Beatriz Coutinho
“É um guia de aula”, descreve o professor Geraldo Xexéo, coordenador do Laboratório de Ludologia, Engenharia e Simulação (Ludes) da Coppe-UFRJ e desenvolvedor do Screener. Depois de ordenar rigidamente as etapas, o jogo foi elaborado para garantir ao aluno autonomia no aprendizado e engajamento nas aulas. Todas as cartas de tarefa, por exemplo, contam com um QR Code que possibilita o acesso a informações complementares. “Essa foi a grande sacada de ter descoberto o Xexéo dentro da Coppe”, brinca o professor François, que organizou todo o conteúdo técnico do jogo. “Tirar a necessidade de um professor para comentar todas as etapas do processo”.
Desenvolvido durante a pandemia e lançado no Congresso da SBFTE, em 17 de novembro passado, o Screener levou um ano e meio para ficar pronto. “Deu tempo de amadurecer os detalhes”, defende François. Cada um desses detalhes foi pensado para agregar significado e conhecimento aos alunos. Não há lacunas para interpretações erradas, já que sua construção “não pôde ter licença poética”, segundo Xexéo. A meta é levar o jogo para além dos muros da UFRJ: 45 caixas serão doadas para programas nacionais de pós-graduação em Farmacologia e áreas afins que demonstraram interesse.
MULTIDISCIPLINARIEDADE
O Screener é produto de esforço multidisciplinar da UFRJ. Trabalharam nele três unidades: a Coppe, o Instituto de Ciências Biomédicas e a Escola de Belas Artes (EBA). Para o professor Geraldo Xexéo, isso representa uma integração horizontal e vertical da universidade. “Temos nós, professores, temos alunos de doutorado, mestrado e da graduação. Quando nos sentamos pra conversar, um fica ensinando ao outro”, conta, orgulhoso. “Isso mostra que a UFRJ pode fazer coisas em conjunto, cada um com seu conhecimento”.
A pluralidade se reflete no jogo. “Homem branco vemos em todos os lugares”, explica Aimêe Mothé, autora de todas as artes do Screener. Foi ela quem idealizou as características dos personagens nas cartas de poder. “Eu queria fazer pessoas diferentes, com etnias diferentes, para mostrar diversidade”, frisa a estudante de Comunicação Visual, que pensou em dar protagonismo a mulheres e a pessoas não brancas. “Na carta de espionagem, eu queria fugir do padrão de homem TI (técnico em informática), e na do investidor coloquei um homem negro”, exemplifica.
“Não estamos forçando a barra. As mulheres que estão no jogo são Prêmio Nobel”, reconhece o professor François, apontando para as cientistas Gertrude Belle Elion e Youyou Tu, ilustradas nas cédulas. Elion e Tu contam com um pequeno resumo de suas pesquisas e conquistas no livro-guia do Screener. Bioquímica norte-americana, Elion conquistou o Nobel de Medicina de 1988 pelo desenvolvimento de medicamentos para doenças como a gota e a leucemia. Já a farmacóloga chinesa Youyou Tu foi agraciada com o Nobel de Medicina de 2015 por seu trabalho no combate à malária.
Para além da pluralidade de seus personagens, o jogo busca também acessibilidade para seus jogadores. “Nada se apoia somente nas cores. Criei símbolos, grafismos e desenhos em cada carta para facilitar a identificação”, comenta Aimêe, que pensou nos possíveis jogadores com daltonismo. “A paleta de cores também é tratada para resolver a maioria dos problemas de uma pessoa daltônica”, conclui o professor Geraldo Xexéo.
AS EXPERIÊNCIAS DE QUEM JOGOU
“Perdi feio, feio. Fui a que mais perdi”, brinca a doutoranda Daniela Rodrigues, uma das alunas que participou de um jogo-teste, ainda em preto e branco, realizado em maio do ano passado. Depois da aferição da temperatura, munidos de máscara e face shield, seis estudantes sentaram em círculo para jogar o Screener. “É uma forma gostosa de assimilar conhecimento. Não é porque você perde que você deixa de ganhar pela experiência”, completa. A doutoranda já vinha de um curso da Fiocruz de Pesquisa Clínica e garante que a nova dinâmica fez diferença: “Alguns dos conhecimentos que adquiri nesse curso foram reforçados pela disciplina”.
“Surpreendente” foi a palavra escolhida pelo estudante Pedro Henrique para resumir a experiência em sala. Ele conta que estranhou no começo a ideia de ter um jogo de tabuleiro como parte da disciplina. “Não imaginava porém que um jogo educativo pudesse se tornar, em pouco tempo, tão competitivo e divertido”, reconhece. Pedro, que é a favor de métodos “alternativos” para aprendizagem, relata que aprendeu muito com o jogo e com seus colegas de classe. As lacunas eram preenchidas pelo professor e pelos QR codes das cartas. E se para ser o ganhador era necessário coletar mais cartas de tarefas, Pedro conclui: “Consegui os dois”, brinca.
OS PRÓXIMOS PASSOS
E se o conhecimento de desenvolvimento de novos fármacos saísse das salas da pós? Bom, o DiscoveriX pode ser a resposta. “Ele não é um jogo com o mesmo nível de profundidade do Screener”, salienta o professor François. Os professores explicam que o DiscoveriX, diferente do Screener, além de ser digital, teria uma linguagem mais simplificada, porque tem o público infanto-juvenil e pessoas leigas como alvo.
“Seriam as mesmas quantidades de etapas do jogo de tabuleiro”, observa o professor Xexéo. Ele explica que é difícil transformar um jogo educacional em um jogo de ação. “Não podemos correr o risco de, quando simplificar, algo ficar errado”, alerta. Ele conta que a animação para a continuidade do projeto veio após os debates das vacinas. “Tornou-se importante mostrar como essas pesquisas são feitas”, explica o professor da Coppe. O DiscoveriX está programado para sair em outubro desse ano, no Congresso SBGames.
Jogo de tabuleiro: até 6 jogadores
Mapa do Processo: indica quais são as sete etapas que compõem as fases do processo, que se iniciam a partir da eficiência do fármaco e terminam com a sua segurança. São 29 fases, representadas em cartas de tarefas, e duas cartas da FDA (Food And Drug Administration).
Cartas FDA/Início: São duas. Marcam a posição inicial dos jogadores. A carta FDA-IND (Investigational New Drug Application) deve ser buscada quando a última carta de tarefa da etapa 4 for comprada. A carta da FDA-NDA (New Drug Application) deve ser buscada quando a última carta de tarefa da etapa 7 for comprada.
Cartas de tarefa: São 29. Apresentam quatro cores e ícones diferentes: vermelho (segurança); azul (farmacocinética); amarelo (desenvolvimento farmacêutico); verde (eficácia). Indicam a tarefa que foi concluída e a qual etapa pertence no processo. Apresentam QR Code.
Carta de Bônus/Revés: São 58. Descrevem evento que ocorreu na etapa do processo. Indicam qual consequência o evento apresenta no jogo. São retiradas toda vez que o jogador tira o número 6 no dado.
Cartas de poder: São seis. Distribuídas de forma aleatória e sigilosa no início do jogo, uma por jogador. Podem ser usadas uma única vez. Os personagens são: Investidor, Espionagem Industrial, Advocacia-Patentes, Cientista excepcional, Rede de Contatos e Marketing.
Cédulas (ISBEF): Usadas para comprar as cartas de tarefas e indicar o ganhador, num possível empate. Estampadas por quatro grandes nomes da farmacologia: Sérgio Henrique Ferreira, Gertrude Belle Elion, Youyou Tu e Paul Ehrlich.
Chatons de acrílico: Indicam o número total de cartas adquiridas. São recebidos um por vez, quando um jogador adquire uma carta de tarefa. Fator determinante para indicar o ganhador.
COMO JOGAR:
Distribua as cartas de tarefas no tabuleiro com o verso para cima. O jogo começa na etapa 1. Lance o dado e ande a quantidade determinada, na vertical ou horizontal. Compre a carta determinada ou, caso não tenha dinheiro, fique uma rodada parado. Se parar numa carta de tarefa que não seja da vez, receber dinheiro do banco, como um investimento. Discuta a carta comprada com os jogadores e o professor.
Passe a vez para o próximo jogador.
Objetivo: ter o novo medicamento aprovado pela agência reguladora (Food and Drug Administration-FDA).
Para isso, ganhará o jogador que coletar mais cartas (de tarefa e/ou FDA) ou, em caso de empate, o jogador que tiver mais dinheiro. Fonte: Manual de Regras, Screener