividades do museu haviam sido totalmente interrompidas. “O museu nunca parou. Os nossos pesquisadores continuaram a fazer pesquisa, os nossos alunos não deixaram de defender suas dissertações de mestrado, suas teses de doutoramento. Quatro meses depois daquela tragédia, abrimos nossa primeira exposição, no Centro Cultural da Casa da Moeda do Brasil. E tivemos outras, como a do CCBB, um sucesso de público. As pessoas têm pelo Museu Nacional uma memória afetiva enorme. Para muitos, esse museu foi não apenas a primeira instituição desse tipo que visitaram. Foi a única”, disse o diretor do MN.

As doações recebidas depois do incêndio têm lugar de destaque na exposição. Uma delas fica bem na entrada da mostra, um fóssil de Leão-Marinho-do- Sul, doado pelo Zoológico de São Paulo. A ONG Aquasis, do Ceará, doou um fóssil de peixe-boi marinho que chamou a atenção da criançada: o animal, com apenas 2.500 indivíduos adultos na natureza, está em perigo de extinção. Das escolas de samba Grande Rio e Imperatriz Leopoldinense vieram instrumentos de bateria, fantasias e adereços.


Várias instituições participaram da campanha de doações para recomposição do acervo do museu. Uma rara edição da “História da Colonização Portuguesa no Brasil” (Porto, Portugal, 1924), ofertada pelo Real Gabinete Português de Leitura, é uma delas. Do Museu Nacional de História Natural de Paris veio uma réplica de um celacanto. Há também doações de acervos particulares, como uma concha de “titanostrombus goliath” da coleção de moluscos do cantor e compositor Nando Reis.

A campanha “Recompõe” foi lançada pelo Projeto Museu Nacional Vive em setembro de 2021, três anos após o incêndio, e já angariou 10.000 peças. Esse novo acervo está sendo catalogado e vai compor quatro novos circuitos de visitação quando o Palácio de São Cristóvão for reaberto: Histórico, Universo e Vida, Diversidade Cultural e Ambientes do Brasil. Quem quiser contribuir pode se informar em (recompoe.mn.ufrj.br/acervo).

FUTURO
Na inauguração da Estação Museu Nacional, a direção da instituição lançou a campanha de doações “Resgate o Gigante” (https://benfeitoria.com/projeto/resgateogigantepromuseunacional), com o objetivo de reconstruir uma réplica do esqueleto do dinossauro “Maxakalisaurus topai”, apelidado pelo público de Dinoprata. O gigante pré-histórico chegava a medir 13,5 metros de comprimento, e a campanha pretende arrecadar recursos para que a réplica seja uma das principais atrações do futuro museu, como um símbolo da reconstrução.

Talvez as peças mais simbólicas da exposição “Um museu de descobertas” sejam aquelas resgatadas dos escombros doJoaoLaet 290824 28 incêndio de 2018. Elas contam uma dolorosa e vigorosa história de dedicação e carinho ao Museu Nacional. Uma delas é uma réplica do amuleto de escaravelho da sacerdotisa egípcia Sha-Amun-em-su feita com as cinzas do Museu Nacional. O resgate do amuleto nos escombros, em 2019, permitiu uma digitalização em 3D e a confecção da réplica exposta. O amuleto original foi encontrado dentro do esquife da sacerdotisa, que foi sepultada em Tebas por volta de 750 a.C. O esquife foi recebido por D. Pedro II como presente do rei egípcio Quediva Ismail, em 1876.

“A exposição traz as informações que cada objeto carrega, são histórias que estão sendo contadas. Há descobertas que foram feitas pelos nossos técnicos e docentes após o incêndio. Toda a pesquisa que não parou está aqui refletida, em uma linguagem acessível ao público escolar”, pontuou Juliana Sayão, diretora de Integração Museu e Sociedade do MN.

De acordo com Juliana, a Estação Museu Nacional abre um novo capítulo na já consolidada integração entre o museu e a sociedade. “Veja em volta. Estamos aqui entre a estação de São Cristóvão, uma das mais democráticas de nossa cidade, que liga a Zona Norte ao Centro e à Zona Sul, e a Estação Primeira de Mangueira, um dos mais importantes polos culturais do Rio de Janeiro. Estamos nesse lugar interligando sociedade, cultura e ciência. Depois de tudo pelo que passamos, é muito emocionante fazer parte dessa reconstrução”.

Na saída da exposição, que tal mais uma olhada no mural de bilhetes dos estudantes? Um deles chama a atenção pela reflexão que cai como uma luva na saga do museu que, aos poucos, vai renascendo das cinzas. “Nós estudamos o passado para não cometer erros no futuro”. Outro traz um desejo, tão simples como um pedido de criança: “Eu quero que o Museu Nacional volte logo, e com mais coisas”.
Assim esperamos.

WhatsApp Image 2024 08 27 at 20.24.14 2Foto: acervo pessoalNa quarta-feira passada (21), o professor Michel Gherman, um dos maiores especialistas em Estudos Judaicos no Brasil, sofreu mais um ataque da extrema direita. Militantes do Movimento Brasil Livre (MBL), liderados por um candidato a vereador do Partido Novo, invadiram o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) e tentaram expor e atacar o professor com provocações e filmagens não autorizadas. Na ocasião, acontecia um evento internacional organizado pelo docente que discutia os usos políticos do Holocausto, do antissemitismo e do genocídio. O feitiço, no entanto, virou-se contra o feiticeiro, já que os agressores saíram ridicularizados do prédio e foram hostilizados até do lado de fora do edifício. A diretoria da AdUFRJ emitiu uma nota de desagravo e está prestando apoio jurídico ao professor. Perguntado pela reportagem como se sente diante de mais esse ataque – ele foi vítima de outro na PUC-Rio, em outubro passado –, e se não passa por sua cabeça desistir dos Estudos Judaicos, ele deu este contundente depoimento.

‘Eu me sinto no lugar certo. Eu me assumo como judeu e incomoda muito a setores do judaísmo a ideia de colonização do judaísmo e de seu uso político. A identidade judaica é muito importante para mim e, mais que isso, é minha formação. Graduação, mestrado, doutorado, tudo passou pelos Estudos Judaicos. Desistir de tudo isso é dar vitória para a extrema direita.
Alguns elementos nos ajudam a compreender esse processo. No Rio de Janeiro, a maioria da comunidade judaica pode até não ser progressista, mas não é de extrema direita. Então, houve um foco grande de ação da extrema direita aqui e a institucionalidade judaica, essa sim, foi tomada pela direita e pela extrema direita. Esse processo divisionista aconteceu em vários outros grupos, como os evangélicos, por exemplo, e até com organizações não religiosas, como os escoteiros.
Outro ponto é que a gente tem, na UFRJ, talvez o maior núcleo judaico do Brasil, quiçá o maior da América Latina atuando em Estudos Judaicos. Portanto, não é por acaso que esses ataques tenham ocorrido no IFCS. E também não é algo pessoal. Hoje, eu sou uma das referências nessa área, é até esperado, portanto, que tentem me atacar.
O grave, nesse episódio, é que o MBL está entrando na UFRJ e está usando a academia para se fortalecer nessas eleições municipais. É um momento em que a extrema direita está dividida, fragilizada, e tenta, com seu anti-intelectualismo, usar a universidade para fortalecer seu discurso. Isso vai acontecer mais vezes. Estamos vendo uma forma de a extrema direita fazer política nas nossas costas. Quando eu vi, estava sendo filmado por uma pessoa fazendo perguntas absolutamente sem contexto.
A gente não pode ter a nossa atuação acadêmica afetada pela extrema direita tentando fazer campanha eleitoral. Trata-se disso: estão querendo usar o nosso trabalho para fazer a campanha deles. Não se trata de um ato isolado, não é contra um professor, simplesmente. É a instrumentalização do nosso trabalho para a campanha municipal.
Precisamos estar preparados politicamente para esses ataques. Talvez, no IFCS, sejamos mais expostos, mas esse é um tema para a universidade pensar. É preciso que a UFRJ se coloque de maneira institucional para preservar seus professores e a si própria.
Nós somos vítimas pelo trabalho que realizamos, o que dá até um certo orgulho. Eu vou me preocupar, aí sim, quando a extrema direita passar a nos apoiar.”

O que é o MBL

O Movimento Brasil Livre foi oficialmente fundado em 1º de novembro de 2014, como estrutura organizada de apoio à Operação Lava Jato. Com viés antipetista, suas atuações voltavam-se contra o governo de Dilma Rousseff e contra pautas progressistas discutidas no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal. Em 2016, liderou manifestações a favor do impeachment da presidenta Dilma e passou a atuar mais fortemente junto às bancadas conservadoras do Congresso para apoiar a redução da maioridade penal, a reforma trabalhista, o projeto Escola Sem Partido e o arrocho fiscal. Em 2018, o MBL declarou seu apoio formal ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Durante o mandato, o grupo se afastou do bolsonarismo e passou a integrar a oposição ao governo. O movimento tem dois núcleos mais fortes de atuação, em São Paulo e em Florianópolis. Em 2022, elegeu um deputado federal (Kim Kataguiri, do União-SP) e um estadual por São Paulo (Guto Zacarias, também do União-SP). Outros três candidatos a deputado estadual de São Paulo não foram eleitos, mas conseguiram vagas de suplentes. Além das vagas eletivas, diversos outros integrantes do movimento ocupam cargos públicos em estados e municípios, sobretudo do Sul e Sudeste do país.

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