Fotos: Fernando SouzaCerca de 600 professores participaram da última assembleia da AdUFRJ, realizada no dia 10 de maio. Pouco mais de 60% votaram contra a greve por tempo indeterminado. O placar foi elástico: 364 contrários à greve, 234 a favor e 5 abstenções. Houve uma segunda votação: se os docentes, caso a greve não fosse aprovada, desejariam manter o estado de mobilização ou ingressar no estado de greve. Ganhou o estado de mobilização. Foram 278 votos contra 151. Houve, ainda, 53 abstenções, 121 votos brancos e dois nulos.
Os professores também votaram paralisar as atividades em 21 e 22 de maio. A AdUFRJ prepara uma programação especial para a data, com seminário sobre o futuro da universidade (veja ao lado).
O debate foi polarizado entre quem desejava a greve, principalmente pela infraestrutura dos campi – no dia 1º, uma marquise da Escola de Educação Física desabou e o prédio foi interditado, o que elevou a participação dos docentes da unidade – e os que entendiam que as negociações com o governo estão em curso e, portanto, não se justificaria a greve agora. Os docentes também se dividiam entre os favoráveis à votação em urna, escolhida pelas últimas gestões da AdUFRJ para conduzir decisões sobre greve, e à votação presencial sem quórum definido (que muitas vezes pode se traduzir em votações esvaziadas).
Titular do Instituto de Física, Nelson Braga criticou a proposta do governo (a única apresentada até aquele momento), mas rechaçou greve. “Devemos acompanhar as negociações e analisar a próxima proposta que vier”, defendeu. O governo voltou a se reunir com os professores no dia 15 de maio (veja AQUI).
Mariana Trotta, da Faculdade Nacional de Direito, argumentou que a greve é necessária ante um governo de frente ampla. “Não podemos ficar isolados”, disse.
“A AdUFRJ deve seguir as orientações do Andes, mas eu tenho dúvidas se vamos resolver a recomposição orçamentária pela greve”, ponderou Lise Sedrez, do Instituto de História. Para a docente, as questões estruturais são mais urgentes do que o reajuste.
Vice-presidente da regional do Andes no Rio, Cláudia Piccinini, da Faculdade de Educação, também criticou a proposta apresentada. “Zero não é negociação”. Ela defendeu a inclusão do orçamento nas negociações. “Sem discutir orçamento, a gente não vai ter melhores condições de trabalho”.
Titular da Coppe, Leda Castilho criticou as defesas da greve durante o processo de negociação salarial. “Parece uma greve com motivação política. Vejo a história se repetir com o mesmo pessoal do ‘fora todos’”, criticou a professora.Exposição de jornais sobre os problemas de infraestrutura da UFRJ
Foto: Fernando SouzaA um incauto pareceria advir um massacre. Em franca maioria no auditório Quinhentão do CCS, a oposição à atual diretoria da AdUFRJ dava mostras inequívocas de que venceria por larga margem a adesão da UFRJ à greve nacional dos docentes que já abarca 53 universidades públicas de todo o país. Mas isso se o formato de assembleia e votação seguissem à risca o modus operandi que há décadas vigora nas instâncias de decisão do Andes: crachás nas mãos e braços erguidos, decisão na hora, com qualquer quórum. Assim foram decididas as greves de 2012 e 2015 na UFRJ.
Mas greves passadas não movem moinhos. Há cinco gestões, o grupo que dirige a AdUFRJ se insurgiu contra o método Andes de decisão e ofereceu aos docentes a possibilidade de outras formas, mais democráticas, de participação, como o voto online e o voto em urna. Foram cinco vitórias em sequência nas eleições para a diretoria da seção sindical, uma demonstração de que o docente dito “comum”, não iniciado nas intrincadas veredas sindicais, optara por novos caminhos.
Assim, o que se observa em uma assembleia com algumas dezenas de participantes não necessariamente — ou, melhor dizer, raramente — se reflete nas votações finais. Ao incauto que assistiu à “votação” presencial na assembleia, com os docentes alinhados à oposição levantando suas cédulas de papel em adesão à greve nacional, restou ao fim daquela sexta-feira (10) a certeza de que o gesto, carregado de simbolismos, faz parte de um passado cada vez mais remoto na UFRJ.
Se, no ápice dos debates na assembleia, o Quinhentão abrigou pouco mais de 100 pessoas, as urnas registraram os votos de 607 docentes. E, por larga vantagem, venceu a posição de não adesão à greve neste momento. Foram 364 votos contra a greve, 234 a favor, cinco abstenções, dois brancos e dois nulos. Cumpre registrar que a proporção de votos — algo em torno de 60% x 40% — reproduz os resultados das últimas eleições para a diretoria da AdUFRJ.
Independentemente da votação final, a assembleia trouxe algumas reflexões sobre a campanha salarial em curso e, sobretudo, sobre a grave situação orçamentária por que passa a UFRJ. Algumas falas de docentes que defendiam a adesão à greve passaram ao largo de índices de reajustes e novos planos de carreira e tiveram como foco as péssimas condições de infraestrutura de algumas unidades, como a EEFD, o IFCS/IH ou a EBA. A narrativa de “duas universidades” sobressaiu dos debates, contrapondo as unidades em crise com a aparente normalidade de outras, como a Coppe e o CT.
Outra reflexão importante foi trazida pela professora Eleonora Ziller, ex-presidente da AdUFRJ, e abordou o sistema de votação, tão criticado pela oposição. Segundo ela, não é o voto em urna, o presencial ou o online que impedem ou aceleram a deflagração de uma greve, mas sim o grau de mobilização da categoria. Eleonora fez um apelo à busca de consensos, com a superação de dicotomias que, na visão dela, em nada contribuem para o avanço do movimento. São reflexões importantes que não perecem, por sua envergadura, no curto espaço de uma assembleia.
Desabamentos, infiltrações, redes elétricas antigas e ventiladores caindo do teto. Quase todo dia, um problema de infraestrutura da UFRJ repercute nos grupos de Whastsapp, nas redes sociais, em conversas de corredor e no noticiário. Mas não existe solução barata: levantamento do Escritório Técnico da Universidade (ETU) aponta que seriam necessários R$ 795,7 milhões para recuperar 77 prédios de toda a instituição.
O reitor Roberto Medronho, professor da Faculdade de Medicina, utilizou uma analogia médica para tratar do patrimônio imobiliário da universidade. “Temos pacientes graves, que precisam de intervenção imediata, e temos várias outras edificações que, se não receberem intervenção agora, vão evoluir para a forma mais grave “.
A administração central bate em todas as portas atrás de recursos. “Estamos indo em todos os ministérios, pedindo suplementação orçamentária. E também começamos a procurar o setor produtivo para fazer parcerias que nos ajudem a recuperar essas edificações. Só com o orçamento da universidade não dá para fazer absolutamente nada”, disse.
O valor total ultrapassa o dobro das receitas de custeio (R$ 388,3 milhões) da universidade para 2024. Somente a reabilitação dos problemas considerados graves representa 71% do montante (R$ 567,3 milhões).
E os números vão aumentar. O ETU avaliou apenas 52% das áreas construídas. Prédios com reconhecidos problemas de infraestrutura como a Escola de Educação Física e Desportos e o Centro de Ciências da Saúde ainda não passaram pela avaliação, denominada de REAB.
O professor Roberto Machado, diretor do ETU, espera que o REAB 2024 traga números mais completos sobre a situação da patrimonial da universidade. “Para o relatório de 2024, já recebemos os dados do Centro de Tecnologia e vamos ter também a avaliação de todas as unidades do Centro de Ciências da Saúde”.
O REAB estipula um índice de reabilitação (IR) que varia de 0 a 120, indicando o estado de conservação de cada imóvel e dando a base do cálculo para o custo da reforma. O índice soma as avaliações de conservação e desempenho de três grandes grupos: estruturas e coberturas; paredes e acabamentos internos e externos; e as instalações (elétrica, dados e voz, hidráulica, esgoto, climatização, entre outras).
O edifício Jorge Machado Moreira (JMM) — antigo prédio da reitoria — alcançou o IR de 83, o que significa que a reforma é estipulada em 83% do valor de construção de um prédio novo com as mesmas características. O imóvel, que é tombado, lidera os custos de reforma entre todos os avaliados até o momento. O gasto foi estipulado em R$ 191,7 milhões.
“Não existe orçamento para uma reforma global de todo o prédio. O IR do JMM não passa de 83% hoje porque estamos atacando as áreas mais críticas, que podem colocar em risco quem utiliza o edifício”, explicou Machado.
Além do JMM, mais oito prédios tombados figuram entre os que necessitam de uma reabilitação profunda. Entre eles, o Colégio Brasileiro de Altos Estudos (IR 80,9), o Instituto de Atenção à Saúde São Francisco de Assis (79), o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (71,3) e o Palácio Universitário (66,8).
Quando o IR ultrapassa o valor de 100, a edificação é considerada sem valor, uma vez que a reforma custaria mais que a demolição e a construção de um novo prédio. A Estação Conexão para o Futuro, um pequeno imóvel que já recebeu atividades do Instituto de Geociências, nos fundos do CCMN, foi a única construção a alcançar o número e teve a demolição recomendada pelo ETU. Mas não há dinheiro sequer para isso.
Christiano Ottoni, arquiteto do ETU que trabalhou na consolidação dos dados do REAB, reivindica a ampliação do estudo. “Essa avaliação precisa ser anual, porque o patrimônio a cada ano se deprecia. O que se avalia em 2023 em 2024 já está diferente. Precisamos aumentar a cobertura do trabalho. Essa tem que ser uma política institucional de gestão do patrimônio da UFRJ”, afirmou.
(colaborou Kelvin Melo)
Confira,a seguir, a situação de algumas das edificações avaliadas pelo REAB.
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Há limites para a participação política? Os sindicatos desejam ampliar a voz de seus representados? Essas e outras reflexões fizeram parte de um debate promovido pela Apub, sindicato dos docentes das instituições federais de ensino superior da Bahia. A professora Mayra Goulart, presidenta da AdUFRJ, foi uma das convidadas na terça-feira, 14.
A docente descreveu um pouco do que acontece no movimento docente da UFRJ e que se intensificou com as disputas sobre a adesão ou não à greve nacional capitaneada pelo Andes. “Temos uma oposição entre o velho e o novo sindicalismo. De um lado, um sindicalismo para sindicalistas, para aqueles que fazem ‘votos qualificados’, que se veem fazendo a ‘verdadeira luta’ e, portanto, merecem votar e participar do movimento docente”, disse. “De outro, um novo sindicalismo feito por e para docentes que não se acham mais meritórios do que outros por aguentarem assembleias de cinco horas”, ilustrou a dirigente.
Num cenário acirrado entre progressistas e a extrema direita se dá a atual greve da educação. “Nesse momento histórico, os professores da UFRJ acham que a greve não será pedagógica. Mas os professores só puderam expressar essa vontade por conta de um grupo político que está à frente da AdUFRJ desde 2015”, disse Mayra, lembrando da eleição da professora Tatiana Roque que acabou com a hegemonia do grupo que então conduzia a AdUFRJ por duas décadas. “Esse grupo do qual muito me orgulho em fazer parte quer renovar o sindicalismo, permitir que docentes que não se enxergam como sindicalistas possam participar politicamente das atividades”, defendeu.
Diretor da Apub e docente da Faculdade de Direito da UFBA, Ponciano de Carvalho defendeu a consulta pública como forma de decisão de uma categoria sobre a greve. “Quero dizer que estamos em greve. Acredito no processo político, que pode tecer uma nova teia cultural para que as decisões passem por consultas públicas. Na consulta, a decisão permanece com os professores”, afirmou.
Ele disse que as assembleias devem ter o plebiscito como forma complementar de deliberação. “A assembleia deve criar o enunciado de um plebiscito ou referendo. Não há oposição à lei de greve, porque os trabalhadores continuam decidindo”. O docente ainda questionou os contrários a deliberações fora de assembleia: “Por que pode haver uma assembleia híbrida e não pode haver uma assembleia que se estenda no tempo, que elabore um plebiscito? O caminho natural da mudança de cultura sobre deflagração ou cessação de uma greve passa por estender as decisões para todo o seu corpo docente. Temos que ter cuidado para não criar uma democracia apenas de pessoas mobilizadas, cuja decisão de greve acontece em espaços esvaziados”.
Cientista político da UFBA, o professor Wendel Cintra contou que a assembleia que deflagrou a greve naquela universidade contou com cerca de 5% do corpo docente da instituição. “Essa ideia de estar presente exclui uma grande parcela da decisão. Há uma restrição da participação política. Quem é refratário à consulta pública, tem que justificar por que quem está presente toma a melhor decisão”.
Renato Francisquini, também professor de Ciência Política da UFBA, explicou o que diferencia os grupos que atuam no movimento docente. Seriam as noções de civismo e plebeísmo. “O ideal cívico supõe a existência de certos laços profundos entre aqueles que são iguais. Já para o ideal plebeísta, a igualdade está vinculada a um direito, sustentada pela premissa de que uma pessoa, por estar obrigada a seguir as normas que são definidas por uma determinada comunidade, deve ter o direito de participar da agência coletiva que autoriza essas normas. São dois arranjos institucionais diferentes”, disse.
Levado ao extremo, o ideal cívico reduziria a participação nas decisões. “A soberania absoluta das assembleias vai de encontro ao ideal de cidadania democrática, porque exclui parte significativa dos colegas”.