Centenária, mas sempre se reinventando, a UFRJ prepara mais uma iniciativa de vanguarda na formação de profissionais para o país. Por unanimidade, a congregação do Instituto de Computação aprovou a criação de um bacharelado em Inteligência Artificial (IA), no último dia 11.
O assunto inteligência artificial já era explorado em Ciência de Computação há bastante tempo, mas a direção do instituto não têm dúvidas sobre a importância de um curso específico. “Não é só uma nova onda. Fiz meu concurso para a área de IA em 1997. As tecnologias já estão aí há bastante tempo, mas ganharam uma proporção nos dias de hoje que não dá para não responder imediatamente”, afirma a professora Anamaria Martins Moreira, diretora do Instituto de Computação. “Já existem alguns cursos no Brasil e a UFRJ não quer ficar para trás”, completa.
O tema é dominante em todo o planeta. Anamaria recorda do encontro dos reitores das universidades do bloco BRICs, sediado pela UFRJ no início do mês passado. “Todas as apresentações de todos os participantes, em alguma hora, falavam de inteligência artificial. Não houve nenhum que não tenha falado”.
A reitoria tem apoiado a ideia. Formado pela administração central, um grupo de trabalho com nomes da Superintendência de Tecnologia da Informação e Comunicação, da Coppe, do NCE, do Instituto de Matemática, do IPPUR e da Escola de Comunicação vem contribuindo para a formatação final do curso.
“Essas parcerias podem se refletir de duas maneiras: a primeira, na oferta de mais disciplinas eletivas. Neste caso, podemos incluí-las sem necessidade de reforma curricular. Elas podem ser acrescidas a qualquer momento. Ou, no futuro, podemos incluir algumas delas como obrigatórias”, afirma Anamaria.
O diferencial do curso da UFRJ, aposta a diretora, será uma base teórica mais forte e uma formação crítica com as disciplinas da área de humanas. Ou seja, os estudantes serão preparados para atuar não apenas como usuários das ferramentas existentes, mas como produtores, reguladores, administradores e gestores de soluções.
Anamaria dá como exemplo as conversas para oferecer uma aula que trabalhe o antirracismo, prevenindo os alunos contra um eventual viés dos algoritmos atuais. “Os alunos terão mais espaço para fazer mais eletivas desta formação complementar, o que nós queremos estimular”, diz.
Depois de passar na congregação, a proposta vai ao Conselho de Coordenação do Centro de Ciências Matemáticas da Natureza no próximo dia 30. Em seguida, a pró-reitoria de Graduação verifica se o processo está instruído corretamente. Caso esteja tudo bem, será encaminhado ao Conselho de Ensino de Graduação e, finalmente, ao Conselho Universitário. A expectativa é que a primeira turma seja aberta logo no primeiro semestre do ano que vem.
DIFICULDADES
A proposta inicial é cautelosa, por questões de infraestrutura do instituto: 20 alunos entrariam por semestre no curso, que teria duração de quatro anos e meio. “A gente não consegue, em um primeiro momento, abraçar uma turma maior”, afirma a professora Carla Delgado, vice-diretora do instituto.
As vagas serão abertas a partir da redução da oferta atual (50) do curso de Ciência da Computação. “Uma vez que essas vagas apareçam no Sisu, vamos ver como será a procura pelos dois cursos para decidirmos como atender melhor à demanda”, explica Carla. “Vamos vendo o que podemos fazer, mas temos que andar para frente. Até porque, se você espera, não acontece. É uma decisão responsável para o que temos agora”.
O que o instituto — criado em dezembro de 2020 — tem agora são apenas 39 professores efetivos e mais 10 substitutos. O quadro docente, herdado do Departamento de Computação do Instituto de Matemática, sofreu perdas expressivas. Além de aposentadorias, alguns professores decidiram ficar no IM ou ir para a Coppe. A direção espera, ao menos, recuperar os 54 efetivos que o antigo departamento possuía.
Hoje, o Instituto de Computação atende os alunos em quatro laboratórios, sendo um deles dividido com o Bacharelado em Ciências Matemáticas e da Terra. E há um conjunto de notebooks disponíveis que formam um “laboratório itinerante”. Mas é pouco. “Seria ideal termos outros dois laboratórios, pelo menos”, defende Carla. Um deles já está sendo montado voltado para ciência de dados e IA.
EMPOLGAÇÃO
Apesar de todos os problemas, a perspectiva de criação do curso empolga docentes do instituto. “Vejo essa área como uma das mais estratégicas e transformadoras do tempo que estamos vivendo”, afirma a professora Juliana França, integrante da comissão interna formada para discussão do curso. “Vemos um avanço absurdo da IA, já incorporada ao dia a dia das pessoas. A IA está profundamente integrada a diversos setores da nossa sociedade: saúde, educação, indústria, meio ambiente, segurança. E isso só tende a crescer”, completa.
Para a professora, o bacharelado vai permitir à UFRJ formar profissionais com uma base sólida para lidar com desafios técnicos, mas também com desafios éticos e sociais. “Espero que o egresso tenha uma sólida formação técnica, com domínio de fundamentos matemáticos, estatísticos, computacionais — o que é o esperado —, mas também espero que ele tenha compreensão crítica dos impactos éticos e sociais do uso dessas tecnologias. Realmente espero ver profissionais capazes de desenvolver soluções inovadoras, mas também responsáveis”, diz Juliana.