WhatsApp Image 2022 02 04 at 17.42.23 2Danieli; Rodrigo; BruneEstela Magalhães

Usada para se referir a pessoas não binárias ou a um grupo com pessoas de diversos gêneros, dentre outros contextos, a linguagem neutra introduz uma forma de subverter o masculino genérico e que é respeitosa para se referir a pessoas que não se identificam com os pronomes ele e ela, associados ao feminino e ao masculino. Dentre as formas existentes com X, @ e E, por exemplo, a última tem sido mais usada e difundida. Segundo a doutora pela Faculdade de Letras da UFRJ e ex-professora da Escola de Comunicação, Danieli Balbi, o “E”, por ser uma vogal, é articulável no lugar dos marcadores de flexão de gênero considerados pela norma padrão.
Ela explica que a língua é um fenômeno social que atende a diversos critérios, entre os quais a gramaticalidade: “O que está em jogo aqui é observar se aquilo é inteligível ou ininteligível, para além do senso comum do certo ou errado, a partir do estabelecimento de uma norma prescrita”. Ela mostra que, por exemplo, uma concordância que não está de acordo com a norma padrão, como dizer “as casa”, se torna gramatical a partir do momento que é inteligível. Danieli argumenta que é válido o uso do “E” como desinência que marca o gênero neutro: “Se há possibilidade de politicamente a gente modificar a língua, por que a gente não utiliza essa força de modificação que nós podemos exercer sobre os processos linguísticos para fazer uma pressão política no sentido da equalização de direitos?”, questiona.
Além disso, essa linguagem é usada para substituir o uso do masculino genérico, ou seja, da concordância no masculino quando se faz referência a um grupo de pessoas de mais de um gênero. Danieli Balbi conta que isso se atribui a um processo histórico de violência e restrição da mulher ao espaço privado: “Na documentação oficial, a língua oficial do império, dos trabalhos, do direito de ir e vir, acabou se tornando uma língua predominantemente masculina”.
O uso da linguagem neutra na língua portuguesa é recente e tem crescido nos últimos anos na internet, nas ruas e na universidade. Rodrigo Borba é professor do Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da UFRJ e coordena um projeto de pesquisa sobre linguagem, gênero e suas correlações: “Esse tipo de reforma linguística está sendo proposta em todo lugar, então estamos testemunhando nesse momento o acréscimo de recursos linguísticos que podem ou não ser usados com determinadas pessoas”, explica. Ele destaca a necessidade de adaptação para que a universidade continue sendo um meio cada vez mais inclusivo: “Se você simplesmente disser que não vamos usar linguagem neutra aqui, isso vai criar uma mensagem de que aquelas pessoas não binárias não são bem-vindas”, completa.
Orientanda de Rodrigo nesse projeto de pesquisa, Brune Medeiros é estudante da Licenciatura em Letras — Português/Francês, travesti e transfeminista. Ela valoriza o apoio dos professores e reconhece seu papel na difusão e normalização do tema ao usar linguagem neutra em sala de aula: “Se os professores dizem ‘bom dia a todes’, estão sinalizando ali no seu discurso o apoio à causa, e eu acho que isso é muito interessante. Ter esse apoio demonstrado, ouvir que eles reconhecem a nossa demanda. Podem não estar 100% profissionais no uso da linguagem neutra, mas respeitam e usam como sabem”.
Os avanços se espalham por outros campos. A não binariedade já pode aparecer informada na certidão de nascimento no Rio de Janeiro. Uma ação do Núcleo de Defesa dos Direitos Homoafetivos e Diversidade Sexual (Nudiversis), da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, em parceria com a Justiça Itinerante do Tribunal de Justiça (TJ-RJ), possibilitou que 47 pessoas não binárias incluíssem essa informação no documento. Gael Guerreiro é estudante de Antropologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e conquistou esse direito por meio da ação: “Foi tudo muito fluido, eu me senti muito sortude e muito feliz. É um direito básico você ter o seu nome, ser reconhecide e ter um espaço de pertencimento dentro da sociedade. Isso me traz uma sensação de que eu tô sendo respeitade, que eu tô sendo viste e que tem algo me protegendo”, contou Gael.

Topo