Renan Fernandes
O ano de 2024 foi difícil para a comunidade acadêmica do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da UFRJ. No intervalo de um mês, duas referências no campo da Farmacologia brasileira partiram deixando uma legião de admiradores. O professor emérito Eliezer Barreiro e o professor Carlos Alberto Manssour Fraga foram os homenageados da 31ª edição da Escola de Verão em Química Farmacêutica Medicinal, que aconteceu entre os dias 27 e 31 de janeiro, no Centro de Ciências da Saúde.
Eliezer Barreiro foi o fundador da Escola de Verão, em 1994, e coordenador até 2019, quando deixou o cargo. Fraga, aluno e sucessor acadêmico de Barreiro, o substituiu na coordenação.
CONVIDADOS
Coube ao professor Carlos Maurício Sant’Anna, da UFRRJ, assumir a direção da Escola na primeira edição sem os renomados professores. “É uma grande responsabilidade, mas, sobretudo, uma satisfação dar continuidade ao trabalho dos dois, que sempre foi reconhecido no Brasil e no exterior”, afirmou.
Sant’Anna é professor associado ao Laboratório de Avaliação e Síntese de Substâncias Bioativas da UFRJ (LASSBio). Como estudante de doutorado no Instituto de Química, co-orientado pelo professor Barreiro, esteve presente na primeira edição da Escola de Verão. Desde então, nunca mais se afastou. De aluno, passou a professor ministrando cursos. O docente mostrou felicidade em ver a continuidade do legado deixado por seu mestre. “O Eliezer temia que esse trabalho se perdesse quando ele não estivesse mais aqui. Tenho certeza de que, se ele pudesse ver o que está sendo feito, ficaria muito satisfeito”, disse com carinho.
O evento movimentou os silenciosos corredores do CCS no período de férias da graduação. A escolha pelo mês de janeiro vem desde a idealização da Escola de Verão. “Por ser um período de ociosidade nas universidades, permite a presença de estudantes de diferentes partes do Brasil”, explicou a professora Lídia Moreira Lima, do ICB e coordenadora do LASSBio.
Primeiro químico medicinal do Brasil, Barreiro criou o curso para sistematizar a disciplina nas universidades brasileiras, buscando diálogo com pesquisadores estrangeiros. “Dar o exemplo, pelo melhor exemplo”, recorda a professora Lídia do mantra de Eliezer.
Já passaram por edições anteriores nomes como Jörg Senn-Bilfinger, descobridor do pantoprazol, que reduz a acidez estomacal e Sir Simon Campbell, inventor da sildenafila, usada no tratamento de disfunção erétil.
A 31ª edição trouxe dois pesquisadores europeus. O professor alemão Stefan Laufer, da Universidade de Tübingen, foi o responsável pela conferência de abertura, agora chamada conferência Barreiro-Fraga. Laufer mantém acordos de parceria acadêmica com laboratórios e professores brasileiros desde 2004. “O Brasil tem professores brilhantes, mas é importante também os estudantes terem contato com a ciência internacional”, afirmou o docente.
A professora italiana Maria Laura Bolognesi também participou do evento. “Se você é um bom cientista, precisa ser capaz de passar o conhecimento para os outros. A ciência deve ser para todos, por isso, eu adoro participar desse tipo de atividades”, celebrou.
A Escola de Verão conseguiu apoios financeiros que garantiram sua viabilidade. Além do apoio de empresas farmacêuticas, a verba do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Fármacos e Medicamentos (INCT-Inofar), financiado pelo CNPq e pela Faperj, possibilitou a oferta de bolsas para alunos e o financiamento de passagem e estadia para pesquisadores de outros estados e países.
VERDE E AMARELO
Se a principal missão da Química Medicinal é descobrir medicamentos, Barreiro sempre levantou a bandeira do desenvolvimento de fármacos 100% nacionais. “Ele propôs esse curso como uma forma de divulgação da área, a partir da atualização de conceitos e estratégias em benefício de um pensamento maior, a descoberta de um fármaco verde e amarelo”, explicou a professora Lídia Lima.
A dependência brasileira das importações de medicamentos causava grande apreensão ao professor Eliezer. “Ele dizia que se tivéssemos uma guerra ou um embargo comercial, muita gente morreria por falta de remédios”, lembrou a docente.
As dificuldades de pesquisa na área são grandes. O trabalho longo e custoso só é possível em colaboração com a indústria farmacêutica. A UFRJ desenvolve em cooperação científica com a empresa Eurofarma um trabalho iniciado pelo professor Barreiro de um fármaco para dor neuropática, uma alternativa de analgésico não opioide.
ESTUDANTES
A Escola de Verão contou este ano com 141 estudantes de sete estados do Brasil. O farmacêutico Célio Souza veio de Anápolis (GO) para sua terceira participação no evento. “Mandei um e-mail para o professor Eliezer em 2015, umas duas horas da manhã. Quando acordei, ele já tinha respondido. Me senti convidado”. Formado em 2011, Célio quer se manter em contato com as pesquisas mais recentes. “Aqui me mantenho conectado para, quando voltar para a academia, não estar tão distante do que se discute hoje na ciência”, disse.
Gustavo Mendonça, estudante do nono período de Farmácia na UFRJ, é aluno de iniciação científica do LASSBio e participou pela primeira vez. Aproveitou os cursos para desenvolver conhecimentos que podem ser úteis no laboratório. “A Escola é importante para nós que estamos no final da graduação. É uma oportunidade de pensar em novos caminhos no mestrado e no doutorado”.
O professor Pedro de Sena, do ICB, é um exemplo de como a Escola pode impactar no futuro acadêmico. Participou pela primeira vez em 2015, ainda como estudante de graduação. No curso, conheceu o professor Manssour, recebeu um convite para iniciação científica e depois ingressou no mestrado sob a orientação do docente. Pedro já foi monitor e, desde o ano passado, ministra cursos na Escola. “Aquela participação em 2015 foi uma virada de chave. Quando você vê pessoas fazendo o que você quer fazer e mostrando todo o potencial do trabalho de pesquisa, isso acaba te conquistando”.