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MARIA MATOS, CASSANDRA PONTES, FLÁVIA GOMES, SULAMITA FREIRE E LETÍCIA OLIVEIRA
Professoras do Colégio de Aplicação e integrantes do Conselho de Representantes da AdUFRJ.
Texto e ilustração elaborados pelos docentes


Campanha “Diário da vida remota de professores” do CAp-UFRJ chama atenção para as condições de trabalho no ensino remoto

A cidade do Rio de Janeiro encontra-se ainda com uma alta taxa de transmissão de covid-19, com detecção de novas cepas do vírus e ainda discussões sobre WhatsApp Image 2021 02 25 at 21.47.39subnotificações dos casos. Em fevereiro, observou-se que aglomerações aconteceram em muitos locais e a vacinação precisou ser interrompida por falta de doses. Neste contexto, a educação básica tem sido pressionada a retomar suas atividades presenciais. A realidade é de um ensino cada vez mais digital e, principalmente, desigual.  Em defesa da escola pública, sindicatos e movimentos estudantis ligados à educação básica têm lutado por recursos necessários para o funcionamento das escolas em condições sanitárias adequadas e pela vacinação para todas e todos.

O Colégio de Aplicação da UFRJ (CAp) também tem se debruçado sobre essas questões, compreendendo que seu funcionamento é fundamental para crianças e jovens, especialmente aquelas(es) que vivem em situação de maior vulnerabilidade social. Desde março de 2020, quando a crise sanitária foi reconhecida no Brasil e o isolamento social se fez necessário, docentes, funcionários e a direção do CAp têm trabalhado intensamente, buscando garantir que a relação cotidiana de estudantes com a escola e os conhecimentos pudessem continuar acontecendo de forma democrática e inclusiva.

Além disso, docentes do CAp têm debatido sobre o desgaste extremo do trabalho remoto, com muitas horas diárias de dedicação sentadas (os) ao computador e a imbricação com as questões domésticas. Buscando chamar atenção da sociedade para essa realidade, o Conselho de Representantes da unidade organizou a Campanha “Diário da vida remota de professores” em 2020. A ideia foi que docentes relatassem suas vivências, alertando para as condições de trabalho. Compartilhamos neste artigo contribuições de três docentes para a campanha: Maria Lúcia Brandão, professora do setor curricular multidisciplinar, Sulamita Freire, professora do setor curricular de Artes Visuais, e Fernando Villar, do setor curricular de Matemática.

Esperamos que os textos possam nos inspirar e mostrar que é preciso lutar pela garantia da saúde e pela segurança sanitária de toda a comunidade escolar, que inclui docentes, funcionários, estudantes e suas famílias! É preciso também refletir sobre nossas condições de trabalho no ensino remoto e na perspectiva de construir possibilidades para o ensino híbrido presencial. Que a escola pública possa resistir e existir como referência social de valorização de saberes científicos e espaço de compartilhamento, solidariedade e produção de conhecimentos!

Um ano diferente

Um ano de filmes de ficção. Um ano que a gente reza para acabar, mas com medo do segundo episódio. 2021 ou 2020, parte 2?
Um ano no qual tudo me aconteceu. TUDO. Até quase morrer vítima de covid. Um ano em que eu, que só sabia recortar e colar nos meus trabalhos no laptop, tive que me virar nos 65 para dominar a tecnologia e não ser derrotada por ela.
Um ano em que amigos me surpreenderam, assim como outros me decepcionaram. Mas esses últimos descobri colegas. Eu é que usava nomenclatura errada.
Os amigos me ligavam, rezavam, em várias fés diferentes. Me mostravam o céu pela manhã e à noite, no celular, enquanto isolada num quarto de hospital. Os amigos que nem sabia serem musicais, me enviaram vídeos cantando e tocando pra mim. Os amigos me mandavam mil mensagens lindas, consoladoras, esperançosas. Os amigos queriam mandar outros médicos para me examinarem. Os amigos sofreram comigo e esses sei que sentiriam minha falta, porque simplesmente são meus amigos. Amigos de fora do Rio e do Brasil me descobriram frágil e me sacudiram.
A família? Tudo... TUDO...Tudo...TUDO. Quem eu seria sem ela? Mas disso sempre soube.
Não sou a mesma de antes da covid. Nunca mais serei. O mundo nunca mais será. Às vezes, me surpreendo com uma extrema delicadeza. Às vezes, com uma frieza desconhecida. Acho que, aos 65, aprendi, finalmente, que o mundo não é a novela das 7.
No entanto, ele ainda é lindo. Nele vivem pessoas como você, que me ajudaram a passar por tudo e terminar o ano com um alto grau de criatividade. Não é vaidade, é sensação.
Obrigada, mas não é aquele obrigado sem sal, formal, de oito letras. É um obrigada que inclua todas as letras do alfabeto com todas as palavras maravilhosas que possam existir reais ou inventadas.
 OBRIGADA!!!!!!

Maria Lúcia Brandão
Professora do setor curricular Multidisciplinar


Trabalhos docentes em atividades remotas

1. Criar links de encontros síncronos;
2. Elaborar atividades assíncronas;
3. Captar imagens instantâneas para conferir presença de estudantes;
4. Adivinhar que Rhbc2020 é o Joãozinho da Silva;
5. Adivinhar que Maria B. é o Ricardo Augusto que entrou na aula com o celular na mãe porque o computador estava com o irmão na aula da faculdade;
6. Preencher a planilha de presença de cada turma observando devidamente as traduções citadas acima;
7. Ficar sentado à frente do computador falando com a tela;
8. Descobrir tempos depois que o microfone estava fechado;
9. Descobrir que teve um pico de luz e o roteador desligou (teacher off)
10. Preencher relatórios individualizados de nota;
11. Transformar um feedback que no presencial seria “Nossa! Muito bom, fulano. Pode colorir agora?”, mas no on-line fica “Fulano, a imagem está invertida, a resolução não me permite ver os detalhes com clareza. Por favor tira uma nova fotografia em um lugar mais iluminado e com maior resolução”;
12. Gastar 2 minutos em algo que durava 3 segundos;
13. Aprender a emoção de clicar “Alt+F4” durante a atividade síncrona;
14. Reenviar o código de acesso dez vezes para a mesma pessoa que “não recebi não, professor”;
15. Ensinar como buscar uma mensagem na caixa de entrada do e-mail;
16. Ouvir “ah, professor, achei os códigos aqui. Por que você me enviou tantas vezes?”;
17. Trocar o e-mail cadastrado;
18. Trocar novamente porque “esqueci a senha professor”;
19. Trocar mais uma vez “ah, eu e minha mãe criamos esse aqui agora”;
20. Trocar novamente pelo e-mail anterior porque “lembrei a senha” e o outro “ só funciona no computador da minha mãe, mas ela está trabalhando agora”.

A lista continua*...

Fernando Villar
Professor do setor curricular de Matemática





Kelvin Melo
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Um em cada cinco professores da UFRJ contraiu a covid-19. E 26,5% de toda a comunidade universitária já foi acometida pela doença. Os resultados, ainda preliminares, fazem parte de um estudo sobre o impacto da pandemia na instituição. Até o dia 17, 8.024 pessoas responderam ao questionário virtual organizado pela reitoria, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva e Faculdade de Medicina.

Os indicadores, por enquanto, podem estar sob influência de um maior número de respostas dos que adoeceram, alerta o professor Antonio José Leal, diretor do IESC e coordenador geral do estudo. “Por isso, é importante que todos respondam. Se adoeceram ou não, se testaram ou não. Esta e outras iniciativas ajudam a compreender melhor o que ocorre entre nós”, afirma.

O questionário pode ser respondido até 6 de março e está disponível em https://formularios.tic.ufrj.br/index.php/796291. Após cadastrar um email, o usuário recebe um link de acesso ao estudo. O preenchimento é rápido. “Eu diria que, em média, algo entre 10 e 12 minutos”, afirma Antonio. Para preservar o sigilo das informações, não há identificação de quem responde.

A metodologia do estudo, chamado de inquérito epidemiológico, é similar à aplicada para outras doenças, há muitos anos. O relatório final terá o detalhamento da incidência de covid na comunidade da UFRJ pelo período de tempo, por local de trabalho e moradia, categoria funcional e pelas características individuais de cada integrante da universidade, como idade, gênero e relação com fatores de risco, entre outras variáveis.

“Muito provavelmente, esta ocorrência se concentra no corpo social do Centro de Ciências da Saúde, particularmente nas unidades hospitalares. Pelas características da função, são os mais expostos”, observa. “Mas é importante dimensionar. É de 5%? 10%? 20%?”, completa.   

A testagem da doença é outro tópico aferido na pesquisa. E, segundo adianta o diretor do IESC, a maioria dos que responderam ter contraído a covid relata ter feito pelo menos um teste para comprovar a declaração.

Proporcionalmente, a adesão à pesquisa está maior entre os docentes: 1.404 enviaram respostas, o que corresponde a aproximadamente um terço da categoria (4,2 mil). Entre os técnicos, a participação supera pouco mais de 10% do segmento: 952 de 9,3 mil. Mas ainda é baixo o número de estudantes: 3.861 na graduação, 1.654 na pós-graduação e 49 pós-doutorandos, de um universo de 65 mil pessoas. “Quero intensificar o convite a todos os docentes e é importante que reforcem a divulgação junto aos alunos de todos os cursos de graduação e pós”, diz Antonio José Leal, que sugere a utilização dos grupos de whatsapp e listas de e-mails próprios de cada unidade. A pesquisa também já tem o retorno de 66 terceirizados e 38 permissionários.

Reitora da UFRJ, a professora Denise Pires de Carvalho também estimula a comunidade a participar e projeta seus resultados para além dos muros da universidade. “Esse inquérito é fundamental para entendermos a epidemiologia da doença no estado do Rio de Janeiro. Somos uma amostra representativa da sociedade fluminense”, diz.

NOVA ETAPA
O IESC encaminha uma segunda etapa da pesquisa. “Esse inquérito nos dará uma ideia geral de quem já pode ter sido infectado. Com base nesses dados, faremos uma pesquisa na UFRJ com testes sorológicos”, informa a diretora adjunta de Pesquisa do instituto, professora Katia Bloch. O projeto aguarda o parecer do comitê de ética e pesquisa do próprio IESC.

A professora esclarece que o objetivo do estudo é diferente do trabalho desenvolvido pelo Centro de Testagem da UFRJ, que dá apoio à área da saúde e outros profissionais envolvidos no combate à pandemia. “Eles fazem o PCR, exame que verifica se a pessoa tem o vírus naquele momento. Nossa pesquisa, em uma amostra de toda a comunidade, vai fazer teste para identificar o anticorpo produzido depois da infecção”. Ou seja, para quem já teve covid há mais tempo. “Queremos produzir pesquisa para ter uma aplicação prática, para melhorar as condições de saúde da população. Nesse momento, é importante ter bastante informação”, completa Katia.

NÚMEROS DO ESTUDO*

 

PROFESSORES

TÉCNICOS

ALUNOS /GRADUAÇÃO

ALUNOS /PÓS

PÓS-DOUTORANDOS

TERCEIRIZADOS

PERMISSIONÁRIOS

TOTAL

 

Responderam

1.404

952

3.861

1.654

49

66

38

8.024

Tiveram ou

têm covid

277

218

1.132

462

10

19

7

2.125

*até o dia 17/02



WhatsApp Image 2021 02 11 at 21.26.31MUSEU teve obra embargada“A primeira pergunta foi meu nome, a segunda foi a minha relação com o museu e a terceira, se eu conhecia o Lula”. Foi assim, na alvorada do dia 13 de dezembro de 2016, que o historiador e professor Paulo Fontes acordou com a visita da Polícia Federal em seu apartamento, no Rio. Eram seis da manhã e ele estava com a mulher e os dois filhos pequenos. Paulo foi conduzido coercitivamente no âmbito da Operação Hefasta, que apurava supostas irregularidades no projeto do Museu do Trabalho e dos Trabalhadores de São Bernardo do Campo (MTT), onde ele atuava como coordenador de conteúdo. Depois de mais de quatro anos de idas e vindas a São Paulo, a vitória chegou. No começo deste ano, Paulo e outros acusados pelo Ministério Público, como o ex-prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho (PT), foram absolvidos. A sentença era esperada desde que o próprio MP, no início de 2020, reconheceu não haver provas contra os acusados.
Professor do Instituto de História da UFRJ, onde coordena o Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho (LEHMT/UFRJ), Paulo é também diretor, desde novembro de 2019, da Universidade da Cidadania, órgão ligado ao Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, responsável por atividades formativas, de pesquisa e extensão entre a universidade e os movimentos sociais.
Até a vitória chegar, Paulo viveu um longo período de indignação e de luta para provar que era acusado por um crime que nunca cometeu. “Procurei advogados especializados de São Paulo, que me orientaram a procurar o Ministério Público. Conversei três vezes com a procuradora, entre 2016 e 2018, abri meu sigilo bancário, levei documentos, na expectativa de que, mostrando a minha situação, ela reconheceria que o MP havia cometido um equívoco e que eu não seria considerado réu. Mas ela me denunciou”, conta o professor.
WhatsApp Image 2021 02 11 at 21.26.31 1Professor Paulo FontesPara Paulo, a investigação queria chegar ao ex-presidente Lula. “Existia um contexto político de dizer que o museu era do Lula, que o Luiz Marinho havia construído para ele. Mas eles não tinham nenhuma prova disso. A denúncia desde o princípio era frágil, cheia de inverdades”, afirma.
Depois das recentes revelações sobre as irregularidades da Operação Lava Jato, Paulo acredita que o contexto pesou para a sentença favorável. “Está cada vez mais claro que barbaridades, ilegalidades e crimes foram cometidos em vários desses casos. Não se trata de passar pano na corrupção, mas, em nome de limpar a corrupção, eles criaram uma montanha de mentiras”, diz. “No caso operação de que fui alvo, tinha o contexto de punir intelectuais e críticos em nome de varrer a corrupção”, afirma.
O professor é grato por ter, finalmente, o nome limpo na Justiça. “Num país como o nosso, em que a Justiça não costuma acontecer, temos que comemorar. Não tenho dúvida de que o caso só prosperou por causa das circunstâncias políticas daquele período, assim como o resultado final também tem a ver com a revelação das mentiras da Lava Jato, que operou na mesma lógica de coerção da Hefasta”, reflete Paulo.
Lucas Pedretti, historiador e membro do Núcleo de Memória e Direitos Humanos do Colégio Brasileiro de Altos Estudos da UFRJ (CBAE/UFRJ), acredita que o que tem acontecido de 2016 até hoje tem a ver com uma expressão renovada do que já foi visto em outros momentos, quando em nome de certos valores como ordem, moral, combate à corrupção e subversão, é possível atropelar a lei, o processo legal e os valores civilizatórios mínimos. “A ditadura militar nunca reconheceu a existência de presos políticos. Eles diziam que os subversivos eram corruptos ou terroristas. E o fato de a gente não ter lidado com esse período do ponto de vista da memória, da reparação e Justiça para quem foi violado, a gente tem mais dificuldade em evitar a repetição desse movimento”, explica.
Para Lucas, é necessário fazer uma reparação material, emocional, mas também coletiva. “Temos que buscar a construção de mecanismos para que isso não aconteça com outras pessoas, porque o nosso sistema de Justiça e o das forças de segurança não operam numa lógica de mudança, o que leva a gente a uma espécie de eterno retorno”, diz Lucas.
Paulo Fontes está disposto a buscar reparação do Estado brasileiro. “Uma reparação para mim seria o museu acontecer, é fundamental para o país ter um museu como esse”, afirma. “Trabalhei minha vida inteira nesse projeto. Ele diz respeito a um avanço político do país, que o museu iria expressar muito bem. Mas aí chamaram de museu do Lula e se transformou num negócio kafkaniano, em que qualquer coisa que você faça é realmente a prova daquilo que você está sendo acusado”, conta.
As obras do museu foram embargadas, há apenas um esqueleto construído. “É lamentável que sempre no avanço de regimes conservadores eles ataquem a memória”, reflete Maria Paula Araújo, do Instituto de História da UFRJ. Para ela, um dos papéis da memória na sociedade é valorizar e trazer à tona a história dos segmentos sociais. “É principalmente nesse sentido que atuava o Paulo Fontes e outros pesquisadores nesse projeto de memórias do mundo do trabalho, que tinha a ver com o museu também. Nem é, nesse caso, um museu fundamentalmente político como, por exemplo, o Museu da Memória e dos Direitos Humanos do Chile, ou o Memorial da Resistência, em São Paulo”, explica a professora. “Era uma iniciativa muito importante para se estudar o processo político e econômico do país”, conclui.

Alexandre Medeiros
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ENTREVISTA I NORMA MENEZES, PROFESSORA DA ESCOLA DE BELAS ARTES

Na primeira reunião de 2021 do Conselho de Representantes da AdUFRJ, em 9 de fevereiro, a professora Norma Menezes, da Escola de Belas Artes (EBA), chamou atenção para a gravidade do momento político que o Brasil atravessa. Ela comparou o quadro de crescente autoritarismo do governo Bolsonaro ao que vivenciou na Turquia sob o comando do presidente Recep Tayyip Erdogan, sobretudo depois da fracassada tentativa de golpe para tirá-lo do poder, em 2016. “Estive em 2019 na Universidade de Boğaziçi (Universidade do Bósforo). Muitos de nossos colegas professores foram presos ou mortos pelo regime de Erdogan. E vejo muitas semelhanças entre o que ocorreu lá e o que vem ocorrendo aqui”, diz a professora.

Nesta entrevista ao Jornal da AdUFRJ, Norma Menezes reflete sobre as transformações na Turquia sob o regime de Erdogan e as inevitáveis comparações com as ações destrutivas do governo Jair Bolsonaro, como os ataques à autonomia das universidades — os dois presidentes têm o hábito de nomear reitores sem respeitar as escolhas democráticas das comunidades. Fala ainda sobre as dificuldades de comunicação da esquerda brasileira para difundir suas mensagens nas plataformas digitais, e faz um apelo ao diálogo entre as forças do campo progressista, superando eventuais divergências em nome da defesa da democracia. “É preciso unidade das diversidades para enfrentar o autoritarismo”.

Jornal da AdUFRJ — Norma, fale um pouco sobre a sua experiência na Turquia, antes e depois da tentativa de golpe de 2016. Quando você esteve lá?
Norma Menezes — Estive lá em 2013 e em 2019, ou seja, antes e depois da tentativa de golpe. Bom que se diga que esse golpe militar era benéfico ao laicismo e à WhatsApp Image 2021 02 25 at 21.52.161democracia. Erdogan está no poder central há mais de 20 anos, antes como primeiro-ministro e depois como presidente. Foi galgando posições em seu partido (Partido da Justiça e Desenvolvimento — AKP). Voltando um pouco na história, vale lembrar que o presidente Atatürk (Kemal Atatürk presidiu a Turquia de 1923 a 1938) deixou dois grandes legados aos turcos. O primeiro foi a abertura da economia para a Europa. O segundo foi deixar ao Exército a função de intervir no momento em que qualquer religião interferisse nos assuntos do Estado. Passados os anos, o populismo de Erdogan foi ganhando espaço, sobretudo no interior da Turquia, e impondo preceitos da religião muçulmana em diversos setores, afastando o país do modelo laico.

Pode dar algum exemplo prático desse movimento?
A tradição da sociedade turca preza a liberdade dentro dos espaços públicos. Era um hábito dos turcos utilizarem os espaços públicos para tomarem chá, por exemplo. E o que fez Erdogan? Paulatinamente começou a substituir esses espaços por mesquitas ou shopping centers. Ou seja, mesclando o pior do capitalismo selvagem  com o fundamentalismo religioso. Isso ocorreu em Ancara, em Istambul e em outras cidades. E foi crescendo um sentimento de insatisfação com isso. Em 2013, essa insatisfação chegou ao ápice com a decisão de Erdogan de fazer um estacionamento subterrâneo e um shopping center no lugar do Parque Gezi, em Istambul. O povo não aceitou aquilo e foi às ruas para protestar. A tradicional Praça Taksim virou o epicentro de um movimento sem líderes, que unia vários setores da sociedade, em protesto contra a escalada autoritária. E esse movimento se espalhou pelo mundo. O governo Erdogan reprimiu violentamente esses protestos.

A tentativa de golpe de 2016 foi um reflexo desses protestos e da posterior repressão?
Sim. Os militares que seguiam os preceitos deixados por Atatürk resolvem derrubar Erdogan, mas ele consegue reverter o golpe e passa a perseguir com mais violência seus opositores, entre eles os professores. São centenas de perseguidos desde então. E as milícias que Erdogan vinha armando há anos se tornam gigantescas. Em 2013, quando estive lá, caminhava pelas ruas com amigos professores e eles me apontavam os milicianos infiltrados entre a população. Desde então, isso só cresceu. Quando voltei, em 2019, vi várias universidades fechadas. Uma delas, de Humanas, com guardas na porta, fica na  Avenida Istiklal, uma das principais vias de turismo de Istambul. Há uma fortaleza policial no Parque Gezi. E a Hagia Sophia, que foi erguida há quase mil e quinhentos anos como catedral cristã e era um museu desde 1934, voltou a ser uma mesquita em 2020.

Assim como Bolsonaro, Erdogan vem fazendo intervenções nas universidades, não é?
Sim, ele acabou de nomear o novo reitor da Universidade do Bósforo, um aliado político. E isso vem gerando novos protestos, também reprimidos com violência. Tenho amigos professores demitidos. Todos têm medo de falar, estão vigiados pelos milicianos. As redes sociais são monitoradas pelo governo.

Você teme que esse quadro turco se repita aqui no Brasil com Bolsonaro, que já falou em golpe se não vencer em 2022, vem facilitando o acesso a armas e cerceando as universidades?
São muitas semelhanças, isso é alarmante. Foi esse alerta que quis fazer na reunião do Conselho de Representantes. Parece que muita gente não vem percebendo a gravidade da situação. As coisas não acontecem da noite para o dia, elas são orquestradas. E Bolsonaro tem o apoio de boa parte da população, como Erdogan. O campo progressista está em tremenda desvantagem. E tem que buscar o diálogo, as convergências. A lógica que vem nos guiando não nos une.

E qual seria a saída?
Temos que deixar de lado a dialética do confronto e da comparação. Precisamos de uma lógica diferente. Temos que criar novos focos de interesse. Se não deixarmos de lado os nossos “ismos” e abrirmos o que temos de bom uns para os outros, nós não vamos conseguir plantar as sementes da sustentabilidade para as próximas gerações. Temos que ter a capacidade de superar as diferenças para criar um conjunto diverso para enfrentar com sabedoria essa avalanche. Diversidade de pensamento não deve se transformar em adversidade. É preciso unidade das diversidades para enfrentar o autoritarismo.

Parece que há também uma dificuldade de comunicação do campo progressista com a sociedade, sobretudo nas plataformas digitais, onde os bolsonaristas atuam com vigor. Como você vê essa dificuldade, principalmente na Comunicação Visual, que é sua área de atuação?
Precisamos mudar a linguagem da nossa comunicação. Acabou de sair uma monografia, da qual fui orientadora, abordando a linguagem utilizada por canais de esquerda e de direita no Youtube. É um trabalho sensacional, feito pela estudante Adriana Buzzacchi para a conclusão do curso de Comunicação Visual Design, que merece ser analisado, sobretudo pela esquerda. Ela aborda a estética empregada por cada espectro político, as táticas audiovisuais usadas para se comunicar e engajar mais visualizações, os signos mais utilizados e a quebra da dialógica, entre outros aspectos. Ela produziu um vídeo falando de temas sensíveis, como o aborto e a fertilização in vitro, sem a utilização das linguagens de confronto e comparação tradicionalmente usadas nos canais políticos do Youtube, que acabam incitando ao ódio. No caso do vídeo produzido pela Adriana (https://bit.ly/2ZNQCFd), o espectador é convidado a refletir e se posicionar. É um bom exemplo de como podemos aprimorar nossas formas de comunicação com a sociedade.


NOMEAÇÃO DE REITOR GERA PROTESTOS EM ISTAMBUL

Desde o início de janeiro, alunos, funcionários e professores da Universidade do Bósforo, em Istambul, estão nas ruas em protesto contra a nomeação do reitor Melih Bulu, estranho aos quadros da universidade. Bulu é do partido islamista AKP, o mesmo de Erdogan. As universidades foram proibidas de eleger seus reitores após a tentativa de golpe de 2016. Centenas de acadêmicos foram presos ou expurgados. Em 2020, Erdogan nomeou 27 reitores. Os protestos incentivaram atos por toda a Turquia, duramente reprimidos pelo governo. Só na primeira semana de fevereiro, mais de 300 pessoas foram presas — em sua maioria estudantes, detidos em sua própria casa, após as manifestações.

PROFAEX Chamada 600x375Num ano complicado para o orçamento universitário, a pró-reitoria de Extensão (PR-5) aumentou em R$ 300 mil o montante disponível para o novo edital do Programa Institucional de Fomento ùnico de Ações de Extensão (Profaex) , em comparação ao do ano anterior. “Conseguimos ampliar as verbas disponíveis em 2021 porque não vamos mais ter os grandes eventos presenciais”, explica a pró-reitora Ivana Bentes. Tanto a Semana de Integração Acadêmica (Siac), quanto o Conhecendo a UFRJ e a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT) exigem investimentos que não serão necessários, pois acontecerão virtualmente. “Essa economia vai ser toda aplicada e revertida. É um orçamento que se ampliou pelas características da pandemia”, diz Ivana.
O edital vai investir cerca de R$ 3,7 milhões em eventos, cursos, projetos e programas que têm como base o diálogo com a sociedade. Para Ivana, conseguir lançar o Profaex nessa ordem de valor é uma vitória. “Tendo em vista também a linha histórica de cortes que a Educação tem sofrido, a gente vê cortes gerais nas bolsas de extensão e pesquisa. Conseguir manter e operar esse processo, nesse momento, é uma vitória”, avalia. O Profaex é direcionado aos estudantes, mas beneficia todos os envolvidos. “Não só os estudantes com o apoio na sua formação, mas também as próprias ações, que ganham com bolsistas dedicados, que trazem soluções, propostas e interagem”, explica. “Num momento de crise, ter estudantes da UFRJ mobilizados e participando dessas ações que estão atendendo a sociedade é um círculo virtuoso”, afirma.
Para participar do novo edital, é necessário se inscrever num sistema novo, completamente online, chamado Mailchi. O anterior, Sigproj, foi utilizado nas últimas cinco edições do edital e facilitava o acesso dos coordenadores que já possuíam um projeto, pela sua ferramenta de replicação e edição. O antigo sistema não é compatível com o atual, e não é possível importar os dados de um para o outro. O prazo para submissão de trabalhos vai até 7 de março.
É a primeira vez que Vinicios Ribeiro, professor de História da Arte na Escola de Belas Artes, vai se inscrever num edital da PR-5. “O meu projeto vai ser uma celebração do curso de História da Arte. Agora em 2021 comemoramos 12 anos, e celebraremos tantos os estudantes do curso como os egressos, e também os possíveis alunos que se interessam pela área durante o Ensino Médio”, conta. O projeto contará com 12 encontros, e vai começar em março. O professor aprovou o novo edital, tanto na maneira em que foi disponibilizado e na centralidade que a Extensão tem conquistado na universidade. “Uma manifestação como o Profaex, num momento tão difícil, traz um incentivo às nossas ações e aos estudantes, que também podem ter um aporte de recursos financeiros que garantem a manutenção deles na universidade”, acredita.
A professora Ana Lúcia Nunes, da Escola de Comunicação, pretende realizar a inscrição com a ajuda de seus alunos. “Vou selecionar alguns estudantes com mais experiência para participar da submissão dos projetos. Lembro que quando fui aluna da graduação, no laboratório da Universidade Federal de Goiás, e sempre colaborávamos. Era um trabalho construído coletivamente”, explica. “É uma prática muito boa para os estudantes”, avalia. Para Ana Lúcia, o novo edital carece de algumas melhorias como, por exemplo, na ampliação das ações afirmativas. “Para mulheres que tiveram filhos recentemente, porque a nossa participação nos eventos e projetos acontece com dificuldade. Existem dados que provam a dificuldade das mães que são trabalhadoras em terem seu momento de maternagem, que requer muito tempo e dedicação, e cumprir com todas as demandas que a universidade e o mundo acadêmico nos exigem. Há uma queda na produtividade que acaba nos deixando em desvantagem na competição dos projetos”, afirma. “É essencial, também, que em todos os editais da universidade exista uma definição de cotas étino-raciais ou cotas para estudantes de escolas públicas”, completa.

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