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WhatsApp Image 2021 12 10 at 20.29.58Foto: MARCELLO CASAL JR/AGÊNCIA BRASIL

Cresce a pressão contra a atual gestão da Capes. As renúncias coletivas dos avaliadores de quatro áreas do conhecimento têm recebido amplo apoio da comunidade acadêmica do país. E uma das manifestações de solidariedade partiu de 55 professores eméritos da UFRJ (a íntegra pode ser lida abaixo). “O reconhecido sistema de avaliação da pós-graduação brasileira, fator de contínuo aperfeiçoamento de nossos programas de pós-graduação, vem sendo desconstruído, sistemática e intencionalmente pelo governo atual”, afirma um trecho da nota divulgada esta semana.
Diretor da AdUFRJ e um dos signatários do documento, o professor Ricardo Medronho observa que os eméritos da universidade não poderiam silenciar diante da inoperância atual da Capes. O professor destaca outro ponto de atrito entre os cientistas e a presidência da agência. “O Plano Nacional de Pós-graduação (PNPG) terminou em 2020. E até hoje os gestores atuais da Capes não tomaram nenhuma iniciativa para promover as discussões do plano de 2021 a 2030. Isso está completamente parado”, criticou.
Integrante do Consuni como representante dos professores eméritos, Medronho propôs ao colegiado que incorporasse a carta em solidariedade aos cientistas como uma moção, na sessão do dia 9. “Essa nota foi endossada pelo Conselho de Centro do CCS, em sua última reunião”, reforçou. O texto foi aprovado por unanimidade.

MAIS 34 CIENTISTAS
DEIXAM QUADRIENAL
Na terça-feira (7), 34 coordenadores e consultores da área das Engenharias III (Engenharia Aeroespacial, Engenharia Mecânica, Engenharia Naval e Oceânica e Engenharia de Produção) renunciaram às funções de avaliadores dos programas de pós-graduação — apenas um integrante da comissão não se retirou. Ao todo, já são 114 cientistas insatisfeitos com a política da agência de fomento, contando com os que já haviam renunciado nas áreas de Física/Astronomia; Química; e Matemática, Probabilidade e Estatística.
A mais recente saída ocorre após a decisão judicial que autorizou a retomada dos procedimentos da Avaliação Quadrienal 2017-2020, sem permitir a divulgação dos resultados. No documento em que formalizaram a renúncia, os pesquisadores expõem a convicção de que, nestas condições, não será possível realizar um trabalho “com a qualidade necessária para o cumprimento de seu papel” de orientar as políticas públicas para o desenvolvimento da pós-graduação brasileira.
A falta de garantia com a transparência dos resultados é uma das principais preocupações. “A Comissão não vê como justificável o investimento de recursos públicos escassos e, principalmente, do trabalho intenso de 35 cientistas da área das Engenharias III, em tempo quase integral ao longo dos próximos quatro meses, neste cenário de incerteza”, diz um trecho da carta de renúncia.
A professora Juliana Braga Rodrigues Loureiro, da Escola Politécnica da UFRJ, era uma das consultoras da área. “Fui convidada em janeiro. De janeiro até a suspensão da avaliação, em setembro, a gente se reunia semanalmente para preparar a avaliação quadrienal. É um tempo investido e um trabalho muito grande para não sabermos se vai valer a pena”, explica.

RESPOSTAS DA CAPES
Questionada sobre as críticas dos pesquisadores, a Capes respondeu, via assessoria, que “a intenção é obter, sim, autorização para a divulgação dos resultados”. E, para isso, esclarecerá “todos os pontos solicitados” pela Justiça. Disse ainda que aguarda o novo cronograma da Avaliação Quadrienal, elaborado pelo Conselho Técnico-Científico (CTC). “A prorrogação dos mandatos vai considerar o novo calendário, necessário à avaliação, em respeito à legalidade e à segurança jurídica do processo avaliativo”. Em relação às áreas em que houve renúncia coletiva dos avaliadores, a assessoria informou que os coordenadores, “caso queiram”, poderão permanecer nos cargos “ou vamos consultar os dados da última eleição e chamar os mais votados”. A Capes não se pronunciou sobre o PNPG em seus últimos comunicados à imprensa.

NOTA DE PROFESSORES EMÉRITOS DA UFRJ EM SOLIDARIEDADE
AOS DEMISSIONÁRIOS DOS COMITÊS ASSESSORES (CAs) DA CAPES

Os professores Eméritos da UFRJ abaixo vêm por meio desta nota manifestar a sua solidariedade aos mais de 110 colegas dos Comitês Assessores das áreas de Química, Matemática/Probabilidade e Estatística, Astronomia-Física e Engenharias III, do sistema de avaliação da Capes, que tomaram a decisão de solicitar demissão coletiva, em função da falta de compromisso da instituição tanto com a avaliação quadrienal quanto com a elaboração do necessário Plano Nacional de Pós-Graduação- PNPG 2021-2030. Acrescenta-se a isso a urgência, inexplicada e seguramente desnecessária, em liberar a submissão de propostas de pósgraduação stricto sensu de ensino a distância (EaD), sem antes proceder a uma cuidadosa análise e sem nem mesmo dar a palavra aos atuais programas de pós-graduação.
O reconhecido sistema de avaliação da pós-graduação brasileira, fator de contínuo aperfeiçoamento de nossos programas de pós-graduação, vem sendo desconstruído, sistemática e intencionalmente pelo governo atual. Orçamentos irrisórios e tentativas constantes de desprestigiar institutos de pesquisa de reconhecido mérito, nacional e internacional, têm provocado uma crescente evasão para o exterior de brilhantes jovens pesquisadores, o que comprometerá o futuro da ciência nacional.
Desejamos que a honrosa atitude dos membros dos CAs mencionados repercuta e sirva para uma profunda reflexão sobre todo o sistema de ensino e pesquisa brasileiro, construído com grande denodo, ao longo de várias décadas, por nossa comunidade científica.

Em 07/12/2021

Adalberto Ramon Vieyra

Adelaide Maria de
Souza Antunes

Alice Rangel de Paiva Abreu

Ana Ivenicki

Andrea Daher

Anita Dolly Panek

Antonio Carlos Secchin

Antonio Flavio Barbosa Moreira

Antonio Giannella-Neto

Arthur Octavio de Avila Kós

Basilio de Braganca Pereira

Celina Moreira de Mello

Claudio Costa Neto

Consuelo da Luz Lins
Erasmo Madureira Ferreira

Fernando Garcia de Mello

Francisco Radler de
Aquino Neto

Gilberto Barbosa Domont

Helio Migon

Henrique Murad

João Luiz Maurity Saboia

Jose Angelo de Souza Papi

Jose Mauro Peralta

José Paulo Netto

Krishnaswamy Rajagopal

Liu Hsu

Luiz Bevilacqua

Luiz Felipe Alvahydo
de Ulhoa Canto

Luiz Pereira Caloba

Luiz Pinguelli Rosa

Marcello André Barcinski

Márcio Tavares d’Amaral

Maria Angela Dias

Maria Antonieta Rubio Tyrrell
Marieta de Moraes Ferreira

Martin Schmal

Muniz Sodré de Araújo Cabral

Nei Pereira Junior

Nelson Maculan Filho

Nelson Spector

Nicim Zagury

Nizia Maria Souza Villaça

Nubia Verçosa Figueiredo

Olaf Malm

Radovan Borojevic

Raquel Paiva de Araújo Soares

Ricardo de Andrade Medronho

Roberto Lent

Sandoval Carneiro Jr.

Sergio Augusto Pereira Novis

Takeshi Kodama

Talita Romero Franco

Vivaldo Moura Neto

Walter Araujo Zin

Yvonne Maggie

WhatsApp Image 2021 12 10 at 20.35.30MAYRA GOULART
Vice-presidente da ADUFRJ, professora de Ciência Política e de Yoga

Coluna publicada quinzenalmente no Jornal da AdUFRJ

Vamos retomar nossa conversa sobre os sutras de Patanjali. Na última coluna, apresentamos um compilado sistemático de instruções para guiar o praticante de Yoga em sua jornada rumo ao Samadhi, entendido como estado de completa consciência e meditação plena, no qual as dualidades entre sujeito e objeto, indivíduo e natureza, razão e emoção são superadas. É nesse estado que as oscilações da mente (vritti) são recolhidas. Trata-se, portanto, de um estado em que somos capazes de conter a tendência natural de voltar nossa atenção para o que é externo: objetos materiais e sensações causadas pelo contato com eles. Questões imaginárias como medos, preocupações e angústias também podem ser apaziguadas no Samadhi.

WhatsApp Image 2021 12 10 at 20.36.37Nos sutras, o primeiro capítulo se dedica a delinear os contornos de um propósito geral, definindo o Yoga como esse estado de recolhimento das oscilações da mente e indicando os requisitos para sua prática. No texto, Patanjali deixa claro que tais requisitos não consistem em dinâmicas físicas, mas em preceitos éticos determinados (Yamas), que serão objeto da nossa coluna de hoje, seguidos de indicações morais (Nyamas), formuladas como normas de aperfeiçoamento pessoal, sobre as quais trataremos no próximo texto. Com isso, espero ratificar o propósito de Patanjali ao ressaltar que o Yoga delineia uma disciplina que trabalha a mente, utilizando o corpo como uma ferramenta para alcançar propósitos de natureza psicológica, ética e moral.

Sendo assim, osYamas se dedicam a harmonizar as interações sociais e os Nyamas, as disposições e sentimentos internos do praticante, reduzindo as fricções entre atitudes externas e disposições internas. Esta proposta se baseia na hipótese de que há uma circularidade entre ambas, sem que haja precedência de uma sobre a outra. Em outros termos, o controle das atitudes e do corpo aumenta o controle sobre a mente. Atitudes mais conscientes levam a uma mente mais calma e com mais controle sobre seus padrões (samskaras, compreendidos como conjunto das tendências subconscientes, de caráter inato, hereditário e comportamental). Com essa perspectiva, o Yoga consiste em uma abordagem holística para o bem estar que começa pelo aspecto mais denso e periférico, pelo corpo, pela conduta para que, progressivamente, conforme o praticante ganhe consciência e capacidade de controle, abranja os elementos mais complexos da psiquê humana.

Os Yamas, são, portanto, o primeiro dos oito passos estabelecidos por Patanjali para a realização do Yoga, seguidos de Nyamas, Asanas (posturas), Pránáyáma (exercícios respiratórios e práticas de controle do prana); Pratyahara (abstração, recolhimento dos sentidos); Dharana (concentração), Dhyana (meditação) e Samadhi. Não obstante a separação didática, podemos compreender a meditação como uma combinação dos três últimos passos, que consistem em dinâmicas estritamente interiores, precedidas de três etapas voltadas a regular o corpo e as atitudes dos praticantes (Yamas, Nyamas e Asanas) e duas etapas voltadas a aumentar o controle sobre as dimensões mais sutis como a respiração e os sentidos (Pránáyáma e Pratyahara).

Os Yamas são formulados como normas de interação com os demais. O fato deles serem os primeiros nessa enumeração, ao meu ver, reforça o equívoco da forma solipcista como o Yoga vem se disseminando no ocidente, enquanto prática voltada a um tipo de bem estar pensado individualmente, quase que à revelia do mundo. Ao apresentar regras de convivência como o primeiro passo, Patanjali distingue o Yoga como prática social, voltada para o outro, para auxiliar os praticantes a serem mais úteis, mais adequados e mais comprometidos com a sociedade. Diferentemente de outros textos do período, o Yoga que é ensinado nos sutras não é dirigido a orientar a prática de monges reclusos, mas às pessoas comuns que querem se transformar com o objetivo de serem melhores, não apenas para si mesmas, mas para os outros.

Os Yamas são:

1. Ahimsa: não agressão. Evitar qualquer tipo de violência física, mental ou emocional contra si mesmo ou contra os demais.

2. Satya: autenticidade, verdade. Segundo Taimni, um dos mais tradicionais e prestigiosos estudiosos da filosofia do Yoga, autor de A Ciência do Yoga: Comentários sobre os Yoga-Sutra de Patañjali à luz do Pensamento Moderno, mentir provoca tensões desnecessárias que nos impedem de aquietar a mente.

3. Asteya: não roubar;

4. Brahmacharya: prática de uma vida espiritualmente regrada através da moderação dos sentidos.

5. Aparigraha: não cobiçar, não possessividade enquanto capacidade de controlar o apego por aquilo que se tem e o desejo de acumular, buscando o contentamento (santosha), que é um dos nyamas sobre os quais discorreremos na próxima coluna.
Após enumerar os Yamas, Patanjali indica que estas normas devem regular o comportamento de todas as pessoas, indiferentemente da posição que elas ocupam na sociedade, deixando claro que os poderosos, ricos e sábios também devem se esforçar para construir uma coletividade mais equilibrada e justa.

 

 

WhatsApp Image 2021 12 03 at 18.40.07A Universidade de Brasília firmou contrato com a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares há sete anos. O hospital da instituição vivia situação parecida com a das unidades de saúde da UFRJ, sobretudo o Clementino Fraga Filho: não havia autorização da União para abrir concursos públicos para substituição do grande número de extraquadros, profissionais contratados precariamente, e faltava dinheiro para obras.
Hoje, com todo o quadro de pessoal regularizado, o Hospital Universitário de Brasília possui 2.897 profissionais, segundo o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, entre residentes, estatutários e celetistas, e 215 leitos. “Eu realmente não teria condição financeira de efetuar as melhorias em infraestrutura que aconteceram nos últimos anos”, acrescenta a reitora Márcia Abrahão. A professora, 2ª vice-presidente da Andifes (associação nacional de reitores), é uma das principais dirigentes universitárias de oposição ao governo Bolsonaro.

Jornal da AdUFRJ –Qual é a atual situação do hospital?
Márcia Abrahão – Conseguimos regularizar toda a parte de pessoal, que era um problema sério, já que tínhamos muitos profissionais sem vínculo formal. Houve melhora no financiamento do hospital e investimento em infraestrutura. Na pandemia, tivemos aporte de recursos financeiros para ampliação de leitos para o tratamento da covid-19, bem como apoio institucional para a realização de pesquisas sobre a doença.

Uma das preocupações dos críticos à empresa é sobre a ingerência das universidades sobre seus hospitais após o contrato. Como funciona esta relação?
Temos uma boa relação estabelecida com a Ebserh. O hospital tem um conselho do qual eu faço parte e as unidades acadêmicas de ensino também têm assento. A superintendente da Ebserh na UnB foi escolhida por mim e é professora da Faculdade de Medicina. Eu não abro mão que o hospital seja da universidade, que as áreas de ensino, pesquisa, extensão e assistência estejam equilibradas. A Ebserh entende que o nosso hospital é de ensino. Obviamente, essa não é a melhor solução. O ideal seria que nós tivéssemos condição de contratar pessoas por nós mesmos, que tivéssemos orçamento, mas não temos. Então, contratamos uma empresa para administrar nosso hospital.

O que a senhora destaca como principais ganhos e principais problemas do hospital hoje?
Internamente ainda há problemas, sobretudo porque há vínculos diferentes de trabalho, com regimes diferenciados de pessoas, muitas vezes, exercendo as mesmas funções. Então, isso é bastante complexo tanto para os servidores, quanto para os gestores. Eu acho que esse é o problema atualmente. Por outro lado, a infraestrutura melhorou muito. Inclusive há mais obras em andamento no momento. Eu realmente não teria condição financeira de efetuar as melhorias que aconteceram nos últimos anos.

Quais cuidados são necessários numa eventual assinatura de contrato?
A reitoria não pode abrir mão de escolher sua superintendência. Um cenário possível é a empresa não acatar a escolha feita pela reitoria. A estrutura da Ebserh permite esse cenário. Por isso, acredito que seja interessante ter essa condição expressa em contrato. Outro ponto é a questão do ensino. O hospital precisa continuar sendo um hospital-escola. Creio que essa garantia também possa ser firmada em contrato. São pontos inegociáveis para uma universidade.

FSOU1265Foto: Fernando Souza/Arquivo AdUFRJLucas Abreu e Silvana Sá

Uma das joias da coroa da UFRJ é o seu conjunto de hospitais, mas, ano após ano, a administração central vê minguar os recursos para mantê-los ativos e servindo à sociedade. O Complexo Hospitalar reúne nove unidades de saúde. A maior delas é o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, uma das referências do Brasil em alta complexidade. Atende, em média, mil pacientes em seus ambulatórios por dia, tem um dos mais disputados editais de residência médica do país – o último concurso contou com 3.500 inscritos – e tem atualmente 364 leitos: 220 regulares e 144 exclusivos para a covid-19. A gigante estrutura de 110 mil metros quadrados abriga problemas tão complexos quanto as enfermidades que se destina a tratar.
Questão considerada central é a gestão de pessoal. O hospital tem um quadro de servidores próprio envelhecido, com média de idade superior a 55 anos. “Muitos estão já em idade de aposentadoria ou próximos de se aposentar. São pessoas que não conseguem tirar um paciente da cama, dar banho, fazer uma manobra, estão com dor nas costas, reumatismo e acabam sendo desviados para marcar consultas, pegar medicação”, revela uma das fontes ouvidas pela reportagem em condição de anonimato. WhatsApp Image 2021 12 03 at 18.49.451
Para cobrir o “buraco” no atendimento e sem autorização da União para abrir concursos públicos, o hospital acaba por lançar mão dos trabalhadores extraquadros – profissionais sem vínculo formal com a instituição e sem direitos trabalhistas assegurados. Hoje, 618 pessoas atuam no HU como extraquadros. No Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (Cnes) esses profissionais figuram como “vinculação informal”, contratados “verbalmente”.
Somado à idade avançada desse grupo de servidores, há outro problema: não há marcação de ponto no hospital e, com isso, há profissionais que se valem da situação para acumular trabalhos em outros locais, mas em horários em que deveriam atender pacientes no Clementino Fraga Filho. “A fila do SUS está enorme. Não é justo com a sociedade”, critica outra fonte da área da saúde. Pesquisa realizada pela reportagem encontrou, por exemplo, alguns médicos cuja carga horária de trabalho é de 60 ou de 40 horas semanais no hospital e que também atuam em clínicas ou consultórios particulares em jornadas que variam de quatro a 40 horas semanais. Esses casos também acabam sendo cobertos por extraquadros e residentes.
O financiamento é a outra ponta desse grande nó, que repercute na infraestrutura e no ensino, já que impede a manutenção e ampliação e leitos, reformas, investimentos e contratação de pessoas. Não só o financiamento do Governo Federal vem caindo, como o financiamento do Fundo Nacional de Saúde, que é distribuído através do município pela produtividade da unidade de saúde, também caiu. E cada nova queda na quantidade de atendimentos leva consequentemente à redução das verbas do SUS.
É justamente esse o ponto do drama atual do principal HU da UFRJ: a direção está na iminência de fechar todos os leitos covid-19 por conta do fim do contrato dos profissionais temporários designados para atuarem na pandemia. Se isto ocorrer, o hospital voltará aos seus “usuais” 220 leitos e terá o orçamento minguado. Entre favoráveis e contrários à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares(Ebserh), todos concordam em dois pontos: o hospital é importante para a universidade e para a sociedade e sem pessoal e orçamento, o hospital não tem condições de permanecer ativo.

kellner
ALEXANDER W. A. KELLNER
Diretor do Museu Nacional

A maior homenagem que um paleontólogo — pesquisador que estuda os registros da vida do passado geológico do planeta — pode fazer é dedicar o nome de uma espécie a uma pessoa ou instituição. Esse foi justamente o caso de Berthasaura leopoldinae — o mais novo dinossauro do Brasil. Foi um trabalho de equipe, liderado por um aluno do Programa de Pós-graduação em Zoologia do Museu Nacional/UFRJ e que incluiu pesquisadores do Centro de Paleontologia da Universidade do Contestado, da COPPE/UFRJ e do Museu.
Todo organismo no nosso planeta recebe o nome composto por gênero e espécie. O nome do gênero da nova descoberta é uma junção de Bertha, homenagem a Bertha Lutz, + saurus, que vem do grego e significa WhatsApp Image 2021 12 03 at 18.40.071BERTHASAURA LEOPOLDINAE, no oásis que era Cruzeiro do Oeste há 115 milhões de anos - ARTE: MAURILIO OLIVEIRA“lagarto” ou “réptil” e é comumente utilizado na denominação de répteis fósseis. Foi utilizada a conjugação feminina, já que se refere a uma mulher. E que mulher!
Bertha Maria Júlia Lutz (1894 – 1976) foi uma pessoa notável que estava bem à frente do seu tempo. Era bióloga e realizou inúmeras pesquisas com anfíbios no Museu Nacional antes mesmo dessa instituição ter sido incorporada à UFRJ (o que ocorreu em 1946). Ingressou na instituição em 1919 como secretária, a única função disponível na época para uma mulher no serviço público (!), sendo a segunda funcionária pública do nosso país — uma conquista e tanto para a época. Mas nunca atuou em secretaria e sempre realizou pesquisa. Ela se aposentou em 1964, tendo sido eleita Professora Emérita da UFRJ.
Formada em Sorbonne (França), Bertha Lutz viajou bastante ao longo de sua carreira, incluindo a participação em diversos congressos realizados nos Estados Unidos, fato não comum para aquele tempo. Nos anos 50, passou uma temporada no British Museum (hoje Natural History Museum) em Londres. Realizou diversas atividades de campo, sobretudo no Sudeste e no Mato Grosso.
Não apenas na pesquisa essa personagem importante da ciência brasileira se destacou. Bertha Lutz foi a primeira mulher a se tornar deputada no Brasil, tendo sido candidata em 1934 quando ficou com a primeira suplência (que na época era dada ao candidato com maior número de votos entre os não eleitos). Tomou posse em 1936 (com a morte de um deputado) ficando nessa atividade até 1937, quando Getúlio Vargas fechou o Congresso Nacional. Feminista, foi uma das principais lideranças na luta pelos direitos políticos das mulheres brasileiras, reconhecida nacionalmente e internacionalmente. O nome dessa grande brasileira deveria ser mais destacado e difundido na nossa sociedade pelo seu exemplo.
O nome da espécie do novo dinossauro, B. leopoldinae, faz uma dupla homenagem. A primeira é para a Imperatriz brasileira Maria Leopoldina (1797–1826). A arquiduquesa austríaca pertencente a uma das mais poderosas dinastias europeias da época (Harbsburgo–Lorena), veio ao Brasil como esposa de D. Pedro, que viria a ser primeiro imperador do país. Grande entusiasta das ciências naturais, a futura imperatriz trouxe em sua comitiva vários naturalistas e artistas europeus, que percorreram e documentaram a história natural do Brasil Colônia. Ela mesma se interessava pelo estudo de minerais e fez coletas importantes de plantas que ainda estão guardadas no Museu Nacional. Foi graças à sua atividade, e posteriormente a do seu filho, D. Pedro II, e de sua esposa, a Imperatriz Tereza Cristina, que o palácio de São Cristóvão sempre foi um templo das ciências naturais e antropológicas no nosso país!
Porém, não apenas a ciência destaca D. Maria Leopoldina! Fato que muitos desconhecem é que foi pelas mãos da futura imperatriz que passaram os documentos enviados ao jovem D. Pedro no dia 02 de setembro de 1822, culminando com a declaração da independência do Brasil alguns dias mais tarde. Na proximidade do bicentenário dessa data tão importante, temos a oportunidade de promover um resgate histórico dessa mulher maravilhosa que era austríaca de berço, mas em cujo peito batia um generoso coração brasileiro! Na sua morte, o Brasil chorou a perda de sua primeira imperatriz, conhecida como a “mãe dos brasileiros”, que sofreu muito durante a vida, mas nunca se esquivou em ajudar com a sua bondade o povo brasileiro, tendo especial atenção para com os mais desafortunados, incluindo os escravizados. Um exemplo de abnegação que muitos poderiam seguir!
Por último, mas não menos importante, leopoldinae é uma justa homenagem à escola de samba Imperatriz Leopoldinense, que honrou o Museu Nacional/UFRJ com o tema do seu desfile na Marquês de Sapucaí em 2018 — Uma Noite Real, no Museu Nacional! A sensibilidade do carnavalesco Cahê Rodrigues na forma de retratar o Museu na avenida ainda emociona todos que se lembram daquele 13 de fevereiro de 2018. Era o ano do bicentenário da instituição, que é o primeiro museu do país e também a primeira instituição científica do país.
Naturalmente, a importância da descoberta desse novo dinossauro transcende as homenagens. Berthasaura leopoldinae representa um terópode (Theropoda) – grupo de dinossauros carnívoros ao qual pertence o T. rex. Mais especificamente, a nova espécie é um abelissauróide (do clado Noasauridae), que eram formas de animais no topo da cadeia alimentar encontradas no supercontinente Gondwana (que reunia as massas continentais da América do Sul, África, Austrália, Índia e Antártica). Sendo o dino mais completo do cretáceo brasileiro, com crânio, mandíbula, coluna vertebral, cintura peitoral e pélvica, braços e pernas (faltando os pés), era uma espécie com perto de um metro de comprimento. O mais interessante: desprovido de dentes! Porém, para se ter a certeza de que se tratava do primeiro dinossauro edêntulo da América do Sul, tivemos que lançar mão de uma tecnologia que cada vez mais tem sido utilizada na pesquisa dos fósseis: a tomografia computadorizada. Pesquisadores do Laboratório de Instrumentação Nuclear (LIN) da Coppe/UFRJ usaram o microtomógrafo para realizar as imagens que confirmaram a descoberta. Tecnologia de ponta utilizada na pesquisa de fósseis.WhatsApp Image 2021 12 03 at 18.40.42COLETA em Cruzeiro do Oeste (2013)
Outro aspecto importante da descoberta, que, como vimos, reúne ciência, tecnologia, história e cultura, é o fato de que o fóssil e uma escultura em vida de Berthasaura leopoldinae serão brevemente expostos em um centro de visitação que o Museu irá abrir ainda no primeiro semestre do ano próximo. Uma belíssima área de 44 mil m2 ao lado do parque da Quinta da Boa Vista. Obrigado, Instituto Cultural Vale, por prometer a doação de R$ 500 mil necessários para tornar esse sonho da instituição possível: voltar a receber as crianças das escolas que se encontram órfãs de Museu Nacional!
A descoberta e todo o desenrolar da pesquisa associada ao novo dinossauro mostrou mais uma vez que a nossa UFRJ continua gerando pesquisa de alta qualidade! Também cabe destaque como a colaboração entre diferentes setores da universidade pode funcionar superbem, produzindo resultados importantes. Sem contar com a gratidão que o Museu tem com os seus parceiros externos, como o CENPALEO, que com a sua generosidade tem acolhido pesquisadores e alunos, muitos dos quais estão desenvolvendo suas dissertações de mestrado e teses de doutorado com exemplares daquela instituição.
Infelizmente, nem tudo são flores... Como mencionado, Berthasaura leopoldinae terá a sua “casa” no centro de visitação, juntamente com os novos exemplares que temos recebido no esforço de recomposição das coleções (mais informações no site recompoe.mn.ufrj.br). O mesmo não ocorre com os profissionais do Museu. Passados mais de três anos da tragédia de 2 de setembro de 2018, uma grande parte dos servidores sofre por não ter local adequado para realizar seu trabalho. Dois anos após a verba assegurada pela ação determinante da Direção do Museu para a construção de seis módulos emergenciais ter sido liberada, ainda estamos longe de alcançar essa meta. Desculpas e mais desculpas pelos que deveriam ajudar os seus colegas de instituição — nem mesmo o processo licitatório foi feito! Sem contar com o fato de agora sermos “brindados” pelos que estão coordenando esse projeto com a redução para três módulos apenas... Infelizmente, alguns colegas da nossa universidade não estão fazendo a sua parte na reconstrução da área acadêmica da instituição, tão importante para a sua sobrevivência. Mas isso será objeto de um novo artigo em futuro próximo e é algo que irá mudar na próxima gestão do Museu Nacional/UFRJ.
Por hoje, vamos ficar contentes com essa belíssima e justa homenagem que mistura de forma singular ciência, tecnologia, história e cultura! A pesquisa foi desenvolvida por Geovane A. de Souza, Marina B. Soares, Luiz C. Weinschütz, Everton Wilner, Ricardo T. Lopes, Olga M. O. de Araújo e por mim. O artigo pode ser obtido no site da Scientific Reports (www.nature.com/articles/s41598-021-01312-4). Informações sobre várias descobertas de fósseis no Brasil e no mundo podem ser obtidas na coluna Caçadores de Fósseis (https://cienciahoje.org.br/artigo_category/cacadores-de-fosseis/), um projeto do Instituto Ciência Hoje que em breve completará duas décadas. Feliz 2022 para todos e que melhores dias venham brindar a ciência, a cultura e as universidades brasileiras!

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