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Beatriz Coutinho e Silvana Sá

WhatsApp Image 2021 12 10 at 20.28.25Isis Nem de Oliveira Souza, autora da tese premiada

É da UFRJ uma das três melhores teses do Brasil, em 2021, eleita pelo Grande Prêmio Capes de Teses. Isis Nem de Oliveira Souza foi a vencedora do Grande Prêmio Carlos Chagas Filho, oferecido ao Colégio de Ciências da Vida, Agrárias, Biológicas e da Saúde. Doutora egressa do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas, ela desenvolveu uma pesquisa sobre as consequências neurológicas da infecção por Zika vírus em camundongos neonatos e adultos. Sua investigação antecipou possíveis consequências tardias da infecção pelo vírus principalmente em crianças – mesmo aquelas que não apresentavam microcefalia – depois do primeiro ano de nascimento. A tese foi defendida em dezembro de 2020 e diferentes artigos ao longo do estudo foram publicados em revistas científicas renomadas, como Science e Nature.
Isis conta que sua hipótese inicial era o aumento do risco de bebês recém-nascidos desenvolverem doenças neurodesenvolvimentais, como a esquizofrenia. Para a investigação, ela desenvolveu o estudo em camundongos. Bem no início da pesquisa, a jovem cientista percebeu alterações motoras nos animais. “Mostrei para minhas orientadoras, e a Gilda [Neves. co-orientadora] falou que eles estavam convulsionando”, explica Isis. O estudo acabou caracterizando a epilepsia e as mudanças de longo prazo causadas pelo Zika. “Anos depois, em artigos publicados, vimos que nossas previsões parecem estar bem corretas. Realmente há risco de algumas alterações a longo prazo nesses bebês, como prejuízo no desenvolvimento motor, social, de linguagem e alta incidência de epilepsia”, afirma.
A orientadora Julia Clarke, professora da Faculdade de Farmácia, foi uma das coordenadoras do trabalho. “Realmente conseguimos antecipar o que poderia acontecer com as crianças infectadas no útero da mãe, mas que haviam nascido sem microcefalia. E, portanto, eram consideradas ‘saudáveis’”, argumenta. “Alguns anos depois, o que foi observado no estudo começou a aparecer na clínica médica, com essas crianças”, conta.
Cinco anos depois da epidemia que assolou o Brasil, o projeto não para. Atualmente, Isis Souza é pesquisadora visitante na Université Paris-Saclay, na área de neurociência. “Pretendo levar esse conhecimento que estou adquirindo para o Brasil e aplicá-lo na pesquisa com Zika”, garante. A jovem doutora também espera o resultado de financiamento para jovens pesquisadores da Faperj. “Dedos cruzados!”, ela brinca. Das muitas conquistas, ainda há a recente aprovação para o quadro permanente da UFRJ, como professora adjunta do Instituto de Ciências Biomédicas.WhatsApp Image 2021 12 10 at 20.28.25 1PROFESSORAS Claudia Figueiredo, coordenadora do PPG Ciências Farmacêuticas, e Julia Clarke, orientadora de Isis

LONGA ESTRADA
No campo pessoal, a conquista tem ainda mais significados para a nova professora da UFRJ. “Minha avó era semianalfabeta. Minha mãe dormia quatro horas por noite pra conseguir fazer a faculdade e trabalhar. Foi uma escadinha de muito sacrifício, de muito trabalho não só meu, mas de toda minha família, para eu conseguir chegar até aqui”, reconhece. “Por um lado, é muito bonito ver que o Brasil é capaz de dar suporte pra que alguém chegue nesse ponto. Mas ainda tem muito trabalho de base para ser feito, para que um número maior de pessoas tenha ao menos comida no prato três vezes ao dia”.
A orientadora de Isis é só elogios. “Acredito que uma série de fatores influenciaram no diferencial da tese. Um deles, que eu gostaria de destacar, é que a Isis é realmente uma aluna diferenciada, é brilhante”, pontua a professora Julia Clarke. “Isis chegou até mim muito madura, sabendo bem o que queria”, sublinha a pesquisadora.
A docente também credita a conquista do prêmio a fatores como o apoio do Estado para a realização das pesquisas e à estrutura da UFRJ. “Éramos um grupo de neurocientistas voltados a entender os mecanismos do Zika durante a epidemia de 2016, e ter recursos para esse projeto foi muito importante. Eu diria fundamental para os avanços que tivemos”, diz. “Outro ponto é a estrutura da UFRJ, que tem vários equipamentos que são multiusuários em diferentes laboratórios. Sem dúvidas, a colaboração com grupos de pesquisa mais estabelecidos contribuiu para a qualidade desse trabalho”, agradece a orientadora.
A professora Andrea da Poian, do Instituto de Bioquímica Médica, foi uma das responsáveis pela construção da rede de colaborações na UFRJ. O projeto Rede Zika contou com robusto financiamento da Finep e da Faperj. “Como era um problema novo da virologia, a formação de redes ajudaria a lidar de uma forma mais rápida com o problema em termos de pesquisa científica”, justifica a professora Andrea, uma das coordenadoras da Rede Zika do estado do Rio. “Era preciso juntar as expertises de vários lados, o que acabou resultando em um trabalho bastante bom e isso se reflete no prêmio que a Isis ganhou”, argumenta.

FINANCIAMENTO É ESSENCIAL
Para a professora Julia Clarke, a Ciência brasileira precisa ser mais apoiada para cumprir sua missão social. “O Zika foi um episódio muito triste e agora vivenciamos outro, a covid-19, com intervalo de tempo muito curto entre os dois. A Ciência precisa conseguir, de maneira rápida, responder aos questionamentos que surgem durante essas emergências. Para isso, precisamos de financiamento. Há um descaso muito grande com a universidade e com a Ciência”, critica.
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas, a professora Cláudia Figueiredo também se divide entre comemoração e reivindicação. “Os programas em consolidação precisam de uma atenção maior porque eles têm muito potencial a oferecer”, alerta. Nota 5 na Capes, o programa que formou Isis Souza não consegue suprir a demanda por bolsa. “Há muitas outras Isis que poderiam gerar futuros prêmios Capes, mas que não conseguem fazer o mestrado e o doutorado aqui. É revoltante”, desabafa.
Da graduação à pós, o curso de Farmácia é multidimensional. “Formamos cientistas, profissionais para a indústria, profissionais para os hospitais públicos, além da iniciativa privada”, explica a professora Cláudia. Ela argumenta que a avaliação da Capes, que confere nota aos Programas, não abrange todas essas dimensões. “Temos uma produção científica importante, tanto que ganhamos esse prêmio, mas temos também outras frentes de formação. Essas coisas não têm um peso tão grande para a agência”, argumenta. Os atrasos na Avaliação Quadrienal acabam também se tornando um empecilho. “Já poderíamos ter evoluído na nota. Quando a gente não evolui, a gente tem menos bolsa, menos recurso”, observa.

Os passos
da pesquisa

1. Quando os camundongos completavam 3 dias de vida, recebiam o vírus da zika no dorso do pescoço, causando uma infecção subcutânea.

2. O vírus absorvido passava para circulação sanguínea. Nesta etapa, buscava-se acompanhar o neurodesenvolvimento ainda próximo ao nascimento.

3. Na infância, eram realizadas avaliações de convulsão: quantos do grupo apresentavam a enfermidade, quando e em que momento do dia.

4. Na adolescência e na fase adulta, a investigação buscava mapear a cognição e a memória desses animais. São realizados também experimentos comportamentais.

5. A última etapa investigava o tecido cerebral dos animais. Neste ponto, a pesquisadora descobriu que um grupo de indivíduos apresentava modificações estruturais ou indícios de inflamação no tecido, como desorganização do hipocampo, focos de necrose (morte celular), calcificações e outras condições.

WhatsApp Image 2021 12 10 at 20.29.58Foto: MARCELLO CASAL JR/AGÊNCIA BRASIL

Cresce a pressão contra a atual gestão da Capes. As renúncias coletivas dos avaliadores de quatro áreas do conhecimento têm recebido amplo apoio da comunidade acadêmica do país. E uma das manifestações de solidariedade partiu de 55 professores eméritos da UFRJ (a íntegra pode ser lida abaixo). “O reconhecido sistema de avaliação da pós-graduação brasileira, fator de contínuo aperfeiçoamento de nossos programas de pós-graduação, vem sendo desconstruído, sistemática e intencionalmente pelo governo atual”, afirma um trecho da nota divulgada esta semana.
Diretor da AdUFRJ e um dos signatários do documento, o professor Ricardo Medronho observa que os eméritos da universidade não poderiam silenciar diante da inoperância atual da Capes. O professor destaca outro ponto de atrito entre os cientistas e a presidência da agência. “O Plano Nacional de Pós-graduação (PNPG) terminou em 2020. E até hoje os gestores atuais da Capes não tomaram nenhuma iniciativa para promover as discussões do plano de 2021 a 2030. Isso está completamente parado”, criticou.
Integrante do Consuni como representante dos professores eméritos, Medronho propôs ao colegiado que incorporasse a carta em solidariedade aos cientistas como uma moção, na sessão do dia 9. “Essa nota foi endossada pelo Conselho de Centro do CCS, em sua última reunião”, reforçou. O texto foi aprovado por unanimidade.

MAIS 34 CIENTISTAS
DEIXAM QUADRIENAL
Na terça-feira (7), 34 coordenadores e consultores da área das Engenharias III (Engenharia Aeroespacial, Engenharia Mecânica, Engenharia Naval e Oceânica e Engenharia de Produção) renunciaram às funções de avaliadores dos programas de pós-graduação — apenas um integrante da comissão não se retirou. Ao todo, já são 114 cientistas insatisfeitos com a política da agência de fomento, contando com os que já haviam renunciado nas áreas de Física/Astronomia; Química; e Matemática, Probabilidade e Estatística.
A mais recente saída ocorre após a decisão judicial que autorizou a retomada dos procedimentos da Avaliação Quadrienal 2017-2020, sem permitir a divulgação dos resultados. No documento em que formalizaram a renúncia, os pesquisadores expõem a convicção de que, nestas condições, não será possível realizar um trabalho “com a qualidade necessária para o cumprimento de seu papel” de orientar as políticas públicas para o desenvolvimento da pós-graduação brasileira.
A falta de garantia com a transparência dos resultados é uma das principais preocupações. “A Comissão não vê como justificável o investimento de recursos públicos escassos e, principalmente, do trabalho intenso de 35 cientistas da área das Engenharias III, em tempo quase integral ao longo dos próximos quatro meses, neste cenário de incerteza”, diz um trecho da carta de renúncia.
A professora Juliana Braga Rodrigues Loureiro, da Escola Politécnica da UFRJ, era uma das consultoras da área. “Fui convidada em janeiro. De janeiro até a suspensão da avaliação, em setembro, a gente se reunia semanalmente para preparar a avaliação quadrienal. É um tempo investido e um trabalho muito grande para não sabermos se vai valer a pena”, explica.

RESPOSTAS DA CAPES
Questionada sobre as críticas dos pesquisadores, a Capes respondeu, via assessoria, que “a intenção é obter, sim, autorização para a divulgação dos resultados”. E, para isso, esclarecerá “todos os pontos solicitados” pela Justiça. Disse ainda que aguarda o novo cronograma da Avaliação Quadrienal, elaborado pelo Conselho Técnico-Científico (CTC). “A prorrogação dos mandatos vai considerar o novo calendário, necessário à avaliação, em respeito à legalidade e à segurança jurídica do processo avaliativo”. Em relação às áreas em que houve renúncia coletiva dos avaliadores, a assessoria informou que os coordenadores, “caso queiram”, poderão permanecer nos cargos “ou vamos consultar os dados da última eleição e chamar os mais votados”. A Capes não se pronunciou sobre o PNPG em seus últimos comunicados à imprensa.

NOTA DE PROFESSORES EMÉRITOS DA UFRJ EM SOLIDARIEDADE
AOS DEMISSIONÁRIOS DOS COMITÊS ASSESSORES (CAs) DA CAPES

Os professores Eméritos da UFRJ abaixo vêm por meio desta nota manifestar a sua solidariedade aos mais de 110 colegas dos Comitês Assessores das áreas de Química, Matemática/Probabilidade e Estatística, Astronomia-Física e Engenharias III, do sistema de avaliação da Capes, que tomaram a decisão de solicitar demissão coletiva, em função da falta de compromisso da instituição tanto com a avaliação quadrienal quanto com a elaboração do necessário Plano Nacional de Pós-Graduação- PNPG 2021-2030. Acrescenta-se a isso a urgência, inexplicada e seguramente desnecessária, em liberar a submissão de propostas de pósgraduação stricto sensu de ensino a distância (EaD), sem antes proceder a uma cuidadosa análise e sem nem mesmo dar a palavra aos atuais programas de pós-graduação.
O reconhecido sistema de avaliação da pós-graduação brasileira, fator de contínuo aperfeiçoamento de nossos programas de pós-graduação, vem sendo desconstruído, sistemática e intencionalmente pelo governo atual. Orçamentos irrisórios e tentativas constantes de desprestigiar institutos de pesquisa de reconhecido mérito, nacional e internacional, têm provocado uma crescente evasão para o exterior de brilhantes jovens pesquisadores, o que comprometerá o futuro da ciência nacional.
Desejamos que a honrosa atitude dos membros dos CAs mencionados repercuta e sirva para uma profunda reflexão sobre todo o sistema de ensino e pesquisa brasileiro, construído com grande denodo, ao longo de várias décadas, por nossa comunidade científica.

Em 07/12/2021

Adalberto Ramon Vieyra

Adelaide Maria de
Souza Antunes

Alice Rangel de Paiva Abreu

Ana Ivenicki

Andrea Daher

Anita Dolly Panek

Antonio Carlos Secchin

Antonio Flavio Barbosa Moreira

Antonio Giannella-Neto

Arthur Octavio de Avila Kós

Basilio de Braganca Pereira

Celina Moreira de Mello

Claudio Costa Neto

Consuelo da Luz Lins
Erasmo Madureira Ferreira

Fernando Garcia de Mello

Francisco Radler de
Aquino Neto

Gilberto Barbosa Domont

Helio Migon

Henrique Murad

João Luiz Maurity Saboia

Jose Angelo de Souza Papi

Jose Mauro Peralta

José Paulo Netto

Krishnaswamy Rajagopal

Liu Hsu

Luiz Bevilacqua

Luiz Felipe Alvahydo
de Ulhoa Canto

Luiz Pereira Caloba

Luiz Pinguelli Rosa

Marcello André Barcinski

Márcio Tavares d’Amaral

Maria Angela Dias

Maria Antonieta Rubio Tyrrell
Marieta de Moraes Ferreira

Martin Schmal

Muniz Sodré de Araújo Cabral

Nei Pereira Junior

Nelson Maculan Filho

Nelson Spector

Nicim Zagury

Nizia Maria Souza Villaça

Nubia Verçosa Figueiredo

Olaf Malm

Radovan Borojevic

Raquel Paiva de Araújo Soares

Ricardo de Andrade Medronho

Roberto Lent

Sandoval Carneiro Jr.

Sergio Augusto Pereira Novis

Takeshi Kodama

Talita Romero Franco

Vivaldo Moura Neto

Walter Araujo Zin

Yvonne Maggie

FSOU1265Foto: Fernando Souza/Arquivo AdUFRJLucas Abreu e Silvana Sá

Uma das joias da coroa da UFRJ é o seu conjunto de hospitais, mas, ano após ano, a administração central vê minguar os recursos para mantê-los ativos e servindo à sociedade. O Complexo Hospitalar reúne nove unidades de saúde. A maior delas é o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, uma das referências do Brasil em alta complexidade. Atende, em média, mil pacientes em seus ambulatórios por dia, tem um dos mais disputados editais de residência médica do país – o último concurso contou com 3.500 inscritos – e tem atualmente 364 leitos: 220 regulares e 144 exclusivos para a covid-19. A gigante estrutura de 110 mil metros quadrados abriga problemas tão complexos quanto as enfermidades que se destina a tratar.
Questão considerada central é a gestão de pessoal. O hospital tem um quadro de servidores próprio envelhecido, com média de idade superior a 55 anos. “Muitos estão já em idade de aposentadoria ou próximos de se aposentar. São pessoas que não conseguem tirar um paciente da cama, dar banho, fazer uma manobra, estão com dor nas costas, reumatismo e acabam sendo desviados para marcar consultas, pegar medicação”, revela uma das fontes ouvidas pela reportagem em condição de anonimato. WhatsApp Image 2021 12 03 at 18.49.451
Para cobrir o “buraco” no atendimento e sem autorização da União para abrir concursos públicos, o hospital acaba por lançar mão dos trabalhadores extraquadros – profissionais sem vínculo formal com a instituição e sem direitos trabalhistas assegurados. Hoje, 618 pessoas atuam no HU como extraquadros. No Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (Cnes) esses profissionais figuram como “vinculação informal”, contratados “verbalmente”.
Somado à idade avançada desse grupo de servidores, há outro problema: não há marcação de ponto no hospital e, com isso, há profissionais que se valem da situação para acumular trabalhos em outros locais, mas em horários em que deveriam atender pacientes no Clementino Fraga Filho. “A fila do SUS está enorme. Não é justo com a sociedade”, critica outra fonte da área da saúde. Pesquisa realizada pela reportagem encontrou, por exemplo, alguns médicos cuja carga horária de trabalho é de 60 ou de 40 horas semanais no hospital e que também atuam em clínicas ou consultórios particulares em jornadas que variam de quatro a 40 horas semanais. Esses casos também acabam sendo cobertos por extraquadros e residentes.
O financiamento é a outra ponta desse grande nó, que repercute na infraestrutura e no ensino, já que impede a manutenção e ampliação e leitos, reformas, investimentos e contratação de pessoas. Não só o financiamento do Governo Federal vem caindo, como o financiamento do Fundo Nacional de Saúde, que é distribuído através do município pela produtividade da unidade de saúde, também caiu. E cada nova queda na quantidade de atendimentos leva consequentemente à redução das verbas do SUS.
É justamente esse o ponto do drama atual do principal HU da UFRJ: a direção está na iminência de fechar todos os leitos covid-19 por conta do fim do contrato dos profissionais temporários designados para atuarem na pandemia. Se isto ocorrer, o hospital voltará aos seus “usuais” 220 leitos e terá o orçamento minguado. Entre favoráveis e contrários à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares(Ebserh), todos concordam em dois pontos: o hospital é importante para a universidade e para a sociedade e sem pessoal e orçamento, o hospital não tem condições de permanecer ativo.

WhatsApp Image 2021 12 10 at 20.35.30MAYRA GOULART
Vice-presidente da ADUFRJ, professora de Ciência Política e de Yoga

Coluna publicada quinzenalmente no Jornal da AdUFRJ

Vamos retomar nossa conversa sobre os sutras de Patanjali. Na última coluna, apresentamos um compilado sistemático de instruções para guiar o praticante de Yoga em sua jornada rumo ao Samadhi, entendido como estado de completa consciência e meditação plena, no qual as dualidades entre sujeito e objeto, indivíduo e natureza, razão e emoção são superadas. É nesse estado que as oscilações da mente (vritti) são recolhidas. Trata-se, portanto, de um estado em que somos capazes de conter a tendência natural de voltar nossa atenção para o que é externo: objetos materiais e sensações causadas pelo contato com eles. Questões imaginárias como medos, preocupações e angústias também podem ser apaziguadas no Samadhi.

WhatsApp Image 2021 12 10 at 20.36.37Nos sutras, o primeiro capítulo se dedica a delinear os contornos de um propósito geral, definindo o Yoga como esse estado de recolhimento das oscilações da mente e indicando os requisitos para sua prática. No texto, Patanjali deixa claro que tais requisitos não consistem em dinâmicas físicas, mas em preceitos éticos determinados (Yamas), que serão objeto da nossa coluna de hoje, seguidos de indicações morais (Nyamas), formuladas como normas de aperfeiçoamento pessoal, sobre as quais trataremos no próximo texto. Com isso, espero ratificar o propósito de Patanjali ao ressaltar que o Yoga delineia uma disciplina que trabalha a mente, utilizando o corpo como uma ferramenta para alcançar propósitos de natureza psicológica, ética e moral.

Sendo assim, osYamas se dedicam a harmonizar as interações sociais e os Nyamas, as disposições e sentimentos internos do praticante, reduzindo as fricções entre atitudes externas e disposições internas. Esta proposta se baseia na hipótese de que há uma circularidade entre ambas, sem que haja precedência de uma sobre a outra. Em outros termos, o controle das atitudes e do corpo aumenta o controle sobre a mente. Atitudes mais conscientes levam a uma mente mais calma e com mais controle sobre seus padrões (samskaras, compreendidos como conjunto das tendências subconscientes, de caráter inato, hereditário e comportamental). Com essa perspectiva, o Yoga consiste em uma abordagem holística para o bem estar que começa pelo aspecto mais denso e periférico, pelo corpo, pela conduta para que, progressivamente, conforme o praticante ganhe consciência e capacidade de controle, abranja os elementos mais complexos da psiquê humana.

Os Yamas, são, portanto, o primeiro dos oito passos estabelecidos por Patanjali para a realização do Yoga, seguidos de Nyamas, Asanas (posturas), Pránáyáma (exercícios respiratórios e práticas de controle do prana); Pratyahara (abstração, recolhimento dos sentidos); Dharana (concentração), Dhyana (meditação) e Samadhi. Não obstante a separação didática, podemos compreender a meditação como uma combinação dos três últimos passos, que consistem em dinâmicas estritamente interiores, precedidas de três etapas voltadas a regular o corpo e as atitudes dos praticantes (Yamas, Nyamas e Asanas) e duas etapas voltadas a aumentar o controle sobre as dimensões mais sutis como a respiração e os sentidos (Pránáyáma e Pratyahara).

Os Yamas são formulados como normas de interação com os demais. O fato deles serem os primeiros nessa enumeração, ao meu ver, reforça o equívoco da forma solipcista como o Yoga vem se disseminando no ocidente, enquanto prática voltada a um tipo de bem estar pensado individualmente, quase que à revelia do mundo. Ao apresentar regras de convivência como o primeiro passo, Patanjali distingue o Yoga como prática social, voltada para o outro, para auxiliar os praticantes a serem mais úteis, mais adequados e mais comprometidos com a sociedade. Diferentemente de outros textos do período, o Yoga que é ensinado nos sutras não é dirigido a orientar a prática de monges reclusos, mas às pessoas comuns que querem se transformar com o objetivo de serem melhores, não apenas para si mesmas, mas para os outros.

Os Yamas são:

1. Ahimsa: não agressão. Evitar qualquer tipo de violência física, mental ou emocional contra si mesmo ou contra os demais.

2. Satya: autenticidade, verdade. Segundo Taimni, um dos mais tradicionais e prestigiosos estudiosos da filosofia do Yoga, autor de A Ciência do Yoga: Comentários sobre os Yoga-Sutra de Patañjali à luz do Pensamento Moderno, mentir provoca tensões desnecessárias que nos impedem de aquietar a mente.

3. Asteya: não roubar;

4. Brahmacharya: prática de uma vida espiritualmente regrada através da moderação dos sentidos.

5. Aparigraha: não cobiçar, não possessividade enquanto capacidade de controlar o apego por aquilo que se tem e o desejo de acumular, buscando o contentamento (santosha), que é um dos nyamas sobre os quais discorreremos na próxima coluna.
Após enumerar os Yamas, Patanjali indica que estas normas devem regular o comportamento de todas as pessoas, indiferentemente da posição que elas ocupam na sociedade, deixando claro que os poderosos, ricos e sábios também devem se esforçar para construir uma coletividade mais equilibrada e justa.

 

 

WhatsApp Image 2021 12 03 at 18.40.07A Universidade de Brasília firmou contrato com a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares há sete anos. O hospital da instituição vivia situação parecida com a das unidades de saúde da UFRJ, sobretudo o Clementino Fraga Filho: não havia autorização da União para abrir concursos públicos para substituição do grande número de extraquadros, profissionais contratados precariamente, e faltava dinheiro para obras.
Hoje, com todo o quadro de pessoal regularizado, o Hospital Universitário de Brasília possui 2.897 profissionais, segundo o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, entre residentes, estatutários e celetistas, e 215 leitos. “Eu realmente não teria condição financeira de efetuar as melhorias em infraestrutura que aconteceram nos últimos anos”, acrescenta a reitora Márcia Abrahão. A professora, 2ª vice-presidente da Andifes (associação nacional de reitores), é uma das principais dirigentes universitárias de oposição ao governo Bolsonaro.

Jornal da AdUFRJ –Qual é a atual situação do hospital?
Márcia Abrahão – Conseguimos regularizar toda a parte de pessoal, que era um problema sério, já que tínhamos muitos profissionais sem vínculo formal. Houve melhora no financiamento do hospital e investimento em infraestrutura. Na pandemia, tivemos aporte de recursos financeiros para ampliação de leitos para o tratamento da covid-19, bem como apoio institucional para a realização de pesquisas sobre a doença.

Uma das preocupações dos críticos à empresa é sobre a ingerência das universidades sobre seus hospitais após o contrato. Como funciona esta relação?
Temos uma boa relação estabelecida com a Ebserh. O hospital tem um conselho do qual eu faço parte e as unidades acadêmicas de ensino também têm assento. A superintendente da Ebserh na UnB foi escolhida por mim e é professora da Faculdade de Medicina. Eu não abro mão que o hospital seja da universidade, que as áreas de ensino, pesquisa, extensão e assistência estejam equilibradas. A Ebserh entende que o nosso hospital é de ensino. Obviamente, essa não é a melhor solução. O ideal seria que nós tivéssemos condição de contratar pessoas por nós mesmos, que tivéssemos orçamento, mas não temos. Então, contratamos uma empresa para administrar nosso hospital.

O que a senhora destaca como principais ganhos e principais problemas do hospital hoje?
Internamente ainda há problemas, sobretudo porque há vínculos diferentes de trabalho, com regimes diferenciados de pessoas, muitas vezes, exercendo as mesmas funções. Então, isso é bastante complexo tanto para os servidores, quanto para os gestores. Eu acho que esse é o problema atualmente. Por outro lado, a infraestrutura melhorou muito. Inclusive há mais obras em andamento no momento. Eu realmente não teria condição financeira de efetuar as melhorias que aconteceram nos últimos anos.

Quais cuidados são necessários numa eventual assinatura de contrato?
A reitoria não pode abrir mão de escolher sua superintendência. Um cenário possível é a empresa não acatar a escolha feita pela reitoria. A estrutura da Ebserh permite esse cenário. Por isso, acredito que seja interessante ter essa condição expressa em contrato. Outro ponto é a questão do ensino. O hospital precisa continuar sendo um hospital-escola. Creio que essa garantia também possa ser firmada em contrato. São pontos inegociáveis para uma universidade.

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