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Silvana Sá
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O Brasil perdeu 1.910 vidas na quarta-feira (3). Significa 1,3  morte a cada minuto e traduz um país acuado diante de uma escalada sombria. Dos dez maiores totais deWhatsApp Image 2021 03 05 at 09.42.03 mortes registradas em 24 horas desde o começo da pandemia, sete aconteceram nos primeiros meses de 2021. Três desses recordes ocorreram nos últimos dez dias e obrigaram a Fiocruz a lançar um boletim extraordinário sobre a evolução da doença.

Na noite de terça-feira, 2, a Fiocruz lançou um documento sobre a evolução da doença. Os pesquisadores afirmam no boletim que “os dados apresentados, embora alarmantes, constituem apenas a ponta do iceberg de um patamar de intensa transmissão no país”.

O documento da Fiocruz foi fundamental para que a Prefeitura do Rio publicasse no dia 4 um decreto aumentando as restrições para conter o avanço da pandemia na cidade. O decreto permanece em vigor do dia 5 ao dia 11 de março, quando haverá nova avaliação da situação na cidade. As escolas públicas e privadas permanecem abertas.

A norma proíbe:

# O funcionamento de bares e restaurantes das 17h às 6h
# A permanência na rua das 23h às 5h – a circulação ainda está autorizada
# A realização de festas e eventos em espaços abertos e fechados
# A realização de feiras
# O comércio nas praias e orla.

Mas epidemiologistas avaliam que as medidas ainda não são suficientes. O próprio boletim da Fiocruz recomenda medidas mais duras, como restrição de todas as atividades não essenciais, além de ampla testagem da população, rastreamento e isolamento de casos, aceleração da vacinação, abertura de novos leitos, reconhecimento legal do estado de emergência sanitária e aprovação de um plano de recuperação econômica com retorno imediato do auxílio emergencial para os mais pobres.

Segundo a análise da Fiocruz, a pandemia no Brasil acontece de maneira simultânea em todo o território, com tendência de crescimento e com iminente colapso dos sistemas de saúde em várias cidades. Três variantes circulam simultaneamente no país: a do Amazonas, do Reino Unido e da África do Sul. A do Amazonas deu origem a uma nova linhagem do vírus, a P2, encontrada no Rio de Janeiro. Das 27 capitais do país, 19 estão com taxas de ocupação de leitos de UTI-covid acima dos 80%. As mais críticas são Porto Velho (100%), Florianópolis (98%), Curitiba e Goiânia (95%), Natal (94%), Rio Branco e Campo Grande (93%). O Rio está com 88% de ocupação dos leitos.
 
BRASILEIROS BARRADOS
O caos nas políticas de saúde no país teve repercussões internacionais. Nos aeroportos, brasileiros e até estrangeiros que não tenham como destino seu país de nascimento começam a ser barrados. Tudo porque temos o pior cenário de covid em todo o globo e somos celeiro de outras prováveis novas cepas. Nas agências de viagem e companhias aéreas, não é difícil ouvir que o Brasil está sendo visto internacionalmente como “risco à humanidade”. Na última semana, a jornalista Tatiana Lima presenciou seu amigo alemão ter seu bilhete de embarque cancelado horas antes do voo. A atendente explicou: “Nunca vi uma situação como esta, mas o Brasil está com bandeira preta em relação aos outros países, principalmente europeus”. O amigo só conseguiu reaver seu passe quando, horas depois, comprovou residência na Holanda. “Ali eu percebi que estamos num caminho sem retorno rumo ao caos”, afirmou a jornalista.

 SEM CONFIANÇA NOS DADOS
WhatsApp Image 2021 03 05 at 09.42.031Aparentemente com uma situação um pouco mais “confortável”, figurando em cenários de média móvel de casos e de óbitos em estabilidade, o Rio de Janeiro é uma incógnita. “Não temos confiança nos dados mais recentes. A baixíssima qualidade dos dados nos impede de conhecer o cenário real”, afirmou o professor Guilherme Travassos, vice-coordenador do GT Pós-Pandemia da UFRJ e um dos idealizadores do Covidímetro, ferramenta utilizada para verificar a taxa de transmissão no estado e no município. “Nossa expectativa é de que nas próximas duas semanas a gente atinja 750 mil casos. Hoje, temos 561 mil (no estado)”.

 Outro ponto que merece atenção é a taxa de letalidade do município e do estado do Rio: 8,72% e 4,9%, respectivamente. O que pode indicar possível subnotificação de casos, além de sinalizar para o suporte clínico deficitário nos casos mais graves. Mas esta não é uma exclusividade fluminense. “Há um cenário de subnotificações excessivas. Quando o Brasil aponta que temos 10 milhões de casos, nossas estimativas dão conta que teríamos mais de 22 milhões de casos”, afirmou o professor Domingos Alves, da USP, durante debate promovido pelo Fórum de Ciência e Cultura na última segunda-feira (veja mais abaixo).

 Até o próximo dia 10, a previsão é que o país ultrapasse os 11 milhões de casos. “Em relação às mortes, nossa estimativa é de que o número de óbitos total anunciado é cerca de 60% do total real”, lamenta o pesquisador. E os problemas não param por aí. Segundo Domingos Alves, a defasagem em relação ao número de óbitos chega a 20 dias. É como se, olhando os números, tivéssemos mirando o retrovisor de um carro em movimento. E em alta velocidade. “Atingiremos 300 mil óbitos até 6 de abril, com média móvel de 1.500 mortes diárias até 14 de abril. E o cenário pode piorar por conta das mortes por falta de atendimento”.

Os estudiosos são uníssonos em dizer que a origem do caos sanitário, social e econômico do Brasil está no negacionismo do governo federal em relação à pandemia. “O Brasil nunca seguiu as orientações da Organização Mundial da Saúde para a flexibilização social”, afirmou Domingos Alves. Os indicadores são: declínio do número de mortes por pelo menos três semanas e queda de pelo menos 50% da incidência em um período de três semanas após o pico da pandemia; estrutura hospitalar para suportar a demanda; testagem em massa e em segmentos específicos; rastreamento de infectados. “É urgente que os estados comecem a fazer um lockdown efetivo de 15 a 21 dias para conter o desastre sanitário.

 

“Tragédia anunciada”

“Esse cenário que nós vivemos no Brasil é uma tragédia anunciada por toda a comunidade científica”. A fala acertiva é do pesquisador Domingos Alves, da USP, que participou de debate “Como Está a Pandemia Hoje”, organizado pelo Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, na segunda, 1º de março. Domingos integra a equipe de especialistas do Portal Covid-19 BR, ferramenta desenvolvida pela Universidade de São Paulo (USP) para acompanhamento e predição da pandemia no país. Há um ano, apenas quatro capitais eram responsáveis pelos casos de covid-19 no Brasil. Hoje, a pandemia se alastrou por todas as cidades. As festas clandestinas de final de ano e de carnaval contribuíram para tornar o quadro de alta transmissão predominante de norte a sul do país.

Para além das aglomerações em datas comemorativas, o isolamento social caiu a índices praticados antes do início da pandemia. Em todo o país, a taxa de isolamento média é de 31%, mesmo patamar de janeiro do ano passado. No Rio, o índice chega a 45%. Para o especialista, é preciso somar esforços com um lockdown efetivo e com aumento da cobertura vacinal. “O Brasil precisa aumentar em dez vezes a velocidade da vacinação para imunizar a população até o final do ano”, alerta Domingos Alves. “Aumento do número de leitos, isolar grupos de risco, isto é política de enxugar gelo, não está baseado na ciência”.

O professor Claudio José Struchiner, da UERJ, concorda. “As evidências científicas são muito claras. Ficamos com o pior dos mundos: nós temos a mortalidade, temos os problemas sociais, temos os problemas econômicos e nada é resolvido. A alternativa escolhida pela sociedade brasileira é a pior possível, é aquela em que temos todos os prejuízos sem nenhum bônus dessas escolhas”.

O epidemiologista analisou o impacto de uma vacinação lenta. “Se não conseguirmos atingir uma proporção muito grande (da população), a presença de portadores assintomáticos teria um efeito muito nocivo, com o qual devemos nos preocupar muito”.

Vice-coordenador GT-Coronavírus e integrante do GT Pós-Pandemia da UFRJ, o professor Guilherme Travassos, da Coppe, criticou a completa inércia da União, de estados e municípios no controle da pandemia. “Entidades sérias, éticas e responsáveis têm protagonizado ações de combate a esta pandemia. É surpreendente como isso tem sido constantemente desprezado por aqueles que têm a responsabilidade de tomar atitudes e ações”, pontuou. “Eu tenho a impressão de que estou dando murro em ponta de faca. Estou exausto”, desabafou. “Estamos envolvidos nessa guerra desde fevereiro do ano passado. Antes, a guerra era contra o vírus. Hoje, não sei se nosso grande inimigo é apenas o vírus. Virou uma guerra insana, injusta. A sociedade precisa acreditar na ciência e parar de acreditar em mitos”.
 Expansão de leitos não é política de contenção da covid-19”.

Eleonora Ziller
Presidente da AdUFRJ

 

Neste 8 de março não estaremos nas ruas, como no ano passado, sacudindo nossa bandeira a muitas mãos. Ao contrário, estaremos espremidas em carreatas, gritando das janelas, batendo panelas, cansando os dedos em tuitaços ou apenas nos debruçando sobre a dor de tantas perdas. E talvez tenhamos menos esperança batendo em nosso peito. Mas esses dias sombrios acabam exigindo de nós a fabricação de mais esperança ainda. Nós estamos em todas as frentes. E na luta diária em defesa da vida, nas áreas da Saúde e da Educação, somos a grande maioria. E por isso, somos nós que poderemos gritar mais alto e mais forte “FORA BOLSONARO!”.


Por isso, para o dia 8 de março, com a coordenação da professora e diretora da AdUFRJ Christine Ruta, jogamos nossas cores e nossos sonhos em muros da cidade, em defesa da vida, da Ciência e da Educação. Numa campanha ancorada no Observatório do Conhecimento, ganhamos mais uma vez as ruas, ainda que num jogo de luzes e sombras, em várias cidades do país. Estamos vivas, cada vez mais vivas, e seguiremos em defesa de um mundo mais diverso, e por isso mesmo, mais igualitário.

Elisa Monteiro
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Promovido pelo Observatório do Conhecimento na última terça-feira (23), o debate "Economistas Pensam a Universidade" reuniu visões diferentes que convergem na necessidade de fortalecer o sistema científico brasileiro em um cenário radical de retirada de direitos e de ataques às políticas públicas. Monica de Bolle (Peterson Institute/John Hopkins), Armínio Fraga (ex-presidente do Banco Central), André Lara Resende (ex-presidente do BNDES) e as professoras Laura Carvalho (USP) e Esther Dewck (UFRJ) trocaram análises pouco otimistas sobre o futuro do país.  

O cientista político e diretor da AdUFRJ, Josué Medeiros, mediou o encontro virtual e avaliou a iniciativa como “um excelente debate”: “É uma prova de que podemos articular amplos setores em defesa do conhecimento e da Ciência. Quanto mais gente a favor das nossas pautas, mesmo que pensem diferente em outros temas, mais chances temos de resistir ao governo Bolsonaro”, resumiu.

Em poucas horas, o vídeo alcançou mais de três mil visualizações. O debate rompeu a bolha da esquerda tradicional e incomodou conservadores, como o economista e polemista Rodrigo Constantino que, desde a véspera do encontro, já criticava o elenco de debatedores, alegando – surpreendentemente e equivocadamente – que todos eram de esquerda.

“Infelizmente, estamos em uma situação em que o relatório de uma Proposta de Emenda Constitucional é apresentado na terça-feira para ser votado na quinta-feira ou na próxima semana, porque o governo tem maioria no Congresso”, advertiu a docente do Instituto de Economia, Esther Dewck. “O tempo médio de aprovação de uma PEC era um ano e meio, depois de debates, audiências públicas com discussão e análise de impacto”, ela acrescenta.

O mais recente presente de grego da articulação política do governo Bolsonaro no Congresso, a Proposta de Emenda à Constituição n° 186 — que condiciona o financiamento do auxílio emergencial à eliminação dos mínimos constitucionais estabelecidos para a Educação e Saúde — foi relacionado à política de austeridade adotada no país desde 2016.

“O teto de gastos criou uma situação que coloca uns contra os outros. Alguns, com poder de influência, conseguem manter suas fatias nesse bolo cada vez menor, enquanto outros perdem recursos”, frisou a docente da Universidade de São Paulo, Laura Carvalho. E exemplificou: “Com uma flexibilidade cada vez menor, você joga a universidade contra a Saúde, a Saúde contra a Cultura, a Cultura contra a Ciência e Tecnologia, a Ciência e Tecnologia contra o sistema social. De alguma forma, ao invés de alocar os recursos de forma mais eficiente, como era vendido, o teto coloca setores prioritários uns contra os outros”.

A crise econômica e sanitária permeou a troca de avaliações. Para a economista Monica de Bolle, o Brasil está atrasado no debate global. “Nós não vemos uma discussão de orçamento que contemple a questão da pandemia”, criticou. Atualmente residente nos Estados Unidos, a pesquisadora vê na pandemia uma pá de cal sobre políticas fiscais de austeridade.

Já André Lara Resende falou sobre a responsabilidade dos macroeconomistas no impasse atual. Segundo ele, os intelectuais “encamparam a percepção laissez-fairista de que existe progresso, desenvolvimento e avanço com o estado tendo as mãos completamente atadas. Ou seja, quanto mais restringir o estado, mais a iniciativa privada será capaz de resolver as questões e esse mito ideológico foi dominante nos últimos anos”, disse.

Sobre as universidades, Armínio Fraga pontuou mudanças de paradigmas na produção do conhecimento: “Não podemos ficar parados no tempo. Concordo com a Monica de Bolle em relação à importância de explorar espaços multidisciplinares. As coisas estão evoluindo rapidamente e novas áreas vão surgindo. É fundamental que as universidades federais tenham  flexibilidade para abrir esses campos que interessam aos alunos, com temas que vão do meio ambiente à desigualdade”.

O ex-presidente do Banco Central também argumentou por uma maior aproximação das instituições da iniciativa privada. “Não só em função das dificuldades orçamentárias, mas em função da riqueza que isso traz . Entendo que o  tema é polêmico nas federais, mas acho que cabe explorar e aprender com universidade públicas de grande sucesso, pelo mundo afora, a importância e as vantagens em se desenhar bem parcerias com o setor privado. Isso na área da Ciência tem funcionado muito bem”, defendeu.

 

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MONICA DE BOLLE
Peterson Institute / John Hopkins

"Ainda que a gente esteja no início das campanhas de vacinação e tenhamos boas vacinas, a gente sabe como esse processo está difícil até nos países que têm doses suficientes, para não falar do Brasil, onde esse processo está muito difícil. O panorama que a gente tem pela frente ainda é pandêmico por algum tempo. Então os temas que estão colocados serão mais ou menos os mesmos com alguma evolução para melhor, a gente espera, ao longo do tempo. Mas, em termos de entendimento desse momento inédito, nunca foi tão importante que cientistas e pesquisadores de diferentes áreas se unissem para tentar pensar juntos no que tudo isso significa em termos de impacto para a sociedade, impacto nas nossas vidas, impacto em como o mercado de trabalho vai se organizar ou não se organizar. Impacto sobre como a gente vai pensar política econômica, a política de saúde pública, a política de meio ambiente. Enfim, todas as políticas públicas, de uma forma geral, estão sob questionamento nesse momento. E essa junção de pesquisadores de diversas áreas tem sido muito rica. Aqui em Washington eu me juntei a algumas dessas redes e você percebe muito nitidamente a importância do financiamento.”


ARMÍNIO FRAGA
Ex-presidente do Banco Central

"O momento requer uma atitude de sobrevivência e resistência. E a academia é um espaço natural para isso. A academia tem como base a busca pelo conhecimento com rigor, com honestidade intelectual. A academia é um antídoto, é um filtro contra esse mundo de fakenews. E é, portanto, um espaço essencial. E também, por muitos, percebido como um inimigo. As universidades federais no Brasil vêm de muito tempo, a Faculdade de Medicina da Bahia, por exemplo, foi fundada em 1908. E elas têm demonstrado, portanto, capacidade de resiliência, e têm dado uma contribuição histórica. E é importante que elas continuem a dar. Elas têm, como todas as boas universidades do planeta, que zelar pela sua independência. Eu penso que é uma marca dos tempos muito bem-vinda uma crescente diversidade. As universidades públicas sempre foram gratuitas, mas isso, na prática, era um filtro que funcionava ao contrário, só conseguia passar no vestibular quem estudava em escola privada. Isso vem mudando, os ambientes vêm ficando mais plurais, e eu vejo isso como grande avanço. Uma marca que as universidades têm no Brasil é a importância para a pesquisa, elas são responsáveis por fatia muito elevada da pesquisa.”


ANDRÉ LARA RESENDE
Ex-presidente do BNDES

"No campo político, há evidentemente no Brasil um processo autoritário em curso. E não é um processo tímido, é um processo anunciado, explícito. E nós temos sido muito condescendentes com esse processo autoritário. Não temos sabido reagir a isso como deveríamos reagir. Na Economia, o que nós precisamos pensar é como fazer investimentos públicos e prestar serviços públicos de alta qualidade. Investimentos em infraestrutura, em energia limpa, em Saúde e em Educação, em pesquisa e desenvolvimento. E isso não se faz sem o apoio e sem a ação direta do Estado. E não se faz da noite para o dia. É preciso ter programa, é preciso pensar bem. É isso que define um projeto para o país nos próximos anos, na próxima década. Infelizmente, no Brasil, nós continuamos com as mãos atadas e completamente restritos por uma visão de que o Estado nada pode fazer porque estamos à beira de um abismo fiscal. E isso é rigorosamente falso. Quando você impede o investimento público, impede também o crescimento econômico e o progresso do país.”


LAURA CARVALHO
USP

"Estamos com corte de recursos justamente para as áreas que a sociedade mais demanda nesse momento. E a universidade é uma delas, tanto por seu papel no ensino — que enfrenta desafios enormes nessa pandemia para não perder o caráter democrático que ganhou graças à política de cotas — quanto na pesquisa. Os desafios são muitos e os recursos, cada vez mais escassos. Sobre a questão específica do teto de gastos da PEC colocada para fundir o piso de Saúde e Educação é preciso retomar que, no momento em que foi aprovada, em 2016, havia uma ideia de que a restrição teria como resultado natural uma melhor alocação dos recursos. Passados alguns anos, a dinâmica do teto de gastos é tal que as despesas com previdência, que vão crescendo independentemente da reforma, vão espremendo as demais despesas. No caso das universidades, isso é nítido. As despesas obrigatórias são mantidas sem reajustes para salário de servidores. Mas as despesas discricionárias, não obrigatórias, vão ficando cada vez menores. Assim como em outras áreas, os investimentos públicos vão sendo zerados. E, com isso, é interrompido o processo de expansão das universidades que a gente viu nos anos de 2000.”


ESTHER DWECK
UFRJ

"No cenário atual, as universidades brasileiras mostraram a importância que elas têm não só do ponto de vista da pesquisa básica, mas também da pesquisa aplicada no enfrentamento à pandemia. Veja a quantidade de soluções que foram criadas em um ano de grande dificuldade de se fazer pesquisa, não só pela ausência de orçamento, mas pela ausência do próprio laboratório que pudesse ser acessado de forma segura. Mesmo assim, as universidades  conseguiram enfrentar e trazer soluções importantes para localidades distintas, como fez em outras situações graves como no caso do enfrentamento da Zika. As universidades sempre estiveram ali para mostrar que estavam prontas para atuar se elas tiverem espaço, se elas tiverem orçamento. A universidade pública está sob ataque. Por isso o debate orçamentário é tão importante. Essa é uma forma de atacar a universidade na qual ela vai ter muita dificuldade em se reerguer. Muitas coisas que estão sendo mudadas são estruturais. São padrões e instrumentos que levaram mais de um século para serem formados e que, se forem destruídos, não se sabe quanto tempo será necessário para reconstruí-los”.

Kelvin Melo
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A pandemia atrasa — e muito — a contratação de novos docentes concursados na UFRJ. No fim de dezembro do ano retrasado, a universidade lançou três editais para a seleção de 119 professores. Até o fechamento desta matéria, um ano e dois meses depois, nenhuma vaga foi ocupada.

A pró-reitoria de Pessoal (PR-4) ainda não dispõe dos resultados das unidades que fizeram provas. Os processos precisam tramitar antes pela Comissão Permanente de Pessoal Docente (CPPD) e pelo gabinete da reitoria. “O que podemos informar no momento é que nenhum candidato foi nomeado e, logo, não foi convocado para posse”, afirma a superintendente administrativa Maria Tereza Ramos. Nomeações esporádicas ocorridas no período são resultantes de editais mais antigos.

A instituição começava a retomar as atividades em 2020, após o recesso, quando a crise de saúde pública do novo coronavírus tornou prioritário o isolamento social, em março. Os concursos docentes, considerados essenciais, não foram suspensos. Mas, segundo a pró-reitoria de Pessoal, as unidades não se sentiram seguras para realizar a etapa de prova escrita, obrigatoriamente presencial por resolução do Consuni.

Em outubro, a PR-4 divulgou um ofício com orientações de biossegurança para a prova escrita presencial. Medidas como alocar no máximo dez candidatos por sala e manter distanciamento mínimo de quatro metros quadrados entre os candidatos fazem parte do documento. A pró-reitoria também permitiu a realização das demais etapas do concurso por videoconferência.

O ofício ajudou a deslanchar o processo em alguns locais, mas foi insuficiente para outros. É o que esclarece o professor Vantuil Pereira, diretor do NEPP-DH e coordenador da comissão executiva de concurso docente, responsável por esclarecer dúvidas dos departamentos e unidades. “As principais dúvidas estão relacionadas à estrutura das salas. Existe concurso na Letras, por exemplo, que tem 70 candidatos. A preocupação é como alocar esse número. Precisa de sala ou salas com tamanho considerável, e envolve pessoal de limpeza também”, observa. “Quase todas as unidades que realizaram concursos em dezembro e janeiro tinham quantitativo muito pequeno de candidatos”, completa.

Outro problema é o prazo. Por resolução do Consuni, as unidades têm até um ano para enviar os resultados dos concursos para a Comissão Permanente de Pessoal Docente (CPPD) fazer a homologação. Quem não realizar as provas pode solicitar uma prorrogação de mais seis meses. O Conselho Universitário já adotou o expediente no fim do ano passado, estendendo o prazo de todos os editais até o fim de junho. Mas, durante uma plenária de decanos e diretores realizada no início do ano, vários dirigentes expressaram dificuldades para cumprir o prazo atual e solicitaram nova prorrogação. O quadro que ilustra essa reportagem, com poucas provas realizadas ou marcadas, reflete a situação.

O professor Vantuil destaca a necessidade de a UFRJ concluir esses concursos. “É um dos bens mais valiosos da universidade. Primeiro, é a questão de repor vagas abertas por aposentadoria, num momento tão dramático que estamos vivendo. Além disso, o concurso é uma forma de renovar o conhecimento, no ensino, na pesquisa e na extensão”, afirma.

SITUAÇÃO DAS VAGAS ABERTAS EM DEZEMBRO*
> EDITAL Nº 953
•Provas aplicadas
15

•Provas marcadas
35

•Sem calendário
publicado
63

> EDITAL Nº 955
•Prova aplicada
1

•Calendário
não divulgado
2

•Sem inscrições
homologadas
1

> EDITAL Nº 956
•Calendário
não divulgado
2

*Fonte: PR-4 (até 19/02)

Lucas Abreu
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No último dia 5, o governo federal publicou o decreto nº 10.620/2021, que passa para o INSS a gestão das aposentadorias e pensões de servidores de autarquias, institutos e fundações federais, o que inclui as universidades, afetando professores e servidores. Isoladamente, a medida é meramente administrativa, porque não altera o regime previdenciário dos servidores e regulamenta uma mudança que foi aprovada na reforma da Previdência de 2019. Mas, no contexto do governo Bolsonaro e sua “granada no bolso” do funcionalismo, a mudança, associada às propostas da PEC Emergencial e da reforma administrativa, que tramitam no Congresso, abre o caminho para a destruição do Serviço Público brasileiro. Essa é a avaliação de especialistas da área e dirigentes sindicais ouvidos pelo Jornal da AdUFRJ.

Para a professora aposentada da UFRJ Maria Lúcia Werneck, o decreto muda só a gestão das aposentadorias, mas o ataque do governo vai vir mesmo com a reforma administrativa e a PEC emergencial. “Acho que esse decreto é uma prévia do que será a reforma administrativa”. Especialista em Previdência Social e ex-presidente da AdUFRJ, Maria Lúcia explicou que a mudança vai afetar as carreiras do funcionalismo público. “Eu não vou mais ser uma professora aposentada, mas apenas uma aposentada. Isso tem implicações de curto prazo para carreiras que têm paridade, ou seja, aumentos para inativos que acompanham os aumentos do pessoal da ativa”.
Maria Lúcia ainda chama atenção para uma consequência de longo prazo do conjunto de medidas, que é o fim das carreiras dentro do funcionalismo público. “É uma conquista importante que vai acabar. São os funcionários públicos que fazem a máquina do Estado andar, que prestam serviços públicos de Saúde, Educação, Assistência Social, tarefas importantes para o funcionamento da sociedade”, explicou a professora, que definiu o decreto como uma das ações que vão desgastando a estrutura do funcionalismo.

DESMONTE DO ESTADO
Para a professora Denise Gentil, do Instituto de Economia da UFRJ, o decreto é uma medida administrativa que pretende extinguir o sistema de previdência dos servidores, e os aposentados serão indiretamente afetados. “Eu enxergo esse decreto como uma transição para o regime único de Previdência. Quando houver a união dos dois regimes previdenciários, o déficit vai ser enorme”, explicou a professora, chamando atenção para os efeitos do desemprego e da reforma trabalhista na queda da arrecadação do INSS. “Se você junta os dois regimes e procura um equilíbrio fiscal, esse equilíbrio vai atingir os que já estão aposentados, porque vai permitir cobrar alíquotas extraordinárias”.

Segundo a professora, o decreto tem que ser analisado em conjunto com o que o governo propõe na reforma administrativa e na PEC emergencial, e que em conjunto as medidas propõem um desmonte do Estado e um ataque aos servidores. “Esse decreto desvincula todos os servidores aposentados e pensionistas dos seus órgãos de origem. E também divide os servidores do Executivo”, disse a professora. A divisão foi determinada pelo decreto, que passou a gestão das aposentadorias dos servidores da administração direta para o Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (Sipec), e não para o INSS, como os funcionários de autarquias, fundações e institutos. “Isso vai provocar uma cisão dentro do funcionalismo público, para não criar resistência em outros setores do funcionalismo”, criticou Denise.  

“O decreto é uma consequência da derrota que sofremos com a reforma da Previdência, e muita gente na época não se deu conta da extensão do prejuízo que ela nos traria”, apontou Eleonora Ziller, presidente da AdUFRJ. Segundo Eleonora, a principal tese que sustenta o questionamento legal das mudanças é que a regulamentação deveria ser feita através de uma nova legislação, discutida no Congresso Nacional, e não por um ato de vontade do presidente da República. “Estamos diante de um procedimento que, em certa medida, pode ser considerado constitucional e previsível, mas que é de uma perversidade enorme, inclusive porque não há em andamento nenhuma proposta de reestruturação e fortalecimento do INSS, tão sobrecarregado. Nunca foi tão evidente que o governo planeja jogar muitas granadas nos nossos bolsos”, criticou. O INSS deve receber pelo menos 1,2 milhão de aposentados vindos do funcionalismo público, e já vem passando por um processo de precarização nos últimos anos.

Já a Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público Federal (CONDSEF) considera o decreto ilegal e inconstitucional, e se junta aos demais críticos ao considerar o ato um primeiro passo para o desmonte da Previdência do funcionalismo público. “O decreto é ilegal porque as pessoas que estão sob a lei do funcionalismo público, independentemente de estar na administração direta ou em autarquias e fundações, têm que ser regidas pelo regime próprio”, explicou Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da CONDSEF. Segundo o dirigente sindical, não há respaldo legal para o governo fazer essas mudanças, mesmo que elas fossem previstas pela reforma da Previdência, por um decreto. “Para fazer essas mudanças é preciso passar pelo Congresso, ela não pode ser feita de maneira monocrática como o governo quer fazer. Há uma maneira legal para fazer isso, que é via Congresso Nacional”, criticou Sérgio. A CONDSEF pretende entrar com uma ação na Justiça para enfrentar a decisão.

MAIS GENTE NA FILA
O decreto pode ter efeitos imediatos no funcionamento do INSS. Uma nota oficial publicada pela Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (FENASPS) também criticou a decisão por sobrecarregar o INSS. “A atual realidade do INSS, por sua vez, é de uma autarquia que vem sendo deliberadamente sucateada”, diz o texto, que fala que, nos últimos dez anos, o número de funcionários da autarquia caiu de 38.529 para 23.661, e apenas 68 novos servidores foram contratados desde 2018. “Desse descalabro administrativo – deliberadamente criado, mantido e incentivado pelo governo federal –, resulta o absurdo quadro atual, em que os trabalhadores que necessitam da Previdência Social precisam esperar meses, senão anos, pela concessão dos esperados benefícios de aposentadoria ou auxílio-doença”, diz a nota.

O decreto tem efeito imediato, mas segundo a pró-reitoria de Pessoal da UFRJ, “ainda há a necessidade do estabelecimento de cronograma e regras para a transição para a absorção por parte do INSS das aposentadorias e pensões dos servidores da UFRJ” e a transferência só vai acontecer após a execução de todas as pendências relacionadas a cadastro e pagamento. “A PR-4/UFRJ ainda não tem ciência se a transferência será feita em bloco após a resolução de todas as pendências, ou individualmente, conforme forem sendo resolvidas. Segundo o decreto, ainda há a necessidade de alguns atos suplementa
res para a execução desta centralização”, informou a pró-reitoria.

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