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WhatsApp Image 2022 01 21 at 19.24.54 2O fluxo de pesquisadores brasileiros qualificados que deixam o país é maior do que daqueles que regressam do exterior. A debandada de cientistas, percebida intuitivamente pela comunidade universitária, é confirmada por um estudo preliminar do Observatório de Ciência, Tecnologia e Inovação (OCTI), do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). “A evolução de coautores que saem do Brasil e passam a assinar artigos com a filiação no exterior é maior do que a evolução de brasileiros com a filiação no exterior que passam a coautorar artigos com a filiação no Brasil”, explicou Márcio de Miranda Santos, diretor-presidente do CGEE.
Driblando as dificuldades para a produção de dados sobre a fuga de cérebros, o observatório acompanha as mudanças na identificação de artigos científicos de brasileiros, atualmente indexados na Web of Science. A plataforma internacional e multidisciplinar abrange uma amostragem de 1 milhão e 135 mil coautores brasileiros, responsáveis por 424 mil artigos publicados entre 2015 e 2020.
A preocupação em relação à evasão de mestres e de doutores mobilizou o painel “Fico ou Não Fico? Eis a questão. Jovens cientistas no Brasil de hoje”, promovido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), no último dia 10. O título da mesa da SBPC faz alusão à decisão do príncipe regente D. Pedro I em permanecer e emancipar o Brasil de Portugal em 1822. O evento abre a agenda de comemorações da SBPC pelo bicentenário da Independência.
Foi durante o encontro virtual que o diretor-presidente do CGEE observou que “embora não seja possível precisar os números ainda”, é seguro afirmar que o saldo negativo entre pesquisadores qualificados que partem e os que retornam ao país “é uma grande tendência”. O quadro ganhou contorno a partir do depoimento de quatro jovens que abordaram diferentes nuances da falta de perspectiva profissional hoje no Brasil.

“Está difícil fazer planos”
“Como fazer planos se a gente não tem uma estabilidade política e econômica?”, questionou Helena Russo, do Instituto de Química da Unesp Araraquara (IQAr). Com as malas prontas para um pós-doutorado na Universidade da Califórnia, em San Diego (Estados Unidos), a pesquisadora diz que seu horizonte era desenvolver uma linha de pesquisa própria no país, depois da temporada fora. “Eu penso, sim, em voltar e ficar no Brasil. Mas isso vai depender muito da situação em que o país vai se encontrar daqui a três, quatro, cinco anos. Infelizmente, se não houver muitas oportunidades aqui e eu conseguir algo no exterior [migrar definitivamente] é uma realidade”, pontuou.

“Fiquei em um limbo sem bolsa. Logo depois, acabei engravidando”
A paixão pela Ciência mobiliza Patrícia Cortelo, formada em Química, desde cedo. “O bichinho da Ciência me picou durante o primeiro experimento na escola. Desde ali, pensei: vou ser cientista”, contou. Tudo ia bem na trajetória acadêmica, até que, em meados de 2015, ela percebeu uma rápida decadência no quadro. “Eu comecei a sentir a escassez de bolsa, a escassez de oportunidade”, lembrou. Depois do doutorado na Universidade de Nevada, nos Estados Unidos, ela voltou para o país para aplicar o conhecimento lá adquirido, mas não teve sucesso. “Fiquei em um limbo sem bolsa. Logo depois, acabei engravidando do meu filho e dei uma pausa na minha carreira. Deixei-a de lado e fui vivenciar a minha maternidade”.

“Não havia vagas nem para professor nem para pesquisador”
Por incrível que pareça, Raul Lopes está em um pós-doutorado na Université Paris Dauphine, na França, por falta de opção. Depois que concluiu o doutorado na área de Algoritmos, pela Ciência da Computação, o jovem pesquisador se deparou com o dilema: “E agora, o que vai ser da minha vida profissional?”. “Infelizmente, eu tenho contas a pagar”, brincou ele enquanto fazia seu testemunho pessoal. “Eu me vi em uma situação em que não havia vagas nem para professor nem para pesquisador em universidade federais e estaduais perto de mim”, contou. A única alternativa foi concorrer fora. E completou: “Considero isso uma pena, porque, fazendo aqui uma conta rápida, o Brasil gastou muito dinheiro na minha formação”.

Fora: contratos temporários e subalternidade
O tema soberania científica tem tudo a ver com a trajetória de Vinicius Kaue. O doutor em Antropologia dedica-se à análise das estratégias da Índia para aproveitar a presença de seus cientistas na Europa. Para ele, o modelo indiano acerta ao investir na consolidação de redes de colaboração globais que beneficiem o país de origem — e não focar no retorno do pesquisador. Kaue considera que as regras rígidas das universidades e das agências de fomento brasileiras desestimulam o regresso. Por outro lado, desmistifica a noção idílica de viver fora: “A perspectiva de ficar na Europa implica contratos temporários sem fim, durante muitos anos. E em uma posição muitas vezes de subalternidade por ser brasileiro ou latino-americano”.

Olho no amanhã
Entidades científicas expressam apreensão em relação à desvalorização da produção acadêmica nacional. “É claro que a Ciência é altamente internacionalizada, mas isso não substitui o fato de que é fundamental termos pesquisadores e institutos de pesquisa com recursos para trabalhar”, avaliou o presidente de honra da SBPC e docente da UFRJ, Ildeu Moreira.
Entre os aspectos que agravam o desinteresse de jovens pesquisadores em manter-se no Brasil, a pesquisadora Jaqueline Godoy Mesquita (UnB e ABC) destacou os cortes orçamentários radicais para bolsas e fomento. Mas ela incluiu na lista de “fatores desfavoráveis” o clima hostil à Ciência, negacionista, hoje forte no país.
O presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, é ainda mais duro na crítica à ordem de prioridades políticas do momento. “É muito esquisito você pensar que, aos 14 e 15 anos, um aluno de escola militar já está contando seu tempo para aposentadoria. De modo que temos oficiais generais que antes dos 50 anos já estão aposentados, com vencimentos integrais, reajustados e aumentados, nos últimos anos, em termos reais, enquanto muitos doutores estão com 30 anos e ainda não têm emprego fixo. Estão vivendo com bolsa e pós-doc”, comparou.

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