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Silvana Sá
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Aulas síncronas, assíncronas, novos termos que foram adicionados ao vocabulário dos estudantes. Além disso, provas, trabalhos, seminários… tudo mediado por uma tela de computador. Às vezes, de celular. Assim tem sido a realidade dos estudantes da UFRJ, desde o início das aulas remotas. “O que mais me incomoda é a instabilidade da rotina. Alguns professores gravam aula, outros não gravam e organização no dia a dia é complicada”, desabafa Antônia Velloso, do sexto período de História. Além dos compromissos para sua formação, Antônia, de 21 anos, é representante discente. Participa do DCE, é conselheira do CEG e integra os GTs Pós-Pandemia e Volta às Aulas. “É uma das coisas que mais me ensina na vida”, ela diz. Mas isso tem um preço. “Fico com dificuldades de puxar determinadas disciplinas, então tenho procurado professores que gravam conteúdos, para conciliar todas as minhas atividades. Pego disciplinas de manhã, de tarde e de noite, a depender das vagas disponíveis. Normalmente, estudo entre os turnos, de 12h às 14h ou de 17h às 19h”, conta.

O ensino remoto a afastou dos colegas. “Não tem as conversas nos corredores, é um prejuízo muito grande”, avalia. Já com os professores, há o risco de não conhecê-los pessoalmente. “Agora, nesta fase do curso, eu já começo a pensar em orientação para meu TCC, mas não consigo encontrar aqueles que fazem pesquisas na minha área de interesse”, lamenta. Mas nem tudo é prejuízo. “O ensino remoto possibilitou também novas experiências de aprendizado, que trazem para a gente a reflexão sobre como melhorar ou criar novas possibilidades de ensino”.

Danielle Ramires, de 23 anos, cursa o sétimo período de Letras (Português-Francês) e acredita que o ensino remoto foi bom para sua organização. “Ajudou, de certa forma, não precisar de deslocamento”, diz. Mas o desgaste com o uso do computador afetou sua saúde. “Não tenho um sono de qualidade, porque a gente fica muito, muito, muito tempo diante da tela. Estou tendo enxaqueca rotineiramente”, revela.

As duas semanas de descanso entre os semestres letivos não foram suficientes, para a estudante. “Acho estranho, no meio de uma pandemia, a gente ter um calendário que afeta ainda mais nosso emocional e nossa saúde física”, critica. “Pra mim, foi muito simbólico começar a inscrição de disciplinas no primeiro dia de recesso. Tenho a sensação de que estou correndo uma maratona enquanto estou sentada numa cadeira. É impossível dar conta de todo o conteúdo do semestre em três meses de uma forma saudável”.

Juliana Bittencourt, de 23 anos, entrou na reta final de seu curso. No oitavo período de Rádio e TV, a estudante divide seu tempo entre a faculdade e o trabalho, também na modalidade remota. “Gastava três horas pelo menos de deslocamento entre a minha casa, o trabalho e a ECO. Então, ‘ganhei’ três horas no meu dia. Pude cursar matérias de outras habilitações, disciplinas em outros horários e enriqueci mais a minha formação”, avalia. Ela também destaca a adaptação das disciplinas de seu curso para o meio virtual. “Houve uma adaptação de fato nas disciplinas e os professores entenderam que algumas matérias não poderiam ser ofertadas no modelo remoto”, elogia a aluna. “Óbvio que o presencial não pode ser substituído, mas não podemos descartar os aspectos positivos dessa experiência remota. Mas falo de um lugar muito particular, de alguém que não tem dificuldades de conexão, que dispõe de espaço para estudar e de equipamentos para acompanhar as aulas”.

Este é um número especial de nosso jornal. Para fazer um retrospecto desse ano da pandemia, buscamos o olhar de quem viveu o dia a dia da universidade, numa batalha silenciosa e dedicada. Acompanhando o depoimento dos professores e as reportagens, uma linha do tempo nos lembra os principais eventos desses meses: as batalhas que travamos e os desastres negacionistas do governo, as perdas e os crescentes números de uma tragédia que, infelizmente, ainda irá nos desafiar por um bom tempo. As ilustrações são de nossas alunas e de nossos alunos do 5º ano do CAp, numa colaboração inédita e que nos enche de esperança. O profundo desalento que muitas vezes experimentamos ao vivermos trancados em nossas casas só encontra remédio ao firmarmos os olhos no futuro. No futuro que se gesta em cada criança e em cada sopro de vida que teima em não se apagar. É aí que buscamos a força para permanecer. Talvez o objetivo seja grande demais, mas queríamos um jornal que afirmasse a vida em cada uma de suas páginas, num momento em que mergulhamos num dramático e desastroso quadro de crise sanitária jamais visto em nossa história.

Depois faremos um balanço mais detalhado das políticas institucionais, de como a UFRJ atuou e do que precisamos para avançar ainda mais. Também precisamos rever com mais cuidado o que conseguimos criar nessa nossa militância sindical virtual, o que ficará de lição para o futuro, o que poderemos levar para o nosso cotidiano, quando voltarmos a ocupar os campi e as ruas.

Mas, nesse momento, escolhemos dividir o espaço com quem fez a universidade existir, seja por quem mal chegou e teve que encarar o ensino remoto, ou por quem estava afastado para pós-doc, para quem tem filhos pequenos, para quem acumula suas atividades acadêmicas com cargos administrativos, porque a universidade se faz principalmente por quem nela trabalha. O vazio dos prédios contrasta com a intensa atividade de cada um de nós e tentamos dar voz a essa nova forma de vida que nos moldou nos últimos doze meses.

Fizemos uma outra escolha difícil: o principal do nosso assunto não é o presidente da República nem seus crimes. Ao menos nesta edição, não será ele e nem suas estúpidas declarações que irão ocupar o centro de nossas páginas. Não podemos silenciar nossa experiência e deixar que se escute apenas as sandices do pior governo do planeta. Mesmo que seja para criticá-las. Faremos isso, sim, mas não aqui. Aqui falam os que lutaram para manter a universidade funcionando. Na maior parte das vezes, anonimamente. Essa é a nossa homenagem. Também aos nossos mortos, vítimas da fatalidade, mas também da insensatez que parece reger a vida pública nacional. Na próxima semana, voltaremos à carga. O governo é responsável por uma política genocida, sim! Dezenas de milhares de mortes poderiam ter sido evitadas no país. Repetindo: dezenas de milhares de mortes poderiam ter sido evitadas no país. Não recuaremos, seguiremos lutando por autonomia e pela liberdade de cátedra nas universidades, pelas liberdades democráticas e pela vida em nosso país.

No momento, a tarefa maior é abraçar as iniciativas unitárias, reencontrar parcerias, construir ainda mais pontes e abrir portas. Temos a convicção de que o horror passará. A vitalidade das forças sociais que construíram a universalidade do SUS, que defenderam a educação pública e gratuita, garantiram a Constituição de 1988 irá se sobrepor à pulsão de morte que hoje, como se fosse uma rede, cai sobre nossas cabeças e tolhe nossos movimentos. A questão
 principal é: quantas vidas poderemos poupar, quantas pessoas poderão encontrar abrigo e segurança nas próximas semanas?

A Ciência brasileira teve uma vitória na noite de ontem (quarta-feira, 17). O Congresso Nacional derrubou um dos vetos do presidente Bolsonaro que podeira contingenciar verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Com a decisão do Congresso, R$ 3,6 bilhões do fundo estarão disponíveis para serem aplicados no financiamento de pesquisas e desenvolvimento de novas tecnologias ainda este ano.

Em dezembro do ano passado o Congresso aprovou uma lei que previa a liberação dos recursos do FNDCT, mas Bolsonaro sancionou a lei com dois artigos vetados: o que proíbe o contingenciamento de recursos e outro que obrigava o governo a liberar integralmente os recursos do fundo contingenciados em 2020. O Congresso derrubou apenas o primeiro veto e, com isso, os recursos ficam assegurados.

O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira, considerou a decisão do Congresso uma vitória expressiva. “Foi uma afirmação muito forte de que juntos temos capacidade de fazer mudanças”, comemorou, lembrando que ainda há uma enorme batalha, a ser travada no Parlamento pelo orçamento. “Temos perdido muitas batalhas, mas essa nós ganhamos, e ela foi muito importante”. Para o presidente da SBPC, setores da Ciência brasileira tiveram um papel muito importante na disputa política pela derrubada do veto. “Foi reflexo do trabalho conjunto de muitos setores da comunidade científica, acadêmica, tecnológica, entidades de inovação. Acho que isso foi decisivo”.

Foi uma vitória, mas o professor Ildeu lembrou que o governo não deve facilitar. “Precisamos estar atentos o tempo inteiro, porque o Ministério da Economia, por causa de uma visão estreita e economicista, é avesso a liberar qualquer recurso para a pesquisa”, apontou. Contudo, no cenário crítico que a pesquisa brasileira vive, a proibição do contingenciamento de FNDCT é um bom sinal. “É um alento. Esse recurso vai ser importantíssimo para as infraestruturas de laboratório e pesquisa para as universidades e parques tecnológicos. E tem uma parte significativa desse fundo que apoia o CNPq”, observou Ildeu.

Um ano depois do primeiro caso identificado de covid-19 no Brasil, as universidades federais se mantêm na linha de frente do combate à pandemia – em paralelo às demais atividades acadêmicas. Porém, os recursos estão cada vez mais escassos. A Proposta de Legislação Orçamentária Anual (PLOA) de 2021, que deve ser votada no Congresso até final de março, prevê um corte orçamentário superior a 18%: R$ 1,056 bilhão a menos em relação aos valores de 2020.

Para os reitores das universidades federais, o risco é de colapso. “Isso inviabiliza o funcionamento das nossas instituições, porque muitas já se mostram em situação de dívidas anteriores, resultado de um orçamento congelado há cinco anos”, alertou o presidente da Andifes, Edward Madureira Brasil (UFG), durante coletiva de imprensa realizada na quinta-feira (18).

Segundo dados da Andifes, os valores destinados às despesas cotidianas acumulam uma perda de 25% apenas nos últimos dois anos – isso sem considerar a inflação. Em 2020, o orçamento das universidades teve uma queda de 8,64% na variação anual em relação ao ano anterior, retrocedendo de R$ 6,06 bilhões (2019) para R$ 5,54 bilhões. “E a universidade pública não parou um minuto sequer nesse um ano de pandemia”, acrescenta o reitor da UFG.

Entre as novas frentes de atuação, são listadas a produção rápida e barata de álcool, de equipamento de proteção individual e de respiradores - logo no início da crise, o desenvolvimento de testes de diagnósticos, treinamento de profissionais de saúde, plataformas de acompanhamento da covid-19, assessoria aos comitês de emergência dos municípios e estados, sequenciamento do vírus e das novas variantes, pesquisas para medicamentos e para vacinas.

O atendimento direto ao público também é citado pelo presidente da Andifes. “Os 45 hospitais universitários foram, são e serão decisivos para enfrentamento da doença. Fomos os primeiros a ser acionados, por exemplo, na crise de Manaus”, exemplificou Edward.

“O que eu queria discutir, nesse momento, era o planejamento de retorno com 20% a mais de orçamento, não a menos, para garantir as atividades práticas tão necessárias”, disse a reitora da UFRJ, Denise Pires de Carvalho, durante a reunião. “Nós concordamos que precisamos de aumento no orçamento”, completou. A reitora da UFRJ falou ainda sobre a sobrecarga nos HU’s: “A UFRJ conta com nove unidades de saúde. É preciso lembrar que as outras doenças continuam. O que vimos foi um acréscimo importante no fluxo de pacientes de covid-19 que demanda leitos isolados e um aumento do custo hospitalar, que dependem do orçamento da universidade”.

Assistência e evasão: variáveis inversamente proporcionais

A preocupação em relação ao destino da assistência estudantil também tira o sono dos reitores. Pela previsão orçamentária, o setor amarga uma redução de verbas de R$ 20.509.063,00. O novo corte se soma aos R$ 185 milhões já subtraídos antes do envio do Projeto de Lei ao Congresso. O impacto previsto é redução de 20% para valores ou tempo de duração das bolsas.

 Representantes de universidades de diferentes regiões do país dizem temer retrocessos nas políticas de inclusão social praticada no país, nos últimos anos, a partir da implantação do sistema de cotas. “Esse é o mesmo público do auxílio emergencial”, justificou o presidente da Andifes, em relação aos universitários bolsistas. “Para muitos, é indispensável na composição da renda familiar”.

 A recomposição do orçamento, no Congresso, é a meta das instituições e dos movimentos ligados à Ciência e à Educação. Para o pró-reitor de Planejamento e Finanças da UFRJ, Eduardo Raupp, por exemplo, o cuidado com falsas compensações orçamentárias deve ser redobrado. “Existe uma tendência a se buscar uma recomposição por outras vias, como Emendas Parlamentares. Mas, na prática, perdemos autonomia com isso, pois é um recurso com destinação já pré-definida. O que não nos permite fazer os pagamentos que precisamos”, explicou Raupp.

De acordo com o pró-reitor, a UFRJ administra os pagamentos dentro de uma previsão de déficit na casa dos R$ 60 milhões para 2021. Em 2020, a universidade fechou as contas com um pequeno superávit, graças – entre outras medidas- a uma redução de 25% dos contratos. O ajuste permitiu um respiro para os três primeiros meses de funcionamento da universidade este ano, antes da aprovação do orçamento no Congresso. “Estamos no limite para não comprometer atividades”, relatou Raupp.

O Observatório do Conhecimento, movimento apoiado pela AdUFRJ e outras entidades, move a campanha "Educação tem valor" desde outubro para sensibilizar a sociedade ( especialmente parlamentares) sobre o impacto negativo dos sucessivos cortes orçamentários. Em fevereiro, com a retomada das atividades no legislativo e o debate PLOA 2021 na Comissão Mista de Orçamento, o trabalho foi intensificado. “Lançamos uma plataforma de pressão que dispara mensagens para os principais atores políticos que atuam junto ao Orçamento, quase seis mil pessoas participaram da iniciativa”, contou Eduardo Valdoski, secretário executivo do Observatório.

“Nesta última semana, demos início ao ‘enxame pelo orçamento’, onda de mensagens com um foco específico e prioritário na presidente da CMO, no relator do orçamento e nos relatores setoriais de educação e ciência e tecnologia. Além deles, outros 15 parlamentares influentes na CMO têm sido pressionados”, acrescentou Valdoski. Na próxima semana, quando o orçamento deve ser votado, haverá novos tuitaços em parceria com outras entidades como a UNE e a ANPG.

O país perdeu na madrugada deste dia 12 de março um dos maiores especialistas em história da escravidão nas Américas e no Brasil. O professor Manolo Florentino, do Instituto de História, não resistiu a uma parada cardiorrespiratória e nos deixou, aos 63 anos. Manolo foi docente da UFRJ por 31 anos, de 1988 a 2019, quando se aposentou. Foi presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa entre 2013 e 2015. Autor de 12 livros, participou de outros 37 com capítulos que destrincham a história da escravidão, a vida dos negros escravizados, os domínios do tráfico de pessoas negras, a sórdida economia estruturada no trabalho forçado. Pensador essencial para o Brasil de ontem e de hoje, o docente deixa uma lacuna difícil de ser preenchida. Que suas obras continuem nos levando à reflexão e nos ajudando a combater o racismo fruto de um período tão vergonhoso para a humanidade. Manolo Florentino presente!

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