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WhatsApp Image 2021 07 02 at 22.35.03ANDRESSA ZUMPANO/ARTICULAÇÃO DAS PASTORAIS DO CAMPOMais de 500 anos de luta ameaçados por uma decisão. O projeto de lei 490/2007, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, incita um retrocesso aos tempos de colônia na política indigenista brasileira. Desde a chegada dos europeus à América, os povos indígenas resistem às constantes tentativas de apropriação das terras que tradicionalmente ocupam. O direito desses povos à terra foi reafirmado no artigo 231 da Constituição Federal de 1988, momento marcado pelo ato do líder indígena Ailton Krenak, que pintou seu rosto com a tinta preta do jenipapo enquanto discursava no plenário da Assembleia Nacional Constituinte. Agora, o possível encaminhamento do PL 490 põe em risco os já escassos direitos territoriais então conquistados pelos povos originários do país.
“O PL 490 responde apenas a interesses imediatos, daqueles que se consideram prejudicados pela demarcação das terras indígenas e querem a todo preço modificar essas normas”, comenta João Pacheco, professor do Departamento de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ. A proposta foi apresentada em 2007 no Congresso, e recusada na época pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Retomado pela CCJ, o projeto foi aprovado por 40 votos contra 21, no último dia 23. Na ocasião, o presidente da Câmara, Arthur Lira, atrasou em três horas o início da sessão no plenário para que a discussão na Comissão não fosse suspensa. “Isso transparece a pressa com que está sendo encaminhado todo esse processo, que reflete os interesses do agronegócio”, destaca João.
Segundo ele, o projeto propicia que empresas privadas, como mineradoras, possam fazer acordos para usufruir dessas terras indígenas. “Esses espaços estarão ainda mais fragilizados perante aqueles que são totalmente contrários aos interesses indígenas”, aponta. Mesmo as terras indígenas já demarcadas são alvos recorrentes de invasões, a exemplo do território Yanomami entre os estados do Amazonas e de Roraima, onde se estima a presença de mais de 20 mil garimpeiros. “A terra é uma parte fundamental para assegurar a vida social e cultural dos povos indígenas, mas ela exige também ações de proteção dessas áreas, para impedir a invasão por parte de pessoas em busca de recursos”, completa o professor. O PL modificaria tanto os processos de reconhecimento e demarcação, quanto a forma do usufruto e da gestão dessas terras. No entanto, as populações que podem ser diretamente impactadas pela lei ainda não foram ouvidas pelas comissões.
“Esse projeto faz parte de um conjunto imenso de proposições, que busca revisar e reduzir as garantias adquiridas pelos povos indígenas no que diz respeito ao direito à terra”, explica Oiara Bonilla, professora de Antropologia e Etnologia Indígena da UFF. Ela ressalta que o PL, que contém mais de onze propostas apensadas, propõem modificar uma cláusula pétrea através da votação de uma lei ordinária no Congresso. “O interesse é modificar o artigo 231 sob o pretexto de regulamentá-lo. É um ato inconstitucional, que se utiliza de uma ficção jurídica da bancada ruralista, o marco temporal”, diz.

PRESENÇA IMEMORIAL
O conceito de “marco temporal” surgiu no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) do caso Raposa Serra do Sol, terra indígena localizada ao norte de Roraima entre os municípios de Pacaraima, Normandia e Uiramutã. “O marco temporal defende que as populações indígenas só teriam direito às terras que reivindicam se já estivessem nessa terra no dia da promulgação da Constituição. Ou seja, elas têm que provar que já ocupavam essa terra, ou batalhavam judicialmente por ela, em 5 de outubro de 1988”, conta Oiara.
Além da presença imemorial dos povos indígenas no território brasileiro, muito anterior ao Estado, há diversas contradições no argumento do marco temporal. “Se você decreta que uma terra é indígena só pela ocupação dela no momento da promulgação da Constituição, você exclui populações que foram deslocadas ou invisibilizadas historicamente”, lembra a antropóloga. Isso afetaria também todos os povos que não têm registros da sua presença no território em 1988, ou da luta travada naquela época. “Antes de 1988, os povos indígenas estavam sob tutela, então não podiam processar o Estado. E eram populações muito silenciadas, o que torna muito difícil encontrar provas materiais desses conflitos. Exigir essas provas agora é algo muito perverso”, critica.
Em 2013, a maioria dos ministros do STF apontou que a tese do marco temporal não deveria ser aplicada automaticamente em outros casos. Apesar disso, no governo Temer, a Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu o Parecer 001/2017, vinculando a decisão como válida para todos os outros casos. O Ministério Público Federal (MPF) estima que 27 processos de demarcação estão parados desde então. Contudo, em maio deste ano, o ministro Edson Fachin deferiu uma medida cautelar, que suspendeu os efeitos do Parecer de 2017. A medida cautelar é um procedimento usado pelo Judiciário para prevenir, conservar ou defender direitos.
Outro ponto que o Projeto de Lei contém é a flexibilização da política indigenista com relação aos povos isolados, ou de recente contato. “O Brasil é um exemplo na política de não contato, que foi sendo construída ao longo dos últimos 30 anos. É uma política que procura proteger as populações isoladas sem estabelecer contato com elas”, afirma Oiara. Ela ressalta o acúmulo de experiências obtido ao longo dos anos até se chegar à realização dessa política como ela é feita hoje. “Esse PL propõe modificar isso, dando direito ao Estado de contatar essas populações por motivos de saúde pública, para implementação de políticas públicas”.

AÇÃO NO STF
Os povos indígenas agora aguardam pela votação no Supremo do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que discute a reintegração de posse obtida pelo governo de Santa Catarina, que quer expulsar o povo Xokleng de uma área reivindicada pelo estado. Em 2019, o STF reconheceu por unanimidade a repercussão geral do julgamento, o que significa que a decisão que for tomada servirá como referência para todos os casos envolvendo terras indígenas no Brasil. Dessa forma, a Suprema Corte poderá garantir uma solução judicial comum para os conflitos em torno das demarcações. O ministro Fachin, que é relator do processo de repercussão geral, suspendeu até o final da pandemia de covid-19 todos processos judiciais que poderiam resultar em despejos ou na anulação de demarcações de terras indígenas.
Marcado para o dia 30 de junho, o julgamento do RE 1.017.365 precisou ser adiado. “Outros processos tiveram prioridade na sessão, mas o presidente do STF, ministro Luiz Fux, disse que este processo de repercussão geral retornará à pauta em agosto”, informou Luiz Eloy Terena, assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em vídeo pelo Instagram. O advogado indígena é um dos autores da carta “Levante Pela Terra”, entregue pela APIB no dia 22 de junho ao ministro Luiz Fux, que aponta a inconstitucionalidade do PL 490. “Seguimos juntos na mobilização contra o marco temporal, reafirmando o direito originário dos povos indígenas aos seus territórios tradicionais”, declarou Eloy Terena.
No momento, o PL 490 aguarda votação no plenário da Câmara, que também deve ocorrer em agosto, após o recesso do Congresso Nacional. Enquanto isso, a luta é protagonizada por indígenas dentro e fora do parlamento. Joenia Wapichana (Rede-RR), primeira deputada federal indígena no Brasil, é a principal representante dos povos originários na política. Simultaneamente, indígenas de diferentes povos realizam manifestações diárias em frente ao Congresso e em todo o país. No dia 22, véspera da aprovação do PL pela CCJ, a Polícia Militar de Brasília reprimiu violentamente um dos atos, deixando mais de dez feridos.

WhatsApp Image 2021 07 02 at 22.33.31Divulgação/MTST“Está havendo uma piora muito grande das condições de vida das famílias que participam do MLB. A quantidade de famílias que está à beira de ir para a rua aumentou muito”, contou Paula Guedes, coordenadora do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) no Rio. Desde março do ano passado, o MBL tem procurado ajudar famílias em situação de maior vulnerabilidade, através de redes de solidariedade.
As redes recolhem doações em dinheiro ou alimentos, e distribuem para as famílias assistidas. “O número flutua mês a mês, mas nunca atendemos menos de 60 famílias. Varia de acordo com o quanto arrecadamos. Chegamos a atender 200 famílias em um mês”, relatou. As redes do MBL do Rio atuam na capital, em Macaé, Duque de Caxias, Niterói e São Gonçalo. “A divulgação dessas redes de solidariedade é importante. A situação das famílias é grave, e muitas contavam com um auxílio emergencial que não veio em 2021”.

COZINHA SOLIDÁRIA
Outra iniciativa que tenta mitigar os efeitos socioeconômicos da pandemia são as cozinhas solidárias do MTST. Uma delas funciona em São Gonçalo. O projeto já existia nas ocupações do MTST, com algumas experiências pontuais. A cozinha de São Gonçalo funciona desde 2017 e, em março deste ano, ela foi reformulada como uma cozinha solidária. “Começamos a fazer cozinhas solidárias em 2020, oferecendo pelo menos uma refeição por dia, cinco dias na semana”, explicou Danilo Pereira, coordenador do MTST no Rio de Janeiro. “Tentamos fazer deste trabalho de combate à fome uma linha de atuação política do MTST”.
A cozinha serve entre 300 e 350 almoços por domingo, e 120 cafés da manhã por dia, de segunda a sexta. “Quando começa a pandemia, e o auxílio emergencial ainda não existia, a demanda por refeições dobrou”, contou Danilo. O objetivo agora é fazer a cozinha crescer. “O principal desafio é consolidar uma rede de abastecimento segura e estável para as cozinhas”, explicou o coordenador. O próximo passo é a inauguração de uma cozinha solidária na Lapa, construída e mantida em parceria com o Movimento Unido dos Camelôs (MUCA).
A cozinha funciona com doações e trabalho voluntário — a AdUFRJ fez uma doação para a iniciativa em março. Nas duas últimas assembleias da AdUFRJ, os professores aprovaram doações para o movimento e no último encontro foi aprovado por unanimidade que a proposta seja abraçada também pelo Andes. Para o diretor da AdUFRJ, Josué Medeiros, a doação deveria ser acompanhada do trabalho voluntário dos professores na cozinha. “Eles também precisam de mão de obra, e é nossa intenção mobilizar a nossa categoria, quando a pandemia estiver melhor. Acho que muita gente vai se interessar em participar”, contou. Na opinião de Josué, o trabalho voluntário dos professores aprofunda a ajuda à iniciativa. “É um jeito de criar uma dinâmica militante. O sindicato tem um papel de representação, mas pode ter também um papel mobilizador”.

Leia mais: Vacina começa a chegar no braço; comida não chega ao prato

WhatsApp Image 2021 06 24 at 19.57.05 1"O problema não veio do nada, trabalhamos estes 20 anos com dificuldades”, conta Regina Dalcastagnè, editora-chefe da recém encerrada revista Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, da Universidade de Brasília (UnB). A trajetória do periódico, que possui conceito A1 na Capes, terminou por falta de financiamento no fim de maio. “Em alguns momentos a gente teve financiamento da Capes e do CNPq, o que dava uma desafogada e seguíamos o trabalho”, lembra. A asfixia financeira que fechou a revista e ameaça outros periódicos no país foi agravada de 2019 para cá: em 2018, foram R$ 4 milhões para as publicações, mas o valor caiu para R$ 1 milhão em 2019 e, em 2020, não houve sequer chamada para financiamento.

No caso da revista da UnB, devido ao árduo trabalho desenvolvido pelos voluntários da revista, ela se profissionalizou ao patamar mais alto entre as publicações científicas brasileiras. “Muita gente tem interesse em publicar numa revista mais conceituada. Tudo isso vai gerando mais trabalho, e nos últimos anos o que a gente viu foi o financiamento se extinguir definitivamente”, afirma. “Sempre trabalhamos gratuitamente, mas precisávamos do mínimo para manter alguns profissionais”, completa.
Para sustentar as publicações quadrimestrais, o periódico precisa pagar alguns serviços técnicos, explica Regina. “Temos que pagar alguém para fazer a secretaria da revista, a pessoa que faz o meio de campo entre os autores e editores. Também um revisor de texto, a revista precisa ter um padrão de revisão, e de tradução para outras línguas, como inglês e espanhol”. Ainda é necessário contratar um profissional para a diagramação da revista e, por fim, a transcrição para o XML, linguagem própria exigida pela Scielo, o principal indexador do país, que abriga a revista. Segundo Regina, “nada é abusivamente caro”, mas sem esses profissionais é impossível trabalhar. “A gente resiste, trabalhamos muito tempo com o mínimo, sem apoio, mas tem uma hora que a gente precisa refletir se é por aí”, conta a editora.
“Conversei com editores de outras revistas de diversas áreas, e a situação está muito difícil para todos”, relata. “Estão todos estrangulados, com uma dificuldade imensa para continuar existindo. Não é pontual, é uma sensação geral”, assegura.

DECISÃO POLÍTICA
Em manifesto sobre a situação dos periódicos científicos brasileiros (veja a íntegra abaixo), a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Academia Brasileira de Letras (ABL), a Academia Nacional de Medicina (ANM) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) denunciaram que a falta de investimentos é uma escolha política, e não econômica.
“Essa situação alarmante, que prejudica e inviabiliza revistas científicas, decorre do fato de que não estão sendo mais realizados os editais de financiamento para a editoração e publicação de periódicos científicos brasileiros de alta especialização em todas as áreas de conhecimento, pelas agências de fomento CNPq e Capes, como ocorria em anos anteriores”, explica o manifesto.
Para Luiz Davidovich, presidente da ABC e professor do Instituto de Física da UFRJ, esses cortes são parte de um projeto para destruir a Ciência e a cultura no país. “Essas revistas ganharam presença e importância no cenário nacional através de décadas de trabalho, demoraram anos para se estabelecerem”, lembra. “Em 2020 não houve chamada, é um processo de morte que está ameaçando essas revistas. Isso é ir contra um esforço que levou décadas para construir prestigio. As revistas têm um papel muito importante na afirmação da Ciência e da cultura no pais”, afirma.
Davidovich acredita que é muito fácil resolver o problema de financiamento, pois se trata de recursos mínimos se comparados ao orçamento brasileiro. “Nós estamos falando de recursos que são pequenos. Em 2018, era um total de R$ 4 milhões. Se pensar nos recursos que estão sendo valorados pelo país? Por exemplo, o total da dívida pública é da ordem de R$ 5 trilhões. O que representam R$ 4 milhões nisso?”, reflete. “Isso parece uma decisão politica, e não econômica. O que preocupa mais ainda”, completa.
Ildeu Moreira, presidente da SBPC, concorda com o colega. “São recursos de ordem pequena para a Capes e o CNPq. É uma desculpa não fazer o edital nesse ano”, afirma. “Atualmente, o país gasta cerca de R$ 300 a 400 milhões para adquirir direitos de periódicos internacionais, mas não dedica nem 1% desses recursos para as revistas nacionais”, critica. Para Ildeu, o edital é fundamental para o país. “Para manterem revistas de qualidade. Algumas revistas foram tão bem que conseguiram contatos internacionais para se manter. É um processo de afirmação dos periódicos nacionais”, define.
PORTAL DA UFRJ
O Portal de Revistas da UFRJ (https://revistas.ufrj.br) abriga as revistas científicas eletrônicas produzidas na universidade. É uma iniciativa institucional, alinhada aos princípios do Acesso Aberto e possui como objetivo promover o acesso, a visibilidade, a segurança e o suporte aos editores dos periódicos científicos da Instituição. Não envolve custos, pois o Portal de Periódicos Eletrônicos foi idealizado e implementado pela pró-reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (PR-2), em conjunto com os editores das revistas dos Programas de Pós-graduação da UFRJ, com o apoio da Superintendência de Tecnologia da Informação e Comunicação (SuperTIC) e do Sistema de Bibliotecas e Informação (SiBI).
São, ao todo, 68 revistas científicas correntes, editadas pela comunidade universitária, nas várias áreas do conhecimento, e a maioria delas, que possuem conceito A ou B, está também indexada no Portal Capes de Periódicos. Segundo Paula Mello, coordenadora do SiBI, os periódicos não correm risco porque estão num servidor da universidade. “São editados e preparados pelo pessoal da casa. Os periódicos que correm risco de fechar pagam servidor externo, dependem de financiamento”, explica. O Portal de Revistas utiliza o Open Journal Systems (OJS 2.4.8.5), sistema de código livre gratuito para administração e publicação de revistas desenvolvido com suporte e distribuição pelo Public Knowledge Project sob licença GNU (General Public License).

MANIFESTO SOBRE A SITUAÇÃO DOS PERIÓDICOS CIENTÍFICOS

A Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Academia Brasileira de Letras (ABL), a Academia Nacional de Medicina (ANM) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), entidades que procuram contribuir sempre para o desenvolvimento científico e tecnológico do país, para a educação e para a cultura brasileira, manifestam sua grande preocupação com a falta de recursos financeiros para periódicos científicos brasileiros e com as notícias recentes sobre o fechamento de revistas científicas e sobre situações de descontinuidade em muitas outras.
Nas revistas científicas de diferentes áreas de conhecimento são apresentados resultados de pesquisas, observações e análises relativas a acontecimentos e fenômenos na natureza e na sociedade, experiências e propostas inovadoras, novas ideias, teorias e modelos. A partir da interação entre os autores e seus pares o conhecimento científico progride. As revistas científicas têm, portanto, grande importância uma vez que, sem essa comunicação, a Ciência não avança. Nossas entidades têm conhecimento de que diversas revistas científicas nacionais estão sofrendo sérias restrições com a falta de financiamento e até paralisando suas atividades, sendo que muitas estão classificadas, em suas áreas, com as avaliações mais elevadas do sistema Qualis da Capes.
Essa situação alarmante, que prejudica e inviabiliza revistas científicas, decorre do fato de que não estão sendo mais realizados os editais de financiamento para a editoração e publicação de periódicos científicos brasileiros de alta especialização em todas as áreas de conhecimento, pelas agências de fomento CNPq e Capes, como ocorria em anos anteriores. A Capes, que anteriormente aportava recursos para essa atividade essencial para a pós-graduação, considerando que tanto os programas como os pesquisadores individuais são avaliados pela sua produção científica publicada em revistas especializadas, interrompeu o seu apoio. Ela mantém, e é essencial que continue a fazê-lo, o Portal de Periódicos que abarca periódicos do exterior. A Chamada de 2019 do CNPq, para periódicos científicos brasileiros, teve apenas R$ 1 (um) milhão de reais, enquanto que, na Chamada de 2018, foram destinados R$ 4 milhões (R$ 2 milhões provenientes do CNPq e R$ 2 milhões da Capes). A Chamada de 2020 simplesmente não existiu. Tem havido, claro, redução de recursos para estas agências, mas isto não oferece uma justificativa plausível para a suspensão destas chamadas, porque trata-se de uma questão prioritária e os recursos necessários são relativamente pequenos.
As entidades signatárias solicitam às agências federais de fomento, CNPq e Capes, e poderia ser articulado também um apoio das fundações estaduais de Amparo à Pesquisa, providências emergenciais para resolver essa demanda crucial para a Ciência brasileira. Ao mesmo tempo, reafirmamos categoricamente que, sem recursos adequados para o fomento à pesquisa, sem bolsas para estudantes de graduação e de pós-graduação e para pesquisadores, sem apoio à infraestrutura das instituições de pesquisa e, também, sem revistas científicas, a ciência brasileira tenderá ao esgotamento. Sem revistas científicas não haverá Ciência e a cultura brasileira ficará empobrecida.

Luiz Davidovich
Presidente da Academia
Brasileira de Ciências (ABC)

Marco Lucchesi
Presidente da Academia
Brasileira de Letras (ABL)

Rubens Belfort Mattos Jr
Presidente da Academia Nacional de Medicina (ANM)

Ildeu de Castro Moreira
Presidente da Sociedade
Brasileira para o Progresso
da Ciência (SBPC)

Linha de frente no combate à pandemia, as universidades providenciaram leitos hospitalares para o tratamento dos pacientes com covid-19, participam da vacinação, realizam pesquisas e testam a população. Mas, como mostra esta segunda reportagem da série em que o Jornal da AdUFRJ aborda as dificuldades financeiras das instituições, o esforço não é reconhecido pelo governo federal. Pelo contrário. Elas são punidas com cortes que, num futuro muito próximo, podem comprometer todas essas ações.

A Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói (RJ), contava com R$ 275 milhões (valor corrigido pela inflação) em 2014 para manter e expandir as atividades acadêmicas e administrativas. Em 2021, o valor despencou quase para a metade: R$ 146,5 milhões. Apenas do ano passado para cá, o orçamento da instituição foi subtraído em R$ 32,9 milhões.
WhatsApp Image 2021 06 24 at 19.57.00 2Foto: Assessoria de Comunicação UFF“Para nós, esse corte corresponde a três meses de funcionamento. Dezembro, novembro e outubro foram para o espaço”, critica o pró-reitor de Planejamento, professor Jailton Gonçalves. Um drama que se estende para a folha de pessoal. “O recurso aprovado na Lei Orçamentária só dá até setembro. Se não sair uma suplementação do governo, não teremos como pagar salários”, completa.
E cada centavo é importante para uma instituição gigantesca como a UFF. São 45.358 alunos na graduação e 9.165 pós-graduandos, segundo os últimos dados oficiais (de 2019). Eram 40.941 graduandos e 5.621 estudantes na pós-graduação há sete anos. A UFF mantém campi espalhados por todo o estado do Rio e mesmo em outros estados. Há um campus na longínqua Oriximiná, no Pará.
Sem dinheiro para o básico, já é possível imaginar o prejuízo para as várias atividades desenvolvidas pela UFF no combate ao novo coronavírus. “Muitos grupos de pesquisa e de extensão responderam à pandemia. Com fabricação de máscaras e face shields, produção de álcool em gel e álcool 70% distribuídos para os hospitais da região e para nosso próprio uso. Constituímos um centro de testagem de PCR e fizemos um inquérito sorológico para avaliação da presença ou contato com o vírus na comunidade”, afirma o reitor da UFF, professor Antonio Claudio.
E não foi só. “Atuamos no comitê científico de municípios, particularmente em Niterói. Tivemos ações de solidariedade, com distribuição de cestas básicas aos mais vulneráveis, buscamos tratamentos e alternativas terapêuticas. O Hospital Universitário Antônio Pedro está atendendo covid-19 também, mas não como exclusivo. Colocamos toda a nossa frota de ônibus para transportar os profissionais do hospital”, acrescenta. “Os cortes podem afetar todas essas ações”, completa o dirigente.WhatsApp Image 2021 06 24 at 19.57.01Foto: Assessoria de Comunicação UFF

IMPACTO SOCIAL
A reitoria teme que as contas da universidade voltem a ficar no vermelho com o mais recente tombo orçamentário. A atual gestão assumiu a universidade, em novembro de 2018, com uma dívida de R$ 76 milhões. “Tivemos de fazer um exercício muito grande para corrigir esse problema. Começamos a cortar nos contratos de empresas terceirizadas. Sabemos do impacto social, mas infelizmente não conseguiríamos avançar, se não tivéssemos feito essa redução”, esclarece o pró-reitor de Planejamento. Na revisão dos contratos, aproximadamente 900 postos de trabalho foram eliminados, ao longo dos últimos três anos.
Hoje, o dirigente acredita que o esforço para liquidar o passivo — o que acabou ocorrendo no início de 2021 — deu o “fôlego” necessário para enfrentar este momento. Por enquanto, sem cortar em outras áreas. “Na área acadêmica, mantivemos os programas de apoio. Estamos sobrevivendo com os recursos que, obviamente, são insuficientes. A ‘sorte’ é que estamos em serviços online”, diz Jailton.
Mas o dirigente observa que os contratos, mesmo revisados, sofrem reajustes todo ano. “Tudo isso aumenta. Só não aumenta o orçamento da universidade. Vai chegar a um ponto em que eu não posso mais ajustar”, afirma. “Todas as pró-reitorias estão em regime de contenção total. Só atendemos ao emergencial”.
WhatsApp Image 2021 06 24 at 19.57.02Se preservar o funcionamento mínimo está difícil, expandir a universidade parece um sonho distante. Em 2014, a UFF contava com uma verba de R$ 61,5 milhões para investimento (R$ 87,3 milhões, em valor corrigido pela inflação). Em 2021, o valor caiu para R$ 4,1 milhões.
A solução tem sido apelar para a criatividade. Um exemplo foi articular a cessão de uso do cinema da instituição, o Cinema Icaraí, para a Prefeitura de Niterói, por um período de 40 anos. Em troca, além da reforma do espaço, o município vai concluir a obra do novo Instituto de Artes e Comunicação Social. “O prédio deve ser entregue em meados do ano que vem”, explica Jailton.
Para reverter os cortes, o reitor da UFF considera três frentes: pressão no MEC via associação dos reitores (Andifes), a negociação com parlamentares e a conscientização da população sobre o papel das universidades. “Temos de divulgar o impacto do prejuízo diretamente para a sociedade. Existem as ações imediatas e as ações de produção de conhecimento, que são fundamentais para enfrentar todas as dificuldades do dia a dia, incluindo o combate à covid-19”, diz o professor Antonio Claudio. “Tornar isso uma narrativa da população e não só de quem trabalha nas universidades é um objetivo importante”, conclui.

WhatsApp Image 2021 06 24 at 19.57.05O Laboratório de Comunicação Publicitária Aplicada à Saúde e à Sociedade (Compasso) da Escola de Comunicação da UFRJ (ECO) iniciou em 24 de maio a campanha #ProntosPraEssaConversa, que aborda a prevenção da gravidez na adolescência e a importância do debate sobre educação sexual entre os jovens. Nas redes sociais, a ideia da campanha é promover o diálogo entre quatro personagens fictícios, Edu, Lia, Rafa e Nanda, adolescentes de diferentes realidades, que vivenciam suas primeiras experiências com a sexualidade. A campanha foi realizada exclusivamente pelos alunos do Compasso, e está sendo veiculada pelos canais oficiais da Prefeitura de Niterói, especialmente o @curtoniteroi no Instagram.
Em abril de 2020, o professor e coordenador de graduação da ECO, Sandro Tôrres, decidiu tomar a iniciativa de um projeto que há muito sonhava. “Dou aula de Publicidade faz tempo, e também trabalhei com campanhas governamentais. Algo que sempre me chamou atenção é que as campanhas dos governos são muito ruins no ponto de vista técnico, conceitual”, conta. O Compasso é uma iniciativa que se divide em duas etapas: uma em que os extensionistas analisam e criticam as campanhas governamentais, e a partir dos erros identificados, a segunda etapa é propor uma solução criativa para abordar o mesmo assunto. Em 2020, o tema escolhido pelos primeiros 24 alunos do projeto foi a prevenção sexual de jovens e adolescentes.
“Escolhemos democraticamente, em uma decisão coletiva, porque no ano passado o governo fez uma campanha de prevenção à gravidez na adolescência baseada em abstinência sexual. Nenhum país do mundo faz campanhas assim. Desde o século XIX se sabe que o adolescente faz tudo que você fala para fazer, só que ao contrário”, explica Sandro. O grupo ficou horrorizado com a qualidade das propagandas veiculadas tanto pelo Ministério da Saúde, quanto pelas secretarias dos estados e municípios. “O governo prega a ideia que a mulher é culpada, demonizando as meninas. Campanhas com o fundo preto, a cara escondida, segurando a barriga como quem estava grávida e pensando: acabou a minha vida”, conta.
Os extensionistas foram divididos em várias equipes e, de maio a outubro, se propuseram a diagnosticar o problema. “Fomos atrás de artigos, teses, dissertações, tudo o que foi publicado em várias áreas sobre a questão da gravidez precoce. Junto a isso começamos a entrevistar pessoas de diversas áreas, psicólogos, professores, saúde coletiva”, lembra o orientador. O Compasso também realizou uma pesquisa online com adolescentes, que obteve mais de duas mil respostas. “Mais de 90% dos adolescentes gostariam de ter mais educação sexual nas escolas, e mais de 80% têm como principal fonte de informação sobre sexualidade a internet e os amigos. Vimos que o problema é bem sério, não fica só na saúde biológica”, conta Sandro.
Em dados gerais, entre cada quatro adolescentes que são mães no Brasil, três são pretas, pobres e periféricas. No mundo, entre 1.000 adolescentes, 44 são mães. Segundo o IBGE, no Brasil, para cada 1.000 adolescentes, 59 são mães. “O problema é bem mais sério do que se possa imaginar, principalmente porque a gravidez precoce tem consequências futuras, deixando a mulher num ciclo vicioso de pobreza. Ao serem mães, elas não estudam e não conseguem trabalhos bem renumerados”, explica o professor.
Para o aluno Bernardo Yoneshigue, que integra o projeto desde o princípio, foi quando o grupo conversou com adolescentes, pais, mães e representantes da Educação que puderam entender como o problema da gravidez precoce é enraizado na sociedade. “Tínhamos noção da importância desse tema pelos altos números de gravidez na adolescência no Brasil”, explica. “Uma série de fatores leva a essa situação, como a falta de acesso à educação sexual, a falta de abertura para o assunto dentro de casa e nas escolas. Entendemos que tinha que ser uma campanha que oferecesse os elementos necessários para que o jovem pudesse entender por si só”, completa.
A principal abordagem do projeto é nas redes sociais, no Instagram, Twitter, Spotify e Blog. “Optamos pelas redes sociais pelo público-alvo, mas também pela mão de obra. Somos todos extensionistas, não recebemos nada. Tudo é feito no braço e no amor. Escolhemos ter um conteúdo gratuito em uma plataforma gratuita”, conta. Os estudantes decidiram usar personagens fictícios para facilitar o diálogo com os adolescentes. “Estávamos pensando em como a campanha poderia abordar esses assuntos e não ser tão desconectada do emocional. Queríamos criar situações com as quais os jovens pudessem se identificar, as que ouvimos de vários jovens, e que a gente pudesse mostrar como se prevenir”, disse Bernardo.
O Compasso não conta com apoio financeiro, e está em busca de parcerias para divulgar a campanha pelo Brasil. Atualmente, 32 alunos fazem parte da iniciativa, que é coordenada pelos professores Sandro Tôrres e Luciana Freire Murgel.

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