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Por Beatriz Coutinho

Resistir em um ambiente masculino, salpicado de piadas machistas, subestimação da capacidade e solidão, é quase um ato heroico de mulheres que decidem ingressar nas áreas exatas. Para mudar esse cenário, Luis Coimbra, doutorando da Coppe/UFRJ, desenvolveu o projeto Heroine’s Learning Journey, ou Jornada de Aprendizagem da Heroína. “A Jornada não é um curso em si, mas uma proposta para transformar cursos das áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática — STEM (sigla em inglês) — em uma experiência única de aprendizagem para mulheres”, explica o pesquisador.

A pesquisa é baseada no estudo de Joseph Campbell, escritor norte-americano que desenvolveu o conceito de “Jornada do Herói”, no qual, em 17 etapas, o protagonista — homem — se torna notável ao longo da história e, no final, retorna ao mundo para ajudar as pessoas. “Ele [Campbell] entendeu que há um mecanismo: o processo de autoconhecimento”, conta o doutorando. “Aprofundei a pesquisa e encontrei a psicóloga Maureen Murdock. Questionando Campbell, ela desenvolveu a Jornada da Heroína, que dava protagonismo às mulheres”. Para o pesquisador, no entanto, o achado ainda não era suficiente. Murdock se baseava nas mulheres de 40 anos, norte-americanas, um escopo muito restrito e pouco aplicável. “Procuro ampliar esse público para as mulheres das exatas”, propõe.

A ideia da Jornada é gerar autoconfiança por meio da identificação. “Dentro do projeto, eu trouxe um desafio relacionado à mulheres de sucesso na Ciência, mas que foram escondidas por anos”, argumenta Coimbra, que classifica essas cientistas como rolemodels, ou mulheres-modelo. “Isso fortalece a segurança dessas meninas”, diz Coimbra. Um passo importante para a permanência delas nas exatas. Segundo relatório do Igualdade STEM, produzido pelo Laboratório do Futuro, da Coppe, o percentual de egressas da área, em 2019, é de 33% no Brasil, quase metade daquele de egressas de todo o ensino superior (60%).

No mercado de trabalho, o cenário não muda: elas representam somente 31% da mão de obra. “O algoritmo de um chatbot da Microsoft foi criado somente por homens. Em poucas horas, o chat propagava o modelo mental deles”, exemplifica Coimbra. “Se as mulheres não ocuparem esses espaços, teremos menos resultados de inovações tecnológicas igualitárias.”

E se é difícil para mulheres em geral, o problema se aprofunda em relação às mulheres não brancas. Mulheres pretas são apenas 6,1% das egressas dos 122 cursos STEM, em 2019, enquanto pessoas pardas (mulheres e homens) representam aproximadamente 30% desse total. “A igualdade é um direito constitucional”, argumenta Yuri Lima, coordenador do Laboratório do Futuro. “Existem barreiras para entrada e permanência dessas pessoas no próprio mercado de trabalho.”

Luciana Nascimento, que colaboradora nas ações de pesquisa do Igualdade STEM, defende que toda a sociedade se integre em diferentes iniciativas para romper essas barreiras. “Iniciativas de todas as partes devem ser tomadas, visando a empoderar meninas, desfazer estereótipos e acolher quem quiser seguir pela área de STEM”.
Para o coordenador do Laboratório de Ludologia, Engenharia e Simulação (Ludes/Coppe), Geraldo Xexéo, integrar o projeto Jornada de Aprendizagem da Heroína é também transformar o laboratório. “Abrir as portas do Ludes para as mulheres é fazer nossos jogos atingirem a sociedade de forma plena”, explica o professor. “É importante dizer para elas que elas podem ser o que quiserem, inclusive ótimas engenheiras”, frisa.

SERVIÇO
Para participar do projeto, os professores podem acessar a área “Framework”, no site da pesquisa (https://heroicjourneys.life/pt/science-is-for-women/), para aplicar a Jornada em algum curso próprio. Caso haja dúvidas, os professores podem entrar em contato com os desenvolvedores do projeto, pelo próprio site.
Meninas entre 15 e 21 anos podem se inscrever em cursos gratuitos. O primeiro deles é de Aprendizagem de Máquina, o Machine, Learning, Maths e Ethics: Hands-on, que já está com matrículas abertas. O curso começa em 30 de março e tem duração de três meses. As vagas são ilimitadas. Compõem o projeto o Laboratório do Futuro e o Ludes, ambos da Coppe/UFRJ, e o Departamento de Matemática da Universidade de Lisboa. A pesquisa também tem parceria com o Fostering Women to STEM MOOCs (FOSTWOM), desenvolvido pela Comunidade Europeia.

HEROÍNAS DA UFRJ
Larissa Galeno sonhava em cursar Ciências da Computação desde os dez anos. Ingressou no curso em 2016. “Eram cinco meninas na turma, comigo inclusa, para 60 meninos”. A busca por um ambiente de mulheres na sua área a levou a fundar o projeto de extensão “Minervas Digitais”, que promove empoderamento feminino na Computação. “Em 2019, por exemplo, tratamos sobre a Síndrome do Impostor, que acometia muitas meninas no meu curso”. O distúrbio gera como sintoma a ideia de autossabotagem. “O projeto foi importante para mim, porque pude ir mais a fundo na questão de gênero”.

“Fico tímida para tirar dúvidas ao vivo com o professor. Em uma turma de homens, você fica sem graça de ser a pessoa que não entendeu algo”, desabafa Larissa Dalimar, que começou seu curso, também na Computação, no segundo semestre de 2017. Até nas conquistas, o estigma de ser mulher pesa. “Ainda caloura, fui a única candidata a passar num processo seletivo para um curso de extensão. Só tinham homens mais velhos na sala. Foi a experiência que mais me constrangeu”.  

Outras iniciativas caminham no mesmo sentido: empoderar e aumentar a participação feminina nas Ciências Exatas. No Instituto de Física, a professora Thereza Paiva coordena o “Tem menina no Circuito”, lançado em 2013. “Foi a fagulha que faltava”, explica. Na época, a discussão de paridade de gênero não existia no instituto. “As coisas eram o que eram. Quando trazíamos as meninas e elas circulavam pelos corredores, as pessoas perguntavam por elas. Foi importante a visibilidade, virou assunto”, conta animada.

O projeto já atendeu cerca de 150 meninas e atua em escolas públicas, no Ensino Médio e, em 2022, também no Ensino Fundamental II. Três egressas do projeto já conseguiram chegar aos cursos STEM da UFRJ. “Celebramos qualquer menina que entra na universidade, mas quando entra na UFRJ, e em Exatas, ficamos ainda mais felizes”, orgulha-se Thereza. Na sexta-feira passada (11), Dia Internacional das Meninas e Mulheres na Ciência, o “Tem menina no Circuito” lançou um estudo que contabiliza os docentes no Estado do Rio de Janeiro de oito instituições de ensino e pesquisa, nas áreas de Química, Física e Matemática. “Só temos 20% de professoras na Física. São necessárias iniciativas para mudar isso”, aponta.

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