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WhatsApp Image 2021 08 14 at 08.45.33LUIZ FERNANDO ROJO, pesquisador de Antropologia do EsporteNas Paralimpíadas do Rio, na semifinal de uma modalidade chamada futebol de sete e voltada para atletas com paralisa cerebral, a seleção brasileira foi goleada pelo Irã por cinco a zero. Parte da torcida, provavelmente sem saber que o time iraniano é fortíssimo no esporte, vaiou os jogadores brasileiros. O curioso é que alguns atletas, especialmente os mais veteranos, ficaram satisfeitos com a vaia: a torcida não os tratava mais como coitados.
Quem conta essa história é o professor Luiz Fernando Rojo, da Universidade Federal Fluminense, e pesquisador de Antropologia do Esporte desde 2006. “Eles estavam felizes porque havia uma mudança de comportamento da torcida, que os estava tratando como atletas”, explicou. “Se ganham, serão aplaudidos; se perdem, serão vaiados”.
Luiz Fernando Rojo pesquisa atletas de esportes adaptados desde 2014 e é coordenador da Comissão de Antropologia dos Esportes da International Union of Anthropological and Ethnological Sciences.
Em 24 de agosto começam os Jogos Paralímpicos de Tóquio, e o Jornal da AdUFRJ foi conversar com o pesquisador sobre a importância do esporte adaptado para os atletas e para a sociedade, as possibilidades de ascensão social para pessoas com deficiência e como um projeto de inclusão e estímulo ao esporte pode ser arruinado por falta de investimento.

Jornal da AdUFRJ – Quais são as principais semelhanças e diferenças entre atletas de esportes convencionais e de esportes adaptados?
Luiz Fernando Rojo – Para responder essa pergunta é importante frisar que são todos atletas. A grande diferença é que o esporte adaptado só muito recentemente deixou de ser um esporte exclusivamente de reabilitação. Hoje, trata-se um esporte em vias de profissionalização e de busca de alto rendimento, processo que ainda não atingiu todas as pessoas, com todos os ganhos e todos os problemas decorrentes disso. Porque com isso o esporte começa a ser sujeito ao doping, começa ser sujeito a um nível de esforço corporal muito além do que o nosso corpo é capaz de suportar sem danos. Os ganhos são financeiros, sociais e simbólicos. Uma das semelhanças é a dificuldade dos atletas em conseguir apoio e patrocínio.

Nas últimas três Paralimpíadas, o Brasil esteve entre os dez primeiros países no quadro de medalhas. Quais são as explicações para sermos uma potência paralímpica?
São muitas explicações diferentes. Temos no Brasil 20% da população com algum grau de deficiência. Estamos falando de aproximadamente 42 milhões de pessoas, o que é uma quantidade muito alta. Soma-se a isso um dado que é bastante relevante: ao contrário de outros países, que poderiam ter um desempenho esportivo equivalente ao nosso, no caso do Brasil, o esporte — assim como acontece também no esporte convencional — acaba sendo um dos poucos locais em que pessoas com deficiência podem ter algum retorno social, algum tipo de inserção real dentro da nossa sociedade. E há também as políticas públicas. A lei Agnelo Piva, de 2001, transfere para os Comitês Olímpicos e Paralímpicos uma porcentagem da arrecadação das loterias federais. O governo Lula criou a Bolsa Atleta e a Bolsa Pódio. O esporte passou a ter algo que nunca teve —  que não é apenas ter dinheiro. É ter planejamento, algo muito importante em qualquer prática de alto rendimento. Paralelamente, o esporte paralímpico no mundo passou por um processo de profissionalização e investimento na estrutura dos jogos. No esporte convencional, a defasagem de investimento do Brasil é muito maior do que no esporte adaptado.

O esporte acaba sendo o caminho mais fácil para uma ascensão social?
Exatamente. Certa vez, entrevistei um rapaz que tinha sido convocado para a equipe da seleção sub-18 de futebol para pessoas com paralisia cerebral. Com isso, ele passou a ganhar uma faixa superior do Bolsa Atleta. Ele me contou que sempre se viu e foi visto, em todos os lugares, como “o torto, o aleijado”, aquela pessoa que é um problema, um peso para a família. A mãe era doméstica, o pai fazia serviços gerais. Ele então sempre se viu como um peso para a família em todos os lugares. Naquele dia ele me mostrou as medalhas e contou da convocação, e como ela faria com que a sua renda passasse a ser a mais alta da família. Ou seja, o “torto”, o “aleijado”, o “pobrezinho” é quem passaria a ajudar a família a ter uma vida um pouco melhor. Olha o impacto que é! Não só medalhas na televisão, mas como impacta a vida de uma quantidade de jovens em idade escolar com deficiência, que podem ir transformando a sua vida pouco a pouco. Impacto econômico, social e de autoestima.

É muito comum que todo mérito paralímpico seja contado a partir da superação da deficiência. Esse discurso atrapalha?
Sim, e os atletas odeiam esse discurso. Isso aparece muitas vezes no esporte convencional, como “o rapaz que surfava na tampa de isopor”. O esporte paralímpico é um prato cheio para isso. Os atletas veem de forma muito negativa porque acaba desviando do que é importante para eles. Eles são pessoas com deficiência que praticam esporte, ou são atletas que têm deficiência? Quando você deixa de definir o que eles são pela deficiência, e passa a dizer o que eles são pelo que fazem, é o primeiro passo para cessar essa lógica da historinha de superação. Porque você começa a focar na parte atlética, no rendimento. Não estamos todos nós nos superando de alguma forma? Estamos dando aula na pandemia, você sendo jornalista na pandemia. Quem faz um bom trabalho está se superando. Essas pessoas são profissionais do esporte, atuando como tal. Quando estamos lidando com atletas de alto rendimento, estamos lidando com um profissional. Pensar desta forma coloca em outra dimensão essa questão da superação.

E agora esse ciclo virtuoso está em risco por falta de investimento?
Sim. A primeira coisa que o Bolsonaro fez foi extinguir o ministério dos Esportes. Embora a verba para os comitês esteja garantida por lei, toda a política de bolsas e demais programas esportivos que foram criados no governo Lula acabaram. 2024 ainda vai herdar o trabalho que foi feito, mas em 2028 vai ser cobrada a conta do que não foi investido nos últimos seis anos.

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