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“Política não é churrasco em que a gente convida só os amigos. Nós temos que fazer política com quem pensa diferente. E é isso que o Observatório do Conhecimento quer. Queremos falar com toda a sociedade, disputar por meio de nosso potencial reflexivo toda a sociedade, e não apenas militantes de esquerda”, resumiu a vice-presidente da AdUFRJ, Mayra Goulart, sob aplausos da plateia, no debate sobre a inclusão ou não de uma menção ao Observatório do Conhecimento no texto de resolução 32, que tratou da Política de Ciência e Tecnologia.

A fala de Mayra foi uma resposta às críticas da oposição da AdUFRJ ao Observatório do Conhecimento que, em fevereiro desse ano, convidou economistas de várias vertentes para um debate. Participaram o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, o economista André Lara Resende e as professoras Laura Carvalho, Esther Dewck e Monica de Bolle. “Não queremos que nossa base debata com banqueiros e inimigos da universidade, como fez o Observatório ao chamar o Armínio”, atacou Markos Klemz, vice-presidente regional do Andes e professor de Filosofia da UFRJ.
“Tenho confiança nos meus argumentos. Quero debater com Armínio Fraga e com quem quer que seja porque quero mostrar a força dos meus argumentos. Prefiro mil vezes um debate com 200 pessoas que pensam diferente do que um com 20 que pensam igual”, emendou o professor Luis Rojo, da delegação da Universidade Federal Fluminense e também entusiasta do Observatório, rede de associações docentes, idealizada pela AdUFRJ, para articular atividades em defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade.
No Congresso de Porto Alegre, os professores ligados à diretoria da AdUFRJ assinaram uma série de textos em defesa da aproximação entre o Andes e o Observatório. A proposta de ligação entre as duas entidades foi rejeitada por 199 a 130 votos. O debate que antecedeu a votação, no entanto, foi dos mais intensos e interessantes do Congresso. “A qualidade do diálogo se estabelece pela qualidade dos interlocutores. O que o Observatório faz é estimular o debate qualificado, e debate qualificado se faz com quem pensa diferente”, resumiu o professor Felipe Rosa, ex-diretor da AdUFRJ, em outra intervenção bem aplaudida.

mst mECFoto: Matheus Alves/MSTO Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizou um ato em frente ao MEC, na manhã desta sexta-feira (25). Os militantes protestaram contra a existência de um gabinete paralelo na pasta, formado por pastores aliados do ministro Milton Ribeiro e de Jair Bolsonaro.
O governo nega, mas, em áudios divulgados pela imprensa esta semana, há indícios de que os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura negociavam junto a prefeitos a liberação de recursos federais do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
O ministro diz, nas gravações, que a intermediação ocorreria para atender a um “pedido especial” do presidente.
O MST levou a escultura de um bezerro de ouro — em alusão a uma passagem bíblica —, para simbolizar a relação entre os pastores e o governo. Na linguagem corrente, a expressão “bezerro de ouro” tornou-se sinônimo de um falso ídolo: por exemplo, o dinheiro. O prefeito de Luís Domingues (MA) disse que o pastor Arilton Moura teria lhe pedido um quilo de ouro como propina em troca da liberação de recursos do MEC para a construção de escolas e creches.
A Academia Brasileira de Ciências e a SBPC manifestaram preocupação com as notícias do escândalo e cobraram respostas do ministério, em nota conjunta divulgada dia 22. “Lembramos que desde 1889 as instituições religiosas estão separadas do Estado no Brasil, e que nossa República é laica, regime expressamente determinado por todas as Constituições republicanas, inclusive a de 1988. Isso significa que as decisões do Poder Público não podem se subordinar a preceitos de qualquer religião”.
A ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, determinou a abertura de um inquérito contra Milton Ribeiro para apurar as supostas irregularidades nos repasses do MEC. “A gravidade do quadro descrito é inconteste e não poderia deixar de ser objeto de investigação imediata, aprofundada e elucidativa sobre os fatos e suas consequências, incluídas as penais”, diz um trecho da decisão.

WhatsApp Image 2022 03 25 at 23.55.55Lucas Abreu e Silvana Sá

Os desafios impostos à universidade no retorno presencial não se resumem a atos legislativos decididos nos colegiados superiores da UFRJ. A burocracia para permitir a volta das aulas nos campi é apenas a ponta do iceberg de problemas que se acumulam há, pelo menos, dois anos. E dizem respeito, em grande medida, à infraestrutura, orçamento curto e à própria estrutura da cidade. “Não ter todas as linhas de ônibus rodando no Fundão, por exemplo, impacta diretamente esse retorno. Atinge estudantes, técnicos, terceirizados e professores”, ilustra o professor Edson Watanabe, da COPPE. “Outro problema que identificamos é em relação à alimentação, pois muitos trailers e quiosques acabaram fechando em definitivo com a pandemia”, afirma.
O docente foi um dos integrantes do Conselho de Representantes da AdUFRJ a enviar para o sindicato um compilado dos principais problemas enfrentados por suas unidades. Na COPPE, por exemplo, Watanabe e os conselheiros Marcello Campos e Leda Castilho listaram necessidades como: aquisição de novos aparelhos de ar-condicionado, já que os do Programa de Engenharia de Transportes foram furtados; mobiliário; limpeza geral do campus do Fundão; aumento da segurança que inviabilize os furtos de aparelhos e de cabos de cobre.
A infraestrutura para atender pessoas com deficiência também é um ponto de preocupação levantado pelo professor Watanabe. “O elevador do meu bloco, por exemplo, está quebrado. Como uma pessoa com deficiência vai subir três andares de escadas?”, questiona. “Enfim, são vários os problemas, nós vamos ter trabalho, mas os desafios ainda são menores do que eram lá atrás, na década de 70”.
No Instituto de Biologia, o clima está entre a empolgação pela volta das aulas presenciais e dúvidas, que serão respondidas no dia a dia, sobre as reais condições de segurança. Segundo o levantamento feito pelos integrantes do Conselho de Representantes, o ponto mais crítico é a ventilação. “Na Biologia tem um problema, que é na verdade de todo o CCS, que é o subsolo. É muito importante que os exaustores estejam funcionando”, conta a professora e conselheira Christine Ruta. Segundo o relatório enviado pelos professores, os exaustores do subsolo do CCS não funcionam há oito anos. Outras necessidades listadas pelos docentes foram a abertura das janelas no vão das escadarias que dão acesso ao subsolo, o fornecimento de álcool para professores e técnicos, a revisão e manutenção de todos os ventiladores das salas de aula e a colocação de sabão nos banheiros.
“Eu espero que o GT Coronavírus recomende que seja obrigatório o uso de máscaras nos lugares fechados da universidade”, diz Christine. Para ela, os alunos que ficaram afastados das aulas práticas (retomadas no ano passado) ainda têm incertezas se conseguirão cumprir todo o currículo. “Estes alunos estão ansiosos, querem saber se vão poder ter aulas práticas e recuperar o tempo perdido. E é complicado porque não vamos poder encher muito as salas”, explica. A despeito de tantos problemas, segundo ela, há muita disposição no instituto para voltar às salas de aula. “A indicação de manter a máscara, por exemplo, é importante até porque não sabemos como vai se comportar o coronavírus”, acrescenta.
A ventilação também é um desafio na Escola de Química. “Nossas salas têm ar-condicionado, as janelas são altas e não têm ventiladores. Vamos precisar arejar essas salas”, explica o professor Alexandre Leiras, também integrante do CR. Ele conta que o relatório sobre as mudanças necessárias foi feito a partir de uma conversa com a direção da Escola. Sua avaliação é de que o clima entre os professores é de expectativa pelo retorno. “A maioria dos professores com quem converso está bastante otimista. Eu mesmo não vejo a hora de voltar, tanto que voltei a dar aulas práticas em novembro do ano passado”, conta o professor, que ressalta, ainda, que sua unidade nunca deixou de funcionar.
Alexandre foi diretor adjunto de Infraestrutura da EQ até dezembro do ano passado. O fato de ser uma unidade concentrada em apenas um bloco, de acordo com ele, ajuda a garantir as condições mais adequadas para o retorno. “A Escola de Química está limpa, iluminada, pronta para receber as aulas a hora que for. Mas essa é uma visão particular da nossa unidade, que é pequena”, reconhece. “É um caso muito diferente de unidades onde os dirigentes dizem que não têm condições de voltar”, alerta.

Problemas de pessoal
A infraestrutura não foi o maior problema enfrentado pelo Colégio de Aplicação no retorno do ano letivo de 2022. “Nosso grande problema foi de pessoal. Começamos o ano letivo com menos 38 professores (36 substitutos e 2 com comorbidades)”, revela a professora Thais Motta, uma das representantes do CAp no CR. A autorização para contratação dos substitutos só chegou em fevereiro. “Fizemos o processo de seleção junto com o início das aulas presenciais, num momento muito sensível, de acolhimento dos estudantes que passaram dois anos sem convívio social”, relata. “Trabalhamos dois sábados seguidos, o dia inteiro, para finalizar o processo o mais rápido possível”.
O relato foi enviado também formalmente à AdUFRJ, no formulário assinado por Thais e as professoras Lorenna Carvalho, Simone de Alencastre e Thayná Marques. A escola tem duas unidades: a de Educação Infantil fica no Fundão, enquanto na Lagoa se concentram os ensinos Fundamental e Médio. “Nossas aulas começaram no dia 7 de fevereiro. Houve todo um planejamento, obras nas duas unidades, apesar de ainda haver algumas demandas, tudo o que cabia a nós, nós fizemos”.
Faltando tanta gente no quadro, a única forma encontrada pelos professores da escola para iniciar o ano letivo foi aumentar suas cargas horárias em sala de aula. O resultado: exaustão. “Conseguimos manter as aulas, mas a um custo muito alto. Estamos dando as nossas aulas e cobrindo a maior parte das outras turmas sem professores, além de darmos conta das demais tarefas, como atividades de pesquisa, orientações de licenciandos, atuação na extensão e todas as demais funções de ensino”, detalha a professora.
Os professores substitutos só começaram a chegar nesta semana, quase dois meses depois do início das aulas integralmente presenciais do Colégio. “A gente espera que isso não volte a acontecer. O CAp não é um apêndice da UFRJ, ele é parte da universidade e precisa ter suas especificidades levadas em consideração. Nosso calendário não é igual ao do ensino superior”.

bandeira adufrjDiretoria da AdUFRJ

A principal matéria desta edição aborda mais uma faceta do projeto de destruição empreendido pelo (des)governo Bolsonaro contra a universidade pública, a Educação, a Ciência e a Tecnologia: a queda vertiginosa do valor das bolsas de pós-graduação no país. Embora já estejam sofrendo a desvalorização há mais tempo — estão congeladas há nove anos —, as bolsas de mestrado e doutorado vivem seu pior momento sob a égide negacionista do atual governo. As do CNPq e da Capes atingiram, neste 2022, o menor valor real desde 1995. Se, naquele ano, uma bolsa de doutorado pagava R$ 1.073 — o que correspondia a dez salários mínimos da época, ou doze cestas básicas —, hoje ela vale menos de dois salários mínimos e permite a compra de apenas três cestas básicas.

Esse cenário sombrio tem afastado muita gente da vida acadêmica. O professor Felipe Rosa, ex-diretor da AdUFRJ, tem observado um movimento preocupante de desistência no programa de pós-gradução do Instituto de Física, onde leciona. “Desde 2017, muitos fazem o mestrado e mudam de área. E conheço dois casos de pessoas parando o doutorado no meio e abrindo mão da bolsa, porque arrumaram emprego. Na minha época, não me lembro de ter acontecido algo assim. O valor da bolsa é muito ruim. A gente não consegue atrair praticamente ninguém que precisa se sustentar”, atesta o professor. Esse movimento é evidenciado pela queda na procura pelos programas stricto sensu de pós-graduação da UFRJ nos últimos anos. O número de ingressantes foi de 4.096 em 2018, caiu para 3.975, em 2019; 3.816, em 2020; e 3.542, em 2021. Confira em nossa matéria nas páginas 4 e 5.
Na contramão desse panorama de descaso com a Ciência e a Educação, a AdUFRJ vai defender propostas de valorização dessas áreas no 40º Congresso do Andes, que começa no próximo domingo, em Porto Alegre. Segundo a professora Mayra Goulart, vice-presidente da AdUFRJ, a diretoria assina cinco dos 57 textos que serão debatidos no encontro, entre os quais o 43 (A defesa do ensino público e a participação no Fórum Nacional Popular de Educação) e o 46 (A luta por políticas públicas para C&T no Brasil). “O texto 43 prevê a reconstrução de uma instância de participação ignorada pelos dois últimos governos federais. O Fórum Nacional de Educação foi destituído depois do golpe de 2016, com o impeachment da Dilma, e o governo Bolsonaro segue nesse fechamento das instâncias participativas. É importante a reconstrução desses fóruns”, defende Mayra, delegada representante da diretoria no congresso.
Já sobre o texto 46, a professora ressalta a necessidade de valorização da área de C&T para a categoria docente: “Essa tese aborda uma das razões do afastamento dos docentes do sindicalismo, que é a postura do Andes de não encampar pautas relativas à Ciência e Tecnologia. E nós incluímos nesse texto a importância de o Andes contribuir para o Observatório do Conhecimento, onde a AdUFRJ tem protagonismo, e que visa a aumentar a interação com a sociedade civil e com o Congresso em prol de mais verbas para a área de C&T”. Tema de nossa matéria na página 3, o 40º Congresso do Andes terá como tema central “A vida acima dos lucros: Andes-SN 40 anos de luta!” e será o primeiro evento deliberativo presencial da entidade desde o início da pandemia de covid-19.
E por falar em presencial, nossa reportagem nas páginas 6 e 7 mostra os preparativos na UFRJ para o reinício das aulas, em 11 de abril. A pouco mais de duas semanas do retorno, algumas unidades relatam problemas que vão desde a infraestrutura física dos prédios — como falta de ventilação e furto de aparelhos de ar-condicionado — até redução ou ausência de ofertas de transportes e de locais para alimentação, sobretudo no Fundão. No Colégio de Aplicação, as dificuldades são de pessoal: a unidade vai começar o período letivo com menos 36 professores, pois não recebeu autorização para a contratação de substitutos em tempo hábil.
Na semana em que mais um escândalo de corrupção do governo Bolsonaro veio à tona, com as denúncias de interferência de pastores evangélicos na aplicação de verbas do MEC (veja AQUI), pelo menos uma boa notícia: na página 8, trazemos uma matéria sobre as atividades do Centro Nacional para Identificação Molecular do Pescado (Cenimp), que inaugurou suas instalações no último dia 18.
Boa leitura!

WhatsApp Image 2022 03 25 at 23.52.45Beatriz Coutinho

O DNA não mente. É com essa premissa, partindo da Genômica Pesqueira, que trabalha o Centro Nacional para Identificação Molecular do Pescado (Cenimp) da UFRJ, cujas novas instalações foram inauguradas no último dia 18. Vinculado ao Instituto de Biologia, o Centro descende da antiga Rede Nacional para Identificação Molecular do Pescado (Renimp) e tem entre os seus objetivos a checagem das espécies comercializadas, a delimitação de estoques pesqueiros e a busca por marcadores de poluição. O Cenimp conta com o maior banco de sequências de DNA da América Latina, que permite a identificação dos pescados mesmo quando processados.
“O Cenimp é a minha maneira de prestar serviços à sociedade”, assegura o coordenador e idealizador do Centro, professor Antônio Solé. Apesar de não ter poder de fiscalização, o Centro colabora com as autoridades — como Polícia Civil e Ministério Público — com suas publicações científicas. “Usamos as ferramentas da Ciência para informar legisladores e fiscalizadores”, destaca o professor Frederico Henning, que coordena as atividades de pesquisa e inovação na área da Genômica Pesqueira no Cenimp. Além de pesquisa, o Cenimp realiza extensão junto à ONG Oceana, que busca evitar a comercialização de espécies ameaçadas.
Filha de pescador, a reitora Denise Pires de Carvalho prestigiou a inauguração das novas instalações do Cenimp e destacou sua importância para a UFRJ e para o país. “A identidade desse pescado serve não somente para o pescador, mas para toda a rede de comércios, restaurantes e para a sociedade saber o que está consumindo”, afirmou. Relembrando a infância no barco ao lado do pai, a reitora fez um alerta sobre a questão ambiental. “Sou da geração que parou de nadar na Baía de Guanabara porque um nadador pegou hepatite A”, contou. “Não é possível que a gente continue maltratando tanto o meio ambiente”.
O Cenimp é um mar de possibilidades. Estuda-se o limite dos estoques pesqueiros de merluzas, corvinas e tamboris para definir quantas toneladas podem ser pescadas anualmente de maneira sustentada. Analisando mais de 7.000 partes do genoma de ostras do Rio de Janeiro e de Santa Catarina, o Centro investiga possíveis diferenças genéticas das mesmas espécies em lugares muito e pouco poluídos. Quando o assunto é identificação de pescados, as pesquisas vão do filé ao peixe processado em bolinhos e croquetes, resguardando quem consome e impedindo que espécies crípticas (muito similares), às vezes ameaçadas, sejam comercializadas.
Daniela Souza, da equipe do Cenimp, estuda a substituição do linguado (Paralichthysspp.) desde a sua iniciação científica (2018), examinando a taxa de fraude em supermercados. Durante seu mestrado, a coleta foi ampliada para feiras, peixarias e restaurantes. Os objetivos eram localizar a prevalência dessas substituições, buscando um alvo para as fiscalizações, e o desenvolvimento de metodologias de identificação molecular focadas nas espécies de maior ocorrência nas substituições. A pesquisa mostrou que os pescados substituídos eram 20 vezes mais caros, além de a fraude mascarar o verdadeiro estado das populações de linguados, às vezes ameaçadas. “Nos restaurantes, a taxa de fraude chegou a 82% e nas feiras, a 61%. Além da descaracterização morfológica, há uma possibilidade de mascarar o sabor e o aspecto do filé”, ressalta. Devido à rígida fiscalização, ocorreu uma queda de 12% na taxa de fraude nos supermercados.
Nem os bolinhos de bacalhau escapam. Na ponta da cadeia da atividade pesqueira, a pesquisa de Carine Belau mostra que mais de 20% do bacalhau comercializado no Rio de Janeiro não são bacalhau de verdade. “É um dano econômico para o consumidor. Espécies que são mais baratas podem ser vendidas como mais caras”, aponta a mestranda, também da equipe do Cenimp. Segundo a Instrução Normativa 53 (2020), somente o bacalhau “cod” (Gadus macrocephalus) e o “do Porto” (Gadus morhua) podem ser comercializados como bacalhau legítimo. Os falsos são peixes salgados secos, como ling e poloca do Alaska. “Arranca-se a cabeça, o rabo e as escamas do peixe, deixando-o como posta ou filé, impossibilitando a identificação a olho nu ou morfológica”, explica Carine. Sua pesquisa originou a aula “Que bacalhau é esse?” em escolas públicas, fruto do projeto pedagógico “UFRJ Doa uma Aula”. A proposta é mostrar as espécies de bacalhau e as técnicas aplicadas para identificar fraudes.
As fraudes podem trazer riscos à saúde. Hoje, 75% dos peixes rotulados como linguado são, na verdade, panga (Pangasianodon hypophthalmus). “Esse peixe pode conter contaminantes por conta de sua origem de cultivo, o que poderia gerar um problema de saúde pública”, alerta Daniela. No caso do bacalhau, os consumidores podem respirar aliviados. Embora as outras espécies não estejam classificadas como bacalhau pela legislação, ainda assim constam como peixes destinados ao comércio nacional. “São tão bons para a saúde quanto o bacalhau. Só fazem mal ao bolso”, brinca o professor Solé.
O banco de sequências de DNA do Cenimp conta com 220 espécies, o que representa 99% de todo o pescado marinho brasileiro. O objetivo inicial era coletar as 100 espécies mais comuns no Brasil e sequenciar seu DNA. A quantidade de espécies brasileiras no banco de DNA internacional, o GenBank, era muito baixa: “Sempre que precisávamos tentar identificar algum pescado nacional, esbarrávamos nisso”, conta Solé. Orgulhoso, o professor lembra que, apesar da meta inicial ser o sequenciamento de 100 espécies, eles realizaram mais de 190. O próximo passo do Centro é a identificação de pescados em água doce.
O financiamento para o projeto veio de agências de fomento, Faperj, CNPq e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Antes de ser extinto, o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) chegou a ser seu principal financiador.

Novo laboratório: modernidade e segurança

Inaugurado na última sexta (18), o Cenimp tem sua equipe composta pelos dois coordenadores, professores Antônio Solé e Frederico Henning, e 11 pesquisadoras de iniciação científica, mestrado, doutorado e direcionamento científico-tecnológico. O projeto custou R$ 1,1 milhão. Já o Banco de Dados demorou dois anos para ficar pronto, ao custo de de R$ 800 mil. As novas instalações ocupam uma área de 400 metros quadrados e contam com freezers para estocagem de tecidos, laboratório e salas de preparo de soluções, experimentos moleculares e sequenciamento de DNA. O Cenimp tem todos os requisitos de segurança que um laboratório precisa para certificação.
Apesar da felicidade do corpo acadêmico com a inauguração, a reitora Denise Pires de Carvalho reforçou o compromisso com mais agilidade na construção de centros e laboratórios de pesquisa da UFRJ. A licitação do Cenimp foi em 2014 e o prédio ficou pronto em 2016, mas vários problemas de infraestrutura foram enfrentados. Com uma pandemia que ainda perdura, a inauguração era pra ter ocorrido em janeiro, mas foi postergada para março. “Você [professor Antônio Solé] não precisava ter esperado tantos anos. Captou o recurso, a construção tem que acontecer”, disse Denise. “Precisamos desobstruir os caminhos de quem trabalha sério pela universidade. Porque quem trabalha sério pela universidade está trabalhando sério para o povo brasileiro.”

COMO FUNCIONA O CENIMP

O Centro tem uma biblioteca de sequências de DNA com quase todas as espécies de pescado marinho brasileiro (99%), de onde se tiram os dados de comparação com as amostras. Para isso, foram coletados peixes inteiros, identificados por zoólogos. A biblioteca consiste em pedaços de tecido de 220 espécies.

Depois, é retirado o DNA de cada amostra de tecido. Esses DNAs são sequenciados para três genes, sendo dois da mitocôndria (organela responsável pela respiração celular) e um do núcleo. Forma-se então uma segunda biblioteca, que conta com esses três genes dessas espécies de pescado, totalizando mais de 4.000 sequências de DNA.

Com essa segunda biblioteca, podem ser feitas análises de amostras de pescados comercializados em restaurantes, feiras, mercados ou peixarias.

As sequências obtidas são comparadas com as da biblioteca por meio de um programa de computador. A partir desse programa, o pesquisador poderá saber qual sequência na biblioteca mais se parece com aquela da amostra, inclusive com a taxa de incerteza da identificação. Se a incerteza for menor do que uma em um milhão, é a espécie indicada.

Essa identificação é usada para fins acadêmicos, de fiscalização e ainda pelas indústrias pesqueiras. Pode ser útil, também, para a conservação de espécies (uma espécie ameaçada de extinção ou de pesca proibida pode estar sendo comercializada com o nome de uma espécie não ameaçada).

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