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WhatsApp Image 2022 03 25 at 23.11.10Após nove anos de congelamento, as bolsas da Capes e do CNPq atingiram, em 2022, o menor valor real em três décadas. Em 1995, um bolsista de doutorado ganhava R$ 1.073, o que correspondia a dez salários mínimos da época ou doze cestas básicas. Em 2013, o valor nominal chegou a R$ 2,2 mil, o que equivalia a quatro salários mínimos ou seis cestas básicas. De lá para cá, sem nenhum reajuste, ela vale hoje aproximadamente 1,8 salário mínimo e permite a compra de apenas três cestas básicas.
“A minha situação é bem ruim”, desabafa a estudante Larissa Inácio, que recebe bolsa de doutorado do CNPq, no Instituto de Física da UFRJ. Morando de aluguel, sozinha, a estudante conta com a ajuda mensal dos pais para continuar seus estudos. Ao mesmo tempo, Larissa estudante enfrenta questões de saúde agravadas pelas dificuldades financeiras. “A taxa de pessoas com problemas psicológicos na pós-graduação é tão alta que existe uma série de pesquisas a respeito”, explica. “Você tenta sobreviver e existe o estresse da Academia. Não ter o reajuste é um estresse a mais. Preciso de remédios que, só com a bolsa, não teria como pagar”.
A rotina da pós é, sob muitos aspectos, ainda mais pesada do que a da graduação. Os pós-graduandos não têm bilhete único universitário, como os colegas da graduação. O único “alívio” é o direito à refeição de R$ 2, no bandejão da UFRJ. Outro problema são os livros técnicos. “É impossível comprar um livro importado da minha área”, afirma Larissa. A estudante poderia utilizar a chamada “taxa de bancada”, exclusiva dos bolsistas CNPq, de R$ 394, e que só pode ser utilizada em apoio às atividades acadêmicas. Mas decidiu priorizar a aquisição de equipamentos de informática e a participação em congressos científicos com a verba. Por trabalhar em um projeto teórico, Larissa não precisa gastar com material de experimentos como os colegas de outras áreas. Mas os eventos cobram caro pela inscrição — para os padrões brasileiros —, mesmo realizados em meio remoto. “Na semana passada, paguei 25 libras, o que corresponde a R$ 200, com o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para um congresso online”, diz.WhatsApp Image 2022 03 25 at 23.59.38
Outro problema é que as agências de fomento exigem dedicação exclusiva à pesquisa - com poucas exceções, como a contratação como professor substituto, tarefa que Larissa assumirá a partir de abril. “Amo dar aula, mas eu deveria me dedicar, pela dinâmica da Academia, apenas à pesquisa no doutorado, o que se torna impossível”.
O cenário sombrio da pós se torna prova de resistência para os que ficam. Larissa conta que vários colegas já desistiram da vida acadêmica. Alguns, que terminam a graduação, se recusam a enfrentar um mestrado no qual vão receber — se conseguirem a bolsa — apenas R$ 1, 5 mil. “Como não somos tratados como profissionais da Educação, isso dificulta muito a negociação de um reajuste”, conclui.

OUTROS TEMPOS
Enquanto Larissa amarga o congelamento nos repasses da Capes e do CNPq, uma realidade bem diferente viveu seu orientador no Instituto de Física, o professor Felipe Rosa e ex-diretor da AdUFRJ. Em apenas quatro anos, de 2002 a 2006, o ex-bolsista do CNPq teve direito a dois aumentos no doutorado. “Assim que entrei, era de R$ 1.073. Dois anos depois, foi para R$ 1.267. E, nos últimos três meses, subiu para quase R$ 1.400”, disse.
“Para dar uma ideia da defasagem atual, lembro que eu cheguei a pegar a gasolina a R$ 1 o litro. Hoje, está mais de R$ 7. Quer dizer, enquanto a gasolina aumentou sete vezes, a bolsa que tive a maior parte do tempo não chegou a dobrar”, afirmou. “Eu também conseguia comprar livros técnicos. Claro, o dólar também estava bem mais favorável. Um livro de capa dura que eu comprei antes até de ser bolsista, no ano 2000, custou R$ 35. Hoje, a edição com capa mole, está US$ 35, o que dá R$ 175, fora o frete”.
Em 2005, Felipe também lecionou como professor substituto com grau de especialização e recebia R$ 770. “O que correspondia a 60% do valor da bolsa. Hoje, alguém com especialização ganha em torno de 25% a mais que a bolsa. E não é que o salário de professor tenha melhorado”, compara.
O baixo valor da bolsa e a falta de perspectiva depois da pós-graduação produzem um movimento de desistência da vida acadêmica entre alguns alunos do programa do instituto. Algo que Felipe percebeu antes mesmo da pandemia. “Desde 2017, muitos fazem o mestrado e mudam de área. E conheço dois casos de pessoas que interromperam o doutorado no meio e abriram mão da bolsa, porque arrumaram emprego. Na minha época, não me lembro de ter acontecido algo assim”, diz. “O valor da bolsa é muito ruim. A gente não consegue atrair praticamente ninguém que precisa se sustentar”, completa. “E quando termina a pós, você vai fazer o quê? Perspectiva de concurso não está boa. Há concursos para professor com mais de cem inscrições para duas ou três vagas”.

DESDE 2013, PERDA DE 67%
O subfinanciamento e seu impacto na pesquisa nacional foram denunciados em artigo da Folha de S. Paulo, assinado por representantes da área de Ciência e Educação, no último dia 15. Um deles, o presidente da SBPC, professor Renato Janine Ribeiro. “O clima da pós-graduação é muito ruim, porque o valor das bolsas despencou. Está apenas uma pequena proporção do que já foi”, disse à reportagem do Jornal da AdUFRJ. “É importante aumentar o valor dessas bolsas para que os nossos estudantes de mestrado e doutorado possam ter a dedicação exclusiva à pesquisa”, completou.
A Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento — que reúne SBPC, Academia Brasileira de Ciências, Andifes e o Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica, entre outras entidades — informou, no artigo da Folha, que a correção pela inflação acumulada desde 2013 (67%) deveria elevar a bolsa de doutorado a R$ 3.666. E indicou um reajuste de 25% agora e outro igual, no próximo ano, para a recomposição, ao menos, do valor de 2013.

QUEDA NA PROCURA PELA PÓS
WhatsApp Image 2022 03 25 at 23.58.28Diante de bolsas tão reduzidas e ausência de concursos, o desinteresse pela carreira acadêmica já pode ser constatado na queda da procura pelos programas stricto sensu de pós-graduação da UFRJ, nos últimos anos. O número, que atingiu 4.096 ingressantes em 2018, caiu para 3.975, em 2019; 3.816, em 2020; e 3.542, em 2021, de acordo com informações da Pró-reitoria de Pós-graduação e Pesquisa da maior federal do país.
A pró-reitora Denise Freire apoia inteiramente o pleito dos estudantes. “Os pós-graduandos são a força motriz do sistema nacional. São eles que ficam ali no dia a dia, tocando a pesquisa e gerando resultados para ter o desenvolvimento tecnológico”, diz. “A bolsa de mestrado é quase o valor que paga um estágio. Você perde a atratividade”.
A professora chama atenção para outra grave consequência da falta de apoio à Ciência, na UFRJ. Como os cursos são bastante exigentes, os alunos estão adoecendo. “É uma cobrança muito grande para uma bolsa muito baixa. Muito aquém do que a pessoa merece. Há um adoecimento assustador entre nossos alunos. Na primeira oportunidade, ele vai embora”, observa. “Tenho um aluno de pós que fez intercâmbio e recebeu quatro propostas para ficar no exterior. Como tem emprego aqui, na Embrapa, ele voltou. Se não estivesse empregado, ele voltaria?”, questiona.

EVASÃO DE 26% NA USP
Na outra ponta do sistema, um número expressivo mostra que a crise não é exclusividade da UFRJ. “O anuário da USP aponta uma evasão de 26% na pós-graduação entre 2018 e 2021. A evasão é uma das consequências do fato de que não existe um fomento para a formação de pesquisadores no Brasil. Sem aporte ou sem uma família que banque, a pessoa não consegue se manter”, afirma a presidente da Associação Nacional de Pós-graduandos e doutoranda de História Econômica na instituição paulista, Flávia Calé.
Mas ainda há esperança. “Temos feito uma campanha intensa de mobilização. Em outubro, fizemos um dia nacional de paralisação em defesa do reajuste das bolsas. Na mesma semana, a Fapemig, que é a Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais, reajustou as bolsas estaduais”, explica Flávia. “E, a partir dali, desencadeou um processo de aumento entre as fundações estaduais: Rio de Janeiro, Santa Catarina, Amazonas, várias agências. São Paulo, que tem uma política de reajuste permanente, tem uma bolsa de mestrado com valor maior (R$ 2.349,45) que a bolsa de doutorado nacional”.
Os pós-graduandos reivindicam, além do reajuste integral dos 67%, a universalização das bolsas para todos aqueles que desejam seguir carreira científica. “Não é só o valor congelado da bolsa. Quase dois terços dos pós-graduandos não têm acesso ao fomento. Ou seja, são trabalhos voluntários”, informa a dirigente estudantil.

RESPOSTA DO GOVERNO
O Ministério da Ciência e Tecnologia não respondeu aos questionamentos da reportagem, até o fechamento desta edição. Por nota, via assessoria de imprensa, a presidência da Capes disse reconhecer como “legítimo” o pleito dos pós-graduandos de aumentar os valores pagos pelas bolsas de estudos de mestrado, doutorado e pós-doutorado. “Ao tomar posse em abril de 2021, a presidente Cláudia Queda de Toledo determinou estudos de viabilidade e de compatibilidade orçamentária e financeira com o objetivo de aumentar os valores das bolsas. A Capes acredita que os esforços no sentido da concessão do reajuste produzirão os efeitos pretendidos, mas sempre levando em conta o contexto de responsabilidade fiscal e do melhor emprego dos recursos públicos existentes e disponíveis”.

ABAIXO-ASSINADO COBRA LIBERAÇÃO DOS RESULTADOS DA QUADRIENAL

Circula na plataforma “change.org” uma petição eletrônica em defesa da pós-graduação brasileira. Com mais de quatro mil assinaturas, o documento cobra a realização do atual processo de avaliação dos programas conforme modelo decidido pela comunidade acadêmica, além da publicação de seus respectivos resultados.
Em setembro do ano passado, a avaliação quadrienal da Capes foi suspensa por uma ação judicial movida pelo Ministério Público (MP). Os procuradores argumentam que há supostas irregularidades nos critérios de ranqueamento entre os programas. Em dezembro, a Justiça Federal determinou a retomada da avaliação, mas ainda não permitiu a divulgação final dos resultados. O processo ainda está em tramitação.
A petição eletrônica questiona a insistência do MP em engessar os procedimentos de avaliação, como fez na última audiência pública sobre o caso, no final de fevereiro.
Presidente da SBPC e ex-diretor de Avaliação da Capes entre 2004 e 2008, o professor Renato Janine Ribeiro considera que os procuradores do Ministério Público demonstram “pouco conhecimento” sobre o funcionamento da pós-graduação brasileira. “Esperamos que a Justiça reconheça a competência técnica e legal da Capes para fazer a avaliação”, afirma.

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