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classroom 1910012 640Imagem de Wokandapix por PixabayA possibilidade de retorno das aulas presenciais nas escolas particulares do Rio de Janeiro ganhou os tribunais, desencadeou uma guerra de liminares e deixou crianças, famílias e profissionais de educação perdidos no centro de um tiroteio entre opiniões antagônicas. A sociedade de pediatria do Rio considera que é hora de debater a reabertura das escolas e alega que a longa quarentena gerou uma série de transtornos na saúde de meninas e meninos. Já pesquisadores e educadores da UFRJ compartilham da mesma posição do sindicato de professores: não é hora de voltar.
 “Nossa luta é contra o luto. É pela vida”, defende o professor Gustavo Henrique Cornélio,  diretor do Sinpro-Rio. O sindicato representa os professores da rede particular do município e moveu ação na justiça que resultou na proibição das aulas na cidade. “O dono quer a escola aberta para cobrar a mensalidade integral. É uma questão financeira, não de saúde”, argumenta Gustavo. “Queremos que o sindicato dos professores, o sindicato patronal e a sociedade discutam protocolos. Como serão feitos os testes para retorno das crianças? As escolas não estão querendo discutir isso”, critica.
No dia 14, a Fiocruz lançou um conjunto de indicadores necessários para a flexibilização do ensino remoto. Os pesquisadores recomendam que a reabertura das escolas deve estar baseada nos seguintes indicadores: transmissão comunitária menor que 1 caso novo por dia por cem mil habitantes; taxa de contágio menor que 1 por pelo menos 7 dias; 75% de leitos clínicos e de UTI livres; previsão de esgotamento de leitos de UTI superior a 57 dias; redução de 20% ou mais em número de óbitos e casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave, em relação a duas semanas anteriores; percentual inferior a 5% no número de testes positivos por amostras para Sars-Cov-2; capacidade para detectar, testar, isolar e monitorar pacientes/contactantes; que haja diagnóstico para pelo menos 80% dos casos no município ou território.
Apesar da estabilidade e da tendência de queda no número de mortes, o Rio de Janeiro ainda não alcançou os patamares recomendados pela Fiocruz. Segundo o Covidímetro da UFRJ, a taxa de transmissão da doença era de 1,12, na quarta-feira, 16. No mesmo dia, a Prefeitura do Rio divulgou números adicionais: 84% dos leitos de UTI na cidade ainda estão ocupados. Além disso, os leitos de enfermaria destinados ao tratamento da Covid-19 têm disponibilidade de 43%. Também não há testagem em massa, nem na cidade, nem no estado.

SOCIEDADE DE PEDIATRIA
Presidente da Sociedade de Pediatria do Rio de Janeiro (Soperj), a pediatra e epidemiologista Katia Nogueira considera importante debater a flexibilização, baseada em dados científicos. Ela ressalta que um desses dados fundamentais é a taxa de óbitos, que no Rio de Janeiro está com a média móvel caindo. “Sendo assim, acreditamos que este é o momento para falar em retorno. É preciso que se coloque as crianças no centro desse debate, elas foram esquecidas. O tema precisa ser tratado com prioridade”, afirma.
 “Há uma ameaça real à vida e um luto que muitas vezes não pode ser vivido, o que gera uma violenta pressão de adaptação a esta realidade. Temos muitas crianças com depressão e ansiedade geradas pela pandemia e pelo confinamento”, revela o psiquiatra Roberto Santoro Almeida, coordenador do GT de Saúde Mental da Sociedade Brasileira de Pediatria e chefe do serviço de Saúde Mental do Hospital Municipal Jesus.
Especialista em saúde mental de crianças e adolescentes, Almeida é favorável à ampliação do debate sobre a reabertura das escolas. E considera que o ponto fundamental não é a aula. “Não se pode fazer pressão acadêmica nos estudantes esse ano. Já há muitas pressões pelas quais estão passando. O ponto central do retorno à escola é o pequeno aumento da liberdade dentro de tantas restrições”, avalia. “Acompanho crianças que ficaram eufóricas esperando voltar à escola na segunda e foram terrivelmente frustradas quando souberam que não iriam mais. A escola faz falta”.
Ele considera que grande parte da instabilidade em torno do assunto se deva a uma polarização de opiniões não embasadas em análises multidisciplinares. “Crianças e adolescentes precisam de contato com seus pares para se desenvolverem. Essas medidas jurídicas geraram uma interferência muito grande na vida das pessoas. Virou uma guerra que traz como consequência ansiedade, frustração”, acredita o especialista. O psiquiatra sugere que pais devam estar em sintonia com as escolas e com os pediatras de seus filhos. “Os pais não devem estar em pânico. Se tiver dúvidas em relação a condutas, procure seu médico. O pediatra é quem conhece a criança e poderá melhor orientar diante de tantas incertezas”.
Para a Sociedade de Pediatria, sobretudo as crianças e adolescentes mais pobres correm mais riscos em casa do que na escola, mesmo que a pandemia ainda não tenha acabado. “Temos aumento da violência física, psicológica e sexual, desemprego e falta de acesso das famílias à renda e alimentação. Segundo a organização não governamental World Vision, houve aumento de até 37% de crianças e adolescentes entre 2 e 17 anos vítimas de todo tipo de violência nos primeiros meses de pandemia”, afirma Katia Nogueira, que é também professora de Pediatria da UERJ. “A escola vai além da formação pedagógica, ela reforça valores, funciona como proteção”, continua a professora Katia. “Já temos crianças menores que regrediram na fala. Há aumento na obesidade infantil. Atendemos casos de crianças que ganharam até 15kg em cinco meses”, elenca.

COMO APRENDER
E ENSINAR COM MEDO?
 “Abrir as escolas é uma atitude leviana e criminosa”, acusa a professora Daniela Patti, da Faculdade de Educação da UFRJ. “O estado do Rio de Janeiro tem mais de 3,5 milhões de crianças e jovens matriculados em escolas públicas e privadas. São mais pessoas do que a população de muitos estados brasileiros”, argumenta. “A reabertura implica em colocar os estudantes fluminenses, suas famílias, profissionais de educação e toda a comunidade em risco”.
“Como aprender e ensinar com medo? Como manejar e controlar as manifestações de afeto, as trocas de abraços, merendas, contatos físicos, entre crianças e jovens, sobretudo as menores?”, questiona. “Repudiamos a nota da Sociedade de Pediatria do Rio de Janeiro, ao afirmar que as escolas precisam ter coragem para uma imediata abertura e que devem ter uma liderança criativa e corajosa, com apoio dos pais e governo”, critica a professora.
Diretora do Colégio de Aplicação da UFRJ, a professora Maria de Fátima Galvão também discorda do retorno. “Enquanto não tivermos um consenso da comunidade científica sobre a segurança do retorno presencial, continuaremos em ensino remoto. A volta presencial não é prudente, embora entendamos todas as questões envolvidas na reabertura das escolas, como famílias que retornaram ao trabalho e não têm com quem deixar suas crianças, por exemplo, mas nós temos responsabilidade em preservar a vida”, argumenta.
A escola discute, no âmbito do GT Pós-Pandemia da universidade, que tem também um grupo correspondente no CAp, os protocolos que precisarão ser desenvolvidos e aplicados quando o retorno for indicado e seguro. “Mas, hoje, não vemos como fazer isso. Mesmo tomando todas as precauções, não há como garantir que crianças sigam protocolos de segurança e distanciamento. Como negar um abraço a um pequenininho que não nos vê há meses? Eles precisam de afeto, de contato no desenvolvimento. A escola, para eles, é socialização e esta função fica completamente comprometida com um distanciamento de dois metros”.
“Cabe o questionamento em relação à diferença de tempo de reabertura das escolas particulares para as escolas públicas”, complementa a professora Silvina Fernández, especialista em Prática de Administração Educacional e Planejamento e Avaliação dos Sistemas Educacionais, da Faculdade de Educação. “Seria de alguma forma uma preocupação pelo acesso à educação? Se assim for, por que quem paga terá acesso primeiro? Se for por uma questão sanitária, de as escolas privadas terem mais condições de garantir os protocolos, cabe questionar por que as escolas públicas não teriam essa capacidade garantida pelo próprio Estado”, aponta a docente.
Para a professora Carmen Gabriel, diretora do Complexo de Formação de Professores da UFRJ, a abertura neste momento também é precipitada. “Cada país está tratando este assunto de uma forma, mas, em todos, a pressão econômica é muito forte pela reabertura”, considera. Ela reconhece que muitas crianças perderam seu único espaço de socialização e, até mesmo, o espaço que lhes dava segurança. “Realmente a escola não é só espaço de produção de conhecimento, mas de sobrevivência para muitas crianças. É preciso tratar o assunto com um olhar multidisciplinar. Não pode ser uma questão meramente de opinião. No campo educacional, estamos discutindo profundamente este assunto, levando todos aspectos em consideração, mas, principalmente, a vida”, pondera.

GUERRA DE LIMINARES
A rede privada do estado está autorizada a voltar, mas, na cidade, uma decisão do Tribunal de Justiça, proferida em agosto – e reforçada na última terça-feira (15) –, impede a reabertura. A Procuradoria Geral do Município recorreu ao Supremo Tribunal Federal e aguarda decisão.
O Sindicato das Escolas Particulares foi procurado, mas não indicou um representante para falar com a reportagem até o fechamento da matéria.

WhatsApp Image 2020 09 21 at 14.02.591A taxa de mortalidade pela Covid-19 no município do Rio é a maior do mundo: 149,9 por 100 mil habitantes. Para se ter uma ideia do desastre carioca, a república de San Marino, na Europa, ocupa o segundo lugar do triste ranking com 124,3 mortes por 100 mil habitantes. E o Peru fica em terceiro: 93,71, de acordo com dados do dia 10. “É impressionante o que aconteceu aqui”, afirmou o coordenador do GT Coronavírus da UFRJ, professor Roberto Medronho, durante o Tamo Junto do dia 11. O encontro virtual organizado pela AdUFRJ todas as sextas-feiras teve uma edição especial para discutir a situação epidemiológica da doença.
O médico contou que, logo no início da pandemia, em março, conversou com as autoridades municipais e protocolou que a atenção básica precisaria ser fortalecida. “O prefeito Crivella destruiu a atenção básica. Essa é uma das hipóteses que apontam para nós sermos campeões de mortalidade do mundo”, destacou.
“Precisaríamos ter atenção básica atendendo os pacientes, isolando os casos positivos e identificando precocemente os casos que evoluíram para forma grave, internando imediatamente”, disse. “Isso reduziria muito a letalidade. Não foi o que aconteceu. O que vimos foi esse caos e essa corrupção impressionante no nosso estado e também no município”, declarou.
Medronho informou que o Hospital Universitário passou por uma fase muito crítica. “No HU, era um horror. O paciente morria sendo transportado para o CTI”, lembrou. “Pacientes que chegavam de maca, vivos. Quando estavam na porta da emergência, o doente estava morto já. Então foi um caos total”, afirmou.
 Apesar da atual diminuição dos casos de Covid no hospital, outros casos altamente complexos voltaram descompensados. “A enfermaria não Covid bombou com pacientes muito graves, porque não estavam procurando atendimento e houve uma descompensação do quadro clínico. Agora, estamos vivendo talvez o que seria o pior dos dois mundos”, declarou. Enquanto os doentes sem o vírus estão nas enfermarias e nas emergências, os doentes de Covid-19 começaram a reaparecer no HU.
Ainda no Rio, uma particularidade da pandemia intriga Medronho. “A gente achava que, quando chegasse às favelas, seria um caos. Não foi”, disse. Uma das hipóteses é a possível reação cruzada com quatro coronavírus mais antigos que costumam circular na sociedade. “Naquele ambiente, os quatro já estão ali direto e é possível que a reação (a eles) tenha ajudado”, avaliou.
 
MORTALIDADE X LETALIDADE
WhatsApp Image 2020 09 21 at 14.02.592O professor citou o filósofo e também docente da UFRJ Fernando Santoro para explicar a diferença entre letalidade e mortalidade. “Letalidade é sobre a gravidade da doença. Mortalidade diz sobre o risco de a população morrer daquela doença”, definiu. A letalidade é calculada em óbitos divididos por casos da doença. Já o índice de mortalidade é medido pelos óbitos divididos por toda a população.No total do Brasil, mesmo sem testar tanto, a taxa de letalidade não é muito alta.
 “A nossa é 3,1%, semelhante à dos Estados Unidos, que é 3,2%, e menor do que a Grã-Bretanha (12%) e Itália, com 11%”, esclareceu o professor. “No Sudão, está uma desgraça. Em guerra civil e com 28,9% de letalidade, ou seja, quase um terço dos pacientes de Covid vai a óbito”, lamentou.
Dentro do Brasil, a letalidade no Sudeste é a maior. E a do estado do Rio de Janeiro é maior ainda. Na evolução dos casos até o dia 5 de setembro, no estado fluminense, não houve uma segunda onda. “Nós tivemos o pico naquele final de abril, início de maio. Esse pico foi dramático, porque colapsou a rede hospitalar”, contou Medronho. “Os hospitais de campanha não foram contratados, houve a contratação de recém-formados muitas vezes sem nenhuma habilidade, e isso redundou numa elevada letalidade hospitalar”, lamentou o médico.
Outros estados, especialmente o Amazonas, também vivem uma situação dramática. “Quando a gente vê a incidência de casos sobre toda a população, o risco de adoecer, o Norte e o Centro-Oeste têm incidência maior”, afirmou.
Para Medronho, a elevada taxa de letalidade só não foi maior pela existência do Sistema Único de Saúde, o SUS. “Gratuito e aberto à população. Sem ele, teríamos um número de casos muito maior”, afirmou.
WhatsApp Image 2020 09 21 at 14.02.58Até a reunião do Tamo Junto, havia aproximadamente 28 milhões de casos de Covid-19 confirmados no mundo, mas o número é muito menor que o real em função da subnotificação, explicou o professor. “Vamos chegar rapidamente a um milhão de óbitos, que também está subenumerado”, afirmou — a Organização Mundial da Saúde informou 943 mil mortes pela pandemia, no dia 17.
Os Estados Unidos, o Brasil e a Argentina são os atuais epicentros da doença, mas a Índia aparece com números crescentes. “No nosso país, há uma tendência de queda de casos diários; nos Estados Unidos, também”, disse. “Na Índia, a coisa está explodindo e na Espanha já há uma segunda onda semelhante à primeira”, afirmou.
Na Europa, essa segunda onda está acontecendo em todos os países por conta do verão, no hemisfério norte. “A juventude que ficou confinada, com o verão está vivendo como se não houvesse amanhã, sem medo de ser feliz, aglomerando nas praias, nos ‘pubs’, nos restaurantes, nas festas”, explicou Medronho. “Bem parecido com os nossos jovens aqui e ainda nem chegamos ao verão”.

PANDEMIA
“A gente vai conviver com pandemias durante toda a nossa existência”, acredita Medronho. “São milhões de pessoas que cruzam as fronteiras no mundo inteiro. Isso, obviamente, é uma coisa fantástica, mas sem os devidos cuidados, sem a devida conscientização, nessa forma de exploração da natureza, do capitalismo selvagem e nessa acumulação absurda, é realmente insustentável”, explicou o médico. Em 2020, mesmo com a pandemia, o mundo teve quase cinco milhões de passageiros em tráfego aéreo. “Essa doença tem um perfil: mata preto e pobre. No Brasil, durante muitas semanas eram como quatro aviões caindo por dia e o pessoal na fila para viajar de avião nos aeroportos”, criticou.
Medronho mostrou um estudo que calcula a mobilização da população na rua a partir do uso de celulares. “Essa mobilização hoje está em torno de 60%. É igual à da pré-pandemia”, alertou.
Medronho afirmou que não há chance de vacinação em 2020. “Eu já botei meu calendário muito mais otimista em meados de junho do ano que vem”, contou. Ainda assim, as vacinas para a Covid-19 serão um recorde na Ciência. “Nunca tivemos tão rapidamente um processo de ensaio clínico de vacinas como esse. É recorde internacional”, disse. Antes dessa pandemia, a vacina produzida de forma mais rápida no mundo foi feita para tratar catapora. E demorou cinco anos, lembrou o professor. “Conviveremos com esse vírus, no mínimo, por dois anos. Mesmo quando a gente começar a vacinar, o acesso à vacina é demorado”, concluiu.

BATE-PAPO
Perguntas não faltaram para o convidado do Tamo Junto. O professor Nelson Braga, do Instituto de Física, questionou o médico sobre o isolamento social. “Vocês sempre defenderam essa questão do grande isolamento, talvez para baixar a curva por conta da capacidade hospitalar”, disse. “Agora você falou que o vírus dura dois anos. Ou seja, se a gente resolvesse aqui que todos os brasileiros vão ficar em casa cinco meses, o vírus não acabou?”, questionou. Medronho respondeu ao colega que não há evidência na história de que o isolamento debelou qualquer processo pandêmico de uma doença de transmissão respiratória. “A gente só está querendo que o vírus se dissemine mais lentamente, para os casos graves poderem ser absorvidos pelo sistema de saúde, e não morrer gente na fila da emergência”, afirmou.
 No caso do coronavírus, quanto maior o grau de confinamento, maior a probabilidade de que, quando se libere as pessoas, as que não estão infectadas encontrem com pessoas que estão, e isso gere uma segunda onda, como está ocorrendo na Europa. “Isso é um paradoxo também. Quanto mais eficaz (o isolamento), maior o número, se você tiver uma infecção depois”, afirmou o médico.
Cezar Augusto, professor da Faculdade de Farmácia e Chefe de Serviço da farmácia do Hospital Universitário, perguntou sobre o futuro dos medicamentos usados no tratamento da Covid-19. “Certamente produzimos muita coisa em tempo recorde nesses meses. Gostaria de saber se você vê algum fármaco ou algum candidato a fármaco com potencial de mudar alguma coisa no jogo, nos próximos meses ou até o próximo ano?”.
 Medronho contou que, numa revisão sistemática feita recentemente, foram analisados 3.262 mil artigos publicados na literatura médica sobre todos os tratamentos para a Covid-19. “Hidroxicloroquina, Renezivina, Conavir e Tonavir, corticoide, soroterapia, um monte de medicamentos e nenhum deles mostrou-se eficaz”, disse.
O professor citou relatos de casos fulminantes no Hospital Universitário pelo uso do medicamento Hidroxicloroquina. “A cloroquina pode trazer problemas graves de distúrbios da condução elétrica do coração, e o paciente morre”, contou.
“O vírus é uma coisa muito interessante. Alguns dizem que não é um ser vivo, outros dizem que é”, relatou. “É um material genético encoberto com glicoproteínas, isso que é um vírus. É tão simples que a gente não consegue entender”, afirmou.
 Medronho observou que pouquíssimas doenças virais conhecidas possuem tratamento concreto, objetivo e definitivo.
“Todas essas drogas testadas na fase pré-clínica, in vitro, foram absolutamente fantásticas. Quando vai para o ser humano, é outro departamento”, explicou. Isso se deve à complexidade do corpo humano e à relação do vírus com o hospedeiro. “A gente não sabe o que é que acontece”, afirmou. “Agora, teve caso de reinfecção e há casos que estamos vendo de reativação, quando o coronavírus, não sabemos bem o por quê, se esconde”, disse.  

HU SOLIDÁRIO
 “Eu chamei a Covid de doença da solidão”, contou o médico. “Quem entra para ser internado em qualquer hospital de Covid nunca mais vai ver a cara de ninguém, se morrer. Ninguém”, explicou. Mas uma iniciativa do Hospital Universitário minimizou esta situação.
A filha de Medronho, Renata, que está no último ano do curso de Medicina, participou de um projeto do HU para acompanhamento dos pacientes de Covid-19. “A Renata foi voluntária e trabalhou no CTI da Covid. Ela tomou conta de um funcionário do Instituto de Física, o Marçal”.
Professora do instituto, Thereza Paiva conhece o paciente. “Todo mundo sabe que a Renata acompanhou. Ela que mandava notícias para a gente do IF. Todo mundo superfeliz que ela estava lá e fez companhia para ele”, elogiou.
Medronho contou que Renata via como estava a evolução e ligava para a família para informar. “Ela ficou muito ligada à família do seu Marçal. No dia que ele teve alta, ela foi se despedir dele presencialmente e conhecer a filha e esposa”, lembrou. Para ele, esse projeto feito no Hospital Universitário não existe em nenhum lugar. “Esse cuidado de ligar todo dia, duas vezes por dia. Isso é UFRJ, é raro”, afirmou.

WhatsApp Image 2020 09 21 at 14.02.581

WhatsApp Image 2020 09 14 at 08.25.081Parte importante da experiência democrática brasileira, na UFRJ, está diretamente relacionada às suas entidades representativas. O resgate da história dos movimentos docente, discente, técnico e de terceirizados fez parte da programação do segundo dia de celebrações pelos 100 anos da UFRJ, na terça-feira (8). “Não teríamos essa universidade tão pujante, tão forte, com tanta possibilidade de construir um futuro melhor para o país, se nós não tivéssemos tido a participação coletiva e organizada dessas categorias”, avaliou Eleonora Ziller.
 A presidente da Adufrj falou sobre a atuação da associação na construção de um ambiente universitário democrático, a partir de 1979, para a eleição de reitores, para a construção da carreira e a luta conjunta com as demais entidades “por mais verbas” e depois pela Constituinte. Ela enfatizou conquistas-chave como: “o reconhecimento principalmente da Dedicação Exclusiva, do tempo para pesquisa, do fomento, das verbas, orçamentos e a autonomia que nos protege de ações explicitamente anticientíficas, ideológicas, de perseguição e controle do pensamento”.
Sobre os desafios atuais, Eleonora citou o financiamento público para a educação, ciência e tecnologia e as ameaças aos direitos dos servidores. “Tanto a lei de orçamento quanto a reforma administrativa podem nos jogar nos piores anos pré-década de 1980”, advertiu, no fim.
 Os estudantes deram boasvindas ao próximo centenário da UFRJ com um olho no futuro e outro no passado. Igor Alves Pinto, da Associação de Pó-graduandos (APG), destacou como o estrangulamento financeiro das universidades públicas pode impactar a produção de ciência e inovação no país. “Das dez patentes depositadas no Brasil [em 2018], seis foram de universidades federais, três de universidades estaduais, todas públicas. A única empresa que aparece na lista é a Petrobras, em quarto lugar”, observou.
Pelo DCE Mário Prata, Rafaela Correa considerou que o “movimento social da UFRJ não se limita à universidade” e “assume responsabilidades junto à sociedade”. “O DCE tem 90 anos dos 100 de UFRJ. Participamos da fundação da UNE, lutamos por autonomia, pela possibilidade de a comunidade acadêmica decidir seus rumos”, exemplificou. DCE e APG defenderam a remoção das homenagens prestadas pela UFRJ a figuras públicas da ditadura militar.
 O Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sintufrj) e a Associação dos Trabalhadores Terceirizados (Attufrj) saudaram o centenário da instituição e a cooperação entre todos os segmentos. “É importantíssimo o coletivismo entre as entidades. As outras categorias têm anos nesse centenário da universidade. A terceirização é um acontecimento de vinte anos”, disse Waldinéa Nascimento, representante dos terceirizados na mesa. “É fundamental para que, daqui a cem anos, nós também possamos dizer das nossas duras lutas, mas de conquistas também”.
 O Sintufrj exibiu um vídeo com relatos da rotina de apoio ao ensino e à pesquisa realizados por técnico-administrativos em laboratórios, bibliotecas, museus e afins. “Os TAEs constituem a identidade dessa universidade, um de seus pilares. E hoje são homenageados junto com ela, por toda a construção diária realizada nessa instituição magnífica que é a UFRJ”, registrou Noemi Andrade, depois da projeção do curta.
A mesa Uma história de luta e muitas mãos na construção dos 100 anos da UFRJ pode ser conferida no canal do Fórum de Ciência e Cultura no youtube https://bit.ly/2R5uz8l.

WhatsApp Image 2020 09 14 at 08.25.082Viva a UFRJ! O aniversário de 100 anos da primeira universidade federal do país, no dia 7, reservou aos convidados debates, mostras da produção acadêmica de cada Centro e campus avançado, homenagens e muita, muita música de qualidade.
Um concerto comemorativo da orquestra sinfônica da Escola de Música abriu os festejos. Durante 50 minutos, obras de mestres que passaram pela Casa encantaram a audiência. A gravação, que obedeceu aos cuidados sanitários exigidos em tempos de pandemia, no imponente Salão Leopoldo Miguez da Escola, tornou o conjunto da apresentação ainda mais bonito. E, entre uma canção e outra, um pouquinho da história do curso dava a dimensão do gigantesco “peso” da universidade também na Cultura.
“Nossa história é o seu futuro”, aliás, foi a frase escolhida para conduzir a celebração que durou dois dias. A reitora, professora Denise Pires de Carvalho, contemplou a trajetória de pioneirismo da maior universidade federal do Brasil sem se descolar do compromisso social com as questões do presente e do amanhã. Denise afirmou a relevância da ciência, arte e cultura. E defendeu o financiamento público para um país mais equânime. “As metas para a Educação devem ser minimamente alcançadas”, disse durante a transmissão ao vivo.
O tom político da mensagem da reitora foi claro. “É inconteste que as nações desenvolvidas dependem da presença de universidades que exerçam papel decisivo na finalidade de torná-las protagonistas de seu próprio destino”, afirmou, destacando ainda que “no mundo moderno, quanto maior é o número de universidades de pesquisa, mais pujante é o desenvolvimento socioeconômico do país”.
Em uma “rápida, mas intensa viagem” pela história da universidade – como a própria Denise descreveu – nomes como Anísio Teixeira, Eloisa Mano, José Leite Lopes, Carlos Chagas Filho, Alberto Coimbra, Josué de Castro, Edgard Roquette-Pinto, Conceição Evaristo, Marco Aurélio Mello foram homenageados. “Grandes intelectuais que se graduaram na nossa instituição”, registrou a magnífica.
Emocionada, a reitora fez referência a todos os níveis de produção de conhecimento da universidade: “de excelência, desde a educação infantil, até a pós-graduação, pesquisa e inovação”.  E exaltou a capilaridade social que a instituição assumiu ao longo dos anos, alcançando um amplo espectro de demandas da sociedade, desde a formação de professores com as licenciaturas até a sinergia com a indústria e a inovação.
O futuro, segundo a magnífica, também encontra a marca da UFRJ graças a um “ecossistema” favorável ao “fortalecimento de mais cursos de áreas de fronteira do conhecimento”, como a Nanotecnologia. “Neste ambiente diverso, intelectualmente muito rico, ocorreu o crescimento e desenvolvimento da UFRJ”, destacou Denise, “baseado na tradicional indissociabilidade entre as atividades de ensino, pesquisa e extensão”.
Ainda pela administração central, o vice-reitor Carlos Frederico Leão Rocha projetou uma UFRJ para os próximos “vinte, cinquenta ou cem anos”, elencando cinco pilares: manter-se como uma casa de conhecimento, manter-se sem tabus, manter-se inovadora (“como tem feito em relação à Covid-19”), manter-se comprometida com a democratização de seu acesso e manter-se livre e independente. “É independência ou morte”, finalizou com bom humor.

DOCUMENTÁRIO
WhatsApp Image 2020 09 14 at 08.25.083A projeção do documentário “Centenária: a Universidade do Brasil entre duas pandemias”, realizado pelo Fórum de Ciência e Cultura, foi outro ponto alto da programação. O curta de 18 minutos, disponível no Youtube, ganhou a narração da atriz Zezé Polessa.
Autoridades como o ministro da Educação, Milton Ribeiro, ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações, Marcos Pontes, presidente da Faperj, Jerson Lima Silva, presidente da Academia Brasileira de Ciência (ABC), Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), Marco Lucchesi, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu Moreira, presidente da Fundação Oswaldo Cruz, Nísia Trindade, enviaram vídeos prestando homenagens aos 100 anos da UFRJ. Assim como diversos reitores.
E houve mais música no final. A canção “Ciência e Arte”, composta por Cartola e Carlos Cachaça para a Mangueira, em 1947, fechou o evento. Interpretada por diversos artistas, ela diz no seu início: “Tu és meu Brasil em toda parte/Quer na ciência ou na arte/Portentoso e altaneiro”. O samba cita o físico César Lattes, que ganhou notoriedade no Brasil e no mundo pela co-identificação da partícula atômica mesón pi no mesmo ano. Mas parece que a homenagem foi escrita para a UFRJ.

NOTAS

Presidente da Fiocruz recebe título
O encerramento do segundo dia de comemorações do centenário ficou reservado para a entrega de títulos honoríficos da UFRJ aprovados pelo Conselho Universitário. Presidente da Fiocruz, Nísia Trindade foi uma das homenageadas. “Quanta emoção receber o título de Professora Honoris Causa desta Casa de Minerva, a deusa grega da ciência, das artes e dos ofícios”. A docente chamou atenção para o simbolismo da solenidade: ela, a primeira presidente da Fiocruz nos 120 anos da instituição recebendo o título da primeira reitora da UFRJ em seus 100 anos.

Noca, o mais novo Doutor Honoris Causa da UFRJ
WhatsApp Image 2020 09 14 at 08.25.084Noca da Portela, o baluarte do samba, recebeu o título de Doutor Honoris Causa. “Estou com os olhos cheios de lágrimas, mas feliz da vida. Muito obrigado de todo o coração”, disse o compositor. A sessão contou com outro Doutor Honoris Causa, Martinho da Vila: “A universidade homenageando você está homenageando o samba. Tenho certeza de que todos os sambistas se sentem um pouco homenageados junto com você”, disse.

Técnicos homenageados
A UFRJ promoveu uma homenagem especial a todos os servidores técnicos-administrativos na figura de dois representantes da categoria: Roseli Frochgarten, do Sistema Integrado de Bibliotecas; e Ivan Hidalgo, da Secretaria de Órgãos Colegiados. Ainda durante a festa virtual, o Sintufrj exibiu o vídeo “Retrato do Trabalho na UFRJ” com imagens, acompanhadas de depoimentos, de muitos servidores em seus variados ambientes de atuação.

WhatsApp Image 2020 09 14 at 08.25.101Qual é o papel da universidade na construção do futuro? Para a antropóloga Debora Diniz, professora da UnB, a universidade é o “lugar onde se produz a verdade”. A frase foi dita durante o debate “A universidade do futuro: a ciência e o mundo pós-pandemia”, promovido pela UFRJ nas comemorações do seu centenário. Debora exaltou o papel dos cientistas e sua valentia. Foi coerente quando perguntada sobre como a produção de verdades, que às vezes são tratadas como certezas eternas da ciência, pode ser valorizada sem se afastar do conhecimento produzido pelo povo. “A construção de verdade e o uso da categoria não significa transformá-la em dogma”, explicou a antropóloga. “O que fazemos nas universidades são construções de respostas transitórias a perguntas que batem à nossa porta como verdades da vida”.
O debate reuniu também o professor de Física da USP Paulo Artaxo, especialista em mudanças climáticas e Silvio Almeida, professor de direito da Mackenzie. Representando a UFRJ estavam a reitora e o vice-reitor, Denise Pires de Carvalho e Carlos Frederico Leão Rocha. A mesa foi mediada pela coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, Tatiana Roque.
O vice-reitor trouxe para o debate o avanço da automação e como ele vai influenciar a qualidade dos empregos oferecidos para as pessoas. “A automação tem impactos devastadores na vida econômica, com um potencial de destruição de postos de trabalho poucas vezes visto”, afirmou o professor, que apresentou um dado que estima que entre 30% e 40% dos postos de trabalho que existem hoje devem desaparecer graças ao uso de robôs. A outra consequência da automação é a piora na distribuição de renda. E o cenário é mais grave porque os robôs estão começando a realizar tarefas mais qualificadas.
Na avaliação da reitora, Denise Pires, a universidade está no centro da solução para esse cenário distópico. “As pessoas precisam entender o que nós pesquisadores estamos dizendo”, disse Denise, que é professora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho. “O que resolve esse problema é a informação, a educação e a metodologia científica disseminadas”, disse Denise.
O professor de Física da USP Paulo Artaxo também exaltou a importância da Ciência. “Esse retrocesso civilizatório que passamos hoje vai causar alguns danos, mas vai passar. E a força da pesquisa brasileira vai vencer”. Sem deixar de reconhecer os danos causados pela pandemia, Paulo explicou os graves efeitos provocados pelo aquecimento global que, segundo ele, terão consequências socioeconômicas mais devastadoras e duradouras.
O professor de Direito Silvio Almeida defendeu que a universidade pública tem papel central na procura por soluções para as graves crises política, econômica, jurídica e cultural que o Brasil se encontra. “O centro desse debate é o futuro da universidade, que é o futuro da sociedade”, afirmou Silvio.

Leia abaixo trecho da apresentação da professora Debora Diniz no debate

“Quero começar com meu imenso reconhecimento à magnífica reitora Denise Pires de Carvalho. Tenho um orgulho especial em saudá-la assim, no feminino, professora Denise. O tempo se conta para trás, se imagina para frente, e nessa dos 100 anos nós já somos o futuro de um passado em que mulheres não estariam em sua posição de saber e poder. Eu estendo a minha saudação aos que hoje celebram esse momento juntos, aqui.
Os 100 anos, eu preciso dizer, me angustiaram. Eu tenho metade deles, e sei tão pouco sobre o que antecedeu. Se sou grata ao passado, sou muito responsável, porque tenho o dever de cuidar, como professora, sobre quem nos sucederá nesse lugar de valentia. É disso que eu quero falar.
A universidade é o espaço de produção da palavra valente. É o lugar onde se produz a verdade, e eu peço licença para usar no singular. Nós somos valentes porque produzimos a verdade, e quem diz o que é verdade são as regras da nossa comunidade, isso que chamamos de ciência, de conhecimento acadêmico e literário. Mas quem transforma o mundo não somos nós, mas o povo que vive a vida. O que fazemos na universidade é nos somar às sobrevivências do povo, oferecendo a palavra, reflexão e a dúvida sobre os desafios do nosso tempo.
Nós vivemos melhor do que há 100 anos. Podemos curar doenças que nos matavam, as mulheres podem decidir quantos filhos querem ter, nós conhecemos mais sobre nosso planeta e o universo. Sabemos que a Terra não é plana, que as vacinas previnem doenças, que há fatos históricos – como a escravização ou a ditadura militar de 1964 – que não são opiniões, mas eventos do passado. Algumas desgraças parecem teimar em nos acompanhar nesses 100 anos. Os desconcertos das pandemias é uma delas. As injustiças raciais e de gênero, os efeitos das desigualdades de classe na saúde, no trabalho ou no sonho de quem se quer ser, ou se poderia ser. Não digo que nos estamos piores ou melhores, na vida comum, do que há 100 anos. Penso nos efeitos do sexismo e do racismo. Isso que foi chamado de sociedade, quando me ofereceram o título para hoje. A afirmação verdadeira é outra, e resiste ao relativismo. Somos terrivelmente injustos.
A comparação no tempo não me consola. Preciso agir como alguém que persegue a verdade porque o mundo assim quer. Por que não respeitamos as regras de proteção e saúde pública em uma pandemia? Por que continuamos racistas, sexistas, homofóbicos? Por que perseguimos mulheres e meninas? Por que destruímos terras indígenas? Por que não fomos capazes de acabar com essas injustiças, se aqui é o espaço da produção da palavra verdadeira, da palavra valente, que desafia a ira dos que querem nos governar pelo medo e pela tirania?
A resposta é porque nem todos aceitam a verdade. A palavra valente da verdade encontra seus opositores, em particular aqueles com poder de silenciamento e perseguição. Os covardes temem a verdade, a distorcem. Porque falar a verdade é agitar a dúvida. O covarde que não duvida é o fanático, e o fanático não pode duvidar. Por isso ele desdenha da universidade.
Mas a universidade persiste. Nesses 100 anos não é a primeira vez que precisa mostrar a sua força para produzir a verdade e lutar pelo justo. E não será a última vez, mas será sempre libertadora quando o faz.
Erra quem pensa que um pesquisador e um laboratório definem a sua agenda de pesquisa. O que seria do seu gabinete de trabalho que transforma o mundo. Quem nos agenda é o mundo, é a vida do povo comum, que nos bate à porta. Quanto mais aberta estiver a nossa porta para as necessidades do mundo, mais valente será a universidade para a produção da verdade. E sim, a palavra da universidade para dentro e para fora, para a sua comunidade universitária e para a sociedade, é a palavra valente. Pronunciá-la exige coragem, por isso sempre há risco. Risco de não ser ouvida, de ser silenciada, de ser dito errado.
Mas eu quero dizer que para sermos valentes, primeiro precisamos escutar o mundo. A valentia não está em resistir ao fanático, mas em ser capaz, desde a escuta do mundo, imaginar mundos menos injustos. A coragem de verdade está em sua produção corajosa, está na pronúncia, mesmo sob risco. A controvérsia da palavra verdadeira não pode nos intimidar, muito menos silenciar. Por isso não há heroísmo em quem fala a verdade. Há só uma coragem, partilhada, em todos nós que estamos na universidade para a produção do conhecimento. Nós somos muitos, todos os dias, a fazer isso.
Aprendemos a escutar mais e melhor o mundo nesses 100 anos, e eu quero dar um exemplo. Nesses 100 anos o mundo fez Conceição Evaristo. Essa universidade a titulou como doutora. Essa universidade tem até a ousadia de chamá-la de “ex-aluna ilustre” em suas celebrações de 100 anos. Eu digo a ousadia porque aí está alguém com a coragem da verdade, a quem todas nós, todos nós, somos devedores.
Conceição Evaristo tem a palavra valente da universidade. Ela desafia a ira do racismo. Ela fala de personagens ignoradas pela história, pela literatura, pela etnografia. Ela é incômoda. Faz troça do que se imaginava descrever como literatura canônica. Ela nos oferece imaginação.
Há quem não goste de nós. Os desafetos individuais devem ser ignorados. O nós que importa é sobre a universidade como espaço de criação. Nesses 100 anos, a história de covardia contra as universidades pode ser contada na longa duração, ou pelo instante. Esse é o momento em que a palavra verdadeira da universidade é incômoda para alguns. Há quem queira nos intimidar pelo ódio, impedir que nossas reitoras sejam reitoras, cercear a construção da palavra verdadeira. Mas a universidade não se intimida facilmente. Por isso eu repito, aqui é o espaço da palavra valente da verdade. Ela é incômoda, porque essa é nossa ética da coragem e da responsabilidade. E que assim seja por todo o futuro que espera a UFRJ”.

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