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O ano de 2024 foi difícil para a comunidade acadêmica do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da UFRJ. No intervalo de um mês, duas referências no campo da Farmacologia brasileira partiram deixando uma legião de admiradores. O professor emérito Eliezer Barreiro e o professor Carlos Alberto Manssour Fraga foram os homenageados da 31ª edição da Escola de Verão em Química Farmacêutica Medicinal, que aconteceu entre os dias 27 e 31 de janeiro, no Centro de Ciências da Saúde.
Eliezer Barreiro foi o fundador da Escola de Verão, em 1994, e coordenador até 2019, quando deixou o cargo. Fraga, aluno e sucessor acadêmico de Barreiro, o substituiu na coordenação.
CONVIDADOS
Coube ao professor Carlos Maurício Sant’Anna, da UFRRJ, assumir a direção da Escola na primeira edição sem os renomados professores. “É uma grande responsabilidade, mas, sobretudo, uma satisfação dar continuidade ao trabalho dos dois, que sempre foi reconhecido no Brasil e no exterior”, afirmou.
Sant’Anna é professor associado ao Laboratório de Avaliação e Síntese de Substâncias Bioativas da UFRJ (LASSBio). Como estudante de doutorado no Instituto de Química, co-orientado pelo professor Barreiro, esteve presente na primeira edição da Escola de Verão. Desde então, nunca mais se afastou. De aluno, passou a professor ministrando cursos. O docente mostrou felicidade em ver a continuidade do legado deixado por seu mestre. “O Eliezer temia que esse trabalho se perdesse quando ele não estivesse mais aqui. Tenho certeza de que, se ele pudesse ver o que está sendo feito, ficaria muito satisfeito”, disse com carinho.
O evento movimentou os silenciosos corredores do CCS no período de férias da graduação. A escolha pelo mês de janeiro vem desde a idealização da Escola de Verão. “Por ser um período de ociosidade nas universidades, permite a presença de estudantes de diferentes partes do Brasil”, explicou a professora Lídia Moreira Lima, do ICB e coordenadora do LASSBio.
Primeiro químico medicinal do Brasil, Barreiro criou o curso para sistematizar a disciplina nas universidades brasileiras, buscando diálogo com pesquisadores estrangeiros. “Dar o exemplo, pelo melhor exemplo”, recorda a professora Lídia do mantra de Eliezer.
Já passaram por edições anteriores nomes como Jörg Senn-Bilfinger, descobridor do pantoprazol, que reduz a acidez estomacal e Sir Simon Campbell, inventor da sildenafila, usada no tratamento de disfunção erétil.
A 31ª edição trouxe dois pesquisadores europeus. O professor alemão Stefan Laufer, da Universidade de Tübingen, foi o responsável pela conferência de abertura, agora chamada conferência Barreiro-Fraga. Laufer mantém acordos de parceria acadêmica com laboratórios e professores brasileiros desde 2004. “O Brasil tem professores brilhantes, mas é importante também os estudantes terem contato com a ciência internacional”, afirmou o docente.
A professora italiana Maria Laura Bolognesi também participou do evento. “Se você é um bom cientista, precisa ser capaz de passar o conhecimento para os outros. A ciência deve ser para todos, por isso, eu adoro participar desse tipo de atividades”, celebrou.
A Escola de Verão conseguiu apoios financeiros que garantiram sua viabilidade. Além do apoio de empresas farmacêuticas, a verba do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Fármacos e Medicamentos (INCT-Inofar), financiado pelo CNPq e pela Faperj, possibilitou a oferta de bolsas para alunos e o financiamento de passagem e estadia para pesquisadores de outros estados e países.
VERDE E AMARELO
Se a principal missão da Química Medicinal é descobrir medicamentos, Barreiro sempre levantou a bandeira do desenvolvimento de fármacos 100% nacionais. “Ele propôs esse curso como uma forma de divulgação da área, a partir da atualização de conceitos e estratégias em benefício de um pensamento maior, a descoberta de um fármaco verde e amarelo”, explicou a professora Lídia Lima.
A dependência brasileira das importações de medicamentos causava grande apreensão ao professor Eliezer. “Ele dizia que se tivéssemos uma guerra ou um embargo comercial, muita gente morreria por falta de remédios”, lembrou a docente.
As dificuldades de pesquisa na área são grandes. O trabalho longo e custoso só é possível em colaboração com a indústria farmacêutica. A UFRJ desenvolve em cooperação científica com a empresa Eurofarma um trabalho iniciado pelo professor Barreiro de um fármaco para dor neuropática, uma alternativa de analgésico não opioide.
ESTUDANTESA Escola de Verão contou este ano com 141 estudantes de sete estados do Brasil. O farmacêutico Célio Souza veio de Anápolis (GO) para sua terceira participação no evento. “Mandei um e-mail para o professor Eliezer em 2015, umas duas horas da manhã. Quando acordei, ele já tinha respondido. Me senti convidado”. Formado em 2011, Célio quer se manter em contato com as pesquisas mais recentes. “Aqui me mantenho conectado para, quando voltar para a academia, não estar tão distante do que se discute hoje na ciência”, disse.
Gustavo Mendonça, estudante do nono período de Farmácia na UFRJ, é aluno de iniciação científica do LASSBio e participou pela primeira vez. Aproveitou os cursos para desenvolver conhecimentos que podem ser úteis no laboratório. “A Escola é importante para nós que estamos no final da graduação. É uma oportunidade de pensar em novos caminhos no mestrado e no doutorado”.
O professor Pedro de Sena, do ICB, é um exemplo de como a Escola pode impactar no futuro acadêmico. Participou pela primeira vez em 2015, ainda como estudante de graduação. No curso, conheceu o professor Manssour, recebeu um convite para iniciação científica e depois ingressou no mestrado sob a orientação do docente. Pedro já foi monitor e, desde o ano passado, ministra cursos na Escola. “Aquela participação em 2015 foi uma virada de chave. Quando você vê pessoas fazendo o que você quer fazer e mostrando todo o potencial do trabalho de pesquisa, isso acaba te conquistando”.
Principal instância de deliberação do movimento docente, o 43° Congresso do Andes acontece até sexta-feira (31) em Vitória (ES). O evento reúne 467 delegados, 127 observadores e 34 diretores do Andes. Além dos professores, há oito acompanhantes e 13 crianças. Vinte e dois jornalistas trabalham na cobertura das atividades. A AdUFRJ participa com 22 representantes, entre delegados e observadores.
Neste segundo dia do Congresso, os docentes se dividem em grupos mistos de trabalho para debater temas relacionados à política que será conduzida pelo Sindicato Nacional em 2025, tanto no plano de lutas geral, como no plano específico para os setores municipais, estaduais e federal. A carreira docente federal é um dos temas da programação.
A reunião de Vitória terá a inscrição de chapas que irão concorrer às eleições para a diretoria do Andes, em maio. Em paralelo às discussões das plenárias, os grupos políticos que disputam a direção nacional do sindicato vão se articular para a corrida eleitoral.
Confira alguns registros do Congresso feitos pela enviada especial Silvana Sá.
Ricardo Stuckert/Fotos PúblicasForam 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério, que mataram 272 pessoas e soterraram sonhos e memórias. Passados seis anos do rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, da mineradora Vale, em Brumadinho (MG), um estudo conjunto da Fiocruz e da UFRJ mostra que a população local ainda convive com as marcas da tragédia, agora traduzida em graves problemas de saúde. Entre as descobertas, o estudo divulgado no último dia 24 detectou a presença de metais pesados, entre os quais o arsênio e o mercúrio, em 100% das amostras de urina de crianças de zero a seis anos analisadas na cidade mineira.
O estudo avalia desde 2021 os efeitos do desastre na saúde dos habitantes de quatro localidades de Brumadinho. Os dados divulgados se referem ao trabalho de campo feito em 2023 e revelam que, entre as crianças de zero a seis anos, havia a presença de pelo menos um dos cinco metais monitorados (cádmio, arsênio, mercúrio, chumbo e manganês) em todas as amostras de urina analisadas. O arsênio, elemento químico que pode ser fatal a humanos em doses altas, é o que mais preocupa: entre 2021 e 2023, o número de crianças com níveis acima do valor de referência passou de 42% para 57%, em média.
Os percentuais de arsênio são ainda mais expressivos em localidades próximas à área do desastre ou da mineração ativa no município. No povoado de Aranha, distante dez quilômetros do epicentro do desastre, os índices do metal nas amostras acima do valor de referência mantiveram-se entre 50% e 52%. Já nas duas localidades mais próximas — Córrego do Feijão e Parque da Cachoeira — e na qual há mineração ativa — Tejuco —, os percentuais de 2023 sobem de forma significativa, se comparados aos de 2021. No Parque da Cachoeira e no Córrego do Feijão saltam de 29%, em 2021, para 54% e 62,5%, respectivamente, em 2023. Em Tejuco, quase dobram: vão de 37,5% a 72%.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, em observação destacada no estudo, os metais arsênio, cádmio, chumbo e mercúrio estão entre as dez substâncias tóxicas de maior preocupação para a saúde pública.
SINAL DE ALERTA
O estudo faz parte do Programa de Ações Integradas em Saúde de Brumadinho, financiado pelo Ministério da Saúde. Ele é dividido em duas frentes. O projeto Saúde Brumadinho é voltado para adultos e adolescentes. Já o projeto Bruminha tem foco nas crianças de zero a seis anos. Em 2023, o programa monitorou 130 crianças, 175 adolescentes e 2.520 adultos.
“Acho que os resultados da exposição das crianças aos metais ligam um sinal de alerta. Nosso organismo não produz arsênio, chumbo ou mercúrio, eles sempre vêm do ambiente. Se eu tenho uma população vivendo numa região de mineração, e existe uma exposição dessa população nessa faixa etária, isso é preocupante. É o momento de maior crescimento na vida humana. Você vê um bebê que não levanta a cabecinha e um ano depois está começando a andar. São células se dividindo e se multiplicando, suscetíveis à penetração de qualquer substância tóxica”, avalia a professora Carmen Fróes Asmus (IESC/UFRJ), coordenadora do projeto Bruminha.
Os pesquisadores ressaltam que os resultados demonstram uma exposição aos metais, e não uma intoxicação, que só pode ser assim considerada após avaliação clínica e exames para definir o diagnóstico. “Intoxicação é um quadro clínico, um conjunto de sinais e sintomas. O que detectamos é uma exposição disseminada das crianças aos resíduos desses metais. O que não deixa de ser preocupante. Uma coisa é você ou eu termos uma exposição a chumbo ou mercúrio, outra coisa é um bebê de dois meses. É um organismo que está num processo tão grande de construção que um agente tóxico vai ter um potencial de ação lesiva muito mais forte, em doses menores, do que se fosse com você ou comigo”, explica a docente.
Um dos maiores especialistas do país em saúde pública, o professor emérito Volney Câmara, também do IESC, partilha da mesma visão. “Os metais podem causar muitos efeitos crônicos, que podem não estar visíveis neste momento. São efeitos insidiosos. É fundamental o acompanhamento dessas pessoas, notadamente as crianças, pelo SUS. As crianças são mais expostas a estes poluentes porque as estruturas do corpo ainda não estão completas, e o pior, pelos mesmos motivos, apresentam efeitos mais graves que nos os adultos”, diz Câmara, que é consultor do programa do Programa de Ações Integradas em Saúde de Brumadinho.
A professora Carmen acrescenta que é preciso uma maior vigilância do ambiente em Brumadinho. “Temos que ter uma maior frequência de coleta de amostras da água, do solo, da poeira e uma troca de informações entre as secretarias de Ambiente e Saúde do município e do estado. E precisamos de equipes de saúde melhor capacitadas. Infelizmente nessa área da saúde ambiental, mais especificamente da toxicologia, a formação dos profissionais de saúde não é a desejável. Em uma área de mineração, o profissional de saúde tem que fazer avaliações dos níveis de chumbo no sangue de uma gestante, ou de arsênio na urina de uma criança”.
SAÚDE ABALADA
Coordenador-geral do programa e responsável pelo projeto Saúde Brumadinho, o professor Sérgio Peixoto (UFMG), pesquisador da Fiocruz Minas, observa que a percepção da população local em relação à sua própria saúde é um componente relevante para aferir os desdobramentos do desastre de 2019. “Na autoavaliação de saúde entre adultos, o que a gente percebe entre 2021 e 2023 é a manutenção de percentuais elevados de relatos de saúde ruim ou muito ruim. Chegam de 10% a 12%, enquanto na população brasileira esse percentual é de 5,8%. Essa é uma variável importante e está associada a diversos riscos como desenvolvimento de doenças crônicas, adoecimento e até mortalidade”, diz ele.
A pesquisa investigou a presença de sintomas nos 30 dias anteriores à entrevista. Em 2021, os adultos relataram principalmente irritação nasal (31,8%), dormências ou cãibras (25,2%) e tosse seca (23,5%). Em 2023, houve um aumento na frequência das duas primeiras condições para 40,3% e 34,4% e uma pequena diminuição (21,5%), na terceira. O grupo de doenças que inclui enfisema, bronquite crônica ou doença pulmonar obstrutiva crônica registrou aumento de 2,7%, em 2021, para 10,7%, em 2023.
De acordo com o pesquisador, o estudo mostra que, entre os adolescentes, houve um aumento de doenças respiratórias. “Doenças pulmonares crônicas, com enfisema e bronquite, tiveram um aumento muito grande na maioria das regiões. A asma teve pouca variação, mas permaneceu num percentual alto. Isso se repete quando a gente avalia a população adulta. Os percentuais são duas ou até três vezes maiores do que o que observamos na população brasileira. Sintomas como chiado, falta de ar, irritação e tosse são muito frequentes em Brumadinho. Isso pode estar associado aos problemas ambientais, ao processo produtivo e à produção de poeira na região. É uma preocupação constante. Vamos checar se isso se mantém com os dados de 2024”.
O estudo também avaliou aspectos de saúde mental. O diagnóstico de ansiedade ou problemas do sono foi reportado por 32,8% dos entrevistados adultos, em 2021, e por 32,7%, em 2023. “O diagnóstico de depressão se mantém em torno de 20% entre os adultos, o dobro da população do país. Usamos algumas escalas que nos permitem fazer triagens. Tanto em adultos quanto em adolescentes há um aumento no percentual de depressão e de ansiedade. Em algumas comunidades, o percentual ultrapassa 40%, um valor muito elevado. As questões de saúde mental perduram por muito tempo após uma grande tragédia. Nossa pesquisa foi feita após a pandemia, então ela se sobrepôs ao rompimento da barragem em Brumadinho. É uma dupla carga para a população”, avalia Peixoto.
PRÓXIMOS PASSOS
A análise dos dados coletados em campo em 2024 está adiantada. A equipe do programa vai voltar a Brumadinho em março para levar à população os resultados compilados de 2021 a 2023. “Esse é um compromisso do programa, temos que dar suporte às famílias. Ficamos lá na unidade de saúde à disposição delas, tiramos dúvidas”, diz Carmen. A primeira etapa do programa cobre a coleta e a análise de dados até 2025. “Mas já vamos iniciar uma negociação com o Ministério da Saúde para prosseguir por mais alguns anos, com mais tempo de acompanhamento”, adianta Peixoto.
No sábado passado (25), para marcar os seis anos do desastre, a Associação dos Familiares das Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem em Brumadinho (Avabrum) organizou um ato com apoio do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). As duas entidades reivindicam um protocolo de saúde específico para atendimento às famílias de Brumadinho.
“Estamos muito preocupados porque cada vez o nível de contaminação aumenta no sangue das pessoas, nos animais, em todas as plantas. Tudo isso traz problemas sérios de saúde. Exigimos um protocolo específico e que a Vale arque com essa situação. Essa lama tóxica tem se espalhado, criado consequências. A gente vê pessoas doentes em toda a bacia do Rio Paraopeba. O mesmo acontece na Bacia do Rio Doce, atingida em 2015 pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco, em Mariana”, disse, no ato do dia 25, uma das coordenadoras do MAB, Joceli Andrioli.
Questionada pelo Jornal da AdUFRJ, a Vale esclareceu que “segue empenhada e comprometida com o propósito de reparar os impactos causados às pessoas, às comunidades e ao meio ambiente em Brumadinho”. Sobre o estudo conjunto da UFRJ e da Fiocruz, a mineradora informou que irá avaliar detalhadamente os resultados divulgados para se posicionar. A empresa divulgou ainda que “no âmbito do Acordo Judicial de Reparação Integral há projetos com foco no fortalecimento dos serviços de saúde que vão desde aquisição de equipamentos médico/hospitalares, custeio de serviços até reformas/construção de unidades de saúde”. Segundo a Vale, 17 mil pessoas já firmaram acordos de indenização com a empresa, entre cíveis e trabalhistas.
NA ROTINA DOS PESQUISADORES, ACOLHIDA, AFLIÇÕES E INCERTEZAS
Foto: Arquivo PessoalIr a campo, coletar dados, conviver com as famílias, ver as crianças crescerem, ouvir queixas e lamentos, vivenciar angústias e dar colo. Os quatro anos de convívio com o sofrimento da população de Brumadinho transformaram a vida da professora Maíra Mazoto, pós-doutoranda do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC/UFRJ). Ela se emociona ao falar do contato constante com as famílias atingidas pelo desastre da mina Córrego do Feijão, em 25 de janeiro de 2019.
“De longe, a gente não tem a mínima ideia do tamanho da coisa. É uma população que está sofrendo até hoje, seis anos depois do desastre, e que ainda está em busca de respostas. Uma população marcada, com perda de familiares, ruptura social como um todo, formas de socialização que foram perdidas, que jamais vão retornar ao que era antes”, relata Maíra, que é a coordenadora-executiva do Projeto Bruminha, e responsável pela logística do trabalho de campo.
Professora da Escola de Nutrição da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Maíra fez mestrado e doutorado no IESC/UFRJ, onde desenvolve tese de pós-doutorado sobre a violação do direito humano à alimentação e nutrição adequadas em situações de desastre e injustiça ambiental.
“Brumadinho é também meu campo de estudos. Trabalhamos em quatro comunidades rurais, onde as pessoas costumavam plantar e criar animais. Muitas desenvolveram traumas, não conseguem mais fazer isso. Elas têm medo, não sabem se o solo está contaminado, se a água está contaminada, falam que os alimentos não crescem mais como cresciam antes”, diz ela.
Para fazer o trabalho de campo, Maíra e os outros pesquisadores do Bruminha contam com o apoio de agentes comunitários de saúde, pessoas que também foram atingidas e moram nas comunidades. “Agora em março vamos voltar lá para levar os resultados do estudo às famílias. Os agentes avisam de nossa chegada, preparam o terreno, são fundamentais. Fazemos um informe de saúde para cada família, onde relatamos os resultados das análises. No caso das crianças, mostramos desde a evolução de peso e altura ao desenvolvimento neuropsicomotor. É o momento de acolhida, onde sentimos as aflições e incertezas das famílias”.
Segundo Maíra, os encontros são uma mescla de consulta médica com sessão de terapia. “Vamos eu e uma pediatra do projeto e ficamos lá uma manhã ou uma tarde inteira atendendo as famílias. A gente abre o laudo junto com elas, explica o que aquilo quer dizer, o impacto, o que precisa ser feito. Sempre que crianças apresentam alguma alteração que mereça mais atenção, nós encaminhamos para o serviço de saúde local”.
De 2021 para cá, Maíra confirma que a angústia é um sentimento que perdura na esteira do desastre de 2019. “Sentimos isso nas mães, esse sofrimento prolongado. Elas relatam episódios de violência que antes não havia na região, casos de depressão, até de suicídio. É como se fosse um trauma silencioso que permanece na região. As pessoas ficam mais receosas, desconfiadas. Se ouvem um barulho diferente já podem achar que é outro rompimento de barragem. É um cenário muito sensível”.
Em 25 de janeiro, foi inaugurado o Memorial Brumadinho, no Córrego do Feijão, por iniciativa das famílias das vítimas. Ele é cercado por um bosque com 272 ipês-amarelos, e é todo em tons de marrom, para lembrar a lama que mudou para sempre a vida do lugar.
A ciência brasileira deu mais um importante passo na busca de diagnósticos mais precisos, rápidos e simples para o Alzheimer. Pesquisadores da UFRJ descobriram uma ligação entre a perda de uma substância chamada carnitina no sangue de mulheres e a identificação da doença. O achado foi publicado em 7 de janeiro na revista Molecular Psychiatry, do grupo Nature, e abre caminho para a popularização de exames menos invasivos na população de risco para a demência. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, cerca de 35 milhões de pessoas vivem com Alzheimer. No Brasil, estima-se que 1,2 milhão de pessoas convivam com a doença. Setenta por cento dos pacientes são mulheres.
Nos achados dos pesquisadores brasileiros, a reduzida quantidade de carnitina – molécula que participa do transporte de gordura – no sangue tornou o diagnóstico para o Alzheimer mais preciso em pacientes mulheres. Líder da pesquisa na UFRJ, o professor Mychael Lourenço, do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo De Meis (IBqM), explica que os cientistas buscam descobrir o que torna as pessoas vulneráveis à demência. “Tentamos avançar nessas respostas. Nossa pesquisa mais recente traz dois apontamentos principais. Primeiro: a perda da carnitina. Percebemos essa molécula reduzida principalmente no sangue de mulheres com Alzheimer”, conta. “Segundo: quando nós juntamos este achado com outros parâmetros já conhecidos, o diagnóstico ficou muito mais preciso”, explica.Mychael Lourenço é professor do Laboratório de Neurociência Molecular do IBqM e líder do estudo na UFRJ - Foto: acervo pessoal
A descoberta abre a possibilidade para a popularização de diagnósticos menos invasivos e mais rápidos. “Já temos marcadores que mostram maior precisão no diagnóstico da doença e a carnitina pode ser mais um deles. Hoje temos exames muito caros, só feitos em laboratórios muito específicos. Então, são diagnósticos ainda pouco acessíveis à população”, afirma. “Creio que, num futuro próximo, as pesquisas tornarão esses exames mais democratizados e mais acessíveis”.
A pesquisa foi feita com 125 pessoas do Brasil e dos Estados Unidos, numa cooperação entre a UFRJ e a Universidade de Nova York (NYU). Houve, ainda, participação do Instituto D’Or e da Universidade da Califórnia no recrutamento de pacientes. A maioria formada por mulheres. Esse é um outro diferencial da investigação. “Muitos estudos nessa área são feitos com populações europeias ou norte-americana, que são muito diferentes da nossa população. Além disso, muitos estudos não dão ênfase às mulheres, que são as maiores vítimas da doença”, explica o docente.
A próxima fase da pesquisa pretende ampliar o número de pessoas investigadas para tentar compreender a exata relação da carnitina com a demência. “Precisamos saber por que a baixa carnitina está associada com a perda de memória. Pode ser que a carnitina atue como fator de proteção para mulheres e sua queda, a partir da menopausa, torne essas mulheres mais suscetíveis ao Alzheimer”, aponta o pesquisador.
A queda da molécula na menopausa abre outra possibilidade para a ciência, segundo Mychael Lourenço. “Talvez tenhamos que ter intervenções mais personalizadas. A medicina já está avançando para esse campo, a chamada medicina de precisão. É preciso um olhar diferente para homens e mulheres em vulnerabilidade à demência”, defende.
Algumas ações já são conhecidas e valem tanto para homens quanto para mulheres evitarem ou minimizarem os riscos de desenvolver demência. “Realizar treinamentos cognitivos, reverter eventuais perdas auditivas com auxílio de aparelhos, realizar atividades físicas e controlar a pressão estão entre ações preventivas ao Alzheimer”, orienta o pesquisador.
RELEVÂNCIA INTERNACIONALRicardo Lima Filho é pós-doutorando do Laboratório de Neurociência Molecular - Foto: acervo pessoalA pesquisa liderada pelo professor contou também com intenso trabalho do pós-doutorando Ricardo Lima Filho, do Laboratório de Neurociência Molecular, orientando de Mychael. “É muito gratificante achar novos indicativos de uma molécula ainda tão pouco estudada numa pesquisa com relevância internacional”, orgulha-se. “Comecei a trabalhar nesse projeto ainda no doutorado. Já havíamos investigado, junto com a professora Carla Nasca, da NYU, a carnitina no diagnóstico de depressão em mulheres. Resolvemos, então, seguir a investigação para o Alzheimer”, conta. “Foi tão interessante ver essa relação acontecendo e os resultados serem tão alinhados entre os pacientes brasileiros e os norte-americanos! Ficamos muito felizes em ver essa amostragem tão semelhante em um público tão diferente. Deu mais segurança para seguirmos com as pesquisas”, diz Ricardo.
O pesquisador conta que a equipe notou a relevância dos achados logo no início do estudo. “Ficamos bastante confiantes que conseguiríamos ter uma validação com o segundo grupo de pacientes e que poderíamos publicar a descoberta numa revista de grande visibilidade”, afirma. “É um processo longo, demorado, feito com muito cuidado, criterioso. A resposta da revista foi muito positiva no sentido de confirmar que os resultados eram confiáveis. É realmente muito gratificante”.
ORGULHO DE SER UFRJ
Diretor do IBqM, o professor Robson de Queiroz Monteiro não esconde o orgulho dos colegas, do trabalho publicado e das descobertas sobre uma doença que afeta tantos brasileiros. “Além de ser o atual diretor do instituto, eu coordenei o programa de pós-graduação em Química Biológica por sete anos. Os professores que lideram esses estudos são meus parceiros”, conta. É uma satisfação em triplo! Primeiro porque sou cria da UFRJ, fiz minha graduação, mestrado, doutorado aqui. Depois, por ter como colegas professores tão gabaritados. E por ser amigo deles!”.
O diretor é só elogios ao amigo, professor Mychael Lourenço. “O professor Mychael é uma prata da casa. Brilhante desde quando era estudante. Ele faz parte de um grupo muito atuante de professores que lideram pesquisas extremamente relevantes para doenças neurodegenerativas. É um imenso orgulho para nosso instituto e para a universidade termos professores tão brilhantes e que levam o nome do instituto e da UFRJ para o mundo”, afirma. “Tive a honra de conviver com o professor Leopoldo de Meis, que dá nome ao nosso instituto. Ele certamente também estaria muito feliz com o sucesso desses estudos”.
Segundo Monteiro, a descoberta também mostra o potencial da pesquisa brasileira. “O estudo mostra a importância da pesquisa feita na universidade pública brasileira e pode até impactar nos índices de ranqueamento internacionais”, sugere. Mas ele faz um alerta. “Se queremos manter esse índice de qualidade, precisamos ter atenção com a nossa infraestrutura. Não basta vencermos um edital de fomento para um equipamento superespecífico, se nossa estrutura é passível de quedas de energia, de perda de dados”, afirma. “A gente quer ter pequenos centros de excelência e grandes áreas depreciadas?”, questiona. “O governo precisa se debruçar sobre essa questão. Precisamos de financiamento para dar conta de nossa infraestrutura”.