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Debate analisa papel da mídia na atual conjuntura política

 Elisa Monteiro

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“A Guerra das Narrativas: a cobertura jornalística do processo de impeachment” foi o tema do seminário organizado pela Escola de Comunicação, com apoio da Adufrj-SSind, no último dia 12, na Casa da Ciência. A mesa inicial, sobre o papel da mídia na crise política, contou com os jornalistas Fernando Molica (O Dia) e Carla Jimenez (El País) — houve, ainda, uma mesa sobre “a função do jornalista” e outra, sobre “redes sociais, robôs e coronelismo eletrônico”.

Embora os participantes não parecessem discordar em muito, sua abordagem à atuação política da imprensa e à tensão política em torno da possibilidade do impeachment da presidente Dilma Rousseff foi bem diferente. Indagada pela mediadora da mesa (Cristiane Costa, coordenadora do curso de Jornalismo da ECO) sobre a existência de uma “imprensa golpista”, Carla Jimenez respondeu que havia “lados” reconhecíveis, enquanto Fernando Molica quis contextualizar a atuação da mídia na crise econômica dos meios de comunicação, provocada pelas tecnologias digitais de informação, que mudaram particularmente a temporalidade da informação e o interesse dos leitores: “Nem mesmo os blogs pró-governo, como o ‘247’, usam mais esse termo PIG (Partido da Imprensa Golpista)”. As revistas semanais teriam sentido o impacto mais fortemente, tornando-se “porta-vozes de seitas, de segmentos”, e não mais comentadoras dos principais fatos da semana.

Carla Jimenez lamentou a perspectiva do fim de um ciclo democrático e previu que haverá muito o que pensar e rever, a partir dos acontecimentos destes dias.  Para ela, “não existe mudança na História que não tenha batido no bolso primeiro”. Se não fosse o declínio do valor das principais commodities nacionais no mercado exterior, “o problema de corrupção da Petrobrás não afetaria tanto (a conjuntura atual)”. Jimenez discutiu a política editorial da grande imprensa. “Os editoriais são claríssimos, não dá para dizer que há uma cobertura isenta para os leitores decidirem. Golpista é uma palavra forte. O rotulo é duro, mas não dá para negar a posição da mídia em relação à política. Mas há que reconhecer posições a favor e contra o impeachment como legítimas”, disse.

Molica analisou a crise e o trabalho dos jornais de outra maneira.  Insistindo na necessidade de “ir com calma” e de reconhecer que “ninguém é inocente”, afirmou que era observável uma “direitização” das redações, sobretudo entre os profissionais mais jovens. O jornalista fez um paralelo com a sua geração que “ia fazer entrevista com estrelinha do PT e botão do Brizola”. “Naquele tempo todo jornalismo carioca brizolou”, brincou.

Em seguida, problematizou a situação atual: “Assustou-me o dia da revelação dos grampos (nas ligações do ex-presidente Lula). Houve um clima de oba-oba entre os jornalistas em torno da ação do juiz Sérgio Moro, que teve de se desculpar depois", observou Molica. "Houve uma ilegalidade com consequências àquele processo. Desculpas não resolvem".

A partidarização da imprensa se intensificou, segundo ele, desde a reeleição de Dilma Rousseff. “Faltou elegância à oposição para absorver a derrota”. O palestrante observou, ainda, que a esquerda brasileira perdeu a narrativa, quando envolvida nos escândalos de corrupção. A capacidade de agregar somente teria sido recuperada pelo apelo ao discurso democrático. “O ‘Não vai ter golpe’ foi genial!”, afirmou. “A direita reuniu toda a esquerda a favor do governo”.

Outros atores

Molica falou também sobre descentralização na narrativa dos acontecimentos. “Uma edição como a (do debate entre Lula e Collor, durante a campanha presidencial, feita pela Rede Globo) de 1989 não seria mais possível”, avaliou, em referência ao peso da internet hoje. “Você não vai negar a importância de grandes jornais, mas as redes sociais quebraram um pouco o que, no meu tempo de estudante, o professor Muniz Sodré chamava de ‘Monopólio da Fala’”. Como exemplo, citou um dos episódios das manifestações de 2013 em que uma prisão arbitrária foi comprovada graças a registros de midiativistas.

 Campanha de denúncia

A mesa contou com a mediação da professora Cristiane Costa (ECO) e serviu de plataforma para o lançamento de um grupo de pesquisa de análise do discurso no jornalismo político. Foi proposta a criação de uma hashtag #ordemsuperiornaredação: “A ideia é fazer algo nos moldes (das campanhas de denúncia de abusos) #meuprimeiroassedio e #amigosecreto”, anunciou Costa. “Para que as pessoas saibam que nem sempre o jornalista tem acordo com o que é publicado”, explicou.

Ciclo de debates será encerrado dia 19

Fernando Santoro, diretor da Adufrj-SSind, lembrou que o evento se insere na agenda de debates da Seção Sindical para abordar as diversas dimensões da crise atual. As primeiras atividades foram plenárias sobre política, no IFCS, em 9 e 17 de março. Em seguida, em 21 de março, foi a vez de serem tratados os aspectos jurídicos da crise, na Faculdade Nacional de Direito (FND). Em 6 de abril, ocorreu uma aula pública sobre política fiscal e as alegações do impeachment, novamente no IFCS. E, no último dia 12, na Casa da Ciência, foi avaliado o papel da mídia durante os atuais acontecimentos políticos. No próximo dia 19, haverá a palestra “A Razão neoliberal e o fim da democracia”, no IFCS, às 18h, com o professor francês Christian Laval (veja mais detalhes em https://www.facebook.com/events/1694628090775928/).


Veja a cobertura em vídeo aqui: http://adufrj.org.br/index.php/veja-todos-os-videos2/3259-guerra-das-narrativas-analisa-o-papel-da-m%C3%ADdia-no-cen%C3%A1rio-da-crise-brasileira.html

Debate no seminário “A Guerra das Narrativas: A cobertura jornalística do processo de impeachment” discutiu formas alternativas para produção de notícia

 Da esq. para a dir.: Raphael Kapa, Tai Nalon, Fernanda da Escóssia e Conrado Corsalette - Foto: Samantha Su

Samantha Su
Estagiária  

A segunda mesa do seminário “A Guerra das Narrativas: A cobertura jornalística do processo de impeachment” ocorreu na parte da tarde do dia 12 de abril e trouxe à tona a discussão sobre “A Função do Jornalista: Investigação x Opinião”. O debate, organizado pela Adufrj em parceria com a Escola de Comunicação da UFRJ, contou com a presença dos jornalistas Raphael Kapa, da Agência de Notícias Lupa; Tai Nalon, do site Aos Fatos; e de Conrado Corsalette, um dos criadores do site Nexo. A mediação foi da professora Fernanda da Escóssia, da ECO.

Se a guerra de versões da mídia tradicional está no cenário político atual, a mesa apresentou o panorama das alternativas de produção de comunicação independente nesse contexto. A opção por trabalhar com um novo mecanismo do “fazer notícia” levou os palestrantes a contarem um pouco sobre esse desafio.

Raphael Kapa e Tai Nalon expuseram a perspectiva do fact checking, ou jornalismo de checagem, com que ambos trabalham: “Existe algo que a gente chama de síndrome especulativa do jornalismo, em que a notícia muitas vezes chega antes dos fatos. A gente vai de encontro a isso. Esperamos os fatos acontecerem para escrever a notícia”, explicou Tai Nalon.

Segundo a jornalista do site Aos Fatos, que verifica a veracidade das declarações políticas, a checagem tenta “estabelecer um novo paradigma para o jornalismo independente, que é ir além do declaratório e investigar.” A jornalista trabalhou até 2014 acompanhando as declarações da presidenta Dilma, no Palácio do Planalto, pela Folha de São Paulo, e hoje vê como alternativa um modo independente de divulgar as declarações políticas. A plataforma que ajudou a desenvolver, “Aos Fatos”, entrou no ar em julho de 2015 e permite o compartilhamento de informações públicas ditas por políticos e comunicando se elas foram utilizadas de forma “falsa”, “verdadeira”, “imprecisa” ou “exagerada”, selos que o site coloca após a conferência das informações. “A gente faz uma checagem com uma metodologia pública, aberta e rigorosa”, pontua.

Kapa concorda que o rigor da apuração é primordial para a checagem.  “A ideia cada vez mais é ampliar a checagem para que aquilo seja um instrumento para a sociedade. O intuito desse modelo é demonstrar todo o caminho que fizemos para chegar àquela conclusão para o leitor e, diversas vezes, tivemos experiências em que o leitor nos apontava isso, nos mostrando o contraditório”, explica.

Para o ex-repórter do Jornal O Globo, é o momento de buscar o novo e tentar alternativas capazes de ampliar as narrativas já existentes: “O caminho da coragem também é o caminho do risco, mas esse é o momento, porque a notícia está transbordando e não tem como a mídia tradicional dar conta dessa demanda. É a hora de apostar nessa diversidade. Esse universo se ampliou porque a vontade das pessoas em saber aumentou. Existem lacunas, demandas e carências e podemos fazer um movimento para atender a isso”, afirmou Kapa.

A Agência de Notícias Lupa também trabalha com o checking fact, apostando em checagens sobre saúde, esportes e variados temas. A escolha dos assuntos a serem checados, tanto para Kapa como para Tai Nalon, se dá pela relevância social. As formas de averiguação começam em um trabalho de cruzamento de dados e de busca por informações públicas.

Já Conrado Corselette apostou em outra alternativa. Já tendo sido jornalista e editor de grandes jornais como O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo, ele descobriu que a vontade de contar de outra forma as notícias era uma opção para a carreira. “Eu produzia muito como jornalista e passei a ficar angustiado porque eu terminava as matérias e não conseguia dar conta do lead. As informações básicas de 'quem', 'onde', 'como' e o 'porquê' ficavam, muitas vezes, com lacunas. O volume de informação não permitia que a gente fizesse o básico e nem sempre se tem resposta para tudo”, explica.  Fundador do site Nexo junto com a cientista social Paula Miraglia e a engenheira Renata Rizzi, decidiu fazer notícias de modo que a dinâmica de produção diária não influenciasse no detalhamento dos processos que envolviam os fatos narrados.

“Apostei no jornalismo explicativo. O desafio é não ser simplista superestimando as pessoas sem considerar que elas podem estar perdidas sobre o que você diz e, ao mesmo tempo, sem subestimar a capacidade das pessoas de compreenderem as informações”, expõe Corsalette sobre a iniciativa.

O Nexo virou um site muito acessado, especialmente depois que começou a corrida do impeachment no Congresso. Segundo o jornalista, um dia antes da entrada do processo de impedimento, o site teria soltado um texto explicando o que é ou não legal e como funciona o procedimento de retirada de poderes de políticos eleitos. O objetivo de publicações neste sentido é descrever para o leitor informações que não são dissecadas no jornal diário, com um nível de detalhamento mais profundo.

Jornalismo com tempo e rigor de apuração

Para os três debatedores, o principal foco do novo jornalismo é um aprofundamento da apuração da notícia. Segundo eles, a dinâmica das matérias cotidianas impõe uma lógica pouco criteriosa para as redações.

“O equilíbrio não é automático. É um exercício de ouvir mesmo o outro lado, de estar verdadeiramente disposto a ouvir e não menosprezar o seu interlocutor. A gente vê muita notícia por aí em que existe a fala do contraditório, mas você percebe que ela só foi coletada para reafirmar a narrativa criada, ela não foi ouvida com atenção buscando o novo. Foi apenas utilizada para expor o que o jornalista já acreditava que ela diria”, comenta Corsalette.

Segundo o criador do Nexo, essa renovação tem de ser dada na forma de produzir informação também — e não só — no conteúdo: “Antes, eu achava que o grande texto resolvia tudo. Se você me desse a chance de cobrir uma matéria, eu faria um bom texto dela. Mas há histórias que são contadas em seis linhas, outras em trinta; mas também há histórias que precisam ser faladas, que podem ser contadas através de infográfico, vídeo, quiz. A história, para mim, hoje, pode ser contada até por sinal de fumaça. Não tenho mais apego à grande reportagem”, afirmou.

Raphael Kapa aconselhou os estudantes a apostarem em novas plataformas para além do texto. “É importante aprender a fazer vídeo, a fazer podcast, gráficos. São coisas que eu descobri só depois e está sendo mais difícil agora. Dediquem-se a essas novas ferramentas, porque isso dinamiza e melhora o seu conteúdo”, concluiu.

Pessimismo com a democratização da mídia

Os palestrantes não foram otimistas em relação à democratização dos grandes meios de comunicação: “Não tenho a pretensão de disputar com a mídia tradicional a narrativa deles. Acho que nós temos de falar coisas surpreendentes. Não dizer as obviedades que já são ditas. Agendar novos temas, fazer novas formas de expor, com novas fontes. Você tem que tratar as narrativas com seriedade, só assim você consegue entrar na conversa dos grandes jornais e tornar possível que te ouçam também”, declarou Conrado Corsalette.

Já para Tai Nalon, escolhas de rigor jornalístico são opções que podem coexistir com os grandes meios: “Eu não tenho a pretensão de ter algo do tamanho da mídia corporativa. A nossa aposta é fazer um jornalismo com técnica, com primor, análise e apuração rigorosa. Se você está disposto a isso, vai ser interessante também para eles. Nós temos uma parceria com o portal UOL e dizemos para eles ‘olha, tal fato iremos checar, vocês querem? Nós faremos de qualquer forma, mas podemos dar prioridade para vocês divulgarem a informação’”, declarou.

Veja a cobertura em vídeo aqui: http://adufrj.org.br/index.php/veja-todos-os-videos2/3259-guerra-das-narrativas-analisa-o-papel-da-m%C3%ADdia-no-cen%C3%A1rio-da-crise-brasileira.html

 


Palestra de Christian Laval, professor de sociologia da Universidade de Paris-Ouest Naterre-La Défense. Autor, com o filósofo Pierre Dardot, do livro “A nova razão do mundo: ensaios sobre a sociedade neoliberal” (Boitempo, 2016). Haverá tradução simultânea. 

O evento tem a Adufrj-SSind entre seus organizadores, junto do IFCS-UFRJ, do Colégio Brasileiro de Altos Estudos e da Rede Interdisciplinar de Pesquisadores da USP. 

A democracia liberal, no modelo que conhecemos, está em declínio. Christian Laval mostra que a razão neoliberal implica a dissolução de diversos princípios da democracia, o que talvez ajude a entender a crise política brasileira. 

Este é o último debate de um ciclo em que a Seção Sindical buscou abordar as diversas dimensões da crise política atual. As primeiras atividades foram plenárias sobre a conjuntura política, no IFCS. Em seguida foi a vez de serem tratados os aspectos jurídicos da crise, na Faculdade Nacional de Direito (FND). Em 6 de abril, ocorreu uma aula pública sobre política fiscal e as alegações do impeachment. E, no último dia 12, na Casa da

Ciência, foi avaliado o papel da mídia durante a cobertura do processo de impeachment.

O debate do próximo dia 19 será transmitido pelos seguintes links:

https://plus.google.com/events/cqt37m19o2f0sjrjec86rgcho6g


http://www.youtube.com/watch?v=pVhOnOOFHC8


As comunicações no Brasil, sobretudo a imprensa, pautariam a sociedade a partir de interesses ligados às elites nacionais

Silvana Sá

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Na continuidade do ciclo de debates “Guerra das narrativas: a cobertura jornalística do processo de impeachment”, organizado pela Escola de Comunicação da UFRJ e pela Adufrj, no dia 12, a mesa da noite tratou do tema “Redes sociais, robôs e coronelismo eletrônico”. Um dos diagnósticos apresentados pelo professor Fábio Malini, da Universidade Federal do Espírito Santo, é o de que as grandes corporações de comunicação utilizam de forma crescente técnicas de marketing nas notícias. A cada matéria atualizada, robôs ligados ao perfil do veículo nas redes sociais disparam compartilhamentos, de forma a inflar a audiência. “Os robôs constroem tendências e, com isso, tendem também a pautar a sociedade”, disse.

A novidade neste processo são os chamados “bots”, robôs de redes sociais que passam a interagir com o público. Além da audiência artificial, eles geram interações igualmente artificiais. “Um exemplo clássico é quando você não gosta de uma matéria e faz um comentário de crítica e, pouco depois, começam a surgir comentários elogiando o texto, o assunto, a abordagem”.

O docente esclareceu que o uso desse tipo de ferramenta na comunicação não é contra a lei, mas suscita um debate em torno da “robotização da política”. A consequência direta deste processo, segundo Malini observou em suas pesquisas, é o que ele chama de “robotização dos humanos”. “Insistentes ‘memes’ políticos de apelo emocional fazem as pessoas replicarem os conteúdos quase que automaticamente”. O principal portal brasileiro a utilizar robôs para “viralizar” seus conteúdos é o G1, do Grupo Globo.

A narrativa

Esse novo fazer jornalístico cria, segundo o docente, uma nova forma de narrar acontecimentos. Isto, para Fábio Malini, é uma espécie de resposta às jornadas de junho de 2013. “Vídeos de dentro das manifestações aumentavam a audiência em torno dos acontecimentos e contestavam toda a narrativa montada pelos grandes veículos de comunicação. Houve uma verdadeira desmoralização da narrativa da imprensa”.

Em 2014, o movimento “Não Vai Ter Copa” foi o primeiro fora da mídia tradicional a utilizar robôs no compartilhamento de conteúdos. “Houve a apropriação dessas manifestações na rede por um conjunto de atores políticos que vão desaguar no ‘Vem Pra Rua’. Por outro lado, houve utilização de robôs também acusando aquele movimento de antipatriótico. Enfim, mais um erro da série de equívocos que o governo cometeu”.

Guerra do convencimento

Para Henrique Antoun, da ECO/UFRJ, a guerra das narrativas consiste em “convencer a todos de que algo, que não existe, realmente existe e deve ser encarado com muita seriedade”. “E, para isto, não faltam revistas, TVs, jornais, campanhas publicitárias e, inclusive, pessoas que repetem lentamente e iterativamente a mesma frase para convencer as pessoas de que aquilo é muito importante”. Como exemplo, ele citou as recorrentes vezes que âncoras dos telejornais, sobretudo da Rede Globo, repetiram a palavra “vândalo” e suas derivações, por ocasião das manifestações de junho de 2013.

No caso do processo do impeachment, a situação toma contornos mais graves, na visão de Antoun. “Estamos sendo assediados há mais de dois anos e ela gera mesmo revolta, ódio, doenças psíquicas. É uma campanha planejada e que tem roteiro. No caso do Brasil, este é um processo facílimo: quatro donos da mídia. Todos os quatro empregados dos oligarcas que mandam neste país. São 71 mil pessoas que têm como seus empregados os donos da mídia e os políticos do Congresso”.

Mentira e verdade. Democracia e paixões

Citando o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), o professor ilustrou o atual momento político, cercado de discussões acaloradas e impregnado de uma atmosfera de ódio que costuma permear discussões entre favoráveis e contrários ao impeachment. “A maior parte do tempo nós vivemos imersos em meias-verdades e em meias-mentiras. Como, no meio disso, eu posso falar para governar honestamente? Foucault vai mostrar que este processo não passa pelo convencimento racional, nem pela discussão. Só existe um modo de sair desse ciclo: é a explosão das paixões. Paixões que constituem, em última instância, um espaço aberto racional; que predispõem uma discussão, que permitem a democracia. A democracia aparece exatamente quando a mentira desaba e a verdade emerge pela luta das paixões”.

Coronelismo eletrônico

A professora Suzy dos Santos, também da ECO/UFRJ, trouxe para o debate o tema “E-Sucupira: o coronelismo eletrônico como herança do coronelismo nas comunicações brasileiras”. “Há uma negociação direta entre elite midiática e poder político. Vivemos, então, um sistema de coronelismo eletrônico desde 1985. É um sistema de troca de favores para as políticas de comunicação”, explicou a docente.

O modelo de comunicação no Brasil foi chamado pela professora de “convergência divergente”. “Fala-se que a televisão está ultrapassada. Por outro lado, o que a gente vê é que em 2015, dos mais de 5.500 municípios, 40% deles têm acesso à banda larga. O restante acessa por discador ou satélite. Enquanto isso, a TV aberta atinge mais de 98% dos municípios brasileiros”. São características deste modelo, ainda, a falta de transparência sobre a estrutura de propriedade dos veículos; marcos regulatórios que separam “velhas” e “novas” tecnologias de comunicação; interesses privados sobrepondo-se ao interesse público na regulação do setor; o atrelamento político às concessões de rádio e TV no Brasil.

A mídia perde o poder, perante o governo federal, somente durante os regimes autoritários. Nos períodos democráticos, a relação entre mídia e governo sempre teve caráter clientelista, de troca de favores, segundo a docente. “Entretanto, a partir de 1985 há uma mudança na tônica dessa relação. Será a primeira vez que um empresário de comunicações oficialmente recomenda um ministro, que é quando Roberto Marinho recomenda Antônio Carlos Magalhães como Ministro das Comunicações. De lá para cá, criou-se um consenso de que ninguém governa sem a Globo e de que ninguém enfrenta os meios de comunicação, para se manter no governo”.

Cultura e representação

A representação também é uma importante ferramenta deste sistema coronelista: “Para pensar a mídia no Brasil não basta analisar seu tamanho, dimensões, alcance. Isto também é importante, mas muito mais importante é verificar como se dão essas representações”. Isto torna-se importante sobretudo quando se trata de televisão, de acordo com Suzy dos Santos, pois é um veículo que chega a cobrir quase a totalidade do território nacional.

Museus por todo o país têm sido construídos por meio de parcerias com a Fundação Roberto Marinho. São exemplos, no Rio de Janeiro, o Museu de Arte do Rio (MAR) e o Museu do Amanhã. Está em construção também o Museu da Imagem e do Som, em Copacabana, cujo acervo para visitação será determinado pela Fundação e o restante, encaminhado para um depósito no Estácio. “Todos os contratos da Prefeitura com a Fundação Roberto Marinho são realizados com dispensa de licitação dado que se trata de uma ‘fundação de reconhecida importância’ na criação de museus”.

O Globo Universidade é, segundo a docente, outro espaço de representação do mesmo grupo. “Financia boa parte das pesquisas sobre telenovela no Brasil. Que chance tem uma pesquisa financiada por uma empresa de comunicação ser crítica? Por outro lado, que atração tem uma pesquisa sem financiamento e sem acesso a acervo?”, questiona.

No caso das novelas, a professora destacou a figura dos coronéis. De 1977 a 1985, ainda havia alguns que eram vilões, que tinham escravos, maltratavam as mulheres, batiam nos filhos. Depois de 1985, a cada dois anos há a figura de um coronel em uma novela ou série brasileira “por acaso, sempre em ano eleitoral”. Foram 15 novelas e 17 séries, mas nenhum deles era vilão. “Eles são ultrapassados, fora do seu tempo, às vezes engraçados, mas não são maus. Existe um grande amor, uma história de incompreensão. E assim a gente vai naturalizando e replicando o mandonismo, o próprio clientelismo, o patriarcalismo. A gente naturaliza uma forma de política e uma forma de sociedade que é profundamente atrelada a elites que estão há muito tempo no poder. Não é à toa que o PMDB está no governo desde 1985”.

Discurso uníssono

Suzy dos Santos criticou, ainda, a falta de debate nos meios de comunicação sobre o papel da imprensa. “O discurso sobre o papel dos meios de comunicação no Brasil é historicamente único e dá voz a uma interpretação de meios de comunicação que não é de serviço público e muito menos a de direitos sociais. Há uma lógica no jornalismo profundamente ligada às elites”.

Nem fatos, nem objetividade

Consuelo Lins, docente da ECO/UFRJ, apresentou algumas gravações que ela mesma coletou do Jornal Nacional no período do vazamento dos grampos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidente Dilma Rousseff. Ela demonstrou a construção da notícia no telejornal. A série é de 12 a 19 de março. A primeira gravação, do dia 12, mostrou uma longa edição “sem se basear em fatos concretos”, apenas na delação de Delcídio do Amaral. “Por duas vezes, a gente tem a afirmação da objetividade jornalística, (conceito) que é questionado há muitos anos, já que inexiste essa objetividade”, afirmou a professora.

O Fantástico do domingo (13) começa explorando as manifestações pró-impeachment. Quando são divulgados os grampos, no dia 16, a docente observou que o único diálogo que vai ao ar é o de Lula e Dilma. Todo o restante do conteúdo é “lido e interpretado” pelos âncoras William Bonner e Renata Vasconcellos. Nos dias seguintes, os mesmos diálogos lidos pelos âncoras são colocados diretamente no ar. “O tempo todo é repetida a ideia de que os grampos eram legais e que sua divulgação não infringia a lei. Isto remete ao que o Henrique (Antoun) nos falou sobre a necessidade de convencer que o que não existe é real”.

Ela falou ainda da diferença de abordagem entre os manifestantes que são contrários e os que são favoráveis ao impeachment. “Toda essa multiplicidade de estratos no Brasil é reduzida a uma luta entre personagens-tipo. É o tipo psicossocial. É o militante do PT, a favor da roubalheira e que vai para a rua defender o governo. E o indivíduo livre, de verde e amarelo, que vai para a rua defender a saída do governo”.


Veja a cobertura em vídeo aqui: http://adufrj.org.br/index.php/veja-todos-os-videos2/3259-guerra-das-narrativas-analisa-o-papel-da-m%C3%ADdia-no-cen%C3%A1rio-da-crise-brasileira.html



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