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WhatsApp Image 2025 01 17 at 17.58.51 4Fotos: Fernando SouzaSensível, comovente, espontânea, intensa, plural. Adjetivos que caberiam tão bem para descrever a professora Maria Lucia Teixeira Werneck Vianna se encaixam perfeitamente para contar um pouco do que foi a potente cerimônia de homenagem à docente, que faleceu em 16 de dezembro, aos 81 anos. A iniciativa foi do Instituto de Economia, casa de Maria Lucia por décadas, com apoio da AdUFRJ, e aconteceu na noite de 13 de janeiro, no Salão Pedro Calmon, na Praia Vermelha.
Ex-presidente da seção sindical entre 2017 e 2019, Marilu — como era conhecida pelos mais próximos — colecionou afetos. Filhos, netos, amigos, orientandos e admiradores se revezaram ao microfone para apresentar manifestações de carinho e gratidão sobre a importância dela em suas vidas e o legado de suas reflexões sobre o Brasil.
A mesa da cerimônia foi dirigida pelo professor Carlos Frederico Leão Rocha, diretor do Instituto de Economia, e contou com as presenças da presidente da AdUFRJ, Mayra Goulart, e da reitora em exercício da UFRJ, Cássia Turci.
Mayra, que herdou a construção política iniciada na AdUFRJ em 2015 e consolidada por Maria Lucia a partir de 2017, enalteceu a contribuição política de Marilu. “Construiu um movimento sindical diferente, atento às questões nacionais, comprometido em combater a extrema direita, que pensa um desenvolvimento voltado para as classes populares e que também está preocupado com o cotidiano da universidade”.
Reitora em exercício, a professora Cássia Turci destacou a preocupação de Marilu com a docência e seu compromisso com a sala de aula e com a universidade. “Precisamos de mais pessoas que vejam a universidade como ela, de forma holística. Os valores que Maria Lucia deixou vão continuar. Ela queria uma universidade mais humana, antirracista, não misógina. Deixou muitas sementes”.
O professor Carlos Frederico lembrou da força de Maria Lucia na campanha para a AdUFRJ. A gestão dela sucederia a dele (Fred foi vice-presidente do sindicato de 2015 a 2017). “Quando fui convidá-la, ela já estava com problemas respiratórios sérios, mas assumiu a campanha e passou dois anos na presidência. Inteira! Isso me marcou profundamente”, disse. “Ela era extraordinária”.

VIDA ACADÊMICA
Coube à professora Lígia Bahia, amiga pessoal e companheira de gestão de Marilu na AdUFRJ, destacar a atuação intelectual da amiga. “Maria Lucia é uma das principais pensadoras sociais do nosso país e, a meu ver, a maior pensadora das políticas sociais brasileiras”, afirmou, sem esconder a admiração. “Os cadernos de anotação dela são verdadeiros livros. Cada caderno pode ser editado como um livro e talvez nós tenhamos que fazer isso mesmo”, sugeriu, ao elogiar a eloquência da amiga, a solidez de seus textos e o português impecável. “Suas aulas tinham uma profundidade impressionante. Ela não apresentava um só autor. Era o oposto do pensamento único”.
Outras características marcantes na universidade, e destacadas por Ligia, eram sua generosidade e o compromisso com os orientandos. Mesmo com aqueles que não eram seus alunos. “Todo mundo chamava a Maria Lucia para consertar suas teses. Ela dava um jeito em tudo. Era a fada das teses. Uma espécie de Avatar que dobra fogo, que dobra vento”, brincou. “Ela era o nosso avatar”. WhatsApp Image 2025 01 17 at 17.58.51 6ORGULHO. O neto Miguel mostra fotos familiares publicadas na edição do Jornal da AdUFRJ que homenageou Marilu. Pôsteres contam a vida da docente e ficaram em exposição
“Sinto muita falta de conversar com ela”, confessou Ligia Bahia. “Certamente eu não seria a pessoa que sou sem a Maria Lucia”. Ligia aproveitou o momento para agradecer aos familiares que a permitiram ir até o quarto do hospital onde estava Marilu para a despedida. “Muito obrigada. Eu precisava muito disso”.

TRAJETÓRIA PESSOAL
Quem contou sobre os momentos da vida pessoal de Maria Lucia foi sua prima, a professora Beatriz Resende, titular da Faculdade de Letras da UFRJ. Maria Lucia vinha de uma família de outros dois irmãos: Aloisio (ex-reitor da universidade por oito anos) e Raul. “Com eles aprendi a necessidade da participação política na luta contra a desigualdade e injustiça em nosso país e na busca por um mundo melhor”, resumiu Beá, no início de seu discurso.
Ela contou que a militância de Maria Lucia começou ainda na UNE. Com o golpe de 1964, a alegre casa dos Teixeira foi invadida. “Os militares chegaram para prender o tio Francisco (pai de Maria Lucia), comandante da Zona Aérea do Galeão no governo Jango. Minha avó enfrentou os oficiais que vieram para levá-lo”, recordou. “Quando os golpistas voltaram para buscar outros envolvidos, nossa avó Carmen Teixeira passou mal e morreu. Ao ódio e ao nojo que tenho da ditadura, acrescento a culpa por esse homicídio”.
Um fato curioso destacado pela professora Beatriz foi que, durante a prisão, em 1971, Maria Lucia fez uma bonequinha de pano com fiapos de lençol para a então filha caçula Marina (na época, ela tinha três filhos: João Pedro, Juliano e Marina. O quarto filho, Salvador, nasceu anos depois) . “Depois de solta ela ria, contando que os milicos queriam saber como aquilo havia entrado no cárcere. Ela nunca, nunca mesmo, se queixou da vida”.

MÃE ZELOSA E AVÓ AMOROSA
WhatsApp Image 2025 01 17 at 17.58.51 5SALVADOR: ”Sentimos uma falta imensa. Um pedaço de nós se foi”Dois dos filhos contaram um pouco mais sobre quem era Maria Lucia na intimidade. O caçula, Salvador, fez parte da mesa da cerimônia. “Piscamos o olho e quatro luas se passaram. Temos sentido uma falta imensa. Um pedaço de nós se foi”. Economista de formação e pesquisador do Ipea, ele destacou como foi conviver com a mãe no Instituto de Economia. “O Lattes da minha mãe não faz jus à sua carreira. Eu convivi muito intensamente com mamãe quando eu era aluno aqui desta casa. Eram cinco, seis orientandos por ano de graduação, mestrado e doutorado. Multipliquem isso por 30 anos”, disse. “Tinha um compromisso prioritário com os estudantes”, elogiou.
Marina destacou o perfil de luta de sua mãe e contou episódios engraçados envolvendo as duas. Um deles, enquanto moravam no Bairro Peixoto. “Nos anos 1980, havia um ônibus da Fundação Leão XIII que passava recolhendo a população em situação de rua. Uma vez, ouvimos uma gritaria. Ela foi para a janela. As pessoas gritavam pedindo socorro”, lembrou. “Minha mãe desceu e fomos as duas parar o ônibus. Minha mãe adentrou o veículo, começou a tirar as pessoas desse ônibus. Foi uma loucura. Uma revolução! Ela adorava uma briga boa”.
O neto caçula Antônio, de seis anos, abriu a homenagem dos netos e emocionou a plateia com a pureza de seu relato e o choro sentido, abraçado às irmãs. “Ela era minha avó. Uma avó bem querida minha”.
“Falar sobre a vovó Lucia é muito difícil, justamente pela quase impossibilidade de descrever em palavras todo afeto que ela depositava em nós”, afirmou o neto Miguel. “Todos os netos eram amados igualmente, mas ela sempre teve uma relação especial com cada um de nós”, contou. “Nossa avó era nossa maior confidente e conselheira. Sempre disposta a nos ouvir, corrigir, ensinar e mimar”, lembrou.
Tomás, que herdou da avó a paixão pela música, também deu seu depoimento. “Meus pais contam que foi ela quem escolheu o meu nome. Ela foi a pessoa que eu mais amei, em quem eu confiava para falar tudo”, confidenciou. O músico não conseguiu comparecer à despedida da avó e revelou que a última vez que esteve com Maria Lucia foi após o Botafogo, seu time do coração, ter conquistado os títulos no fim do ano passado. “Ela, uma flamenguista, estava com a camisa e a faixa do meu time, sorrindo para mim e dizendo que me amava. Obrigado, vó, por tudo”.
“A casa da minha avó era o lugar onde a gente podia fazer tudo”, emendou a neta Aurora, aluna de Biomedicina da UFRJ. “A gente podia usar o quarto da sucata para construir coisas. Ela guardava rolo de papel higiênico para a gente pintar e construir robô”, lembrou. “Minha avó era a minha pessoa favorita no mundo. A pessoa que me introduziu no ambiente da universidade federal. Enquanto eu tiver uma casa, ela será aberta a todos, como era a casa da minha avó. Esse legado eu vou levar para sempre”.
Muito emocionada, a neta Estela, estudante de Engenharia Química da UFRJ, ratificou a cumplicidade que Maria Lucia cultivava com cada um dos netos. “A gente ria juntas, a gente chorava juntas. Eu falava que ela era minha alma gêmea e ela ficava rindo de mim. Achei engraçado quando a Ligia disse que ela não falava mal de ninguém, porque comigo ela falava e eu falava junto”, brincou. “Sinto muita falta”.

UM POUCO ÓRFÃOS
Foram muitas as manifestações públicas de admiração, carinho e agradecimento. Uma delas, da professora Eleonora Ziller, ex-presidente da AdUFRJ, para quem Maria Lucia passou a gestão, no final de 2017. “Quando fui convidada para a AdUFRJ, eu não queria ser presidente. Queria ser do Conselho de Representantes, porque entendia que era urgente combater aquele governo (Temer) e o mundo que estava se formando. Mas negava com todas as forças e argumentos estar na disputa sindical”, lembrou. “Até que, conversando com a Beá (Beatriz Resende), eu disse que estava cansada e ela me respondeu: ‘A atual presidente é a Maria Lucia’. Foi o suficiente para me convencer. Era o exemplo”, disse. “E agradeço muito. Aquele foi um período que salvou a minha vida. Não sei o que seria de mim na pandemia se não tivesse um lugar para lutar”.
Maria Malta, professora do Instituto de Economia, conviveu com Marilu como estudante e enquanto docente. “Maria Lucia foi quem me estendeu a mão e me orientou. Professora instigadora, mostrava essa profunda conexão entre a economia, a política e o caráter sociológico da pesquisa”, disse. “Ela assumiu a tarefa de ser decana do CCJE momentos antes de se aposentar e depois ainda encarou uma eleição da AdUFRJ”, elogiou. “Esse sentido da Maria Lucia, do diálogo, a gente precisa recuperar. Andar mais junto, de mãos dadas, nessa universidade que ela ajudou a construir e para a qual dedicou a vida”.
Muito emocionada, a professora Denise Gentil, importante pesquisadora sobre Previdência no Brasil e colega de Maria Lucia no IE, também fez questão de se pronunciar. “Ela foi muito importante na minha carreira. Entrei na UFRJ nos anos 1990 e fui dar aulas na FACC. Um dia, Maria Lucia me chamou para o Instituto de Economia e então eu consegui adentrar o universo da pesquisa”, revelou. “Desculpem a emoção, mas eu me sinto um pouco órfã. Ela era uma mãe intelectual para mim. Tudo que eu estudei e publiquei, se algum valor tem, eu devo a ela”.

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