A ciência brasileira deu mais um importante passo na busca de diagnósticos mais precisos, rápidos e simples para o Alzheimer. Pesquisadores da UFRJ descobriram uma ligação entre a perda de uma substância chamada carnitina no sangue de mulheres e a identificação da doença. O achado foi publicado em 7 de janeiro na revista Molecular Psychiatry, do grupo Nature, e abre caminho para a popularização de exames menos invasivos na população de risco para a demência. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, cerca de 35 milhões de pessoas vivem com Alzheimer. No Brasil, estima-se que 1,2 milhão de pessoas convivam com a doença. Setenta por cento dos pacientes são mulheres.
Nos achados dos pesquisadores brasileiros, a reduzida quantidade de carnitina – molécula que participa do transporte de gordura – no sangue tornou o diagnóstico para o Alzheimer mais preciso em pacientes mulheres. Líder da pesquisa na UFRJ, o professor Mychael Lourenço, do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo De Meis (IBqM), explica que os cientistas buscam descobrir o que torna as pessoas vulneráveis à demência. “Tentamos avançar nessas respostas. Nossa pesquisa mais recente traz dois apontamentos principais. Primeiro: a perda da carnitina. Percebemos essa molécula reduzida principalmente no sangue de mulheres com Alzheimer”, conta. “Segundo: quando nós juntamos este achado com outros parâmetros já conhecidos, o diagnóstico ficou muito mais preciso”, explica.
A descoberta abre a possibilidade para a popularização de diagnósticos menos invasivos e mais rápidos. “Já temos marcadores que mostram maior precisão no diagnóstico da doença e a carnitina pode ser mais um deles. Hoje temos exames muito caros, só feitos em laboratórios muito específicos. Então, são diagnósticos ainda pouco acessíveis à população”, afirma. “Creio que, num futuro próximo, as pesquisas tornarão esses exames mais democratizados e mais acessíveis”.
A pesquisa foi feita com 125 pessoas do Brasil e dos Estados Unidos, numa cooperação entre a UFRJ e a Universidade de Nova York (NYU). Houve, ainda, participação do Instituto D’Or e da Universidade da Califórnia no recrutamento de pacientes. A maioria formada por mulheres. Esse é um outro diferencial da investigação. “Muitos estudos nessa área são feitos com populações europeias ou norte-americana, que são muito diferentes da nossa população. Além disso, muitos estudos não dão ênfase às mulheres, que são as maiores vítimas da doença”, explica o docente.
A próxima fase da pesquisa pretende ampliar o número de pessoas investigadas para tentar compreender a exata relação da carnitina com a demência. “Precisamos saber por que a baixa carnitina está associada com a perda de memória. Pode ser que a carnitina atue como fator de proteção para mulheres e sua queda, a partir da menopausa, torne essas mulheres mais suscetíveis ao Alzheimer”, aponta o pesquisador.
A queda da molécula na menopausa abre outra possibilidade para a ciência, segundo Mychael Lourenço. “Talvez tenhamos que ter intervenções mais personalizadas. A medicina já está avançando para esse campo, a chamada medicina de precisão. É preciso um olhar diferente para homens e mulheres em vulnerabilidade à demência”, defende.
Algumas ações já são conhecidas e valem tanto para homens quanto para mulheres evitarem ou minimizarem os riscos de desenvolver demência. “Realizar treinamentos cognitivos, reverter eventuais perdas auditivas com auxílio de aparelhos, realizar atividades físicas e controlar a pressão estão entre ações preventivas ao Alzheimer”, orienta o pesquisador.
RELEVÂNCIA INTERNACIONAL
A pesquisa liderada pelo professor contou também com intenso trabalho do pós-doutorando Ricardo Lima Filho, do Laboratório de Neurociência Molecular, orientando de Mychael. “É muito gratificante achar novos indicativos de uma molécula ainda tão pouco estudada numa pesquisa com relevância internacional”, orgulha-se. “Comecei a trabalhar nesse projeto ainda no doutorado. Já havíamos investigado, junto com a professora Carla Nasca, da NYU, a carnitina no diagnóstico de depressão em mulheres. Resolvemos, então, seguir a investigação para o Alzheimer”, conta. “Foi tão interessante ver essa relação acontecendo e os resultados serem tão alinhados entre os pacientes brasileiros e os norte-americanos! Ficamos muito felizes em ver essa amostragem tão semelhante em um público tão diferente. Deu mais segurança para seguirmos com as pesquisas”, diz Ricardo.
O pesquisador conta que a equipe notou a relevância dos achados logo no início do estudo. “Ficamos bastante confiantes que conseguiríamos ter uma validação com o segundo grupo de pacientes e que poderíamos publicar a descoberta numa revista de grande visibilidade”, afirma. “É um processo longo, demorado, feito com muito cuidado, criterioso. A resposta da revista foi muito positiva no sentido de confirmar que os resultados eram confiáveis. É realmente muito gratificante”.
ORGULHO DE SER UFRJ
Diretor do IBqM, o professor Robson de Queiroz Monteiro não esconde o orgulho dos colegas, do trabalho publicado e das descobertas sobre uma doença que afeta tantos brasileiros. “Além de ser o atual diretor do instituto, eu coordenei o programa de pós-graduação em Química Biológica por sete anos. Os professores que lideram esses estudos são meus parceiros”, conta. É uma satisfação em triplo! Primeiro porque sou cria da UFRJ, fiz minha graduação, mestrado, doutorado aqui. Depois, por ter como colegas professores tão gabaritados. E por ser amigo deles!”.
O diretor é só elogios ao amigo, professor Mychael Lourenço. “O professor Mychael é uma prata da casa. Brilhante desde quando era estudante. Ele faz parte de um grupo muito atuante de professores que lideram pesquisas extremamente relevantes para doenças neurodegenerativas. É um imenso orgulho para nosso instituto e para a universidade termos professores tão brilhantes e que levam o nome do instituto e da UFRJ para o mundo”, afirma. “Tive a honra de conviver com o professor Leopoldo de Meis, que dá nome ao nosso instituto. Ele certamente também estaria muito feliz com o sucesso desses estudos”.
Segundo Monteiro, a descoberta também mostra o potencial da pesquisa brasileira. “O estudo mostra a importância da pesquisa feita na universidade pública brasileira e pode até impactar nos índices de ranqueamento internacionais”, sugere. Mas ele faz um alerta. “Se queremos manter esse índice de qualidade, precisamos ter atenção com a nossa infraestrutura. Não basta vencermos um edital de fomento para um equipamento superespecífico, se nossa estrutura é passível de quedas de energia, de perda de dados”, afirma. “A gente quer ter pequenos centros de excelência e grandes áreas depreciadas?”, questiona. “O governo precisa se debruçar sobre essa questão. Precisamos de financiamento para dar conta de nossa infraestrutura”.