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WhatsApp Image 2021 08 20 at 13.35.45MARIA ABREU
professora do IPPUR/UFRJ

 

 

 

WhatsApp Image 2021 08 20 at 13.35.45 2DANIEL CONCEIÇÃO
professor do IPPUR/UFRJ e presidente do Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento (IFFD)

 

 

WhatsApp Image 2021 08 20 at 13.35.45 1PAULO REIS
professor do IPPUR/UFRJ

 

 

 

A PEC nº 32/2020, chamada de PEC da reforma administrativa e enviada ao Congresso em 03/09/2020, já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e atualmente se encontra na Comissão Especial, de onde segue para votação no plenário.
Em relação ao texto inicial houve alguns recuos, como no ponto que estabelecia novos princípios para a administração pública e no que dava poderes exorbitantes ao presidente da República para extinção de entidades da administração pública autárquica e fundacional por meio de decreto. No entanto, esses parecem ser apenas alguns dos bodes na sala. O pressuposto de seu texto é que a administração pública é ineficiente e que o servidor público é o principal problema. E não é difícil perceber que esse pressuposto não foi alterado ao longo da tramitação. Basta observar que as desigualdades injustas entre algumas carreiras do próprio Serviço Público, como as jurídicas e as militares, são timidamente enfrentadas.
WhatsApp Image 2021 08 20 at 13.16.48Foto: Fernando Souza/AdUFRJNão há dúvidas de que os serviços prestados pelo Estado brasileiro devam ser aperfeiçoados e de que reformas sejam necessárias. Mas qual seria o ponto de partida para o aperfeiçoamento? No atual contexto, em que vigora um teto de gastos estabelecido pela Emenda Constitucional nº 95/2016, em que ainda estamos numa pandemia cujos efeitos sociais e econômicos são inestimáveis e que estamos dia a dia reagindo contra arbitrariedades e acompanhando quedas de ministros e desrespeitos contínuos e sistemáticos à civilidade democrática?
O contexto da pandemia de covid-19 colocou para o Estado brasileiro o desafio de manter-se de pé apesar de governantes incompetentes, despreparados, pouco inteligentes e/ou desonestos. As instituições que deveriam organizar a sociedade para enfrentar a pandemia produziram caos e oportunismo, como está sendo verificado nos depoimentos e documentos levantados pela CPI da Pandemia, no Senado.
Para aprofundar o quadro de instabilidade, vivemos, desde o golpe de 2016, um ambiente de revisões de decisões judiciais e de acontecimentos políticos relevantes ocorridos de forma tão inédita e impassíveis de serem qualificados como legítimos, que toda a nossa estrutura jurídica, política e econômica, vem se equilibrando em bases bem frágeis.
Neste contexto, pretende-se alterar a configuração do Serviço Público brasileiro. Ainda que, do ponto de vista salarial, direitos adquiridos sejam respeitados, com mudanças na forma de recrutamento dos servidores e a convivência de diversos regimes de trabalho para o desempenho de funções semelhantes, os ambientes de trabalho que atualmente funcionam bem podem ser desestruturados.
Para supostamente resolver o problema de gestão de pessoas no setor público e da imobilidade, que resultariam num Estado ineficiente, a reforma prevê cinco tipos de vínculos do servidor público, que ameaçam o instituto da estabilidade conquistada no contexto de democratização e representam riscos de retrocessos históricos:
1) Cargo típico de Estado é o único vínculo que preserva a estabilidade do servidor, com garantias, prerrogativas e deveres diferenciados. Contudo, será um vínculo restrito ao pequeno grupo de servidores que tenham como atribuição o desempenho de atividades que são próprias do Estado, mas que não se pode dizer exatamente quais são.
2) Cargo por prazo indeterminado é o vínculo que elimina a estabilidade dos servidores e amplia o espaço para precarização do trabalho no Serviço Público. Afinal, não se sabe exatamente quais carreiras estarão sujeitas a esse vínculo, mas sabe-se que será a maioria dos servidores, incluindo os trabalhadores da Saúde, Educação e Assistência Social.
3) Cargo por prazo determinado. Esse vínculo não é uma novidade, seja no governo federal, com as contratações de professores substitutos nas instituições de ensino, ou nos municípios, onde esse tipo de contratação atinge diversas áreas, haja vista as muitas decisões judiciais determinando a realização de concursos para cargos que são ocupados por contratações temporárias.
4) Vínculo de experiência, não se trata de um novo cargo, mas só aumenta a insegurança do trabalhador, pois adiciona mais uma etapa ao concurso público — sem definir o prazo máximo desta etapa, tanto para carreiras típicas de Estado quanto para carreiras que não são típicas, em que os candidatos aprovados nas etapas anteriores competirão pelas vagas. Se reconhecermos que as avaliações atuais são insuficientes, por quais razões o vínculo de experiência estaria imune aos problemas existentes?
5) Cargo de liderança e assessoramento. Na prática, esse tipo de vínculo já existe com os cargos em comissão e funções de confiança para atribuições de direção, chefia e assessoramento. Porém esse vínculo também apresenta riscos, já que a PEC não definiu os critérios para ocupação desses cargos.
Apontar os riscos de retrocessos não se trata de fincar uma posição conservadora contra qualquer mudança, mas estamos em um estado de emergência, em que o Serviço Público tem sido um dos poucos pontos de estabilidade a evitar o caos completo.
Lembremos, incansavelmente, do papel da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Butantan na organização da contratação, da importação de insumos e da produção de vacinas. Lembremos das sucessivas homenagens feitas aos servidores públicos da Saúde e da Assistência, nos níveis municipal, estadual e federal, durante a pandemia. Lembremos dos servidores da Educação que, abruptamente, tiveram que se preparar e adaptar para uma modalidade de ensino emergencial que evidencia as condições desiguais dos seus estudantes e pode aprofundar o abismo social da Educação no Brasil.
Finalmente, lembremos que a facilidade com que o governo brasileiro praticou o maior déficit primário de sua história em 2020, ao mesmo tempo em que fez cair o custo médio de sua dívida, é prova irrefutável de que é mentiroso o discurso governista de que o Estado brasileiro enfrenta dificuldades para obter o dinheiro com que faz seus pagamentos e, portanto, precisa controlar e/ou reduzir os gastos com a remuneração de seus servidores. O governo federal realizou seus pagamentos em 2020 como sempre fez: criando mais moeda. Simplesmente não faz sentido imaginar que um Estado que faz pagamentos criando moeda possa esgotar, verdadeiramente, as fontes de financiamento dos seus gastos.
Diante desse contexto, cabe nos perguntarmos: qual a urgência de aprovar uma reestruturação tal como a pretendida pela PEC nº 32/2020? Como as medidas contidas na proposta contribuem exatamente para a continuidade/avanço dos serviços públicos e redução das desigualdades? Qual o compromisso do proponente da reforma com a melhoria das políticas públicas e com os servidores públicos?
Sem respostas para essas e outras questões importantes, a pretensa reforma administrativa mais parece uma reforma trabalhista do setor estatal. Não foram apresentadas evidências confiáveis de qual será, exatamente, o ganho com essa reforma. Temos de lutar para que ela não destrua o pouco que já temos e conquistamos.

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