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WhatsApp Image 2020 10 24 at 00.51.47O anúncio de corte da ação judicial dos 26,05% (Plano Verão de 1989) ainda causa indignação entre os docentes. Os valores serão retirados dos contracheques de quase cinco mil pessoas, entre ativos e aposentados, na folha de novembro, a ser paga no início de dezembro. E o comunicado da reitoria feito em pleno Dia do Professor só ampliou a revolta. A AdUFRJ já apresentou recurso ao Tribunal Regional Federal para reverter a medida.
“Meu sentimento é que nos tornamos números. Não existe a preocupação com o indivíduo”, afirma a professora Eliane Ribeiro, da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis. “Ter recebido (o aviso) no Dia do Professor é só mais um sinal de que é isso mesmo. Não houve nenhum tipo de aproximação para falar sobre o assunto. Pegou todo mundo de surpresa”, completa.
O ganho judicial, congelado para todos em 2007, hoje representa 5,5% do salário da docente, que ingressou na UFRJ em março de 1997. “Qualquer um por cento fará diferença, ainda mais agora que estamos dentro de casa trabalhando demais”, explica Eliane. “Temos descontos altíssimos de Imposto de Renda, descontos altíssimos de contribuição previdenciária. Dizem que nós somos beneficiados, mas ninguém fala no valor que pagamos”, afirma.
Há 20 anos, a Advocacia-Geral da União (AGU) tenta tirar os 26,05% dos professores da UFRJ. E a explicação sobre a primeira tentativa de corte é importante para entender o anúncio do dia 15. O percentual foi obtido na Justiça do Trabalho. Os servidores eram regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho em 1989, ano das perdas do Plano Verão. E só passaram a ser regidos pelo Regime Jurídico Único em 1990.
A justificativa do governo, uma década depois, era que a decisão não teria validade, pois os docentes se tornaram servidores públicos. Mas o Tribunal Regional do Trabalho entendeu que a UFRJ não poderia cortar e que a Justiça Trabalhista teria, sim, uma competência residual. “Mas em 2018, fomos surpreendidos. A Advocacia-Geral da União fez um pedido ao Supremo Tribunal Federal, alegando que existia uma irregularidade na manutenção dessa ação na Justiça do Trabalho. O ministro Alexandre de Moraes determinou que a ação fosse para a Justiça Federal”, observa Ana Luísa Palmisciano, advogada da AdUFRJ.
Por conta dessa determinação, a universidade entendeu que deveria cortar o pagamento. “Argumentamos que não, que o processo ia para a Justiça Federal, que isso não significava corte. Foi isso que a gente conseguiu segurar em fevereiro desse ano, com o juiz da 10ª Vara Federal, que a universidade não podia cortar”, afirma a advogada. Outro argumento da AGU é que todos os reajustes recebidos pelos professores nos últimos anos teriam absorvido o valor de 1989.
A AdUFRJ defende que só existe uma decisão sobre a manutenção ou corte do valor em todo o processo: a da Justiça do Trabalho, pelo pagamento. E que a universidade nunca comprovou a absorção do valor. “A UFRJ teria que pegar a remuneração de todos os professores ao longo do tempo, todos os reajustes, e demonstrar que eles foram maiores que os 26,05%, para então fazer o corte”, observa. “Queremos esgotar a discussão no tribunal, porque entendemos que a maior parte de nossos argumentos não foi apreciada”, conta Ana. Ainda não há previsão de um novo julgamento.
Presidente da AdUFRJ, a professora Eleonora Ziller também será prejudicada. “Entrei em agosto de 2006. No meu caso, a perda é de R$ 800. Não é 26,05% do meu salário, mas também não é pouco dinheiro.
Vai fazer falta principalmente no período que atravessamos. Os preços estão em escalada, o custo de vida está aumentando e nós sem previsão nenhuma de aumento”, explica. “Não consigo imaginar época pior para isso acontecer”, diz.
Poucos sindicatos mantinham a ação judicial. “É aquele corte esperado, mas nunca desse jeito, nunca nesse dia”, avalia Eleonora em relação ao 15 de outubro. “Todas as vezes que a reitoria fez isso, a gente era avisado antes. Tanto que em fevereiro estava dado como certo esse corte. A gente até chegou a anunciar. Faltavam algumas horas para fechar a folha. E aí conseguimos uma sentença que segurou os 26,05%”, afirma.

PRÓ-REITORIA CONFIRMA
ERRO NO COMUNICADO
A reportagem questionou a Pró-reitoria de Pessoal (PR-4) sobre o comunicado, sem aviso à AdUFRJ e no Dia do Professor. “Em primeiro lugar, gostaria de destacar que um dos pilares desta gestão é o diálogo e não houve e nem há qualquer interesse no contrário. A decisão do corte é judicial, e não administrativa, e havíamos sido informados pela Procuradoria da UFRJ que o Jurídico da AdUFRJ já havia sido notificado da decisão”, respondeu por mensagem a superintendente administrativa da PR-4, Maria Tereza Ramos. “O comunicado sobre o corte estava previsto para ser divulgado esta semana, com o aviso prévio ao sindicato, mas por um erro nosso infelizmente foi antecipado”, completou, sem detalhar o erro.
A pró-reitora de Pessoal, Luzia Araújo, repetiu a justificativa durante o Conselho Universitário do dia 22 e se desculpou. “Infelizmente esse anúncio saiu num dia crucial, em que deveríamos parabenizar todos os docentes pelo excelente trabalho que têm feito. Estamos juntos no aguardo de qualquer decisão do sindicato para que seja revista esta situação”, concluiu.

HISTÓRICO
Em 1989, numa época de grande inflação, o chamado Plano Verão do governo congelou os salários e extinguiu o reajuste baseado na variação da unidade de referência de preços (URP), utilizada à época. A consequência foi a retirada do percentual dos salários. A AdUFRJ, como outros sindicatos, conseguiu decisão favorável no Tribunal Regional do Trabalho para recuperar o valor, em 1994.

WhatsApp Image 2020 10 24 at 00.57.18Josué Medeiros
Professor do Departamento de Ciência Política do IFCS
Diretor da AdUFRJ
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As eleições municipais de 2020 finalmente começaram em 27 de setembro e, principalmente, com o horário eleitoral gratuito a partir de 9 de outubro. Candidatos nas ruas e redes, nas TVs e rádios em todo o Brasil. Isso é que consta nos prazos do TSE, nas agendas dos partidos, nas programações da emissoras de comunicação e nos algoritmos. Mas e na vida das pessoas?

O clima é de desmobilização generalizada. A pandemia da covid-19, com seus mais de 150 mil mortos, representa um desafio novo para as campanhas. Mas além desse fator imprevisto, dinâmicas estruturais de enfraquecimento do papel ativo e mobilizador das eleições vão se impondo sem muita resistência: primeiro, a redução estrutural das campanhas. Trata-se de medida supostamente saneadora. Com menos gastos, menos dinheiro e menos corrupção. Na prática,  temos uma diminuição significativa dos mecanismos que ajudavam as pessoas a ver as campanhas no dia a dia. Cartazes nas casas e postes e outdoors eram fundamentais para capilarizar o pleito nos bairros. No mesmo sentido veio o veto a showmícios e apresentações culturais e artísticas. Completando o quadro, o tempo de campanha foi reduzido bruscamente, de 90 para 45 dias, o que diminui ainda mais as possibilidades de escolha.

Para piorar, o processo eleitoral em 2020 começou com uma ofensiva das redes de televisão contra os debates entre os candidatos. O argumento das empresas de comunicação é da inviabilidade de organizar um bom embate entre os postulantes com um número tão grande de pretendentes às prefeituras, sobretudo durante a pandemia, quando as aglomerações devem ser evitadas.

Não há na lei nenhum dispositivo que permita às emissoras limitar o número de candidatos presentes em um debate. Ao mesmo tempo, embora sejam concessões públicas, não pesa sobre elas nenhuma obrigação de contribuir com as eleições promovendo os encontros entre os prefeitáveis.
Quem ganha com isso tudo?

O crescimento do não voto nas pesquisas
O resultado da apatia é visível nas pesquisas. Pegamos aqui os exemplos de Rio de Janeiro e São Paulo, comparando apenas os pleitos de 2016 e 2020. O crescimento de quem declara que não sabe em quem vai votar ou que já decidiu pelo voto nulo ou branco cresceu significativamente nas duas capitais.

WhatsApp Image 2020 10 24 at 01.00.37No Rio de Janeiro, na primeira pesquisa de 2016, 76% dos entrevistados se encontravam no campo do não voto (entendido como a soma de abstenções, votos brancos e nulos) quando perguntados espontaneamente. Na primeira pesquisa de 2020, o número não foi muito diferente, com 74% dos entrevistados declarando não saber em quem votar ou que votariam branco e nulo.

A diferença aparece com mais força quando comparamos a segunda pesquisa em cada pleito, já com o horário eleitoral iniciado. Em 2016, o número caiu para 51% e em 2020 a redução foi para 57%. Com a margem de erro, cerca de 2/3 do eleitorado ameaçam não votar em ninguém nessas eleições.

O quadro não melhora muito quando analisamos os números nas pesquisas estimuladas, aquelas em que o entrevistado tem diante de si os nomes para escolher. Em 2016, o patamar de possíveis abstenções começou em 25% na primeira pesquisa e caiu para 23% na segunda. Em 2020, começou com incríveis 36% no primeiro levantamento e embora caia bem para 28%, continua em um patamar de 1/3 do eleitorado.

Em São Paulo o quadro de insatisfação é similar ao do eleitor carioca em 2020, o que evidencia ainda mais a diferença para 2016, quando o cidadão paulistano apresentou números melhores que os verificados no Rio de Janeiro.

WhatsApp Image 2020 10 24 at 01.00.38Na pesquisa espontânea, o número de possíveis não votantes era de 68% na primeira pesquisa de 2016 e começou em 73% no levantamento deste ano. Já na segunda pesquisa, após o começo do horário eleitoral, o número foi reduzido para 43%, enquanto em 2020 caiu para 58%, mesmo padrão do Rio.

Nas pesquisas estimuladas, os números de São Paulo eram melhores em 2016 e assim permanecem em 2020: há quatro anos começou com 17% e caiu para 16% e agora inicia em 28% e caiu para 24%.

Não há, obviamente, nenhuma garantia de que esses índices geram uma onda de abstenção maior que o pleito passado. Até porque os não votantes em 2016 bateram recordes. No Rio de Janeiro, o total de 42,5% dos eleitores inscritos não apareceu para votar ou votou branco e nulo, contra 34% em 2012. Em São Paulo, foram 38,5% de nulos, brancos e ausentes em 2016, e 31% em 2012.

O sentimento antipolítica não é novo, como fica nítido com os dados de 2016. Suas consequências até aqui tem sido as piores possíveis para a democracia. Não é possível analisar a vitória de Bolsonaro sem levar essa variável em conta. No mesmo sentido, não parece razoável interpretar os resultados dessa eleição para a democracia em geral e para o governo Bolsonaro em particular sem mobilizar essa variável.

Bolsonaro: entre a ausência e a derrota nas eleições municipais de 2020
WhatsApp Image 2020 10 24 at 01.00.381Na pesquisa de 15 de outubro, o Ibope apresentou os dados de popularidade do presidente Jair Bolsonaro nas capitais. Em algumas delas, sua aprovação está acima da média nacional, que é de 40%, em levantamento do mesmo instituto ocorrido em setembro. Outras aparecem na média e um terceiro grupo apresenta números bem abaixo do padrão nacional do presidente.[1]

Em paralelo, surgem análises sobre a fragilidade dos candidatos bolsonaristas nas capitais.[2] O argumento em geral se baseia na lógica diferente das eleições municipais, que por serem mais focadas em questões locais do que nacionais geram um eleitor mais pragmático, menos ideológico.

Se tal análise estiver correta, ela em si já deveria desautorizar projeções de que as derrotas de candidatos bolsonaristas em 2020 implicam em um enfraquecimento de Bolsonaro.

Além disso, como já argumentamos em nosso primeiro texto[3], a direita liberal, frequentemente chamada de “centro” pela imprensa, por supostamente fugir da polarização, foi a grande vitoriosa do pleito de 2016 e viu seus votos migrarem para Bolsonaro já no primeiro turno de 2018.

Acreditamos que esse quadro pode se repetir em 2022. A direita liberal, ao impor sua agenda no plano nacional, “usando” Bolsonaro, termina por se aproximar demasiadamente do presidente sem ter, contudo, alguma liderança capaz de rivalizar com ele em popularidade ou carisma.

Há, por fim, a lógica política própria de Bolsonaro, que analisamos sobretudo na nossa pesquisa sobre a pandemia e a política brasileira. O atual presidente não se elegeu com uma dinâmica majoritária, em que apresenta uma narrativa para conquistar votos da maioria. Ele foi um candidato de combate, contra tudo e contra todos. No caso específico das eleições, isso se manifestou na recusa em formar palanques para os governos estaduais em 2018.

Ainda que não possa manter essa lógica em sua integridade – a tentativa de ter um projeto próprio de renda básica para mostrar nas próximas eleições é um exemplo de mudança – algo daquela estratégia vai prevalecer. Nisso, encaixa-se perfeitamente um não comprometimento ativo e aberto nem mesmo com os candidatos bolsonaristas mais orgânicos, mantendo os vínculos com essas figuras pelas dinâmicas ilegais de fakenews e disparos em massa de WhatsApp.

Em suma, convém não projetar uma derrota do presidente caso ele não eleja nenhum prefeito em capital ou mesmo cidades com segundo turno. Sem uma estratégica ampla contra seu governo e com a esquerda fragmentada, Bolsonaro seguirá dirigindo os movimentos autoritários desde a presidência. Não ter prefeitos a seu favor pode ajudar em muito na resistência caso esta se apresente de um modo amplo, capaz de mobilizar amplos setores sociais. Do contrário, a dinâmica de 2016/2018 tem chances de se repetir em 2020/2022.

PARA SABER MAIS
O Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB), laboratório de pesquisa criado em 2019 e vinculado ao Departamento de Ciência Política (DCP) do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), faz análises periódicas sobre as eleções municipais em todo o país. Veja mais em https://nudebufrj.com/ .

NOTAS
[1]
https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2020/eleicao-em-numeros/noticia/2020/10/17/aprovacao-do-governo-bolsonaro-
nas-capitais-varia-de-18percent-em-salvador-a-66percent-em-boa-vista-mostram-pesquisas-ibope.ghtml
[2]
https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2020/10/17/uol-ve-politica-polarizacao.htm e
https://valor.globo.com/politica/coluna/bolsonarismo-a-prova-nas-capitais.ghtml
[3]
https://nudebufrj.com/2020/08/18/eleicoes-municipais-2020-mais-uma-vitoria-do-bolsonarismo/

ENTREVISTA I DENISE PIRES DE CARVALHO – REITORA DA UFRJ

WhatsApp Image 2020 10 16 at 15.27.101Denise Pires de CarvalhoPrimeira reitora da história da UFRJ, Denise Pires de Carvalho não hesita em responder sobre o que mais gosta de fazer na universidade: ensinar. A vocação para o magistério surgiu enquanto cursava Medicina. E não a abandonou, durante a gestão da maior federal do país. A dirigente sente saudades de quando tinha mais tempo para se dedicar às salas de aula. Confira na entrevista a seguir:

JORNAL DA AdUFRJ – Quando e como a senhora decidiu que queria ser professora?
DENISE PIRES – Isso foi construído ao logo do curso de Medicina, que é muito denso. Tudo começou ali no segundo ano do curso, quando comecei a dar aula como monitora e a fazer pesquisa como aluna de iniciação científica. No quinto ano, decidi não fazer prova para a residência. Já fiz a prova para o mestrado. Porque eu já queria ser docente em dedicação exclusiva.

O que é mais difícil: ser professora ou ser gestora?
Entrei como docente em 1990. Durante toda a minha vida docente, participei de atividades administrativas. Ser gestora eu acho ótimo. Acho que complementa a nossa atividade. Eu gosto mais de ser professora. Foi para isso que fiz concurso. Mas eu me sinto mais completa atuando na gestão. Gosto de trabalhar pelo coletivo. Agora, ser reitora é uma gestão muito complexa. Estou aprendendo muito a cada dia.

A senhora mantém a atividade de aula, mesmo na reitoria. Está sendo possível conciliar as duas funções?
Estou com muita saudade da sala de aula. Neste ano, com a pandemia, eu ministrei uma disciplina na pós-graduação no mês de julho e dei duas aulas para a turma da Medicina do terceiro período. Estou participando, mas muito pouco. Só para eu não me distanciar completamente dos estudantes.

Após sair da reitoria, a senhora pretende seguir dando aula?
Com certeza. Permanecerei fazendo isso. O Brasil precisa muito da formação de pessoal, de diferentes profissionais. E o que mais me orgulha na profissão é isso. Poder contribuir com a formação de recursos humanos para o Brasil na área de Saúde, que é onde atuo. Essa é a atividade da qual mais gosto.

O que mudou na universidade desde que a senhora entrou na Faculdade de Medicina nos anos 80?
Quando ingressei na universidade, havia um número menor de vagas na Medicina e os estudantes eram majoritariamente provenientes de escolas da rede privada. A partir de 2006, houve a implantação de políticas públicas visionárias que foram fundamentais para democratizar o ingresso no ensino superior, não apenas aumentando o número de vagas, mas principalmente permitindo o acesso de estudantes de escolas públicas e a reparação social relacionada ao acesso de etnias que antes eram excluídas do ensino superior público. Esses avanços são decorrentes do Programa de Reestruturação das Universidades Públicas e da lei das cotas, que infelizmente  enfrentaram muita oposição na própria UFRJ.

Na opinião da senhora, qual a principal qualidade de um professor?
Na minha opinião, a principal qualidade do professor é a capacidade de lidar com o conhecimento com humildade, sem a soberba de que tudo conhece e de que tem a solução para todos os problemas. O professor deve inspirar seus estudantes e lidar com o contraditório com naturalidade, a ponto de permitir que o ambiente da sala de aula seja o mais democrático possível, o lugar do diálogo aberto e franco, que constrói o cidadão crítico e insubmisso. É aquele que defende o livre pensar, que não direciona o aprendizado e permite a redescoberta.

Conciliar as múltiplas atividades acadêmicas com o engajamento na vida sindical não é tarefa fácil, ainda mais em tempos de cortes orçamentários, ameaças à autonomia universitária e ataques às liberdades de cátedra e de expressão. Para dar a dimensão da complexidade dessa equação, o Jornal da AdUFRJ fez a pergunta abaixo a quatro ex-presidentes da entidade, professoras que foram à luta em defesa da democracia, da ciência, da dignidade profissional e da educação pública de qualidade.

EX-PRESIDENTES DA ADUFRJ RESPONDEM:
Além das aulas, das pesquisas e dos projetos de extensão, há professores incansáveis que acumulam todas essas tarefas com a militância política. Como ex-presidente da AdUFRJ, como você avalia o ativismo docente hoje e quais os desafios do sindicalismo docente?

MARIA LÚCIA WERNECK VIANNA
PRESIDENTE DA AdUFRJ 2017-2019

WhatsApp Image 2020 10 16 at 15.53.49Professora Maria Lúcia (segunda, da esq. para a dir.), no 8 de marçoSegundo Aurélio, o dicionário – que os jovens certamente imaginam ser um velho aposentado –, militância é ação de “membro ativo, participante, apóstolo”.  Aquele que atua em alguma organização: partido, sindicato, seita... Tempo houve em que o termo se associava a posições situadas à esquerda do espectro político. Hoje, a realidade refuta, com veemência, tal visão. Concisa por suposto, a definição em verbete não expressa a complexidade da prática da militância. E essa é uma questão importante para nós na AdUFRJ. Trata-se da distinção entre militância partidária e militância sindical.
Não é raro que o pertencimento a um partido estimule a participação em associações, sejam elas corporativas – como sindicatos e agremiações profissionais –, ou não (como associações de moradores).  Também não é difícil de entender o porquê. As dificuldades começam quando se dá vida a essa dupla atuação. Se meu partido lança um candidato a prefeito, não posso fazer campanha para outro. Mas no sindicato vou defender propostas que atraiam eleitores de diversos prefeitáveis. 
Claro que há bandeiras partidárias cuja convergência com lutas sindicais é inconteste. O exemplo acima, naif, vale apenas para enfatizar a singularidade, mencionada, que nos fustiga na AdUFRJ e com a qual não temos um convívio confortável. Representamos docentes (todos produtores e transmissores de conhecimento) que votam em diferentes partidos, acatam valores comportamentais variados etc. E mais: dedicam-se a saberes heterogêneos, adotam teorias rivais. 
É desafiadora a construção de uma pauta comum em meio a tanta diversidade. Sua consistência depende da amplitude do acordo para a defesa da universidade pública de qualidade e seu reconhecimento implica intensos debates.  Tarefa já por si de bom tamanho, e ainda assim insuficiente. Pois a universidade produz ciência e a ciência serve à sociedade. Desde rigorosas informações sobre a pandemia a contribuições para o entendimento de um mundo virado de cabeça para baixo, a universidade entrega benefícios para a polis e seus cidadãos. E um relevante papel que a AdUFRJ tem cumprido é justamente o de potencializar a divulgação desses resultados e denunciar as tentativas de ocultá-los sob as trevas que assolam o país.

TATIANA ROQUE
PRESIDENTE DA AdUFRJ 2015-2017

WhatsApp Image 2020 10 16 at 15.55.36O grande desafio do movimento docente hoje é pensar estratégias eficazes para combater o projeto autoritário do governo, que tem nos ataques à universidade e à ciência uma de suas principais agendas. É preciso lutar contra isso de modo articulado a outras áreas e utilizando métodos inovadores de mobilização. Está em curso um projeto de estrangulamento, implementado pela lógica do teto de gastos, que coloca alguns setores para concorrer com outros igualmente importantes.
Mas não podemos defender o ensino superior e a pesquisa, deixando de lado a saúde, a  educação básica e a proteção aos mais pobres (que deve ser ampliada por uma renda básica). É o espírito da Constituição de 1988 que precisa ser defendido. Para isso, é fundamental reunir forças para desmontar a armadilha do teto de gastos: ampliando o consenso sobre a importância do investimento público, unindo ações de pressão no Congresso Nacional a diferentes modos de ativismo que vêm se disseminando com as redes sociais. Além disso, está sendo gestada uma agenda autoritária para corroer nossas instituições democráticas, por meio de ataques a garantias constitucionais, como a autonomia universitária e a liberdade de expressão. Um exemplo são as diversas intervenções na escolha de reitores e a perseguição a docentes por ensinar conteúdos importantes, como questões de gênero e outros. Esses ataques não são cortina de fumaça e precisam ser levados a sério como parte central do projeto da extrema-direita no poder em nosso país. Os desafios são muitos e mais do que nunca é preciso fortalecer o sindicato, incentivando a participação docente e renovando suas práticas.

MARIA CRISTINA MIRANDA DA SILVA
PRESIDENTE DA AdUFRJ 2007-2009

WhatsApp Image 2020 10 16 at 15.55.361Sucessivos cortes orçamentários nas universidades públicas ameaçam seu funcionamento. A intervenção do governo federal nas nomeações de reitores/as afronta a autonomia universitária. Sofremos ameaças à liberdade de cátedra e expressão. Na última década, vivenciamos intensificação e precarização de nosso trabalho. Nossos direitos, e de todos os servidores públicos, estão ameaçados pela Reforma Administrativa. Mais de 150 mil mortes pela pandemia da Covid-19, e o governo federal difunde o negacionismo e almeja desacreditar a ciência.
Em resposta, as universidades públicas resistem e cumprem importante papel na produção de conhecimento e divulgação científica.
O distanciamento social nos obrigou ao trabalho remoto. Reconhecemos a importância de manter os estudantes em contato com a universidade; mas a falta de suporte aos docentes e o acesso desigual dos estudantes torna esta alternativa frágil. Não há perspectivas de melhorias substantivas da infraestrutura das instituições para retorno presencial. Público e privado se misturam, promovendo adoecimento e preocupação com o significado deste paliativo para a vida dos estudantes.
Imensos desafios para a luta docente! O Andes-SN tem sido firme na defesa da educação pública e gratuita, de condições dignas de trabalho e de garantia de direitos sociais que se articulam com as lutas gerais da classe trabalhadora. A organização pela base e a independência a partidos e reitorias tem se demonstrado a melhor forma para a defesa dos docentes.
Na  história das conquistas do Andes-SN encontro meu lugar de professora-cidadã e me vejo sujeita dessa história!

CLEUSA DOS SANTOS
PRESIDENTE DA AdUFRJ 2003-2005

WhatsApp Image 2020 10 16 at 15.53.491A luta política é um espaço de disputas de projetos de sociedade. Portanto, a universidade também o é. A pandemia tem contribuído para desvelar os interesses “ocultos” do mercado, evidenciando o ethos privatista das reformas do Estado. Afinal, hoje, 88% das instituições de ensino superior são privadas.
Isto torna a luta em defesa da educação não mercantil um grande desafio. Tarefa que supõe embates profundos no que concerne ao financiamento (previsto no art. 212, da CF de 1988) e cortes orçamentários para as universidades públicas, uma vez que o Ministério da Educação (MEC) planeja cortar R$ 994,6 milhões do total de recursos destinados às universidades e institutos federais de ensino. Além disso, defender a carreira docente, a dignidade salarial, com a certeza da autonomia sindical diante do Estado, é pressuposto essencial.
 Afinal, a condição de ser docente nas instituições públicas de ensino superior requer, além das aulas, intensa dedicação àspesquisas de impacto econômico e social, assim como projetos de extensão, responsáveis pelo fortalecimento das relações entre a comunidade acadêmica e a sociedade, aplicando o conhecimento adquirido e adquirindo novos. Nesta práxis, ele transforma a realidade e se autotransforma. Portanto, é neste movimento que o trabalhador docente problematiza e amplia seu leque referencial, tanto na teoria quanto na prática, para enriquecer seu conteúdo humano e sua atividade profissional. Dentre estes desafios cotidianos está a tomada de consciência de seu papel como um trabalhador militante e sua “participação em uma organização revolucionária, que une a teoria revolucionária à prática revolucionária”. Essas são, ao meu ver, as condições para a construção de uma universidade popular comprometida com a emancipação humana.

WhatsApp Image 2020 10 16 at 14.46.09“Ser pesquisador no Brasil é mais ou menos como ser artista de circo. É preciso fazer várias coisas diferentes, e todas com qualidade. É preciso fazer pesquisa de qualidade, dar aulas de qualidade, fazer difusão científica de qualidade e lutar para aumentar recursos para a pesquisa”, compara o professor Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências.
Davidovich é docente do Instituto de Física. A maior federal do país é a quarta instituição brasileira em produção científica e responde por 6,5% da ciência nacional. Os números são de 2019. O levantamento feito pela USP traduz a atuação da UFRJ entre 2014 e 2018. “Aqui se ensina porque se pesquisa”, resume o professor. “A frase de Carlos Chagas Filho sintetiza nossa missão. O ensino tem que estar sintonizado com o que acontece na pesquisa mundial”, defende o docente.
Se a ciência avança de maneira tão rápida, o ensino precisa mudar, analisa. “Na graduação há uma compartimentalização do ensino. Em outras partes do mundo isso não acontece mais. Temos exemplos fantásticos, como Havard. Aqui, temos a Universidade Federal do ABC. Um dos centros deles se chama Centro de Ciências Naturais e Humanidades, olha que maravilhoso?! As trocas que possibilita são imensas. A UFRJ precisa olhar para frente nesse sentido e tem gente capacitada para isso”, afirma.“A ideia é trabalhar percursos, não os cursos”.WhatsApp Image 2020 10 16 at 14.46.08Luiz Davidovich
Aos 12 anos, Luiz Davidovich viu um anúncio no jornal para um curso de rádio por correspondência. “Eu recebi o material pelos Correios, tinha muitas analogias entre eletricidade e rede hidráulica, o que me levou a buscar outros materiais sobre os assuntos. Eu montava circuitos, era um curso mão na massa mesmo”, relembra. Justamente por ter começado a se aventurar por experimentos desde tão jovem, ele acredita que ciência deve ser aprendida na escola. “Crianças têm curiosidade natural e precisam ser incentivadas. Muitas vezes, a pergunta certa é mais importante do que a resposta”, defende o professor, que não acredita na teoria vocacional. “A história da vocação aqui no Brasil acaba fazendo muito poucos se direcionarem para essa área. Desperdiçamos cérebros que estão nas favelas, nas periferias. Há uma ligação direta com nossa desigualdade social, em que o encaminhamento para a pesquisa ainda está relacionado à estrutura familiar da pessoa”.

CORTES E BUROCRACIAS
WhatsApp Image 2020 10 16 at 14.46.081Pedro LagerbladDe acordo com o professor Pedro Lagerblad, do Instituto de Bioquímica Médica, a burocracia excessiva e a queda nos investimentos geram consequências graves. “Ineficiência, desmonte, superdimensionamento da burocracia, tudo isso tem um custo. É como o custo das doenças. Muitos gestores só visualizam o custo da prevenção, mas não enxergam a economia da prevenção. O não funcionamento sai muito caro”, critica.
Para o docente, que é Pesquisador 1A do CNPq e diretor da AdUFRJ, a burocracia brasileira está sendo usada contra a universidade. “A lei deve servir para garantir a nossa função social. Nossa burocracia é gigantesca. Os órgãos de controle hoje veem todo pesquisador como culpado a priori. São questionários intermináveis, repetitivos”, reclama.
Além de sobrecarregar, as questões administrativas tiram o tempo para a pesquisa. “Eu gasto mais tempo buscando recursos e justificando financiamentos do que trabalhando no meu objeto de pesquisa”, compara. “Quando um pesquisador é colocado numa função burocrática para economizar dinheiro, o efeito é oposto. Esse pesquisador está deixando de gerar conhecimento e recursos”, observa. “Ciência e tecnologia se pagam muitas vezes quando há investimento”.
Alguns exemplos são impressionantes. A transmissão da doença de Chagas pelo vetor barbeiro foi controlada no Brasil na década de 90. Uma análise feita para avaliar os impactos do custo-benefício do programa no Brasil indica que para cada US$ 1 utilizado nas medidas de combate, eram economizados US$ 17. “Só foi possível porque cientistas brasileiros descobriram que o vetor era sensível ao princípio ativo de inseticidas comuns”. Outro exemplo aconteceu em Jaboticabal, São Paulo. Pesquisa para controlar pragas nos laranjais evitou perdas, entre 2002 e 2012, na ordem de US$ 1,3 bilhão. “Foi uma pesquisa da USP. E, sozinha, pagou todo o investimento feito em ciência e tecnologia no Brasil em muitos anos”.

SEM COMEMORAÇÃO
WhatsApp Image 2020 10 16 at 14.46.082Suzy dos SantosAs múltiplas funções no ensino, pesquisa e extensão também fazem parte do cotidiano da professora Suzy dos Santos, da Escola de Comunicação. Além das atividades acadêmicas, a docente também é diretora da ECO. “Nossa carreira, apesar de tantas perdas, ainda é o resultado de muitas lutas e são lutas de uma vida, um trabalho permanente e muito sub-remunerado. Ao mesmo tempo que você faz pesquisa, ensino e extensão, tem que dar conta de manter o funcionamento mínimo. E num momento de falta de recursos, esta não é uma tarefa simples”, descreve.
A sobrecarga é inevitável. “Não há tempo para tudo isso. Há claramente uma sobrecarga mental, um peso excessivo”, analisa. A maternidade é mais um desafio que se soma a todos os outros. “Sou mulher, mãe de duas crianças e fiquei viúva recentemente. Moro no Rio de Janeiro, onde não tenho parentes, então crio os dois sozinha. Existe toda uma responsabilidade na criação da criança que é da mãe. A sociedade como um todo tem esse olhar distinto e isso acaba virando mais uma militância”, diz.
Os filhos transformaram a atuação da professora e gestora. “Assim que assumi a direção da ECO comprei com recursos próprios trocadores e almofadas de amamentação que ficam localizados nas estruturas da Escola, mas disponíveis para todo o campus da Praia Vermelha. A maternidade humanizou mais o meu trabalho”, reconhece.
Os desafios do presente, para a professora, estão associados a lutar pela manutenção da universidade. “A gente não está em tempos de incerteza só pela pandemia. Mas porque a universidade está sob ataque. Infelizmente, neste dia dos professores, não temos o que comemorar. Há muito para se lutar. É uma necessidade de defesa do espaço, da universidade”.

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