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WhatsApp Image 2023 10 20 at 19.47.07 1Professora Nedir entrega carta da AdUFRJ ao reitorProfessores, estudantes, técnicos e terceirizados da UFRJ viveram dias de incerteza e medo. A Maré – complexo de favelas vizinho ao campus do Fundão – sofreu seis dias de intensos conflitos armados em megaoperações policiais. O complexo da Penha e a Cidade de Deus foram outras regiões que enfrentaram operações simultâneas com o objetivo de enfraquecer o poderio da segunda maior facção criminosa do país. No meio do fogo cruzado, moradores sitiados, muitos dos quais estudantes e trabalhadores da universidade.
Os conflitos aconteceram exatamente na semana de provas da UFRJ. Diante do apelo daqueles que não conseguiram chegar ao campus para realizar as avaliações, a reitoria da universidade liberou comunicados informais – em geral no início de cada manhã – com recomendações às unidades para que os professores não aplicassem provas e abonassem eventuais faltas. O problema é que essas notas só foram divulgadas quando muitos alunos e professores já estavam em sala de aula. Outra dificuldade foi a falta de clareza sobre como proceder preventivamente nos dias que seguiram com conflitos.
Diante de tantas incertezas, a diretoria da AdUFRJ entregou uma carta ao reitor cobrando posição assertiva e protocolos em dias de operação policial. No texto, a diretoria aponta a preocupação dos professores que, nos últimos dias, não contaram com orientações claras sobre como proceder durante as operações policiais (veja abaixo).
O documento foi entregue no dia 19 pela vice-presidenta da AdUFRJ, professora Nedir do Espirito Santo, ao reitor Roberto Medronho. Ele se comprometeu a instalar um grupo de trabalho para tratar do tema. As representações estudantis, AdUFRJ e Sintufrj terão assento. “Quero acionar este GT já na próxima semana, com a participação de especialistas em segurança pública de nossa universidade”, garantiu Medronho.
Nedir considerou positiva a resposta da reitoria. “Vai ao encontro de nossas preocupações”, avaliou. “O reitor foi bastante receptivo às reivindicações dos professores”, afirmou a dirigente. “Ao longo do Consuni, outras falas reforçaram a importância do que destacamos no nosso documento”, observou a professora. “Os professores não podem tomar decisões sem o respaldo da administração central”.

SEM DIREITOSWhatsApp Image 2023 10 20 at 19.47.07 2
“Foram seis dias muito tensos, de muito medo e crises de ansiedade”, revela Raniery Soares, estudante do oitavo período de Letras. “Há um prejuízo acadêmico inegável”, conta o estudante, morador do Parque Maré. “É bastante cansativo lidar com todo esse contexto social e ainda ter que se desgastar para explicar o óbvio”, lamenta. “Já troquei oito vezes os vidros das janelas aqui de casa, por conta de balas perdidas. Todo mundo tem direito à vida, ao menos deveria ter”.
Além dos estudantes que não puderam chegar à universidade, os serviços na Maré também fecharam as portas. Escolas e postos não funcionaram. “Meus afilhados e seus amiguinhos não tiveram o dia do cabelo maluco, nem a festa de dia das crianças. Nossas crianças não puderam celebrar sua própria infância. Isso é muito cruel”.
O movimento estudantil reivindicou abono de faltas, adiamento das avaliações e garantia de segunda chamada para todos os estudantes. Na página oficial, o DCE informou que, em conversa prévia com a administração central, a reitoria se comprometeu a atender às reivindicações estudantis. A nota oficial da reitoria foi emitida na tarde de 18 de outubro.
Professores do departamento de Ciência da Literatura da Faculdade de Letras também se manifestaram solicitando uma orientação clara sobre os procedimentos em dias de operações policiais.

TEMA NO CONSUNI
A ocupação da Maré dominou a primeira etapa da reunião do Consuni. O professor Afrânio Barbosa, decano do Centro de Letras e Artes, leu documento emitido pelo seu conselho de Centro. “Trago relato sobre preocupação com a falta de um protocolo de ação unificado sobre o ensino remoto no contexto de operação policial. Para o aluno, não adianta um professor decidir pelo remoto e o colega vizinho de horário decidir pelo presencial”, pontuou. “Há dúvidas, ainda, se será garantida às unidades a mudança do calendário, caso queiram suspender as atividades até a normalização da situação”, disse.
O grupo estudantil “A UFRJ é nossa”, de oposição ao DCE, entregou carta aos conselheiros e pressionou a reitoria para a criação de um protocolo de segurança. “Sabemos que esta não é uma situação isolada. Quase diariamente acontecem operações na Maré ou em outras comunidades”, apontou a estudante Sofia Salinos, representante estudantil no Consuni. O grupo reivindicou a instalação de um GT para elaborar um protocolo de segurança. O manifesto foi assinado por 570 estudantes da graduação e da pós-graduação.

NOTA ADUFRJ

Ao Magnífico Reitor
Professor Roberto de
Andrade Medronho

Ao cumprimentarmos respeitosamente Vossa Magnificência, gostaríamos de informar que inúmeros docentes de nossa instituição procuraram nossa representação sindical nos últimos dias com relatos de prejuízos nas suas atividades de ensino, tendo em vista informes liberados de última hora recomendando a não realização de avaliações em dias previamente programados.
Compreendemos toda complexidade dos episódios de violência no Complexo da Maré e em outras comunidades do Rio de Janeiro e sinalizamos nossa preocupação com a vida de alunos, professores e servidores que vivem nessas regiões ou atravessam áreas de conflito no deslocamento para o campus da Cidade Universitária. Igualmente assinalamos nosso compromisso com o processo de ensino-aprendizagem na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entretanto, consideramos injusto e juridicamente complexo transferir a decisão sobre a execução ou não de atividades didáticas para as mãos dos docentes, através de mensagens que apenas recomendam que atividades devem ser mantidas, ao invés de deliberar, explicitamente, o que deve ser feito. Se a reitoria, baseada nas informações de que dispõe, decide que é inseguro que tenhamos atividades acadêmicas, que tome a decisão de suspendê-las, prorrogando o término do período letivo para não prejudicar o semestre. Se decide que as condições são suficientes para o aumento da segurança, mas não para paralisar as atividades, que também se pronuncie. O que não podemos admitir é que mensagens ambíguas resultem em insegurança jurídica e em um estresse adicional aos nossos docentes e estudantes.
Assim, a AdUFRJ solicita que a reitoria da UFRJ se posicione explicitamente e com antecedência mínima sobre estes acontecimentos e proveja aos docentes instruções administrativas assertivas e necessárias para minimizar o prejuízo aos docentes e alunos de nossa instituição.

Atenciosamente,
Professora Nedir do
Espirito Santo
Vice-Presidente
Biênio 2023-2025

WhatsApp Image 2023 10 20 at 19.47.09SOB NOVA DIREÇÃO Da esquerda para a direita, a nova direção da AdUFRJ: Marcio Marques Silva (2º tesoueiro); Karen Signori Pereira (1ª tesoureira); Rodrigo Nunes da Fonseca (2º secretário); Mayra Goulart (presidenta); Nedir do Espirito Santo (1ª vice-presidenta); e Antonio Mateo Solé Cava (2º vice-presidente). A professora Veronica Damasceno (1ª secretária) não pôde comparecer - Fotos: Fernando SouzaDesburocratização dos processos funcionais docentes e melhoria das condições de trabalho. Estes serão temas centrais no mandato da diretoria que assumiu a AdUFRJ na noite de segunda, 16 de outubro. “Estamos falando de risco de incêndio, desabamento, insalubridade de salas, corredores e laboratórios”, afirmou a nova presidenta, professora Mayra Goulart, durante uma elegante cerimônia realizada no Fórum de Ciência e Cultura.
Antes do começo do evento, logo na entrada do prédio, os professores receberam uma edição do jornal do sindicato com matérias sobre as precárias condições de infraestrutura do Centro de Ciências da Saúde, do IFCS e do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR). A nova diretoria quer promover a continuidade desta série de reportagens e também cuidar dos processos de progressão ou promoção, mostrando as duplicidades e discrepâncias entre as diferentes unidades. “Nossa proposta é continuar recolhendo essas evidências para entregar um relatório com as principais demandas docentes à reitoria”, disse Mayra.
A direção recém-empossada reafirmou os princípios de uma atuação sindical diferente na universidade. “Este é um movimento docente que não quer deixar ninguém para trás. E que aceita o desafio de congregar excelência e inclusão, mérito e democratização, luta e assistência. Com isso, nos diferenciamos dos extremistas de direita e de esquerda”, afirmou Mayra. “Nossa ação política é responsável e dialógica”.
A tarefa não é nada fácil. Mayra, porém, encerrou o discurso de posse com uma mensagem de esperança: “Nós somos poucos, mas somos bons e sabemos trabalhar. Por isso, vai dar certo”.

 BALANÇO
WhatsApp Image 2023 10 20 at 19.48.29 1Antes de “passar o bastão”, os ex-diretores Ana Lúcia Fernandes e Ricardo Medronho, além de Mayra e da professora Nedir do Espirito Santo — que seguirá na gestão agora como 1ª vice-presidenta —, apresentaram um breve balanço das ações do mandato e agradeceram a dedicação da equipe de funcionários do sindicato. Atrás da mesa, foram projetadas imagens das muitas atividades realizadas pela AdUFRJ nos últimos dois anos. “Nós trabalhamos bastante, viu?”, brincou Nedir.

 

REITOR PRESENTE
WhatsApp Image 2023 10 20 at 19.48.29Representantes de parlamentares e do movimento estudantil, diretores de unidades e do campus Duque de Caxias, decanos, pró-reitores e o reitor Roberto Medronho prestigiaram a solenidade de posse da diretoria e do Conselho de Representantes. “Desejo todo sucesso à diretoria e quero dizer que a reitoria está aberta ao diálogo, não só com a AdUFRJ, mas com todas as entidades representativas da UFRJ”, disse. 

BRINDES
WhatsApp Image 2023 10 20 at 19.48.40Na noite seguinte ao Dia do Mestre, os professores ganharam alguns “mimos” à saída do evento. Foram distribuídos cadernos com a arte da campanha “Respeitar a universidade é valorizar o professor” e canecas com a marca do sindicato.

 

 

 

 

 CONSELHO TAMBÉM EMPOSSADO
WhatsApp Image 2023 10 20 at 19.48.29 2Durante a solenidade, também houve a posse dos nomes eleitos para o Conselho de Representantes da AdUFRJ. São 69 docentes de 31 unidades. Entre eles, o professor Ricardo Medronho, da Escola de Química (ao centro). Aqui, ele confraterniza com os colegas Nelson Braga, diretor da Física; Walcy Santos e Maria Fernanda Elbert, da Matemática; e Maria Paula, da História, ex-diretora da AdUFRJ.

O Fórum de Ciência e Cultura recebeu, na noite de 16 de outubro, a assembleia de posse da diretoria e do Conselho de Representantes da AdUFRJ para o biênio 2023-2025. A nova presidenta, professora Mayra Goulart, afirmou que a desburocratização dos processos funcionais e a melhoria das condições de trabalho na UFRJ serão prioridades do mandato.
Fotos: Fernando Souza

Confira a matéria completa na próxima edição do jornal do sindicato.

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WhatsApp Image 2023 10 20 at 19.47.06Alexandre Medeiros e Ana Beatriz Magno

Michel Gherman, 48 anos, é um humanista contundente. Defende a paz no Oriente Médio com argumentos afiados que vão muito além de lugares comuns e imagens comoventes. Esperançoso, ele acredita que os conflitos chegaram a um limite de barbárie que podem obrigar o planeta a reconfigurar o tabuleiro político mundial. “Nunca estivemos tão longe e tão perto da paz”, diz o professor de Sociologia do IFCS e da Universidade de Jerusalém.
Filho de mãe libanesa, Michel viveu em Israel mais de dez anos e chama Gaza de prisão. “Gaza é uma prisão a céu aberto, que tem como carcereiro o Hamas”, define o docente, insone desde 7 de outubro, quando os ataques terroristas do Hamas mataram mais de mil pessoas em Israel e desencadearam uma ofensiva desumana do exército de Benjamin Netanyahu.
“Bibi Netanyahu e Hamas são produtores de uma dança macabra. Eles são a garantia absoluta de que não haverá Estado Palestino, não haverá a paz e nem haverá um acordo. Eles dançaram juntos durante 14 anos, produzindo aqui e ali bombardeios e mortes calculados de lado a lado. Agora o Hamas pisou no pé do Netanyahu e fez a música desafinar”, analisa o professor que, além de conviver com a dor de perder amigos em Israel e na Palestina, enfrenta também a intolerância da extrema direita bolsonarista.
O último ataque odioso ocorreu na PUC, na terça-feira, durante um debate sobre a guerra. A violência foi tamanha que Michel se retirou da reunião sob os gritos e urros de bolsonaristas que o xingavam de antissemita. “Sou mais judeu que tudo. Tenho vínculo religioso com o judaísmo. Sou mais judeu que flamenguista, mais judeu que carioca. Só não sou mais judeu que professor”.

Jornal da AdUFRJ: Por que o senhor decidiu se retirar do debate na PUC?
Michel Gherman: Porque percebi um simulacro, uma mimetização da academia. Um debate supostamente aberto, onde todos podem falar, perguntar, responder. A direita chama isso de apresentação do contraditório, que é um termo que tem sua origem na polícia. Não há contraditório na universidade, há reflexão. Contraditório é quando há duas versões sobre um fato e você tem que apurar qual é a verdadeira. Mas isso se faz na delegacia, não na universidade. Na verdade, eu fui ao debate numa perspectiva mimetizada de universidade, mas que na verdade reproduzia a dimensão da delegacia. Havia lá alunos pró-palestinos que não gostaram de minha apresentação inicial e não me atacaram por isso. Fizeram até perguntas que eu tentei responder e não me deixaram sequer responder. Quem fez isso foram alunos de extrema direita que chegaram lá com a tarefa clara de não escutar. Quando eu percebi que não tinha mais com quem falar e que o objetivo lá era produzir uma manchete para bolsonaristas, me transformando num apoiador do Hamas, eu levantei e fui embora. Foi uma tentativa de criminalização dos professores.

Benjamin Netanyahu é uma referência dessa extrema direita e o Hamas pode ser uma referência no campo oposto, sustentando um ao outro?
Eu os chamo de produtores de uma dança macabra. Eles são a garantia absoluta de que não haverá Estado Palestino, não haverá a paz e nem haverá um acordo. Eles dançaram juntos durante 14 anos, produzindo aqui e ali bombardeios e mortes calculados de lado a lado. Agora o Hamas pisou no pé do Netanyahu e fez a música desafinar. Essa dança quer silenciar os setores mais progressistas de lado a lado. “Bibi” Netanyahu quase matou a esquerda israelense e o Hamas, com a ajuda de Netanyahu, desqualificou a Autoridade Nacional Palestina (ANP).

O senhor vê perspectiva de convivência, de encontro entre esses dois campos, cada um com seu lugar?
A experiência que eu tenho me leva a crer na possibilidade de encontro, de superposição de identidades. Sou judeu filho de uma mãe que nasceu no Líbano, a língua árabe não me é estranha. A história do sofrimento palestino lembra a da minha mãe no Líbano. Eu acredito profundamente na coexistência. Quando a existência está garantida, é possível falar em coexistência. Enquanto tiver ocupação dos territórios palestinos por Israel, não tem existência garantida para os palestinos. Se não tiver garantia da existência de um grupo específico, a coexistência é balela. Pego um carro e vou a Ramala, na Cisjordânia, visitar amigos. Mas eles não podem ir até Jerusalém me visitar. A primeira etapa para essa coexistência é a garantia de liberdade e de dignidade para aqueles que estão sob ocupação militar.

Dos territórios ocupados, a pior situação é a da Faixa de Gaza. Como o senhor a descreveria?
Gaza é uma prisão a céu aberto, que tem como carcereiro o Hamas. O Hamas funcionou como carcereiro de Netanyahu durante 14 anos. Está havendo neste momento um deslocamento compulsório da população de Gaza em direção ao sul, e isso é um crime de guerra. Pode ser que isso seja de fato uma tentativa de esvaziamento populacional do norte de Gaza e de reocupação do território por Israel, o que é uma tragédia. O Egito já avisou que não vai receber esses refugiados, alegando que esse é um problema que tem que ser resolvido por Israel e pela Palestina. O presidente egípcio sugeriu abrir um espaço no Deserto de Negev, ao lado de Gaza, para abrigar os civis palestinos em fuga.WhatsApp Image 2023 10 20 at 19.47.08 2

Diante desse cenário, o senhor vê a possibilidade de acordo?
A solução não pode ser militar, tem que ser política. Não é com ataques militares que o Hamas vai sair do poder. O nível de barbárie do ataque terrorista que o Hamas produziu dentro de Israel tira do Hamas qualquer legitimidade política dentro dessa região. Mas há possibilidade de acordos com outros atores, como a Autoridade Nacional Palestina. Há caminhos como a Iniciativa de Genebra, produzida pela esquerda israelense e pela esquerda palestina, que prevê um programa completo com três etapas: a saída dos territórios, com troca eventual de territórios se for preciso, a construção de um Estado Palestino ao lado de Israel e o reconhecimento mútuo das nacionalidades e das tragédias coletivas de parte a parte. Isso tudo é possível.

Mesmo com a extrema direita no poder em Israel e a expansão das colônias?
Hoje, 86% dos israelenses são a favor da saída de Netanyahu e 56% são a favor da saída dele durante a guerra. A percepção que se tem é que “Bibi” é um cachorro morto, um cadáver político. Esse governo de Israel deu espaço de expansão para a utopia reacionária de uma extrema direita pró-colonos que estabelece atitudes como a de concretar nascentes de água em algumas regiões para expulsar as pessoas e avançar com as colônias. Não é uma política pública, mas tem o consentimento do governo. É que vemos na Cisjordânia. Há violência deliberada contra palestinos dentro de cidades palestinas, com os chamados pogroms, feitos por colonos. Uma das consequências dessa violência é a percepção de que os lugares sagrados muçulmanos e as aldeias palestinas estão sob risco pelos extremistas judeus. Há a percepção de que há uma guerra religiosa em andamento. E essa guerra produz reações. O Hamas usou essa narrativa em Gaza para mobilizar a população. E não há colonos em Gaza. Mas isso só reforça minha percepção de que esse governo de Israel é muito prejudicial não só à imagem de Israel no mundo, mas para a paz na região.

Outros países teriam interesse em uma mudança de cenário na região?
É tudo muito complexo. Há um projeto alternativo de hegemonia na região que envolve o Hezbollah, o Hamas e o Irã, que tem interesse na guerra. E há outro projeto mais amplo que envolve a normalização das relações de Israel com Arábia Saudita e avanços de negociação com a China. E não necessariamente esses projetos são contraditórios. O Irã e a Arábia Saudita têm feito aproximações, chegaram a ter troca de representação diplomática. É uma fase de mudança nas peças do tabuleiro político internacional. Estamos no meio das trevas no Oriente Médio, mas se podem produzir alternativas concretas de hegemonia na região.

Que alternativas seriam essas?
Se você exclui o Hamas, e essa é a tarefa que o Biden está tendo, e retira a extrema direita do governo israelense, a gente abre portas para dois elementos importantes: os progressistas israelenses e a Autoridade Nacional Palestina. Pode ter algum arranjo político que faça o Estado Palestino ser viável e legítimo em breve, o que levaria a uma normalização das relações dos países árabes com Israel e ao enfraquecimento desse eixo de hegemonia que envolve o Hamas e o Hezbollah. É uma situação muito interessante, com a construção de um novo Oriente Médio, com menor participação dos Estados Unidos e maior participação da China.

Então a China pode surgir como uma potência de influência na região?
A coisa que a China menos quer é uma guerra no Oriente Médio agora. Um elemento crucial dessa história é a China. Podemos ver a China exercer um papel de superpotência no Oriente Médio a partir de suas negociações na região. Se a gente não tem uma guerra total agora no Oriente Médio isso tem a ver com a influência da China nos bastidores.

Como o senhor tem visto a atuação do Brasil nesse processo, já que o país ocupa a presidência do Conselho de Segurança da ONU neste momento?
Poucas vezes o Lula esteve numa posição estratégica tão confortável. Está na presidência do Conselho, tem bons contatos tanto com os israelenses quanto com os palestinos da Cisjordânia, a Autoridade Nacional Palestina, tem uma relação positiva com setores internacionais envolvidos nessa história. E Lula segue a gramática proposta pelas Nações Unidas, resgata sua tradição diplomática que vem desde o século XIX. Poucas vezes o Brasil teve tantas oportunidades de ser protagonista de fato na busca da paz, do término de um conflito como o que estamos vendo agora. É impressionante o que o Lula tem feito.

Apesar de terem opiniões divergentes sobre o conflito, o senhor e o jornalista Breno Altman figuram neste momento como “traidores da causa sionista” por grupos radicais de extrema direita. O senhor teve que abandonar um debate na PUC-Rio há alguns dias e o Altman vem sendo ameaçado nas redes sociais com retaliações físicas. Como o senhor se vê nessa situação?
Cheguei à conclusão de que a extrema direita é profundamente inepta. Há uma dimensão histórica dessa extrema direita que diz que a esquerda é muito influenciada por ideologia. A direita, ao contrário, lidaria com questões técnicas. Os dois elementos centrais da extrema direita são segurança e amor à Pátria. Esses dois elementos centrais implodiram. Aqui no Brasil, o relatório final da CPMI dos atos golpistas de janeiro fala de traição à Pátria, com a participação dos militares. Benjamin “Bibi” Netanyahu também falava de segurança e amor à Pátria e produziu a maior matança que Israel já teve em sua história. Segurança? Ele não conseguiu defender seus concidadãos. A extrema direita só vê a sua perspectiva, tem uma incapacidade absoluta de olhar o outro. Eu e Breno Altman estamos em lados opostos numa percepção de mundo. Certa vez, ele me chamou de rato sionista. Não há concordância entre nós em nenhum campo. E o que a extrema direita fez? Nessa sua incompetência de ver o mundo, essa extrema direita colocou a mim e ao Bruno Altman no mesmo lugar.

Mas ambos são vítimas de intolerância, não? No seu caso, dentro de uma universidade, que deveria ser um lugar de diálogo.
Aqui cabe darmos mil vivas à universidade pública e gratuita. Isso não aconteceu na UFRJ, na UFF ou na Uerj. E não é casual. A relação direta entre consumo e prestação de serviços é reproduzida nas universidades particulares a partir de uma perspectiva liberal. Na universidade pública, a relação é de ensino, pesquisa e extensão. Quem dá aula e faz pesquisa, como eu, não está aqui para representar os outros. Não sou político, não trabalho em cartório, não quero representar ninguém. Minha função é produzir reflexão que incomode, que suscite outras reflexões. Meu maior prazer é quando um aluno meu desenvolve uma perspectiva independente da minha, quando ele não me representa. Por isso a gente tem que defender a universidade pública e gratuita, para a gente não se contaminar com essa relação entre consumo e prestação de serviços. O que aconteceu na PUC foi uma tentativa de silenciamento baseada numa dimensão liberal de prestação de serviços e pode servir como uma defesa histórica das universidades públicas no Brasil. Foi muito grave, eu fui acusado de ser antissemita e apoiador do Hamas. Mas recebi a solidariedade de entidades do Brasil e do exterior comprometidas com a academia, entre elas a SBPC e a AdUFRJ.

 edificio sede da capes1509201616Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Entidades da comunidade científica enviaram uma carta ao Ministério da Educação no dia 13 para criticar os recentes cortes na Capes. Nos últimos dois meses, a Capes sofreu um contingenciamento de R$ 66 milhões e um corte de R$ 50 milhões. A “tesourada” atinge bolsas, programas de formação de professores da educação básica e recursos da Diretoria de Relações Internacionais da agência de fomento. 

No documento, SBPC, Academia Brasileira de Ciências e Andifes, entre outras entidades, alertam que “nos últimos anos, especialmente no governo anterior, a supressão de bolsas de estudos do Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG) atingiu um nível extraordinário, provocando a desistência de estudantes dos cursos de mestrado e doutorado e influenciou, diretamente, na inédita queda da produção científica brasileira em 2022, visto que mais de 90% dela é oriunda do nosso SNPG”.

O documento conclui que “com os recentes bloqueios, cortes e uma perspectiva muito desfavorável no Projeto de Lei Orçamentária 2024 para a Capes, fica difícil acreditar no lema “A Ciência voltou”, pois é justamente no SNPG onde se encontra o esteio central do desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro”.

Outro grupo que se manifestou contra os cortes foi o Colégio de Pró-reitores de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação. Em nota, os pró-reitores brasileiros afirmam que o cenário de déficit de R$ 200 milhões no orçamento da Capes para o ano que vem é "preocupante" e que "programas estratégicos da agência podem ser comprometidos".

Os pró-reitores citam, ainda, os mais de 300 novos cursos de pós-graduação que serão iniciados em 2024 e que precisarão de suporte e financiamento. A carta termina exigindo a recomposição orçamentária da Capes e ampliação dos recursos destinados à Ciência e Tecnologia. "Um governo que tem como discurso que a aplicação de recursos em educação, ciência e tecnologia não é gasto, mas sim investimento, não pode sinalizar com este grau de restrição orçamentária".

Pró-reitor de Pós-Graduação e Pesquisa da UFRJ, o professor João Torres reforça o sentimento da comunidade acadêmica. "Estamos muito preocupados com os cortes na Capes. Precisamos de ações políticas de pressão no governo pela academia; especialmente em temas orçamentários", afirma.

Nesta terça, no Museu do Amanhã, a presidente da Capes, professora Mercedes Bustamante, falou sobre o assunto: “Às vezes, encontramos alguns percalços no caminho e nada mais”, disse, durante evento de comemoração dos 60 anos do Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas, do Instituto de Biofísica da UFRJ.

Presidenta da AdUFRJ, a professora Mayra Goulart lembra que o conhecimento foi muito atacado nos últimos anos e precisa de apoio para que as áreas sejam reconstruídas. "Nós, da diretoria da AdUFRJ, vemos com preocupação o cenário de contingenciamentos em áreas do conhecimento. Reconhecemos que o governo Lula está interrompendo um ciclo de cortes severos de gastos, mas essa interrupção, embora simbólica, não consegue operar uma efetiva recomposição do Orçamento do Conhecimento que tínhamos em 2015", ela aponta.

Em recente levantamento, o Observatório do Conhecimento mostrou que as áreas de educação, CT&I perderam recursos nos últimos anos na ordem de R$ 100 bilhões. "É necessário pressionarmos os tomadores de decisão para que setores tão estratégicos para o desenvolvimento do país sejam reconstruídos. Vamos apoiar iniciativas da comunidade científica nessa direção", conclui a dirigente.

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