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WhatsApp Image 2022 01 28 at 18.07.50Estela Magalhães

De todos os estudantes que ingressaram na graduação da UFRJ no início de 2014, 32% abandonaram o curso até o sexto período. Este é o resultado de um estudo inédito da doutoranda em Educação pela UFRJ Melina Klitzke, com base em dados oficiais da pró-reitoria de Graduação. Dentre os fatores associados à evasão encontrados pelo estudo, a integração acadêmica é um dos principais. Esse fator foi medido pelo desempenho acadêmico dos estudantes: aqueles com coeficiente de rendimento mais baixo têm maior risco de evasão. No universo estudado, 64% dos alunos no grupo com menor CR evadiram até o sexto período. Por outro lado, estudantes integrados a grupos de pesquisa e monitorias têm maior permanência: “De todos os estudantes que receberam algum tipo de auxílio, seja de alimentação, moradia, iniciação científica ou monitoria, nenhum evadiu do curso”, aponta Melina.
A pesquisadora constatou dois momentos em que o risco de evasão foi maior. Um deles ocorreu no primeiro ano de curso, e esse pico tem relação com o acesso à universidade: “Ele mudou de curso, mudou de instituição, passou na sua segunda opção ou retornou para a sua primeira. Conseguiu mudar de curso por algum motivo”, diz Melina. O outro momento de maior risco ocorreu no quinto período. A pesquisadora suspeita que este pico esteja relacionado a um processo institucional de cancelamento por abandono que aparece nesse período. Na UFRJ, a matrícula pode permanecer trancada por, no máximo, quatro períodos consecutivos, e a ultrapassagem desse período configura um abandono.

DESIGUALDADE
O estudo analisou os seis primeiros períodos dos estudantes que ingressaram em 2014, o primeiro ano em que a UFRJ implementou uma reserva de 50% das vagas para ações afirmativas. “É um retrato um pouco mais atual de uma geração que está entrando já pelas políticas de democratização de acesso: Enem, Sisu e ações afirmativas. O ano de 2014 seria o mais recente que eu conseguiria olhar ao longo do tempo os mesmos indivíduos”, explica a pesquisadora.
Para Flávio Carvalhaes, professor do IFCS/UFRJ e coorientador da pesquisa, o debate sobre ensino superior e desigualdade no Brasil ainda é muito focado em acesso. “Mas não basta as pessoas entrarem no ensino superior. Elas têm que entrar e sair”, sustenta. Segundo ele, o estudo é importante porque acompanha os alunos ao longo do tempo dentro da UFRJ: “Assim, a gente sabe quando os alunos evadem em taxas mais ou menos intensas e descobre, por exemplo, que o início do percurso dos alunos é muito importante”.
Depois do acesso à UFRJ, o processo seletivo ainda presta um importante papel na permanência do estudante. Dentre os estudantes cuja escolha de curso foi influenciada pela nota de corte — ou seja, pela nota mínima do curso no Sisu —, 47% evadiram até o sexto período. Além disso, dentre os alunos que se matricularam na segunda opção de curso no Sisu, quase 47% também evadiram até o fim do intervalo analisado. “Esse é o primeiro estudo a destacar como a forma de seleção dos cursos importa na trajetória dos estudantes dentro da universidade. Com a adoção do Sisu e do Enem, passamos a selecionar nossos alunos de forma diferente, mas refletimos pouco sobre conteúdos curriculares”, completa Flávio.

DESEMPENHO
A hipótese de que alunos com notas mais baixas no Enem teriam mais dificuldades acadêmicas no curso e maior risco de evasão não se confirmou, segundo o estudo. “Quem tem a nota mais baixa é que permanece. Quem tem bastante risco são aqueles que têm desempenhos médios”, ressalta Melina. Dentre os alunos com desempenho mediano no exame, 37% evadiram, ao passo que os polos extremos, os grupos com as notas mais altas e os com notas mais baixas, apresentaram evasão de 22% e 30%, respectivamente. “Quem tirou uma nota baixa no Enem e passou, valoriza muito estar na UFRJ, e continua com sua vaga”, completa Melina.
O estudo ainda está em progresso. Uma análise que se inicia é sobre a diferença da evasão entre os cursos da UFRJ. “Numa ponta temos a Medicina, que tem uma baixa evasão precoce. Do outro lado, por exemplo, a Licenciatura em Matemática, com alta evasão precoce”, revela a pesquisadora. Segundo a professora Nedir do Espírito Santo, do Instituto de Matemática e diretora da AdUFRJ, alguns possíveis motivos de evasão no curso de Licenciatura em Matemática têm relação com a falta de informação sobre o curso e com a influência da nota de corte sobre a escolha do estudante no Sisu. “O aluno que quer fazer Computação ou Engenharia às vezes entra na Licenciatura em Matemática com interesse em outra área, porque não conseguiu pontuação para o curso mais concorrido”, explica a professora.

PANDEMIA
A pandemia trouxe, no início de 2020, novos desafios no combate à evasão universitária. Embora a pesquisa de Melina Klitzke não alcance esse período — nem há dados disponíveis de 2020 em diante —, a pesquisadora levanta algumas hipóteses sobre a evasão durante a pandemia. Entre elas, as desigualdades de acesso à tecnologia e a dificuldade de trazer os estudos para dentro de casa, por falta de espaços próprios. “Outra medida muito importante é a integração social do estudante. Com a pandemia, não tem aquela rede de apoio, não tem aquele contato com o colega, e isso pode desanimar, o aluno pode acabar desistindo”, pondera a pesquisadora.
As taxas de evasão universitária na UFRJ dos anos de 2020 e 2021 ainda não foram publicadas, mas com base no Censo Universitário de 2019 e nos dados do Sistema Integrado de Gestão Acadêmica, a pró-reitoria de Graduação estima que não houve aumento da evasão no período pandêmico.

POLÍTICAS DE APOIO
Encarregada, entre outras funções, de assegurar a permanência dos alunos na universidade, a pró-reitoria de Políticas Estudantis (PR-7) da UFRJ tem se empenhado em dar apoio ao corpo discente para evitar a evasão. “Quando veio a pandemia, começamos a dar uma ênfase maior ao apoio psicológico. Criamos rodas de conversas, orientação pedagógica, fizemos um trabalho sobre orientação para aulas remotas. Isso ajuda na permanência”, explica Roberto Vieira, pró-reitor de Políticas Estudantis. Entre as iniciativas da PR-7 está o Grupo Vivências na Quarentena, um espaço de apoio dos estudantes durante o isolamento, com atendimentos pedagógicos online.
Um levantamento recente da PR-7 mostrou que os auxílios de moradia e alimentação são os mais importantes para os alunos. O pró-reitor destaca o valor dessa consulta: “Se o estudante diz que a questão da moradia é mais importante, eu não vou abrir mão da obra do Bloco B”. Desde o incêndio na Residência Estudantil em 2017, apenas o Bloco A está ativo, onde residem 245 estudantes. A reconstrução do Bloco B vai duplicar a quantidade de alunos atendidos, mas o orçamento do Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) para a UFRJ foi reduzido em quase 20%.
Dos cerca de 15 mil estudantes da UFRJ em situação de vulnerabilidade socioeconômica, por volta de 5.200 recebem auxílio financeiro da PR-7. Há uma demanda reprimida de aproximadamente 65%. “Não tem sido fácil fazer a gestão da assistência estudantil sem o orçamento necessário, mas a PR-7 tem trabalhado para aumentar o número de estudantes assistidos, o que vai contribuir com a redução dos números de evasão na UFRJ”, explica o pró-reitor.

DEBATES
Preocupada com o agravamento da evasão durante a pandemia, Eliane Brígida Falcão, professora do instituto Nutes/UFRJ e integrante do GT Pós-pandemia, propôs um projeto para levantar questões relacionadas ao ensino de graduação e à evasão universitária na UFRJ, ouvindo estudantes e professores. A professora explica que os estudantes têm dúvidas sobre seus cursos e preocupações com seu futuro profissional. Ela considera que o fenômeno da evasão não é isolado e pode ser melhor compreendido se relacionado aos problemas do ensino de graduação. E destaca: “Um sistema objetivo de reconhecimento e valorização da atividade de ensinar nos cursos de graduação, à semelhança do que existe para a atividade de pesquisa, deveria ser estabelecido na UFRJ”.
Convidada pela professora Eliane, a professora Cristina Ayoub Riche, ex-ouvidora da UFRJ, participou das apresentações dos resultados do projeto no GT e em diferentes centros da universidade. Para ela, a escuta é um fator importante para que o problema da evasão seja mitigado: “O primeiro passo deve ser conhecer as circunstâncias e demandas do aluno, permitindo que as expressem a partir de sua própria voz”, explica.
A partir das apresentações das professoras Eliane Falcão e Cristina Riche, foram organizados dois eventos: o 1° Fórum de Ensino de Graduação do Centro de Ciências da Saúde (CCS) e o 1° Congresso de Graduação do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza (CCMN), ambos no fim de 2021. A professora Érica Polycarpo, coordenadora do Bacharelado em Física da UFRJ, participa do grupo de trabalho sobre evasão universitária do CCMN: “São muitas as causas. Dificuldade de rendimento e dificuldade financeira são fatores muito importantes”, explica a coordenadora. Os debates entre professores e coordenadores no centro serão retomados em fevereiro.

bandeira adufrjDiretoria da AdUFRJ

No domingo passado (16), a cantora tcheca Hana Horka, de 57 anos, morreu em decorrência da covid-19. Além de não ser vacinada — integrava um grupo tcheco antivacina —, ela resolveu se expor ao vírus deliberadamente para obter o passaporte de vacinação, uma exigência da República Tcheca para permitir o acesso a locais como cinemas, bares e cafés. Hana se contaminou ao decidir não manter distanciamento do marido e do filho, ambos vacinados, que pegaram a covid-19 no Natal. O próprio filho de Hana, Jan Rek, confirmou que a mãe era antivacina e que contraíra a doença de propósito.
O caso é emblemático e serve para mostrar o quão perigoso e insano é negar a Ciência em tempos de pandemia. Nossa reportagem de capa, nas páginas 4 e 5, vai na direção contrária. Luz sobre as trevas. Em entrevistas exclusivas, os virologistas Clarissa Damaso, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (UFRJ), e Miguel Castanho, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, mostram a importância da vacinação para conter o contágio da variante ômicron, já considerada pela Organização Mundial da Saúde a dominante no mundo na pandemia da covid-19. A brasileira Clarissa e o português Miguel se preocupam com o vertiginoso aumento de casos em seus países — o Brasil registrou 205.310 novos casos entre os dias 18 e 19 de janeiro — e argumentam que a maioria dos pacientes internados pela doença é composta por pessoas não vacinadas ou com a imunização incompleta. Mais uma vez reafirmamos aqui, a propósito, a legitimidade do pleito de que, em um retorno presencial às atividades, a UFRJ exija o passaporte vacinal.
É a Ciência, mais uma vez, mostrando o caminho, apesar dos pesares. Menosprezada e atacada pelo (des)governo Jair Bolsonaro, ela resiste a duras penas. Duas reportagens nesta edição mostram os reflexos perversos das investidas destruidoras do presidente negacionista. Na página 6, o tema é a fuga de jovens doutores brasileiros para o exterior, movimento detectado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e debatido na semana passada em simpósio promovido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). É triste e real: nossos jovens talentos estão migrando para o exterior, diante da falta de perspectivas para seguir a carreira no Brasil. E, na página 7, abordamos as tentativas de desmonte de uma das mais importantes instituições da República: o Arquivo Nacional.
Resistir é preciso, em todos os campos. Nossa reportagem da página 8 evidencia como a interação entre diversos campos do conhecimento pode gerar soluções criativas para o aprendizado. Equipes da Coppe, do Instituto de Ciências Biomédicas e da Escola de Belas Artes da UFRJ se uniram para criar o Screener, um jogo de tabuleiro que vem sendo usado nos cursos de pós-graduação de Farmacologia e Química Medicinal para ajudar a explicar o intrincado processo de desenvolvimento de novos fármacos. Por fim, nossa matéria da página 3 mostra como foram os atos do dia 18 de janeiro, o pontapé inicial em 2022 da mobilização dos servidores públicos federais contra os desmandos do Palácio do Planalto. É só o início, e que ninguém duvide: vai ter luta!
Boa leitura!

WhatsApp Image 2022 01 21 at 19.24.55O mundo enfrenta uma nova tsunami da covid-19. O maremoto, desta vez, é provocado pela ômicron, variante que já é a dominante no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde. No Brasil, as taxas de novos casos seguem em franca expansão e só devem atingir o pico em meados de fevereiro, segundo estimativas iniciais. Nesta semana, o país registrou o maior número de novos casos em 24 horas desde o início da pandemia, há quase dois anos. Foram 205 mil do dia 18 para o dia 19 de janeiro. Um aumento de mais de 500% na média móvel dos últimos 14 dias. Apesar dos dados preocupantes, há alentos no horizonte. As hospitalizações e óbitos não explodiram na proporção vista em outras fases da pandemia. “A maioria dos internados no momento está com esquema incompleto ou é de pessoas não vacinadas. Então, viva a Ciência!”, afirma virologista Clarissa Damaso, professora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF-UFRJ). Ela é uma das entrevistadas pelo Jornal da AdUFRJ para falar da evolução e da eficácia das vacinas. Chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Vírus do IBCCF, a docente alerta sobre o risco de não se completar o esquema vacinal contra a covid-19. “Pior que baixa cobertura vacinal, é uma cobertura vacinal parcial. Isso é mais perigoso. A chance de uma variante escapar da vacina é muito maior quando se tem uma imunização incompleta”.
O segundo entrevistado é o professor português Miguel Castanho, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. A exemplo das terras tupiniquins, Portugal também vive um repentino aumento de pessoas infectadas, cerca de 3% de sua população, neste momento. O país ibérico tem 10,31 milhões de habitantes, dos quais 90% estão completamente imunizados contra a covid-19. “A vacinação tem protegido contra mortes. Temos agora um pequeno aumento do número de vítimas fatais, infelizmente, mas não tem comparação proporcional com o aumento do número de casos”, afirma Castanho. O pesquisador do Instituto de Medicina Molecular (IMM), no entanto, defende a fabricação de uma nova geração de imunizantes contra a doença. “Acho que já estamos atrasados no desenvolvimento de novas vacinas. Elas foram criadas para a primeira variante, que surgiu em Wuhan (China). O ideal era que as doses de reforço já fossem dadas com vacinas adaptadas às variações”, sugere. O docente já foi professor visitante do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ e desenvolve fármacos contra vírus. Confira as entrevistas.

ENTREVISTA I Clarissa Damaso
Virologista, chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Vírus e docente do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho

“A vacina está protegendo da ômicron”

Docente da UFRJ defende que imunizantes têm se mostrado eficazes no combate a casos graves e hospitalizações da nova variante da covid-19

WhatsApp Image 2022 01 21 at 19.23.31Jornal da AdUFRJ - Há semelhanças e diferenças entre os vírus da gripe e da covid-19?
Clarissa Damaso - São vírus bem diferentes. O que eles têm em comum é forma de transmissão, que acontece por via respiratória. Há padrões muito parecidos sobre como se evitar o contágio, como uso de máscaras, higienização frequente das mãos, distanciamento social. De resto, eles são bem diferentes. A biologia dos vírus é bem diferente em si. Se houve algum descuido do uso de máscara, por exemplo, você pode pegar um, outro, ambos ou outros mais de 300 vírus também transmissíveis por vias respiratórias.

A cada ano temos novas vacinas contra a gripe, para combater as cepas mais circulantes. O mesmo poderá acontecer com as vacinas contra a covid-19?
A vacina contra a gripe está muito bem estabelecida, mas ainda não é a vacina com maior eficácia, quando comparada com outras que nos protegem de outros vírus. Ela tem em torno de 80% de eficácia e o alvo dela é proteger contra casos graves, hospitalizações, pneumonia. E isso ela faz muito bem. É a melhor que a gente tem, mas não é a ideal, já que não protege por mais tempo e não oferece uma proteção mais robusta. A proteção vacinal da gripe cai após seis meses da aplicação. Não é uma surpresa, essa proteção não perene já foi vista em relação a outros vírus respiratórios e é um dos motivos pelos quais precisamos de campanhas anuais. Outra questão é que o vírus da gripe muta com muita velocidade. A cada vez que ele se reproduz no nosso organismo podem acontecer erros de replicação gerando variantes diferentes. Comparar com o SARS-CoV-2 é complicado porque o vírus da gripe muta muito mais, numa velocidade muito maior. O que está acontecendo com o SARS-CoV-2 é que há muita gente infectada, temos alta circulação do vírus. Essa alta taxa de infecção e circulação propicia mais erros e alterações no genoma viral. Imagina um grupo enorme de pessoas numa casa com apenas um banheiro para se arrumar: as chances de saírem mal arrumadas, com maquiagem borrada, é muito maior. Mal comparando, é o mesmo que acontece quando há essa alta taxa de circulação do vírus. As chances de falhas nessas replicações acontecerem, num cenário de altíssimo contágio, é muito maior. E isso dá origem a novas variantes.

Então a vacina da covid-19 não precisaria ser revisada?
Até o momento, as vacinas estão protegendo a população, com maior ou menor eficácia. A ômicron é um “teste ao vivo”. A vacina está protegendo da ômicron, está freando a gravidade da ômicron. Isso é bastante claro. A maioria dos internados no momento está com esquema incompleto ou são pessoas não vacinadas. Então, viva a Ciência! No momento, a gente precisa esperar para verificar se surgirão outras variantes que escapem da vacina, principalmente em relação a casos graves e mortes.

Chegará o momento em que o SARS-CoV-2 vai parar de se modificar?
A gente acredita desde o início que esse vírus entraria em equilíbrio com os seres humanos, como aconteceu com os outros coronavírus endêmicos, causadores do resfriado comum. Acredita-se que, em algum momento da história, da evolução, eles podem ter também gerado uma doença mais grave. Mas isso a gente não tem certeza, é uma hipótese. Há um número máximo de mutações que o genoma viral pode suportar. Quando se começa a mutar muito, há perdas do que chamamos de fitness do vírus, então a adaptabilidade dele começa a ficar reduzida, o que põe em risco sua existência. No SARS-CoV-2, o maior número de mutações se concentra no gene da Proteína S (que faz a ligação com a célula humana). Quanto mais hospedeiros saudáveis o vírus conseguir infectar, mais capacidade terá de se propagar, porque as pessoas vão continuar saindo e espalhando o vírus. Então, a gente acredita que haverá esse ponto de equilíbrio em algum momento. A outra face dessa redução de modificações é o aumento da cobertura vacinal no mundo. Quanto mais gente vacinada, menor a circulação do vírus. E uma ressalva: essa não é uma doença do Rio de Janeiro, que tem 90% de vacinados. É uma doença global, é preciso alta cobertura vacinal mundial.

Países com cobertura muito baixa podem se tornar celeiros de novas variantes?
Sim, e não por culpa dos países ou de suas populações, mas por culpa do mundo. Pior que baixa cobertura vacinal é uma cobertura vacinal parcial. Isso é mais perigoso. A chance de uma variante escapar da vacina é muito maior quando se tem uma imunização incompleta. Por isso é tão importante completar o esquema vacinal.

A senhora comentou sobre vacinas para outros vírus que são muito mais eficazes. Por que algumas são eficientes e outras precisam de constante revisão?
Depende das características do vírus a ser combatido. A gente usa a vacina da febre amarela, por exemplo, desde 1938. A mesma vacina. Cada vírus tem sua peculiaridade, tanto de replicação, quanto se ele varia muito ou pouco. A vacina contra o sarampo existe desde a década de 1960 e o vírus do sarampo é o mesmo. Ele muta, mas não escapa da vacina. Dentro de uma proteína de um vírus existem regiões específicas que são alvos majoritários dos anticorpos gerados pelas vacinas. No vírus do sarampo, são cinco principais regiões que são alvos desses anticorpos. O vírus não muta nessas regiões e, portanto, não escapa da vacina, porque essas regiões são cruciais para sua replicação no homem. Se mutar, ele até escaparia do imunizante, mas não teria sucesso replicativo. Isso é muito particular, cada vírus tem um sistema. O do SARS-CoV-2 ainda está sendo conhecido.

A vacina da covid-19 é então confiável, apesar da velocidade do desenvolvimento do imunizante?
A resposta da Ciência foi muito rápida, mas há muitos fatores para isso. A tecnologia já vinha sendo estudada há muito tempo, houve muito dinheiro envolvido, uma dedicação fenomenal de pesquisadores que trabalharam – e ainda estão trabalhando – em turnos de 12hx12h. Os testes clínicos são muito caros. É preciso fazer o estudo, o experimento, esperar os resultados, então dar início a uma próxima fase. Mas com o dinheiro investido em todas as fases, esse processo foi acelerado. Outro fator é que estávamos em plena pandemia, com muitas pessoas infectadas, alta circulação do vírus. Para testar se uma vacina funciona ou não, a gente depende do vírus circulando. Por exemplo, a poliomielite não existe mais no Brasil (porque ainda vacinamos). Mas se quiséssemos criar uma nova vacina hoje, como faríamos, se não há exposição ao vírus? Sem exposição ao vírus, não há como fazer testes. É um outro ambiente. Patógenos de alta circulação gerando doenças levam a um cenário de testes muito mais facilitado. É mais fácil saber se a vacina protege ou não. Portanto, houve uma conjuntura de fatores favoráveis à vacina e um investimento anterior para que essas vacinas pudessem prosseguir agora. O estudo de vacinas usando o mRNA (RNA mensageiro) já estava em andamento, já se sabia que essa tecnologia funcionava. Hoje sabemos que as vacinas são seguras e funcionam.

ENTREVISTA I Miguel Castanho
Professor de Bioquímica da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e pesquisador do Instituto de Medicina Molecular (IMM)

“Já estamos atrasados”

Especialista em desenvolvimento de fármacos para vírus, professor fala sobre a segunda geração de imunizantes contra a covid-19

WhatsApp Image 2022 01 21 at 19.23.30Jornal da AdUFRJ - Como está a situação da covid-19 em Portugal?
Miguel Castanho – Estamos no inverno. Vírus respiratórios, como a gripe e o próprio SARS-CoV-2, são sazonais e já há tipicamente esse aumento nesta época do ano. Essas condições têm levado a um aumento acentuado da covid-19 em Portugal. Cerca de 3% da população está infectada nesse momento.

Esse novo aumento de casos tem levado a hospitais lotados e mortes, como em outras fases da pandemia?
Estamos com cerca de 95% dos indivíduos vacináveis imunizados e acima dos 90% da população total. Portanto, essa crise no número de novos infectados não tem se traduzido num proporcional aumento de casos de cuidados intensivos e número de mortes.

O senhor observa que a vacinação está salvando vidas, então.
A vacinação tem protegido contra mortes. Temos agora um pequeno aumento do número de vítimas mortais, infelizmente, mas não tem comparação proporcional com o aumento do número de casos. Eu diria que há um duplo fator. Por um lado, a vacinação. Por outro, o fato de a ômicron ter se demonstrado menos perigosa.

A ômicron é mais uma de muitas variantes que se espalharam depois que o SARS-CoV-2 foi descoberto. Estamos diante de um vírus altamente adaptável?
Eu creio que sim. Os vírus com material genético de RNA são menos estáveis, portanto muito passíveis de alterações ou mutações. Grande parte dessas alterações se dá na proteína S, que é o domínio que faz a ligação com as células humanas. O vírus tem demonstrado uma capacidade de adaptação surpreendente, sobretudo considerando que a área de interação da proteína S com as células humanas é pequena, logo com menos capacidade de acomodar mudanças. É claro que se trata de um vírus que chegou há pouco tempo aos humanos e, como sempre acontece, a margem para adaptações é muito grande até uma interação otimizada. O mais provável é que a gente veja essa velocidade de transformação diminuindo, com um aparecimento mais espaçado de novas variantes.

O trabalho de monitorar o vírus, então, não pode parar.
Precisaremos ter observatórios de acompanhamento do SARS-CoV-2 como temos para a gripe. A Espanha já informou que vai constituir um observatório de acompanhamento, o que deverá ser seguido por outros países. E, eventualmente, a OMS também poderá montar um sistema de acompanhamento para o mundo.

Com essa velocidade de adaptação, novas vacinas já deveriam ter sido desenvolvidas?
Acho que já estamos atrasados no desenvolvimento de novas gerações de vacinas. Elas foram criadas para a primeira variante, que surgiu em Wuhan (China). Outras variantes, surgidas em diversos países, já apareceram depois do desenvolvimento da vacina. Todas essas variações foram ocorrendo ao longo do tempo, com alterações na estrutura da própria proteína S, na qual se baseiam os imunizantes. Esse debate deveria ter acontecido antes das doses de reforço. O ideal era que as doses de reforço já fossem dadas com vacinas adaptadas às variações.

O fato de termos uma vacina focada ainda no vírus original pode explicar por que grande parte de pessoas vacinadas com duas ou três doses desenvolvem sintomas da doença, quando são infectadas?
Quando se desenvolvem vacinas ou medicamentos tentamos prever com precisão o seu efeito principal, local de atuação principal e segurança toxicológica básica, mas não é possível prever tudo com detalhes. Por isso os testes clínicos são feitos por fases, são altamente escrutinados e são muito morosos. Ao redirecionar o desenvolvimento de vacinas inovadoras para o combate à covid-19, havia a esperança de que as vacinas fossem eficazes para bloquear o desenvolvimento da infeção viral, ou seja, a multiplicação do vírus no infectado, tão precocemente quanto possível. Um bloqueio muito precoce da multiplicação viral impede a progressão da doença no indivíduo e o torna menos infeccioso para outras pessoas. As vacinas atuais são muito eficazes para impedir a progressão da doença desde níveis moderados até formas mais graves, mas não tão eficazes a ponto de impedir que um infectado chegue a infectar outras pessoas. Daí termos muitos vacinados desenvolvendo sintomas e participando em cadeias de transmissão. Uma vacina atualizada para a variante ômicron provavelmente teria eficácia aumentada, quer no desenvolvimento de doença moderada, quer doença grave, mas não é garantido que chegasse ao ponto de impedir por completo que um infectado se torne parte de cadeias de transmissão.

Há uma cobertura vacinal muito desigual no mundo. É possível pensar em proteção global com tantas populações sem direito à imunização?
Existem zonas do mundo onde o vírus se multiplica mais ou menos livremente, porque há baixíssima cobertura vacinal, muito poucas pessoas imunizadas. E isso acontece nos países mais pobres. Então, a probabilidade de surgir novas variantes nesses locais é maior e, inclusive, variantes para as quais a eficácia da vacina será menor. As discrepâncias de vacinas em diferentes partes do globo são absurdas do ponto de vista humanista, mas também são irracionais do ponto de vista do combate global à pandemia. Não faz sentido não garantir acesso às vacinas às populações mais carentes do mundo.

Quebrar patentes seria a solução?
Acredito que não. Fabricar vacinas não é tão simples, tão trivial. Exige recursos, infraestrutura, fábricas especializadas. Praticamente todas as fábricas com capacidade de fabricar vacinas estão a fabricá-las neste momento. Creio que isso não mudará a oferta de vacinas. Além disso, há um custo de desenvolvimento intelectual que é muito grande. A proteção da ideia, do inventor, da instituição que desenvolve um fármaco ou vacina é muito grande. Ou seja, o sistema de patentes protege a todos, desde o inventor, empresas pequenas e intermediárias até as grandes empresas. Se quebrarmos as patentes, mas criarmos um sistema alternativo, tudo bem. As patentes podem não ser o melhor dos sistemas, mas simplesmente quebrá-las é destruir um sistema sem construir outro. Sequer haverá aumento substantivo na produção de vacinas. Se quebrarmos as patentes, quem vai investir na segunda geração de vacinas? Ninguém. O que é preciso é discutir mecanismos de distribuição das vacinas existentes sem colocar em xeque as garantias da inovação.

Toda essa velocidade de transmissão da ômicron pode indicar o fim da pandemia? Ou essa é uma análise muito precipitada?
Sabemos que a pandemia irá acabar, mas não sabemos nem quando, nem a dimensão do final da pandemia. O que podemos dizer é que vai ficar cada vez mais difícil para o vírus criar novas variantes que sejam ainda mais adaptáveis. A ômicron é altamente transmissível, fica difícil para o vírus criar novas variantes mais transmissíveis que a atual. Associado a isso, temos cerca de 20% da população de Portugal que têm ou já tiveram covid-19. Também há grande percentual de pessoas vacinadas. Logo, muita gente já está imune, o que torna mais difícil que apareça variante que tenha uma ação muito efetiva contra a população. Não podemos garantir que não vá existir uma nova variante com maior capacidade de espalhamento, mas à medida que o tempo passa, vai se tornando mais improvável que aconteça.

WhatsApp Image 2022 01 21 at 19.24.54 1Divulgação/AndesReajuste linear de 19,99%, revogação do teto de gastos públicos e arquivamento da proposta de reforma administrativa. Os dirigentes sindicais das principais entidades do funcionalismo federal protocolaram as reivindicações no Ministério da Economia, na terça-feira (18). A ação marcou o início da mobilização conjunta dos servidores em 2022.
“Estamos reivindicando um reajuste de 19,99%, que corresponde às perdas com a inflação apenas do período do governo Bolsonaro. Foi um dia importante, e agora estamos esperando que o governo nos chame para negociar”, explica David Lobão, coordenador geral do Sinasefe, que reúne trabalhadores da Educação Básica, Profissional e Tecnológica. Para Lobão, o balanço do dia 18 é positivo. “Janeiro é um mês de férias, e estamos no meio de um período de recrudescimento da pandemia, então já se esperava uma manifestação menor, feita por dirigentes sindicais”, avaliou.
Se o governo não sinalizar a negociação, já há um calendário de atividades decididas pelo Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe) para o primeiro trimestre do ano. “Não vamos esperar o governo de braços cruzados. Queremos fazer, dia 14 de fevereiro, no Brasil todo, a maior rodada de assembleias de bases dos servidores federais”, contou David. Segundo ele, uma plenária nacional dos servidores públicos federais será convocada para o dia 27 de janeiro.
“E vamos convocar um ato nacional em Brasília, no começo de fevereiro, para uma manifestação no STF, para que o Supremo declare inconstitucional o reajuste apenas para algumas categorias do serviço público”, explicou. Bolsonaro pretendia dar reajuste apenas para servidores da área de segurança, incluindo os policiais federais e os policiais rodoviários, mas diante do protesto das demais categorias, o presidente recuou.
“Se até o dia 14 de fevereiro o governo não iniciar um processo de negociação sério ou não atender as nossas reivindicações, nós começamos um segundo momento da campanha, que chamamos de estado de greve, até o dia 25 de fevereiro, com atos nos locais de trabalho e atos de rua nas capitais”, contou David. A ideia é buscar apoio na sociedade. Neste caso, sempre considerando o momento da pandemia. “Nós não somos negacionistas, confiamos na Ciência, então vamos ter cautela nesse momento”.
O terceiro momento da campanha seria uma greve unificada, prevista para ser deflagrada a partir de 9 de março.

GOVERNO DE RETROCESSO
Os atos da última terça contaram também com a participação do Fonacate, fórum que congrega as carreiras típicas de Estado, como os auditores fiscais. “Estamos tendo que enfrentar um governo que acabou com as mesas de negociação permanentes. Uma coisa nova para nós. É um retrocesso de 20 anos”, explicou Rudinei Marques, presidente do Fonacate. “O governo tem se especializado em atacar o funcionalismo”, concluiu. O dirigente explicou que a luta por recomposição salarial deveria ter sido feita desde o ano passado, mas ganhou prioridade o enfrentamento da proposta de reforma administrativa elaborada pelo governo, a Proposta de Emenda Constitucional 32.
Até o momento, os servidores estão vencendo esta batalha. “Terminamos 2021 com uma vitória contra a PEC 32, que perdeu forças, mas não está totalmente enterrada”, contou a professora Rivânia Moura, presidente do Andes. A dirigente ressaltou a unidade formada na luta contra a reforma administrativa, e a sua importância na campanha pela recomposição salarial. O desafio, para ela, é pensar a construção de uma greve, considerando a pandemia. “O principal é manter a nossa construção, nossa unidade e nossa luta, que foi vitoriosa em 2021, e que a gente possa apostar nesse grande instrumento para a luta dos trabalhadores e trabalhadoras no âmbito do serviço público no Brasil”, defendeu.

AVALIAÇÃO DA ADUFRJ
A professora Mayra Goulart, vice-presidente da AdUFRJ, considera o momento oportuno para a reivindicação dos reajustes salariais, diante do aprofundamento da pobreza, o que aumenta a pressão sobre o governo. “Segmentos da classe média começam a ser atingidos por essa sensação de vulnerabilidade. Isso aumenta a nossa chance de conseguir adesão, ou pelo menos solidariedade, de outras camadas, de outros segmentos sociais, não só dos servidores públicos”, explicou.
A mudança na política econômica do governo é outro ponto que pode ser explorado. “O governo deu sinalizações ambíguas em relação aos seus primeiros discursos de disciplina fiscal”. Mayra exaltou a união dos servidores, representada na articulação do Fonasefe e do Fonacate, mas afirmou ser necessário aumentar a rede de apoio às demandas do funcionalismo. “Temos que atrair o máximo de segmentos pra fazer um movimento articulado, mas mantendo a clareza nas nossas reivindicações: reajuste salarial em virtude das perdas inflacionárias”, ressaltou.
Mayra questionou a greve como instrumento de mobilização, especialmente na atual conjuntura, entre os professores. “Há outras possibilidades, como paralisações pontuais, ações nas redes e na rua. Formas que talvez sejam mais eficazes do que fechar a universidade. Quando a universidade está fechada, ela não serve como espaço de mobilização e luta. Eu acho que podemos ter mais resultado com ela aberta e os professores fazendo essa agitação”, explicou.
A docente também defendeu que o assunto seja amplamente discutido entre os colegas, em assembleia. “É do nosso interesse ouvir os professores, não só os sindicalizados, mas também os não sindicalizados, para saber o que eles pensam sobre este assunto. Cada docente tem que avaliar qual é o melhor instrumento para termos a nossa demanda atendida”.

imagem materiaMédicos e profissionais de enfermagem atendem doentes de coronavírus em hospital de campanha em Manaus - Foto: Ingrid Anne/Fotos PúblicasNas últimas semanas, a escalada de casos da variante ômicron reacendeu todos os alertas de especialistas em saúde pública comprometidos com a vida e com a Ciência. O Brasil agora se vê diante do desafio de enfrentar uma variante com uma capacidade de transmissão altíssima e que já é dominante no país. A questão central é como lidar com essa nova variante no meio de um apagão de dados do Ministério da Saúde e sob o risco de o país ficar sem testes para a detecção da doença (leia matéria abaixo), e com o número de casos e de internações pressionando o sistema de saúde.
Na quinta-feira (13), o Observatório Covid-19 Fiocruz divulgou uma nota técnica alertando para o aumento da ocupação de leitos de UTI no SUS. Segundo o documento, o estado de Pernambuco e as cidades de Recife, Fortaleza, Belo Horizonte e Goiânia já estão operando com mais de 80% dos leitos ocupados (o caso mais grave é de Goiânia, onde a ocupação chega a 94%). Segundo a nota, os estados do Pará, Tocantins, Piauí, Ceará, Bahia, Espírito Santo, Goiás e Distrito Federal estão na faixa considerada de alerta médio. No Rio de Janeiro, a ocupação é de 12%.
“Estamos vendo alguns sinais, vindos de alguns estados e capitais, que podem servir de alerta para o resto do país”, explicou o pesquisador da Fiocruz Christovam Barcellos, um dos coordenadores do Observatório Covid-19. Ele pegou o exemplo do Rio de Janeiro. A taxa de positividade no município aumentou de 13% para 44%, ou seja, a cada 100 pessoas que fizeram o teste, 44 foram diagnosticadas com a doença. Em apenas um dia, a última terça-feira (11), a cidade registrou 10.489 novas infecções, mais do que o que foi registrado durante todo o mês de dezembro. O número de testes para covid-19 também cresceu 199% na primeira semana de janeiro em comparação com a última de 2021, passando de 21.023 para 62.923 novos exames. “O Rio está com uma positividade muito grande. Mas, infelizmente, nós temos hoje acesso a poucos dados, como os de internação, de que precisaríamos para ter um quadro mais detalhado da pandemia”, alertou Christovam.
Em 10 de dezembro, o Ministério da Saúde sofreu ataque cibernético que deixou fora do ar os sistemas de informações de notificação de casos, internações e mortes, além dos dados de vacinação. Desde então, os dados de testagens, casos e mortes por covid-19 estão defasados na plataforma do ministério, ou não são confiáveis. “A falta de dados atrapalha o planejamento dos governos. Como decidir se vai haver Carnaval ou sobre a volta às aulas presenciais sem dados?”, questionou o pesquisador da Fiocruz. E em um cenário como o brasileiro, onde não há uma política coordenada de combate à pandemia, a falta de informações atrapalha também decisões individuais, observou Christovam. “Como a pessoa vai poder decidir se é seguro ou não ir ao médico, ou mandar o filho para a escola?”.

RISCO DE COLAPSO
DO SISTEMA DE SAÚDE
A variante ômicron pode ser o vírus de mais rápida propagação já registrado pela Medicina, e isso coloca no horizonte enormes desafios. Mesmo considerando a taxa satisfatória de vacinação brasileira e a aparente menor agressividade da cepa, o número de contaminados pode chegar a uma proporção que colapse o sistema de saúde. A previsão foi feita por cientistas que têm atuado com seriedade no combate à pandemia, como a médica intensivista e professora da USP Ludmila Hajjar, para quem o colapso é iminente. Até o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que tem apoiado o negacionismo do presidente Bolsonaro, admitiu em entrevista que a variante pode gerar “um novo impacto no sistema de saúde com a perspectiva de colapso e perdas de vidas”.
Para a professora da UFRJ Ligia Bahia, especialista em saúde pública, o sistema público no Rio de Janeiro está, até o momento, respondendo bem à pressão gerada pela ômicron. “O sistema está conseguindo testar, internar, não estamos mais vendo pessoas esperando por internações”, disse. Mas se for mantida essa escalada de novos casos, o cenário pode mudar. “Já estamos vendo o sistema privado colapsar, especialmente nas testagens. Então esse equilíbrio entre os sistemas público e privado pode ficar ameaçado”, explicou Ligia. Para ela, é fundamental fazer a vigilância genômica da pandemia, daí a importância dos testes. “É importante saber quais são os vírus que estão circulando. Então é preciso continuar testando e fazendo essa ação de vigilância genômica para saber quais vírus estão prevalentes”, explicou.

Especialistas alertam para desabastecimento de testes

Se um novo colapso do sistema de saúde parece iminente, a possibilidade de falta de testes assombra os estados. Os novos casos da covid-19 já ultrapassaram a marca dos 80 mil por dia no país e devem atingir seu ápice em fevereiro. A procura por testagem já é bem maior do que a oferta de insumos para os exames. O alerta foi dado nesta quarta-feira (12) pela Abramed, a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica.

Em nota técnica, a associação orienta a utilização “criteriosa de testes para evitar risco de redução de oferta de exames para detecção da covid-19”. Embora a entidade enfatize a importância da testagem para controle epidemiológico da doença, afirma que se “os estoques não forem recompostos rapidamente poderá ocorrer a falta de oferta de exames”, tanto de PCR, considerado padrão ouro, como de antígeno, que funciona por meio de reagentes.
“Quando avaliamos as notícias que vêm de outros países, de que eles já estão sem insumos, é certo que o problema chegará ao Brasil, não sendo possível mensurar nesse momento até quando poderemos atender, pois os estoques são variados dependendo do laboratório e da região, mas há um risco real de desabastecimento”, afirma a associação, na nota.
Na prática, o desabastecimento já começa a ser sentido em alguns lugares. Farmácias de São Paulo, por exemplo, registram falta de testes rápidos. No Rio de Janeiro, os testes – que antes podiam ser realizados na hora – agora só podem ser agendados num intervalo que varia de cinco a sete dias. Ainda assim, algumas unidades da rede de Drogarias Pacheco já alertam que há tipos de testagem em falta, como as que detectam infecção por covid-19 e influenza, além dos antígenos orais.

Trabalhadores da
saúde na UFRJ
Antes mesmo do alerta da Abramed, a UFRJ mudou sua política de testagem diante do expressivo aumento da procura por testes no Centro de Triagem e Diagnóstico (CTD). A reitoria da universidade emitiu nota, no dia 11, informando que a testagem “é prioritária para profissionais de saúde em atuação presencial”. A orientação é bem diferente daquela mantida pela instituição entre o final do ano passado e a primeira semana deste mês, quando os testes eram oferecidos para toda a comunidade acadêmica.
Agora, além dos profissionais de saúde, professores, estudantes e técnicos só poderão ser testados no CTD se estiverem em atividade presencial. “Na tentativa de evitar aglomerações e a disseminação do vírus, bem como garantir a segurança de todos, orientamos que, salvo os grupos acima especificados, a comunidade universitária realize a testagem para covid-19 próximo à sua residência”, continua a nota da reitoria.

Autoteste
No meio do caos, Ministério da Saúde e Anvisa são pressionados a normatizar o uso do autoteste, aquele que pode ser feito em casa pelo próprio indivíduo. A medida, segundo as autoridades, ajudaria a diminuir a pressão no sistema público e privado de diagnóstico.
“O autoteste é um complemento aos testes realizados profissionalmente, como o PCR, não é para substituir, mas com certeza é uma medida para facilitar a identificação imediata e isolamento dos casos, e isso tem impacto muito grande no controle da pandemia”, avaliou a epidemiologista Denise Garett, presidente do grupo Sabin Vaccine Institute, em entrevista à CNN nesta quinta-feira (13).
A Frente Nacional de Prefeitos e o consórcio de prefeitos Conectar enviaram pedidos formais ao Ministério da Saúde e à Anvisa para que farmácias e drogarias de todo o país sejam autorizadas a vender o autoteste. Uma resolução da Anvisa de 2015 proíbe esses exames para doenças com notificação obrigatória, como a covid-19. Mas a resolução pode ter exceções em caso de “políticas públicas e ações estratégicas”. Essas medidas precisariam ser instituídas pelo Ministério da Saúde e aprovadas pela agência. A Anvisa ainda aguarda um posicionamento do ministério para dar andamento ao processo.
A professora Leda Castilho, coordenadora do Laboratório de Engenharia de Cultivos Celulares da Coppe, desenvolveu no início da pandemia um teste sorológico para detecção de anticorpos, mais barato e preciso do que aqueles que existiam à época. Embora não seja o tipo de teste de que o país precisa neste momento, para detecção da doença ativa, a professora ilustra o quanto é importante o Brasil investir em tecnologias para testagem. “Para o nosso teste não está faltando insumo e não deve faltar, até porque o nosso principal insumo somos nós que produzimos, que é a proteína S”.

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