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Depois da tempestade veio o luto, a procura por desaparecidos e uma tentativa de reconstruir a vida em meio a um cenário de caos. Até o fechamento desta matéria, já WhatsApp Image 2022 02 25 at 22.36.503tinham sido confirmadas 209 mortes e 48 pessoas permaneciam desaparecidas em Petrópolis após as chuvas da semana passada, na maior tragédia da história da cidade. Mas o desastre poderia ser evitado ou mitigado, segundo especialistas ouvidas pelo Jornal da AdUFRJ.

Na avaliação da professora Ana Luiza Coelho Netto, do Departamento de Geografia da UFRJ, faltou planejamento. “As chuvas são esperadas, os deslizamentos são fenômenos naturais, mas o desastre não é natural, e sim consequência da falta de um planejamento adequado em bases racionais”, explicou a professora, que há 40 anos estuda processos hidrológicos e erosivos em encostas florestadas. Para ela, os deslizamentos sempre ocorreram, mas as interferências humanas na geografia do local fizeram com que a frequência com que eles acontecem tenha aumentado. “Antes das interferências humanas, o intervalo de ocorrência era de centenas de anos no mesmo local. Também temos evidências de que a grande devastação da Floresta Atlântica original também induziu a grandes taxas de erosão e mudou o regime de chuvas”, relatou.

Segundo Ana Luiza, uma floresta bem conservada desempenha, além das funções ecológicas de preservação da biodiversidade, um papel de regulação hidrológica e mecânica nas encostas. Uma pesquisa conduzida por ela mostrou que 85% dos deslizamentos ocorridos em 2011, quando a região serrana do Rio viveu uma tragédia de enormes proporções, foi em áreas de vegetação degradada. “As ocorrências de agora foram em área urbana, mas elas começaram em encostas que já perderam a vegetação”, explicou.

Para a professora, a solução do problema passa pela construção de um novo modelo de planejamento e gestão territorial. “O modelo em curso privilegia os interesses econômicos. Balancear o ajuste entre o modo de ocupação e os limites de estabilidade do terreno é fundamental”, defendeu. Ana Luiza ainda questionou os critérios para a elaboração de cartas de risco dos terrenos. Sua intenção agora é analisar as cartas de risco das áreas mais afetadas. “Suspeito que essas cartas não foram produzidas com uma metodologia apropriada. Elas olham só a geologia e o solo, sem avaliar o estado da vegetação. Também falta uma análise de vulnerabilidade social”, disse.

E o planejamento vai ser fundamental, porque as mudanças climáticas devem aumentar os efeitos em populações que vivem em áreas de risco. Quem explica o cenário é a professora Lise Sedrez, do Instituto de História da UFRJ. Especialista em História Ambiental Urbana, Lise faz parte de um grupo interdisciplinar, formado por cientistas de diversos países, que estuda o impacto das mudanças climáticas em comunidades vulneráveis. “Estamos vendo o modelo climático mudar, então teremos chuvas extremas, que já aconteciam, mas que começam a ser mais fortes, menos previsíveis e mais frequentes. Todo o modelo sobre o qual estamos acostumados a pensar o clima do planeta está se alterando”, explicou a professora. Por outro lado, as mudanças que a humanidade fez no ambiente também resultam em efeitos para a sociedade. “Temos que lidar com os dois lados. Ninguém vai parar de pedir para pavimentar áreas do Rio ou não vamos conseguir voltar ao clima de 150 anos atrás. Então vamos ter que mitigar quando for possível e nos adaptar”, defendeu Lise.

E o caminho para uma melhoria, segundo ela, é uma política de moradia articulada a uma política de transporte público, que leve em consideração a preservação ambiental. “Não adianta criar uma política que coloque as pessoas longe dos seus trabalhos sem que elas tenham acesso a um transporte público. E a política de moradia não pode prescindir da preservação ambiental”, avaliou Lise. Ela também ressalta a importância de engajar as comunidades locais na preservação e zeladoria locais, para que elas participem das políticas públicas. “Mas essas políticas de moradia têm que ser continuadas e consistentes. Quem volta a construir em um lugar que foi destruído é porque não tem opções”, afirmou.

A RECONSTRUÇÃO
A pesquisadora Natasha Barbosa também estuda História Ambiental Urbana. Doutoranda na Fiocruz, ela mora em Petrópolis, e está vendo de perto os movimentos que vem estudando ao longo da sua vida acadêmica. Ela investiga a história de grandes enchentes que aconteceram na cidade do Rio, e relata um fenômeno comum a elas.

“Passado um tempo, fica a instabilidade: para onde essas pessoas vão? Elas vão mudando de lugares, e nem sempre seguros. É um processo contínuo de vulnerabilidade socioambiental. Elas continuam em lugares de risco, até porque são pessoas mais pobres as afetadas por essas catástrofes”, contou a pesquisadora. Ela cita como exemplos famílias que foram atingidas pelas enchentes de 2011, e que já tinham sido vítimas de um episódio grave de enchentes e deslizamentos que aconteceu em 1988 na cidade. Segundo ela, as pessoas voltam a ocupar áreas de risco, ou mesmo reocupar áreas de onde precisaram ser removidas, principalmente por falta de alternativas, mas também movidas por um senso de pertencimento ao local e àquela comunidade.

“Não existe uma solução rápida e mágica. Obras estruturais podem levar cinco ou seis anos para fazer diferença. Desde 2011, tivemos mudanças muito tímidas, como a instalação de sirenes e obras de contenção”, contou Natasha. Mas ela acredita que falte um planejamento de infraestrutura que vá além de construir casas depois que a tragédia acontece. “As pessoas não existem apartadas dos espaços que elas ocupam. As ações têm que propiciar moradias mais seguras, um ambiente que faça essas moradias menos vulneráveis”, defendeu.

UNIVERSIDADE SOLIDÁRIA
Na última terça-feira (22), a UFRJ enviou dois caminhões de donativos a Petrópolis. As doações contabilizaram quatro toneladas e foram arrecadadas pela comunidade acadêmica. Roupas, calçados, alimentos não perecíveis, água, produtos de higiene e brinquedos estavam entre os itens mais doados. A universidade continua recebendo as doações até o dia 10 de março, sempre em dias úteis, das 9h às 16h, na sede da Prefeitura do campus, no Fundão (Praça Jorge Machado Moreira, 100, Cidade Universitária).

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