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WhatsApp Image 2022 01 14 at 17.20.08SIMPÓSIO DE QUÍMICA e Modelagem Molecular reuniu alunos, ex-alunos e colaboradores do professor Bicca, em 2013, quando completou 70 anos - Foto: Informativo IQUm cientista brilhante, de posições firmes, dedicado aos alunos. Um homem culto, elegante e querido por todos. Aos colegas e amigos de Ricardo Bicca de Alencastro, não faltam elogios para descrever o professor emérito, que faleceu em 16 de dezembro último. O Instituto de Química ainda chora a perda do multifacetado mestre, vítima de uma pneumonia, aos 78 anos.
“O professor Bicca deixa muitas saudades. Fui diretora do Instituto de Química por três gestões e ele participava de todas as reuniões de Congregação e eventos. Era muito colaborativo”, diz a professora Cássia Turci, decana do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza. “O professor Bicca amava a UFRJ. Muitas vezes, pegava carona com ele às 10 horas da noite, após as aulas nos cursos de licenciatura. Como eu, ele gostava de dar aula à noite também”, lembra. Quando completou 60 anos, o docente fez questão de fazer uma festa no Instituto de Química. “Estava muito feliz. Foi muita gente e ele me disse que ali estava a família dele”, observou Cássia.
Bicca era conhecido por falar pouco e baixo, mas a postura não o impediu de participar ativamente da vida política e administrativa da universidade. Chefiou o Departamento de Química Orgânica, ocupou o cargo de diretor do instituto entre 1976 e 1980, e integrou o Conselho Universitário por duas vezes. A primeira, quando era presidente do Diretório Central dos Estudantes da então Universidade do Brasil, em 1964 e 1965.
Em uma rápida pesquisa em edições digitalizadas do jornal Correio da Manhã, é possível encontrar registros do jovem dirigente do DCE, no início da ditadura militar, defendendo colegas da Faculdade Nacional de Direito de uma punição, criticando uma proposta de cobrança de anuidade aos alunos das federais ou propondo um fundo de assistência estudantil.WhatsApp Image 2022 01 14 at 17.19.54 3REGISTRO de uma viagem, no início de 2006, a Paris - Foto: Acervo pessoal/Carlota Parreira
O ex-líder do DCE, que se tornou professor em 1969, continuou a apoiar os estudantes. Bancava viagens para congressos, pagava bolsas e, às vezes, se tornava fiador daqueles que vinham de fora do Rio e precisavam alugar algum apartamento na cidade. Primeiro aluno de pós-doutorado dele, de 2000 a 2002, o hoje professor Osvaldo Andrade Santos Filho, do Instituto de Pesquisas de Produtos Naturais da UFRJ (IPPN/UFRJ), ainda sente bastante o falecimento do antigo mestre e é testemunha de sua generosidade. Ele recorda que, antes do surgimento do portal de periódicos da Capes, Bicca mantinha no laboratório um acervo atualizado, à disposição dos alunos e dos colegas docentes. O controle era feito de forma rigorosa por meio de um livrinho preto, com anotação do nome e data do empréstimo. “Naquela época, o acesso era mais difícil. Eram livros avançados que não podiam ser comprados em uma Saraiva, por exemplo. E ele fazia questão de importar esses livros, com dinheiro do próprio bolso, para o grupo de pesquisa”.
O professor Pierre Mothé Esteves, ex-aluno de Bicca nos anos 1990, também recorda de outro “mimo científico” do laboratório: um microcomputador PC-XT, modernidade da época, com livre acesso a todos, mesmo para quem não era aluno dele. “Era praticamente um ‘point’, um Jobi científico”, brinca, em referência ao famoso bar do Leblon. Hoje ocupando a mesma sala (a 622, do IQ), Pierre pretende manter o estilo do espaço. Herdeiro até de uma cadeira de escritório que pertencia a Bicca, o docente vai reformar o móvel como uma forma de homenagem.

LEGADO EXTENSO
Cientista brilhante, além de formar mestres e doutores que hoje lecionam na própria UFRJ ou em outras instituições, Bicca deixou extenso legado acadêmico. “O maior legado do professor foi como mantenedor da área de Química Estrutural e da Físico-Química Orgânica dentro da UFRJ. Ele sempre dizia que a função está na estrutura. Era um arquiteto molecular nato”, explica Pierre. “Ele nos fez perceber que estamos na era das ciências moleculares, ou seja, áreas do conhecimento que têm como objeto central as moléculas e os átomos, como Física Molecular, Biologia Molecular, Nanotecnologia, Gastronomia Molecular”, completa.
“Além das diversas traduções, escreveu livros, capítulos de livros ou artigos sobre temas como Nomenclatura de Compostos Orgânicos, História da Química no Brasil e Físico-Química Orgânica”, acrescenta a professora Magaly Girão Albuquerque, colega de Bicca no Departamento de Química Orgânica.
Magaly, orientada por Bicca no mestrado e no doutorado, na década de 1990, observa que o docente foi um dos pioneiros da modelagem molecular na área de Química Medicinal. “Foi um dos fundadores do Simpósio Brasileiro de Química Medicinal”.
A pandemia foi muito dura para o ex-orientador que, mesmo aposentado, frequentava o Fundão diariamente. E duas vezes por semana, após um acidente doméstico em que quebrou uma das pernas. Mas, com o início das medidas de distanciamento social, não voltou mais ao instituto. “Acho que isso o afetou muito”, lamenta. “Gosto de pensar que o professor Bicca não virou uma estrela; virou uma constelação. Ficará com certeza sempre na nossa memória, dos seus ex-alunos, colegas, amigos e familiares”, conclui Magaly.

AMANTE DA MÚSICA E DOS LIVROS
WhatsApp Image 2022 01 14 at 17.19.55 1EM 1997, mestre se apresentou no encerramento da JIC com um trecho da cantata Carmina Burana, de Carl Orff - Foto: divulgaçãoFora da UFRJ, Bicca também deixou uma legião de admiradores. A professora de inglês Carlota da Cunha Parreira ainda lamenta a perda de Bicca, amigo desde 1979. “O Ricardo foi a pessoa mais correta e honesta que eu conheci na minha vida”. Carlota revela um lado pouco conhecido do mestre para quem não fazia parte de seu círculo mais próximo de relações. “Ele cantou no coral da PUC e no coral de Câmara de Niterói”.
Também adorava ler. No horário do almoço, estava sempre com um livro a tiracolo em algum dos restaurantes ou trailers do Centro de Tecnologia. “O Ricardo amava poesia. O poeta preferido dele era o Fernando Pessoa e todos os seus heterônimos”, lembra.
O próprio docente escreveu poemas. E seis deles foram musicados por Guilherme Bernstein —professor de regência e prática de orquestra da UniRio — e transformados no livro “Rosto no espelho”. Apreciador de música clássica, Bicca frequentava concertos e não era incomum encontrar o ex-reitor Aloisio Teixeira nestas oportunidades. “Eles se davam muito bem”, conta Carlota.
A professora de inglês deu muitas aulas para ex-estudantes do professor Bicca que viajavam ao exterior e não tem dúvida sobre o amor dele à universidade. “A vida do Ricardo era a UFRJ. Ele não tinha filhos, mas acho que o laboratório e os alunos eram os filhos dele”, completa.

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