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WhatsApp Image 2021 08 20 at 13.11.25 3FERNANDO BRANCOLI,- PROFESSOR DO IRID/UFRJUma reviravolta no tabuleiro político mundial. Com a retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão, o grupo islâmico Talibã avançou rapidamente para dominar as principais cidades do país. No último domingo (15), o presidente Ashraf Ghani deixou o país com a justificativa de evitar “um derramamento de sangue em Cabul”, a capital. Os talibãs então tomaram o palácio presidencial e assumiram o poder do país, 20 anos depois de serem derrubados pelos Estados Unidos. Após os atentados de 11 de setembro de 2001, os norte-americanos expulsaram o Talibã e passaram a intervir militarmente no Afeganistão. A nova vitória do grupo extremista assustou grande parte da população, provocando cenas de caos e fugas desesperadas que chocaram o mundo. Para entender o temor causado no povo afegão, e as razões e consequências geopolíticas desse acontecimento, o Jornal da AdUFRJ conversou com Fernando Brancoli, professor de Segurança Internacional e de Geopolítica do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID) da UFRJ. Ele é descrente quanto a uma guinada moderada do Talibã, ensaiada pelos primeiros movimentos do grupo diante da imprensa internacional: “As esperanças não são muito boas”.

Jornal da AdUFRJ — O Talibã assumiu o poder com um discurso moderado, de transição pacífica de poderes. Existe alguma esperança de que isso se concretize?
Fernando Brancoli — A transição já ocorreu, e não teve resistência. O presidente fugiu e o exército debandou, deixando armamentos e aeronaves para o Talibã. Esse processo foi não violento, mas não houve acordo, e sim uma desistência. O que a gente tem dúvida agora é de como será esse grau de moderação que o Talibã tem prometido. Com base no histórico do grupo na década de 1990, as esperanças não são muito boas. Foi um grupo muito violento, que tratava mulheres e minorias de forma muito pesada. É um grupo islâmico fundamentalista, com uma interpretação ultraortodoxa da lei islâmica (sharia). A transição foi relativamente tranquila, mas o receio agora é sobre o que vai acontecer com as pessoas consideradas traidoras, e de como o Estado se organizará. E os prospectos são muito negativos.

WhatsApp Image 2021 08 20 at 13.11.25 2OMMOLBAHNI HASSANI, mais conhecida como Shamsia, é uma grafiteira afegã. Aos 33 anos de idade, ela é professora de escultura da Universidade de Cabul e seus trabalhos estão em galerias e muros do Afeganistão, da Alemanha, da Itália. da Índia e da Suíça. Hassani é uma voz ativa e sensível contra a guerra, pelo direito das mulheres e pela educaçA democracia no Afeganistão se consolidou ao longo destes 20 anos de presença militar dos Estado Unidos?
Não. Foram realizadas algumas reformas institucionais, processos de modernização e votação, mas a democracia de fato nunca aconteceu. Nesse período, não teve a menor possibilidade de se imaginar uma democracia consolidada. Tanto que agora, com a saída das tropas americanas, houve a desintegração de todo esse processo.

Por que os Estados Unidos decidira retirar suas tropas do Afeganistão e o que isso significou para a política internacional?
Eles entram em 2001, logo após os ataques do 11 de setembro. Naquele momento, o objetivo era capturar Bin Laden e impedir o surgimento de novos grupos terroristas. Ao longo desses 20 anos, foram gastos trilhões de dólares. Bin Laden foi morto em 2011, no Paquistão. Então, a população norte-americana já não tem interesse em manter tropas no Afeganistão. Vale lembrar que essa retirada das tropas se iniciou no governo Trump, e se encerra agora com o governo Biden. Ainda não temos certeza do que isso vai significar para a política internacional, estamos aguardando para ver como as outras potências vão se movimentar. A China, por exemplo, já indicou que vai negociar sem problemas com o Talibã.

Qual foi o acordo estabelecido entre o governo Trump e o Talibã?
O acordo previa que se o Talibã se comprometesse a não abrigar mais terroristas e respeitasse o governo em Cabul, Trump retiraria as tropas. Como se pode imaginar, o Talibã não cumpriu o combinado. Bastou os EUA retirarem suas tropas que eles avançaram e derrubaram o governo em Cabul. Mas o cálculo do Trump atendia aos interesses políticos dele. Ele se elegeu com a promessa de tirar as tropas do Oriente Médio, a fim de parar de gastar tanto dinheiro fora do território norte-americano. O Biden chegou ao poder com esse acordo já costurado, e decidiu manter. No final das contas, o Talibã enganou os EUA com esse argumento de que não fariam nada, e obviamente fizeram. Foi uma decisão feita por um republicano, materializada por um democrata e que resultou em um desastre completo, pelo menos do ponto de vista da retirada das tropas e de como essa estrutura foi desmobilizada.

A vitória do Talibã pode ser considerada a primeira grande derrota de Joe Biden?
Certamente é o primeiro grande evento negativo do governo Biden. Ele vai ter que se explicar com relação a isso, principalmente no próprio país. As imagens vão ser repetidas pelos críticos durante um bom tempo. Desde que assumiu, ele conseguiu responder de maneira relativamente rápida à crise da pandemia, com a vacinação e a retomada da economia. Mas a gente está falando agora de uma crise internacional, que mexe inclusive com a memória dos norte-americanos. Esse acontecimento relembra, por exemplo, o Vietnã. Essa é certamente a grande crise do governo Biden, com a qual ele vai ter que lidar, no mínimo, até o final do ano.

Mesmo com 20 anos de presença no território, os Estados Unidos não conseguiram prever essa articulação do Talibã?
Essa é a dúvida do momento. Se as agências de inteligência dos EUA não conseguiram mensurar o problema; se ocorreu uma falha de comunicação entre essas agências, como no 11 de setembro, quando se tinha as informações, mas elas não chegaram em quem tinha que chegar; ou se os EUA realmente já não se importavam tanto e deixaram o problema para os afegãos. Vamos ter que esperar um tempo ainda para descobrir.

O retorno do Talibã pode fazer com que a Al-Qaeda ou outros grupos terroristas ganhem força?
Não sei a Al-Qaeda, até porque o Talibã já aprendeu um pouco a lição e já não é mais o mesmo grupo, nem com os mesmos membros. Chamar ou abrigar a Al-Qaeda agora seria um convite para sofrer uma nova intervenção. O que pode acontecer, até de maneira indireta, é um recado de que os grupos que violam os direitos da sua população conseguem sobreviver sem punição do sistema internacional. Não sei se haverá um incentivo direto aos grupos terroristas, mas certamente pode deixar um recado bem ruim.

O que o retorno do Talibã ao poder pode significar para o futuro das mulheres no Afeganistão?
Há um receio de proibição de ação pública, como ir à escola, universidade ou mesmo trabalhar. É um pouco do que já está acontecendo. Na Universidade de Cabul, que tem quase 50% de estudantes mulheres, as alunas já estão começando a fugir, com medo do que pode acontecer. Existe uma dinâmica que obriga as mulheres a usarem a burca em público, e só poderem sair de casa acompanhadas por um parente homem. Há também punições severas, como o apedrejamento de mulheres acusadas de adultério, onde muitas vezes basta a palavra do homem para que isso seja realizado. Se esses 20 anos de intervenção dos EUA não foram perfeitos, ao menos deram às mulheres um grau maior de autonomia, e agora existe um receio de que elas percam isso.

WhatsApp Image 2021 08 20 at 13.11.25 4FOTOS: FERNANDO SOUZA‘Serviço Público é um direito de todos. Não pode ser privilégio para poucos. Eu digo não à PEC 32”. O cartaz levado ao Centro do Rio resume a indignação que mobilizou milhares de servidores de todo o país às ruas e redes, no último dia 18, contra a proposta de reforma administrativa do governo Bolsonaro.
Sob a justificativa de aumentar a eficiência dos serviços públicos, a PEC 32 acaba com a estabilidade e desestrutura a maior parte das carreiras do funcionalismo. “Não é só uma proposta ruim. É um desastre nacional”, afirma a presidente da AdUFRJ, professora Eleonora Ziller, que marcou presença na passeata fluminense.
O dia 18, porém, não contou com a mesma adesão das manifestações “Fora, Bolsonaro” das últimas semanas. O avanço da variante delta do coronavírus, avalia a presidente da AdUFRJ, pode ser uma das razões do menor número de participantes. “Alguns professores que foram a todos os outros atos falaram que não iriam neste. Estavam preocupados”, completa Eleonora.
Também é preciso esclarecer toda a população sobre os impactos negativos da reforma administrativa, principalmente para os mais pobres — justamente os que mais precisam dos serviços públicos. “Precisamos encontrar novas formas de nos comunicar com a população, falar das lutas que não são só nossas. Precisamos renovar o modo como nos relacionamos com a opinião pública”, afirma Eleonora.
Com todas as dificuldades, o dia de greve e mobilizações representou um bom começo nesta disputa com o governo, na avaliação do coordenador-geral do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe), David Lobão. “Os atos ocorreram em quase todo o país. E essa luta contra a PEC 32 vai pegar fogo em setembro, quando ela for votada no plenário da Câmara”, diz.WhatsApp Image 2021 08 20 at 13.19.02
E tudo indica que a proposta não vai tramitar como o governo queria. Relator da matéria na Comissão Especial da Câmara que avalia o tema, o deputado Arthur Maia (DEM-BA) disse que vai apresentar um texto substitutivo na próxima semana. Mas, em um ponto-chave, o parlamentar está do lado do ministro da Economia, Paulo Guedes: Maia tem dito que só vai manter a estabilidade para as chamadas carreiras típicas de Estado, que ainda serão definidas. “O substitutivo é também muito perigoso. Ele pode manter elementos que são muito desorganizadores do Estado brasileiro”, alerta Eleonora.
A professora chama atenção que, para além da reforma administrativa em tramitação, o governo já ataca os servidores e os serviços públicos com outras medidas, como subfinanciamento das atividades, mudanças por instruções normativas ou decretos e aparelhamento de instituições. “Há uma hipertrofia de sistemas de controle e cerceamento da ação dos servidores públicos”, afirma.

DOCENTES DA UFRJ REJEITAM REFORMA ADMINISTRATIVA

Os professores da UFRJ aprovaram a adesão à greve de 24 horas em uma assembleia virtual que contou com mais de 100 pessoas, na manhã do próprio dia 18. “Tentamos fazer algo diferente. Realizamos uma assembleia no próprio dia da manifestação para que fosse também um ato de repúdio à reforma, envolvendo professores que normalmente não vão aos atos”, afirmou a presidente da AdUFRJ, Eleonora Ziller. A ideia era ampliar a mobilização. “Em muitos lugares, tivemos assembleias bem menores que a nossa”, completou, em referência às reuniões ocorridas em outras universidades.
Nem todos concordaram com a estratégia. Um abaixo-assinado circulou na internet cobrando a antecipação da reunião — o que não seria possível, em função do prazo regimental mínimo de 48 horas entre a convocação e a realização da assembleia. Uma das principais justificativas seria a necessidade de informar chefias e alunos com antecedência sobre a greve, caso aprovada.
“Estive presente à reunião do Tamo Junto (bate-papo virtual organizado pelo sindicato — veja edição anterior) para elogiar a diretoria pelas últimas iniciativas, mas queria externar minha insatisfação. Assembleia tem que ser sempre prévia às manifestações para não haver esta confusão. Para quem dá aula de manhã, ainda não foi definida a greve”, disse o professor Jorge Ricardo, da Faculdade de Educação. “Isso enfraquece o movimento nacional. Poderíamos estar nas ruas, convocando para o ato da tarde”, completou.
Apesar da divergência sobre a data da assembleia, os docentes da universidade rejeitaram de forma quase unânime a reforma administrativa. Foram 103 votos (98% dos participantes) contra um e apenas uma abstenção (1%). A adesão à greve geral de 24 horas dos servidores públicos obteve 96 votos a favor, seis contrários e cinco abstenções.
“O movimento tem que ser de construção, de unidade, de elaboração de estratégias coletivas para o enfrentamento. A PEC 32 não se materializa só no ataque direto aos serviços públicos, mas no ataque direto aos direitos dos trabalhadores, por exemplo, à Saúde”, observou a candidata a presidente da AdUFRJ pela chapa 2, a professora Claudia Lino Piccinini, da Faculdade de Educação.
“Estamos aqui juntos fazendo um ato político e nossas falas deveriam estar voltadas para a discussão da PEC 32. Conclamo os colegas a transformar esta assembleia em um ato contra o governo fascistoide do país. Vamos focalizar quem é o nosso inimigo e o que temos de fazer”, disse o professor João Torres, do Instituto de Física, candidato a presidente da AdUFRJ pela chapa 1.

WhatsApp Image 2021 08 20 at 13.35.45MARIA ABREU
professora do IPPUR/UFRJ

 

 

 

WhatsApp Image 2021 08 20 at 13.35.45 2DANIEL CONCEIÇÃO
professor do IPPUR/UFRJ e presidente do Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento (IFFD)

 

 

WhatsApp Image 2021 08 20 at 13.35.45 1PAULO REIS
professor do IPPUR/UFRJ

 

 

 

A PEC nº 32/2020, chamada de PEC da reforma administrativa e enviada ao Congresso em 03/09/2020, já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e atualmente se encontra na Comissão Especial, de onde segue para votação no plenário.
Em relação ao texto inicial houve alguns recuos, como no ponto que estabelecia novos princípios para a administração pública e no que dava poderes exorbitantes ao presidente da República para extinção de entidades da administração pública autárquica e fundacional por meio de decreto. No entanto, esses parecem ser apenas alguns dos bodes na sala. O pressuposto de seu texto é que a administração pública é ineficiente e que o servidor público é o principal problema. E não é difícil perceber que esse pressuposto não foi alterado ao longo da tramitação. Basta observar que as desigualdades injustas entre algumas carreiras do próprio Serviço Público, como as jurídicas e as militares, são timidamente enfrentadas.
WhatsApp Image 2021 08 20 at 13.16.48Foto: Fernando Souza/AdUFRJNão há dúvidas de que os serviços prestados pelo Estado brasileiro devam ser aperfeiçoados e de que reformas sejam necessárias. Mas qual seria o ponto de partida para o aperfeiçoamento? No atual contexto, em que vigora um teto de gastos estabelecido pela Emenda Constitucional nº 95/2016, em que ainda estamos numa pandemia cujos efeitos sociais e econômicos são inestimáveis e que estamos dia a dia reagindo contra arbitrariedades e acompanhando quedas de ministros e desrespeitos contínuos e sistemáticos à civilidade democrática?
O contexto da pandemia de covid-19 colocou para o Estado brasileiro o desafio de manter-se de pé apesar de governantes incompetentes, despreparados, pouco inteligentes e/ou desonestos. As instituições que deveriam organizar a sociedade para enfrentar a pandemia produziram caos e oportunismo, como está sendo verificado nos depoimentos e documentos levantados pela CPI da Pandemia, no Senado.
Para aprofundar o quadro de instabilidade, vivemos, desde o golpe de 2016, um ambiente de revisões de decisões judiciais e de acontecimentos políticos relevantes ocorridos de forma tão inédita e impassíveis de serem qualificados como legítimos, que toda a nossa estrutura jurídica, política e econômica, vem se equilibrando em bases bem frágeis.
Neste contexto, pretende-se alterar a configuração do Serviço Público brasileiro. Ainda que, do ponto de vista salarial, direitos adquiridos sejam respeitados, com mudanças na forma de recrutamento dos servidores e a convivência de diversos regimes de trabalho para o desempenho de funções semelhantes, os ambientes de trabalho que atualmente funcionam bem podem ser desestruturados.
Para supostamente resolver o problema de gestão de pessoas no setor público e da imobilidade, que resultariam num Estado ineficiente, a reforma prevê cinco tipos de vínculos do servidor público, que ameaçam o instituto da estabilidade conquistada no contexto de democratização e representam riscos de retrocessos históricos:
1) Cargo típico de Estado é o único vínculo que preserva a estabilidade do servidor, com garantias, prerrogativas e deveres diferenciados. Contudo, será um vínculo restrito ao pequeno grupo de servidores que tenham como atribuição o desempenho de atividades que são próprias do Estado, mas que não se pode dizer exatamente quais são.
2) Cargo por prazo indeterminado é o vínculo que elimina a estabilidade dos servidores e amplia o espaço para precarização do trabalho no Serviço Público. Afinal, não se sabe exatamente quais carreiras estarão sujeitas a esse vínculo, mas sabe-se que será a maioria dos servidores, incluindo os trabalhadores da Saúde, Educação e Assistência Social.
3) Cargo por prazo determinado. Esse vínculo não é uma novidade, seja no governo federal, com as contratações de professores substitutos nas instituições de ensino, ou nos municípios, onde esse tipo de contratação atinge diversas áreas, haja vista as muitas decisões judiciais determinando a realização de concursos para cargos que são ocupados por contratações temporárias.
4) Vínculo de experiência, não se trata de um novo cargo, mas só aumenta a insegurança do trabalhador, pois adiciona mais uma etapa ao concurso público — sem definir o prazo máximo desta etapa, tanto para carreiras típicas de Estado quanto para carreiras que não são típicas, em que os candidatos aprovados nas etapas anteriores competirão pelas vagas. Se reconhecermos que as avaliações atuais são insuficientes, por quais razões o vínculo de experiência estaria imune aos problemas existentes?
5) Cargo de liderança e assessoramento. Na prática, esse tipo de vínculo já existe com os cargos em comissão e funções de confiança para atribuições de direção, chefia e assessoramento. Porém esse vínculo também apresenta riscos, já que a PEC não definiu os critérios para ocupação desses cargos.
Apontar os riscos de retrocessos não se trata de fincar uma posição conservadora contra qualquer mudança, mas estamos em um estado de emergência, em que o Serviço Público tem sido um dos poucos pontos de estabilidade a evitar o caos completo.
Lembremos, incansavelmente, do papel da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Butantan na organização da contratação, da importação de insumos e da produção de vacinas. Lembremos das sucessivas homenagens feitas aos servidores públicos da Saúde e da Assistência, nos níveis municipal, estadual e federal, durante a pandemia. Lembremos dos servidores da Educação que, abruptamente, tiveram que se preparar e adaptar para uma modalidade de ensino emergencial que evidencia as condições desiguais dos seus estudantes e pode aprofundar o abismo social da Educação no Brasil.
Finalmente, lembremos que a facilidade com que o governo brasileiro praticou o maior déficit primário de sua história em 2020, ao mesmo tempo em que fez cair o custo médio de sua dívida, é prova irrefutável de que é mentiroso o discurso governista de que o Estado brasileiro enfrenta dificuldades para obter o dinheiro com que faz seus pagamentos e, portanto, precisa controlar e/ou reduzir os gastos com a remuneração de seus servidores. O governo federal realizou seus pagamentos em 2020 como sempre fez: criando mais moeda. Simplesmente não faz sentido imaginar que um Estado que faz pagamentos criando moeda possa esgotar, verdadeiramente, as fontes de financiamento dos seus gastos.
Diante desse contexto, cabe nos perguntarmos: qual a urgência de aprovar uma reestruturação tal como a pretendida pela PEC nº 32/2020? Como as medidas contidas na proposta contribuem exatamente para a continuidade/avanço dos serviços públicos e redução das desigualdades? Qual o compromisso do proponente da reforma com a melhoria das políticas públicas e com os servidores públicos?
Sem respostas para essas e outras questões importantes, a pretensa reforma administrativa mais parece uma reforma trabalhista do setor estatal. Não foram apresentadas evidências confiáveis de qual será, exatamente, o ganho com essa reforma. Temos de lutar para que ela não destrua o pouco que já temos e conquistamos.

WhatsApp Image 2021 08 20 at 13.24.26ANDRÉA BORDE (depoimento dado para as jornalistas ANA BEATRIZ MAGNO e SILVANA SÁ, da AdUFRJ)

Recebi a notícia do leilão do Palácio Capanema no dia do meu aniversário. Já não bastava trocar de idade, eu ainda tinha que perder minhas memórias? O MEC é a minha memória afetiva. Tenho muitas lembranças dali. O Capanema é o que chamamos de síntese das artes. Todas as artes estão representadas e integradas à arquitetura naquele espaço.
Lembro-me que ao iniciarmos a pesquisa sobre os ícones urbanos e arquitetônicos do Rio de Janeiro, coordenada pelo professor Roberto Segre, do PROURB, tínhamos planos de fazer vários deles. No entanto, a importância do Palácio Capanema nos levou a dedicar mais de dez anos o estudando. Esta pesquisa virou um livro publicado pela Romano Guerra. O subtítulo “O ícone da modernidade brasileira do século XX” não foi escolhido à toa. O edifício inscreveu o Brasil no cenário da arquitetura moderna internacional desde os anos 1940.
O Palácio Capanema é uma ‘mini-Brasília’. Nele trabalharam Jorge Machado Moreira, que depois foi projetar a Cidade Universitária da UFRJ e seus primeiros edifícios, Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Carlos Leão, Affonso Eduardo Reidy, Ernani Vasconcellos, Le Corbusier. O prédio é uma escola para outros arquitetos. É um dos primeiros edifícios de pilotis, nessa escala de palácio. Ele integra a quadra à cidade. E essa integração é algo fundamental. Existe um aprendizado. Você vai passeando, vai descobrindo lugares. É algo que te instiga a andar, a conhecer mais a cidade. Edifícios que têm esse valor são documentos. Victor Hugo dizia que a arquitetura é o livro de pedra da humanidade. Eu diria que o MEC é um documento de valor inestimável.WhatsApp Image 2021 08 20 at 13.22.01
O edifício é a aula e a alma da arquitetura, que podemos usufruir como aluno, como professor, como arquiteto. É um edifício profundamente inovador. Um dos primeiros a ter piso elevado, em que toda a fiação passa por baixo. Ali há uma plena integração da arquitetura com a engenharia. É uma aula não só para arquitetos, mas para engenheiros e para quem trabalha com restauro.
Também podemos dizer que o Capanema expressa o início da Cidade Universitária. O Edifício Jorge Machado Moreira, antiga sede da Faculdade de Arquitetura, no Fundão, tem muitos elementos do primeiro projeto do MEC, sobretudo da versão proposta para a rua Santa Luzia. A experiência de Jorge Machado Moreira, ao ter participado desse projeto que concebeu o MEC, naquele momento histórico, é a raiz da Cidade Universitária da UFRJ. Nosso campus é um dos poucos exemplos desse conjunto moderno. Ele é contemporâneo a Brasília, contemporâneo à Universidade de Brasília.
No momento em que Paulo Guedes decide vender esse patrimônio para a iniciativa privada, ele impede que a sociedade continue tendo acesso a este bem. A justificativa é que o edifício está há muitos anos em restauro. A dificuldade não é de conhecimento técnico para realizar as obras, é orçamentária. Em 1945, foi dito que a Cidade Universitária seria construída no Fundão. Ao mesmo tempo, começou a ser restaurado o Palácio Universitário. Em 1953, foi inaugurado o IPPMG. Em 1955, começaram a construir Brasília, a UnB e outros edifícios da Cidade Universitária. A verba vinha do mesmo lugar que vem hoje. Mas antes existia vontade política de atuar nessas frentes. Havia o entendimento de que era importante o Brasil superar seus atrasos de desenvolvimento.
WhatsApp Image 2021 08 20 at 13.23.32Felizmente, a venda para a iniciativa privada não pode acontecer. Esse é um patrimônio tombado e todos os imóveis públicos tombados são inalienáveis. Eles só podem ser vendidos para outros entes federativos. Talvez tenha sido essa a motivação para o Governo do Estado e a Prefeitura do Rio aventarem a possibilidade de compra: mantê-lo como um imóvel público acessível a todos. A notícia de última hora, no entanto, é que o Paulo Guedes desistiu de colocar o MEC nesse leilão. O fato de o governo ter aparentemente desistido é, sem dúvidas, uma vitória da articulação de todas as instituições ligadas ao patrimônio e à arquitetura. Várias associações nacionais se mobilizaram para dizer não a este absurdo. Há coisas que não têm preço. Esta é uma vitória da história e do futuro. Quando apreciamos um edifício como esse, é o nosso olhar do presente que olha para este passado e projeta o futuro. Proteger esse patrimônio, portanto, é fazer com que ele chegue ao futuro, com que as ideias ali agrupadas alcancem o futuro.
Não desistamos da arquitetura, jamais. A arquitetura é a memória geral de uma sociedade.

* O Palácio Capanema, também conhecido como “prédio do MEC”, foi projetado e construído entre 1937 e 1945, numa das áreas resultantes da demolição do Morro do Castelo, para abrigar o Ministério da Educação e Saúde. Esta nova pasta era chefiada, à época, pelo ministro Gustavo Capanema. É o primeiro prédio moderno nesta escala  na América Latina, que agrupa os chamados “Cinco Pontos da Nova Arquitetura”, de Le Corbusier: planta livre, fachada livre, janelas em fita, pilotis e terraço jardim. Foi projetado por uma equipe composta por Lúcio Costa, Carlos Leão, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Ernani Vasconcellos e Jorge Machado Moreira (ex-aluno da então Escola Nacional de Belas Artes, projetou o conceito arquitetônico e urbanístico do campus Fundão), com a consultoria do arquiteto franco-suíço Le Corbusier. Cândido Portinari assina os painéis de azulejo e quadros nos pilotis e no interior do edifício. Ainda há esculturas de Bruno Giorgi, Celso Antônio de Menezes (ex-professor da EBA/UFRJ), Adriana Janacópolos e Jacques Lipchitz. O Palácio foi tombado por sua importância cultural ainda em 1948, logo após sua inauguração.

WhatsApp Image 2021 08 20 at 13.11.25 1Uma reunião do prefeito Eduardo Paes com a Associação de Moradores e Amigos de Botafogo (AMAB), na semana passada, ainda rende polêmica. O encontro ocorreu alguns dias depois de o governo municipal enviar para a Câmara de Vereadores um projeto de lei para a revitalização do Canecão.
O texto estabelece as condições para a reconstrução do equipamento cultural, restringindo a altura do imóvel a 20 metros, proibindo que haja um estacionamento para o público e delimitando a área de construção do novo prédio – sem incluir os terrenos hoje ocupados pelo Instituto de Psiquiatria (IPUB), pelo Instituto de Neurologia Deolindo Couto e pela Casa da Ciência.
Na avaliação da presidente da AMAB, Regina Chiaradia, a reunião com Eduardo Paes foi muito produtiva. “Ele disse que aceitaria (a revitalização do Canecão), desde que ela não trouxesse prejuízo para nenhuma das outras construções. E disse que é absolutamente contra o Viva UFRJ (projeto da universidade de exploração dos ativos imobiliários, em parceria com o BNDES), e que não ajudaria em nada para o projeto sair do papel”, contou.
Ainda de acordo com a presidente da associação, o prefeito ligou na mesma hora para o secretário de Planejamento Urbano, Washington Fajardo, para avisar que o projeto municipal deveria ser retirado da pauta, caso permitisse a demolição dos hospitais. A AMAB é a favor da revitalização do Canecão, mas “não a qualquer preço”, como resumiu a sua presidente.
O vice-reitor da UFRJ, professor Carlos Frederico Leão Rocha, deixou claro que a discussão neste momento está limitada à revitalização do Canecão, e não ao Viva UFRJ. O dirigente afirmou que a defesa dos hospitais está sendo usada pela AMAB de maneira política, e que desde antes da entrega do projeto de lei a UFRJ conversou com a prefeitura e esclareceu que a área dos hospitais não faz parte do plano.
“Não nos incomodamos que o projeto de lei envolva somente a área onde entendemos que deve ficar o novo equipamento cultural. Estamos inclusive conversando com vereadores para delimitar ainda mais essa área, para evitar qualquer especulação a respeito”, disse o vice-reitor. Carlos Frederico ressaltou ainda que o projeto do novo Canecão não interfere na Casa da Ciência. “A única coisa que pode afetar é que, no nosso projeto básico do equipamento cultural, há um espaço reservado para a Casa da Ciência”, explicou.
As assessorias do prefeito e do secretário de Planejamento Urbano foram procuradas pela reportagem, mas não responderam até o fechamento da edição do jornal.

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