facebook 19
twitter 19
andes3
 

filiados

Ordem do Merito CientificoO governo Bolsonaro fez mais um ataque à Ciência brasileira, e recebeu uma resposta à altura da comunidade científica. Depois de o governo voltar atrás na nomeação dos pesquisadores Adele Schwartz Benzaken e Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda para a Ordem Nacional do Mérito Científico, cientistas de todo o país se reuniram para condenar publicamente os expurgos. Na UFRJ, o movimento foi organizado pelos professores eméritos, que publicaram uma carta (ao lado, na íntegra) em repúdio à exclusão dos dois pesquisadores da lista de agraciados.
Adele Benzaken era diretora do Departamento de Vigilância Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais do Ministério da Saúde, e foi desligada em janeiro de 2019, por ter sido a responsável pela elaboração de uma cartilha destinada a pessoas trans. Marcus Lacerda foi um dos primeiros brasileiros a pesquisar o uso de cloroquina contra a covid-19, e suspendeu o estudo depois de verificar que o medicamento aumentava o risco de problemas cardíacos. A comunidade científica acredita que essas são as razões para o governo ter recuado na honraria aos dois pesquisadores.
Professor emérito da UFRJ e diretor da AdUFRJ, Ricardo Medronho disse que a carta é um reflexo da revolta da comunidade científica. Assinada até o fechamento desta edição por 57 professores eméritos, a carta é dura ao afirmar que a atitude de Bolsonaro, tratada como indigna, é “marca de governos autoritários, condizente com o negacionismo do atual governo”. Para Medronho, a revolta da comunidade científica é justa. “Estes pesquisadores foram excluídos meramente por perseguição política, porque suas pesquisas não estão em acordo com o pensamento do atual presidente da República”, defendeu ele na reunião do Consuni de quinta-feira (11). O conselho aprovou uma moção de solidariedade aos pesquisadores excluídos, apresentada por Medronho.
A Ordem Nacional do Mérito Científico, fundada em 1993, tem como finalidade homenagear personalidades que “se distinguiram por suas relevantes contribuições prestadas à Ciência, à Tecnologia e à Inovação”. A indicação dos membros é feita por uma comissão formada por três membros do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação, três indicados pela Academia Brasileira de Ciências e três integrantes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A admissão na ordem é prerrogativa do presidente da República.
“O trabalho que a comissão faz é técnico, e garante que os agraciados são escolhidos pelo mérito científico deles”, explicou o professor Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências e professor emérito da UFRJ. “Não podemos dizer que os dois cientistas se opuseram ao governo, eles foram excluídos da lista porque fizeram Ciência. Então certamente foi uma atitude autoritária”, defendeu o professor.
Signatário da carta dos professores da UFRJ, Davidovich defende que a comunidade científica deve se manifestar com vigor. “Reagir contra isso é importante e necessário. É preciso cortar essa escalada autoritária antes que seja tarde demais”, salientou.

INDICADOS RECUSAM PRÊMIO
Um grupo de 21 cientistas indicados para receber a comenda também se manifestou publicamente, recusando o prêmio e publicando uma carta. “Não compactuamos com a forma pela qual o negacionismo em geral, as perseguições a colegas cientistas e os recentes cortes nos orçamentos federais para a Ciência e Tecnologia têm sido utilizados como ferramentas para fazer retroceder os importantes progressos alcançados pela comunidade científica brasileira nas últimas décadas”, diz um dos trechos da carta. “Em solidariedade aos colegas que foram sumariamente excluídos da lista de agraciados, e condizentes com nossa postura ética, renunciamos coletivamente a essa indicação”, diz outro trecho.
Dois pesquisadores da UFRJ foram indicados para receber a honraria, ambos do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF): Fernando Garcia de Mello e Patricia Rieken Macedo Rocco. Fernando se juntou aos demais cientistas que recusaram a honraria.

PERSEGUIÇÃO
Para o pesquisador Marcus Lacerda, o movimento dos cientistas é uma tentativa importante de se contrapor diretamente à política do governo. “É triste como intervenções políticas no mérito estão gerando problemas. Não só na Ciência, mas na Saúde, como na pandemia, e na Educação. Isso mostra claramente que a política está se colocando acima do mérito em todas as áreas”, avaliou o professor. “É um absurdo que no momento em que o país está em crise e precisa mais de conhecimento estratégico, a Ciência seja apagada como tem sido”.
Não foi o primeiro ataque pessoal que Lacerda sofreu. Quando seu estudo sobre a cloroquina foi publicado, no ano passado, ele recebeu ameaças de morte de seguidores de Bolsonaro na internet. “Algumas pessoas acreditaram nessa grande fake news e que eu tinha matado pessoas de propósito com altas doses de cloroquina. Recebi uma avalanche de ameaças de morte, e esses ataques aconteceram imediatamente após a declaração do deputado Eduardo Bolsonaro de que o estudo precisava ser investigado, que tinha matado pessoas”, relatou o cientista, que chegou a precisar de escolta armada da Polícia Militar do Amazonas por dez dias.

OUTRAS MANIFESTAÇÕES
Mais de 270 cientistas e personalidades que já receberam a comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico também divulgaram uma carta de protesto. O professor Ildeu de Castro Moreira, ex-presidente da SBPC e um dos organizadores da carta, criticou a postura do governo. “Estamos voltando à censura ditatorial. O autoritarismo e o arbítrio não cabem no Brasil, e a comunidade científica está se manifestando contra isso”, explicou Ildeu, que ainda fez um alerta para os demais setores da sociedade civil. “O cerceamento acontece primeiro em setores que se pronunciam mais junto ao público, como cientistas, jornalistas e artistas, mas isso se espraia e passa a ser uma censura à sociedade inteira”.
Outra manifestação foi organizada por ex-reitores de universidades federais, que também criticaram o que chamaram de “ingerência presidencial na liberdade de cátedra”, o que afronta a Constituição. Um dos mais de 50 signatários da carta é Nelson Maculan, ex-reitor da UFRJ. “Acho que o país tem reagido muito pouco, é importante essa reação para fazer avançar essas discussões. Nós representamos a Ciência do país, temos responsabilidades e precisamos dar exemplo”, defendeu Maculan.

CARTA ABERTA DOS PROFESSORES EMÉRITOS DA UFRJ EM REPÚDIO À CASSAÇÃO DE HOMENAGEM A CIENTISTAS

Os Professores Eméritos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, abaixo assinados, vêm a público expressar a sua indignação e repudiar a injusta exclusão dos cientistas Adele Schwartz Benzaken e Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda da lista de agraciados com a Ordem Nacional do Mérito Científico. Os seus nomes foram indicados por uma comissão paritária de membros do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, Academia Brasileira de Ciências (ABC) e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SPBC), o que garante que sua escolha se dê em virtude de seu mérito científico, fora de toda e qualquer injunção política.
Em decreto de 3 de novembro de 2021, o atual ocupante do Palácio do Planalto publicou a lista dos agraciados com a honraria e, em 5 de novembro de 2021, o Presidente da República, surpreendentemente, fez publicar novo decreto excluindo os dois cientistas acima mencionados, por pura perseguição política.
Essa atitude indigna é marca de governos autoritários, condizente com o negacionismo do atual governo, que, durante a pandemia de Covid-19, se posicionou e agiu contra todas as recomendações científicas dos especialistas em saúde pública do país. Somado a isso, cortes financeiros abusivos vieram sufocar o financiamento de universidades e centros de pesquisa brasileiros, mostrando a sua total falta de visão e desprezo pela ciência e pelo próprio desenvolvimento do país.
Assim, prestamos nossa solidariedade aos cientistas Adele Schwartz Benzaken e Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda, excluídos da lista de agraciados por motivos políticos, bem como aos 21 (vinte e um) cientistas que renunciaram coletivamente às suas indicações. Estes 21 colegas deixaram muito claro que não se troca honradez por honrarias.
Rio de Janeiro, 6 de novembro de 2021

Adalberto Ramón Vieyra
Adelaide Maria de Souza Antunes
Andrea Viana Daher
Alda Judith Alves Mazzotti
Alice Rangel de Paiva Abreu
Ana Ivenicki
Anita Dolly Panek
Antônio Carlos Secchin
Antonio Flavio Barbosa Moreira
Antonio Giannella-Neto
Arthur Octavio de Ávila Kós
Basilio de Bragança Pereira
Cláudio Costa Neto
Dinah Maria Isensee Calou
Erasmo Madureira Ferreira
Francisco Antônio de Moraes Accioli Dória
Francisco Radler de Aquino Neto
Gilberto Barbosa Domont
Helio dos Santos Migon
Henrique Murad
Jayme Luiz Szwarcfiter
João Luiz Maurity Saboia
José Murilo de Carvalho
Jose Mauro Peralta
Krishnaswamy Rajagopal
Liu Hsu
Luiz Bevilacqua
Luis Felipe da Silva
Luiz Davidovich
Luiz Felipe Alvahydo de Ulhoa Canto
Luiz Pereira Caloba
Luiz Pinguelli Rosa
Marcello André Barcinski
Márcio Tavares d’Amaral
Maria Angela Dias
Maria Antonieta Rubio Tyrrell
Marieta de Moraes Ferreira
Mario Luiz Possas
Martin Schmal
Muniz Sodre Cabral
Nei Pereira Junior
Nelson Albuquerque de Souza e Silva
Nelson Maculan Filho
Nelson Spector
Nelson Velho de Castro Faria
Nizia Maria Souza Villaça
Nubia Verçosa Figueiredo
Otávio Guilherme Cardoso Alves Velho
Raquel Paiva de Araújo Soares
Ricardo de Andrade Medronho
Roberto Lent
Sandoval Carneiro Junior
Sergio Augusto Pereira Novis
Takeshi Kodama
Vivaldo Moura Neto
Walter Araujo Zin
Yvone Maggie de Leers Costa Ribeiro

Essa coluna, que estreia hoje, passa ser publicada quinzenalmente no Jornal da AdUFRJ

WhatsApp Image 2021 11 12 at 20.54.56 1MAYRA GOULART
Vice-presidente da ADUFRJ, professora de Ciência Política e de Yoga

Esse é um espaço para conversarmos sobre nosso bem-estar físico e mental. Um espaço de acolhimento, reconforto, mas, também, de autorreflexão e transformação. Uma transformação pela reconexão, com nosso corpo, nossa mente, sentimentos, medos, traumas, sem, contudo, cair na falácia da dualidade entre nós e o outro, entre indivíduos e natureza, homem e mundo, corpo e mente.

- Vamos falar sobre equilíbrio, sobre uma outra forma de entendê-lo, que destoa da tradição ocidental que nos forma e para a qual contribuímos enquanto intelectuais.

- Pensar no Ocidente como um sujeito relativamente coeso em termos de uma unidade capaz de ter uma origem e uma estrutura ética comum é um esforço fadado ao fracasso. São múltiplas histórias, origens, percursos e assimetrias. Não obstante, é possível situar as fundações éticas do pensamento ocidental na cultura helenística, enquanto escoadouro de uma paideia construída desde o período homérico, passando pelo período clássico, sendo possível observar no amálgama formado pelo aristotelismo, em geral, e pela doutrina do mesotês (justo meio), em particular, como o fator determinante para constituição de um substrato ético e político comum.

- Essa doutrina, que situa a virtude como o meio estático de um continuum em cujos extremos estão o excesso (hipérbole) e a falta (elleipsis), combina elementos presentes nas contribuições de poetas e pensadores que o precederam para os quais os excessos já eram associados à degeneração, à crise e à violência, sendo a ideia de moderação o antídoto para os males causados por esses vícios. Nas artes, ainda no século V, surge a ideia de que a determinação da beleza passaria por estabelecer uma linha mediana. Na mitologia, esse substrato ético surge na figura de uma divindade, Aidos (Aedos), que seria a personificação da modéstia, do pudor e do respeito, cuja principal qualidade seria a capacidade de se conter. Na medicina, essa mesma ideia aparece nas recomendações de Hipócrates (aproximadamente 460-377 a.C.) acerca da moderação no consumo de comida e bebida. Ao longo dos milênios que nos separam da antiguidade, essa disposição de medicalizar o sofrimento, o trágico, o desconforto, entendendo-o como doença, só se agravou, mediante a criação de padrões e expectativas cada vez mais inalcançáveis.

WhatsApp Image 2021 11 12 at 20.54.56- Na tradição budista, o termo utilizado para expressar uma atitude mental de equilíbrio é Tatramajjhattatâ, traduzido por equanimidade, cujo núcleo semântico é a imparcialidade, o desapego. Diferentemente da abordagem ocidental, que tem na moderação um imperativo que rejeita os extremos, na filosofia budista o excesso e a falta, o choro e o riso, o sucesso e o fracasso são aceitos como inexpugnáveis e, mais do que isso, como estados necessariamente impermanentes. Deste modo, enquanto mentes ocidentais, fomos educados a buscar uma conduta e uma vida de equilíbrio como estratégia para evitar o sofrimento e alcançar o sucesso, acreditando que estes seriam estados permanentes, uma vez alcançados viveríamos uma vida sem frustração, sem dor.

- Esta coluna buscará apresentar um outro ponto de vista, no qual o trágico e a dor não serão abordados (ou diagnosticados, o que é ainda mais grave) como resultado de uma conduta desequilibrada, doentia ou inadequada, como desvios de percurso. Acreditamos que este entendimento só aumenta o sofrimento, incluindo nele uma relação em cascata que a ele acrescenta outros sentimentos como culpa, vergonha, frustração e ansiedade.

- Um ponto de vista no qual o sofrimento é visto como algo constitutivo da vida, sem que isso se desenvolva em uma postura quietista com relação a ele. Ao contrário, nosso objetivo aqui será discutir formas de reduzi-lo através de práticas que aumentem nossa conexão com o mundo, com nosso corpo e mente, mas, sobretudo, que estimulem nossa consciência.

WhatsApp Image 2021 11 12 at 20.46.27Diretoria da AdUFRJ

O retorno presencial imediato, imposto pela Justiça, é o tema central desta edição do Jornal da AdUFRJ. Embora não estivesse na pauta original, foi também o assunto dominante da sessão do Consuni de quinta-feira (11), em que se discutiram formas de retomar as atividades presenciais de maneira segura e gradual. No Consuni, o presidente da AdUFRJ, professor João Torres, descreveu os esforços de um conjunto de entidades para garantir que esse retorno ocorra com segurança e acolhimento para a comunidade acadêmica da UFRJ. Entre esses esforços estão a divulgação de uma carta pública em repúdio à imposição judicial de retorno imediato — assinada por AdUFRJ, Andes SN/RJ, Adecefet/RJ, Adunirio, Adur, SINDSCOPE, DCE Mário Prata, APG/UFRJ e Fenet — e um encontro com um procurador do Ministério Público Federal no Rio de Janeiro, na quarta-feira (10), para tratar da questão. Toda a movimentação da semana em torno desse tema — incluindo o recurso da UFRJ contra a decisão — você confere nas páginas 3, 4 e 5.
    Como um contraponto à tensão dos últimos tempos — e dos que virão —, temos a estreia da coluna Equilíbrio, na página 8. Assinada pela vice-presidente da AdUFRJ, Mayra Goulart, professora de Ciência Política (IFCS/UFRJ) e de Yoga, a coluna se propõe a ser um espaço de reflexão sobre nosso bem-estar físico e mental — algo que ficou particularmente abalado na pandemia. Um espaço de acolhimento, que pretende tratar de medos, traumas e sentimentos, e discutir formas de reduzir o sofrimento por meio de práticas que aumentem nossa conexão com o mundo e que estimulem nossa consciência.    
    Vamos também tratar nesta edição de dignidade. Na matéria da página 7, abordamos a reação da comunidade científica aos expurgos políticos perpetrados pelo presidente Jair Bolsonaro contra os cientistas Adele Schwartz Benzaken e Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda, excluídos, depois de agraciados, da lista da Ordem Nacional do Mérito Científico de 2021. Marcus foi excluído porque conduziu um dos primeiros estudos clínicos que comprovaram a ineficácia da cloroquina no tratamento precoce de pacientes com covid-19. E Adele perdeu a comenda porque, quando era funcionária do Ministério da Saúde, elaborou uma cartilha com instruções de prevenção contra o vírus HIV para pessoas trans. No Consuni de quinta-feira (11), o conselheiro e professor Ricardo Medronho, diretor da AdUFRJ, falou sobre a perseguição política contra os dois cientistas e divulgou uma carta de repúdio, já assinada por 57 professores eméritos da UFRJ, que reproduzimos na íntegra em nossa matéria. 
    Falaremos, por fim, de diversidade. Em nossa matéria da página 6 aprofundamos a pesquisa, divulgada este mês pelo portal de notícias G1, que mostra um aumento significativo no número de alunos pretos e pardos na UFRJ desde a adoção do sistema de cotas, em 2014: 71%. O avanço dessa política de inclusão é motivo de comemoração. Em 2013, um ano antes da adoção do sistema, os alunos que se autodeclaravam negros e pardos somavam 21,3 mil, e esse número saltou para 36,6 mil em 2020. O percentual entre alunos negros e pardos em relação aos alunos brancos também mudou bastante. Em 2013, os negros e pardos representavam 24,7% do total, contra 51,2% de brancos; em 2020, esses percentuais foram de 35,5% e 40%, respectivamente.
    Boa leitura!

WhatsApp Image 2021 11 12 at 20.52.03MUDANÇA Nicolle diz que perfil dos alunos nas salas de aula mudouCriada em 2012 e adotada pela UFRJ em 2014, a Lei de Cotas promoveu, numa das maiores universidades da América Latina, a mudança estrutural que faltava. Segundo um levantamento feito pelo portal de notícias G1, de 2013 para 2020 o número de estudantes autodeclarados pretos e pardos dentro da universidade aumentou em 71%. Se, em 2013 (um ano antes da adoção da lei pela UFRJ), as pessoas pretas e pardas eram minoria (21,3 mil), hoje elas são 36,6 mil, ocupando espaços científicos e administrativos dentro da universidade, que a cada dia aprimora estratégias para lidar com o racismo institucional, como a Câmara de Políticas Raciais e as Comissões de Heteroidentificação.
“A UFRJ foi uma das últimas universidades a aderir às cotas raciais. Num primeiro momento, ainda havia resistências, e também incompreensões. A academia se dividiu, houve manifestações contrárias e favoráveis. Ficou, durante um tempo, introjetada a questão meritocrática”, lembra Denise Góes, servidora que coordena a Câmara de Políticas Raciais. Para ela, o aumento de pessoas pretas e pardas na universidade ajudou a fazer crescer a consciência, de maneira geral, da importância da população afrodescendente ocupar espaços institucionais. “A entrada de um jovem ou pessoa mais velha, negra, modifica e altera o status quo. O fato de estar pisando na universidade é muito importante, tem uma qualidade espetacular”, acredita.
Denise é uma das pessoas empenhadas em tornar o acesso pelas cotas justo, sem fraudes. Na experiência com as Comissões de Heteroidentificação, ela reconhece que ainda existem caminhos a serem buscados para aperfeiçoar a entrada de estudantes negros. “O caminho a percorrer é fazer da lei um instrumento que garanta a vaga, e das comissões um instrumento para o sujeito de direito. A autodeclaração continua sendo importante. É preciso que as políticas de assistência estudantil sejam aprofundadas. É uma dicotomia permitir o acesso e ceifar a assistência estudantil”, afirma a servidora. “A UFRJ, como maior da América Latina, tem que criar um plano B para garantir a expansão e aprofundamento das políticas de permanência. Senão é como ficar com sede no deserto”, completa.

DIVERSIDADE
O secretário geral da Associação de Pós-Graduandos (APG) e docente do CAp-UFRJ, Jorge Marçal, é um dos muitos beneficiados pela Lei de Cotas. “Fui de uma das primeiras turmas de cotas na Biologia. Entrei em 2015.1, e peguei o começo dessa discussão na universidade, o início da formação dos coletivos de estudantes negros”, conta. “Me marcou muito estar na universidade no início desta experiência, porque as pessoas ainda estavam se adaptando, algumas discussões ainda estavam tomando força e eu pude participar dessas movimentações formando o coletivo de estudantes negros e negras da Biologia, que promovia eventos e fez parte do início da discussão das Comissões de Heteroidentificação”, completa.
Para Jorge Marçal, racismo institucional não é algo que se relaciona somente ao contexto interno das instituições, mas ao modo como as instituições respondem aos desafios que estão postos, de maneira geral, na sociedade. “O contexto político em que aprovamos as cotas raciais era outro, em relação ao que estamos agora. É um contexto de desmonte das universidades públicas e da assistência estudantil”, lembra. Jorge acredita que o reconhecimento institucional das pessoas pretas e pardas ainda precisa aumentar. “Nos conselhos superiores, ainda é uma presença negra muito tímida. Nas categorias docentes, essa representatividade ainda é menor. É uma discussão para se enfrentar com mais veemência”, reflete.
Na coordenação da APG, Jorge vê desafios no que considera o último reduto da universidade em que não se tem, de maneira institucionalizada para todos os programas da pós, as cotas raciais. “Temos que garantir que a Lei de Cotas continue existindo na reavaliação que será feita no ano que vem. A universidade precisa tomar isso como uma pauta sua, não só do movimento negro, dos coletivos”, considera. Em 2022, quando a lei completa dez anos, o Congresso Nacional vai rediscutir a legislação. Para ele, os dados do levantamento do G1 são cristalinos, e mostram o quanto a universidade mudou. “Havia também aquela preocupação com a redução da excelência da universidade, e isso não se concretizou. Os cotistas, de maneira geral, têm um desempenho melhor que os não cotistas”, diz. “Os dados mostram que as cotas são positivas para a universidade, e retirá-las seria um balde de água fria”, completa.
Prestes a se formar em Publicidade e Propaganda pela Escola de Comunicação, Nicolle Araújo sentiu o impacto da Lei de Cotas apenas quando ingressou na universidade, em 2017. “Antes de fazer pré-vestibular e pensar em entrar na faculdade, não entendia muito bem a importância das cotas. Não sabia o real peso disso tudo. Depois que entrei, hoje, quase me formando, consigo sentir a importância das cotas serem inseridas no processo de admissão”, conta. “Por mais que eu tenha tido uma educação bem estruturada, tive o privilégio de estudar em colégios públicos muito bons, consigo ver que se não tivesse usado a cota, talvez não conseguisse entrar”, afirma. Nicolle reconhece que a mudança nas salas de aula é perceptível, mas acha que ainda há muito a ser melhorado. “Houve um aumento de diversidade, tanto no quesito renda como na raça, na universidade como um todo. Porém vejo muitas pessoas que usam o benefício de maneira errada, fraudadores, o que ainda dificulta a entrada de pessoas que realmente têm esse direito”, acredita.
O professor Vantuil Pereira, diretor do NEPP-DH e um dos idealizadores do Coletivo de Docentes Negros e Negras da UFRJ, também sente o impacto das cotas na sala de aula. Quando começou a lecionar na universidade, em 2010, havia apenas três alunos negros na matéria que ministrava no curso de Relações Internacionais. Hoje, a realidade é outra. “Há uma combinação das cotas com o Sisu e o Reuni. É um movimento que aconteceu todo junto e levou ao crescente aumento de alunos. Em termos de professores, também está acontecendo, mas em menor proporção. Uma coisa que percebo é que há um grande numero de professores negros na universidade por conta do Reuni. Se agora temos cerca de 15% de professores negros, é por conta do Reuni, gente que saiu da pós-graduação entre 2005 e 2008, em um contexto de formação anterior às cotas. E agora temos essa feliz combinação, quando comparamos com o número de alunos”, diz.

WhatsApp Image 2021 11 05 at 19.26.03Diretoria da AdUFRJ

Na semana em que perdemos Nelson Freire, o pianista que emocionava muito além dos prelúdios e que, entre muitos títulos, carregava o de “Doutor Honoris Causa da UFRJ”, tentamos fazer um jornal parecido com a universidade.
Nas próximas páginas, oferecemos um resumo da potência criativa, responsável e diversa da comunidade universitária. Tratamos da ciência à arte. Da pesquisa à extensão. Do compromisso com o meio ambiente na COP26, na Escócia, ao retorno presencial seguro no Fundão.
Nas páginas 4 e 5, registramos as primeiras horas de retorno dos servidores ao trabalho presencial, no último dia 3. A data, definida pelo Consuni, reafirma o princípio constitucional da autonomia da universidade, e marca a forma como iremos reocupar os campi. Iremos devagar, como num samba do mestre Paulinho da Viola, no compasso do respeito aos protocolos sanitários, aos colegas e à ciência. Espaços mapeados, sinalizados e com distanciamento resguardado marcaram essa volta gradual.
A ciência, aliás, é o tema da alvissareira notícia publicada aqui ao lado. A matéria se debruça sobre o trabalho incansável dos profissionais da UFRJ em Macaé e mostra que a cidade fluminense conquistou os melhores índices do estado do Rio no combate à covid-19.  Os dados foram registrados na prestigiada Nature, em artigo assinado por 21 professores do campus da universidade. Graças ao trabalho do Nupem na testagem, monitoramento (com geolocalização) e acompanhamento dos casos, Macaé tem hoje a menor taxa de letalidade (2,1) entre os municípios com mais de 500 mil habitantes do estado.
A preocupação com a qualidade de vida da população também é tema do projeto de extensão Encosta Viva, que ilustra a página 6. O projeto da Escola Politécnica está percorrendo escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro com oficinas onde os alunos da Educação Infantil ao nono ano podem conhecer mais sobre os deslizamentos de terra que assolam várias comunidades da capital. O projeto já chegou a cerca de 600 estudantes, muitos deles moradores de comunidades com áreas de risco, e vai prosseguir em 2022.
A responsabilidade da UFRJ com todo o planeta também aparece nessa edição. Na página 7, mostramos o trabalho da Coppe na Conferência do Clima. A professora Suzana Kahn, vice-diretora da unidade, está na Escócia e, de lá, concedeu entrevista exclusiva com um balanço dos primeiros dias do evento. O debate da COP26 conta com participação ativa dos pesquisadores da universidade. A Coppe coordenou a elaboração do relatório “Clima e Desenvolvimento - Visões do Brasil em 2030”, que apresenta alternativas para um futuro alicerçado no desenvolvimento sustentável. O documento, com a contribuição de mais de 250 especialistas, se baseia na economia de baixo carbono, na justiça e na inclusão social.
E, com arte e saudade, terminamos o jornal com o resgate da cerimônia em que a UFRJ concedeu o título de Doutor Honoris Causa ao pianista Nelson Freire, em 2011, na Escola de Música. Foi o primeiro título acadêmico da história desse fascinante artista que morreu na última segunda-feira e nos deixou ainda mais órfãos de delicadeza e talento. Que a saudade de Nelson e de outros tantos que partiram nessa interminável pandemia ilumine o compasso de nosso reencontro na universidade.

Topo