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Elisa Monteiro e Kathlen Barbosa

De trabalho a saúde, passando por segurança e envelhecimento, a eleição de 2018 toca em temas do cotidiano dos brasileiros – e também por isso é fundamental. O índice de desemprego supera 12%, mais do que o dobro do de 2013. “Quando você pensa no impacto social de 12 milhões de desempregados, fica fácil entender por que isso está na ordem do dia”, afirma o professor João Luiz Sabóia, do Instituto de Economia, que considera vagas as propostas dos presidenciáveis para o tema. A segurança ganhou contornos diferentes pela presença do candidato Jair Bolsonaro (PSL), capitão da reserva do Exército. “Ele encarna a ideia neofascista de que homens de bem podem se armar para matar criminosos impunemente”, diz o antropólogo Luiz Eduardo Soares. Para o ex-secretário de Segurança do Rio, uma vitória do candidato pode significar “um banho de sangue”: “Não precisa esperar a posse. Para setores que já exterminam jovens negros pobres nas periferias à margem da legalidade, a sinalização é de liberdade para matar em nome de suposta ordem”. PREVIDÊNCIA E SAÚDE Num país com população idosa crescente, o modelo de Reforma da Previdência castiga os idosos e a longevidade, que deveria ser uma conquista, avalia Denise Gentil, do Instituto de Economia. “Viver mais é decorrência do avanço tecnológico, das informa- ções, do saneamento básico. É uma conquista social”. A especialista avalia que os candidatos dissociam a questão demográfica de temas como emprego, educação e salário. “Essas forças asseguraram que trabalhadores ativos tenham salários melhores e contribuam para o melhor padrão de vida dos idosos”, explica a docente. Já os economistas Margarida Gutierrez e Carlos Frederico Leão concordam que, em longo prazo, o aumento do tempo de contribuição será inevitável. Para a vice-presidente da Adufrj e pesquisadora em saúde coletiva, Ligia Bahia, as eleições serão decisivas. “Temos uma candidatura (Haddad) que se compromete com aumento de recursos para a saúde e outra (Bolsonaro) que diz que tem dinheiro demais na saúde e vai cortar despesas. Isso é uma tragé- dia, porque temos um volume pequeno de despesa com a saúde, insuficiente para termos um sistema universal”, completa.

Esquerda x direita. Fascismo x civilização. Liberalismo x comunismo. Que sentimentos e ideias alimentam a atual polarização da sociedade brasileira? Para especialistas ouvidos pelo Boletim da Adufrj, o dissenso que se vê como inconciliável se associa menos a projetos ideológicos de país e mais a outras questões. Entre elas, a rejeição ao sistema político partidário, vitaminada por ideias conservadoras gestadas em vários setores da sociedade, e a recusa protagonizada pelo andar da cima da sociedade brasileira em dividir direitos mínimos — já que os privilégios permanecem quase intocados. A historiadora e cientista política Beatriz Bissio, professora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), cita, ao analisar o momento atual, a célebre avaliação de Darcy Ribeiro de que o presidente João Goulart sofreu um golpe em 1964 não pelos seus erros, mas pelos seus acertos. “Toda a demonização dos governos do PT ocorre por seus acertos e não pelos seus erros – que foram muitos”, resume a professora. “O PT, mesmo com concessões neoliberais, iniciou um projeto para os mais desatendidos. Esse foi o pecado original para aqueles que sempre usufruíram do poder e comandaram o Estado a partir de seus próprios interesses”, completa. Para Bissio, o problema não é haver polarização, mas como e por que ela surge. “Poderia haver polarização alicerçada em um debate entre dois grandes projetos, tudo de modo legítimo”, afirma. Para a docente, porém, há pouco de racional e de discussão política na atual polarização — que não pode ser entendida, segundo ela, sem um retrospecto analítico sobre o impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Nesse processo, destaca Bissio, existem responsabilidades variadas, entre as quais ela destaca partidos que deram apoio ao impeachment, os meios de comunicação – “que entraram nesse barco, talvez como capitães” – e o Judiciário. A docente conclui que a atual divisão se sustenta numa falsa polarização. “Tal divisão se sustenta numa insistente ação de partidos e mídia em focar somente a parte obscura dos governos do PT, que lamentavelmente existiu”, afirma. Ivo Coser, professor e coordenador do Núcleo de Teoria Política da UFRJ, destaca, na eleição atual, o sentimento de rejeição de parte da sociedade ao sistema representativo político-partidário. E afirma que o candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, é quem mais se beneficia do sentimento de rejeição da sociedade brasileira ao sistema político, porque se apresenta como o “antissistema”. “Uma parte significativa do eleitorado do Bolsonaro não está votando por saudade de 64. É uma minoria”, destaca. E segue: “Ninguém vai me fazer acreditar que uma juventude que vota no Bolsonaro faz isso porque leu tudo sobre 1964 e descobriu que era sensacional. Vejo esse sentimento de rejeição, que acabou fortalecendo o candidato que se diz contra o sistema, embora tenha nascido no sistema. Isso nós sabemos, mas os eleitores dele não”. Coser avalia que, caso Bolsonaro vença a eleição, grupos conservadores que o apoiaram vão cobrar a conta. Com isso, há risco de redução de direitos conquistados nos últimos anos, como a maior valorização das religiões afro-brasileiras. Diretor da Adufrj e professor do Instituto de Física, Felipe Rosa diz que o tensionamento da sociedade brasileira às vésperas da eleição é assustador: “Está caracterizada uma polarização de ódio e vingança que é altamente nociva, e realmente temo pela democracia se isso se prolongar até o ano que vem”.

O momento pré-eleitoral traz incertezas também para a educação, e um exemplo perverso foi protagonizado esta semana pelo colégio Santo Agostinho. A tradicional escola da Zona Sul do Rio de Janeiro censurou o livro “Meninos sem Pátria”, de Luiz Puntel. Os pais exigiram a suspensão sob o argumento de que se tratava de “livro comunista”, “doutrinador” e com “discurso esquerdopata”. A universidade, que já sofre asfixia financeira e o ataque à sua autonomia de gestão, também vê crescerem grupos contrários ao debate e a favor do movimento Escola Sem Partido. Professor Titular da Coppe e defensor de maior integração entre as áreas do conhecimento, Luiz Bevilacqua diz que um dos presidenciáveis ameaça a liberdade do pensamento acadêmico. “Bolsonaro propõe ‘expurgar a ideologia de Paulo Freire’, abrindo a porta para um novo processo de bloqueio à informação. Já vimos isso antes”, alerta o professor. Segundo ele, nada do programa do líder nas pesquisas se sustenta “dentro de um contexto em que a liberdade de expressão seja essencial para o processo educacional”. Bevilacqua afirma que as universidades públicas poderão sofrer, além dos cortes, bloqueios no desenvolvimento pedagógico, e o trabalho docente estaria ameaçado e cerceado. Para o vice-presidente da Adufrj, Eduardo Raupp, “a universidade está em xeque”. Os conceitos de universidade pública e de liberdade de cátedra estariam ameaçados: “Há sinais muito negativos. Conhecemos, de um dos candidatos, ‘slogans’ que colocam em risco o futuro da universidade. O cenário preocupa”. A universidade, segundo Raupp, não foi debatida com centralidade na campanha eleitoral. “O tema foi pouco discutido, e os projetos são quase desconhecidos. Há um posicionamento superficial dos candidatos, de modo geral”, critica. “Se ela não tem centralidade no momento em que o país está voltado a discutir seu futuro, quando terá?”, indaga o professor do Instituto Coppead. O debate em torno de propostas para o desenvolvimento com colaboração das universidades federais, segundo o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich, está interditado. “Uma eleição é o momento de discutir uma agenda nacional. É uma lástima que esta agenda não esteja sendo tratada nos debates e nas entrevistas dos presidenciáveis”, observa. Davidovich diz que os partidos atribuem pesos diferentes a educação, ciência, tecnologia e inovação. E torce para que o projeto vencedor seja o que mais se aproximar das expectativas da comunidade científica. “Espero que o eleito tenha um projeto que leve em conta o conhecimento e esteja dentro da ordem democrática”, conclui.

Elisa Monteiro e Larissa Caetano

Selvageria financeira ou iniciativas mais flexíveis para o acerto das contas e a retomada do crescimento. Na avaliação da professora Denise Gentil, do Instituto de Economia (IE), dois projetos bem diferentes disputam os rumos do país na eleição. O candidato líder nas pesquisas, Jair Bolsonaro (PSL), promete ajuste fiscal duro, centrado no corte de investimentos. Já os dois candidatos que disputam a segunda vaga no segundo turno, Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT), prometem derrubar a Emenda 95, do Teto de Gastos, com um ajuste fiscal menos severo. Gentil, professora de macroeconomia, classifica como “ortodoxo” o ajuste da equipe de Bolsonaro. “O equilíbrio fiscal seria alcançado com corte de gastos e amplo processo de privatizações e concessões”, explica. Para eliminar o déficit primário no primeiro ano e reduzir a dívida pública, “o que teremos, na prática, será a política já praticada desde 2016 pelo governo Temer. Só que radicalizada”, acrescenta. Para a docente, a proposta gera baixo crescimento econômico: “Em seu conjunto, as propostas de Bolsonaro apontam para uma selvageria financeira, com as consequências sociais: desemprego, precarização de salários, aumento da pobreza e violência”. Também professor do IE, João Luiz Sabóia critica as propostas dos candidatos para um dos maiores problemas da atual crise: o desemprego que afeta mais de 12 milhões de pessoas. “O impacto social é gravíssimo. Todos os candidatos falam em criar empregos, mas não vejo nada de concreto”. Segundo Sabóia, a melhor política contra o desemprego é o crescimento econômico, com investimento e gastos públicos. “Se crescermos 1% ou 1,5% como previsto, o desemprego cairá de 12 milhões para 11 milhões em um ano. Não é um ritmo razoável”. ESTADO DE BEM-ESTAR Na visão do professor Carlos Frederico Leão Rocha, do Instituto de Economia, o grande desafio para os presidenciáveis será um ajuste fiscal compatível com o Estado de bem-estar. “As propostas de Ciro e Haddad lidam com o aumento da taxação, principalmente lucros e dividendos, e uma redução das desonerações fiscais. Eles se colocam a favor da consolidação do Estado de bem-estar, que começou a ser montado na Constituição de 1988”. No outro extremo, a proposta de Bolsonaro é lidar com a Emenda cortando despesas públicas. “Ele partirá para uma redução dos limites mínimos constitucionais para Saúde e Educação e, no que se refere ao corte de gastos, chegamos ao nível de inviabilização do Estado”, afirma Rocha. CONFIANÇA OUTRA VEZ Para o país sair da crise, é fundamental recuperar a confiança econômica, avalia a professora Margarida Gutierrez, do Coppead/UFRJ. “O Brasil continua um país rico com grande potencial produtivo, hoje, ocioso. E está com a inflação controlada”, completa. Margarida Gutierrez destaca que investimentos em educação, ciência e inovação tecnológica são estratégicos para aumentar a capacidade produtiva do país. Mas diz que não se trata apenas de mais dinheiro e sim “de tornar as áreas mais eficientes”. Ela afirma que, apesar de complexo, o sistema tributário deve ser enfrentado: “O imposto sobre produção e consumo é injusto e penaliza os mais pobres”.

Em curso da Adufrj, o professor Flávio Gomes, do Instituto de História da UFRJ, explica as características das escravidões brasileiras e os impactos nos dias atuais Um dos maiores especialistas do Brasil em quilombos e história da escravidão foi o convidado do curso da Adufrj “Interpretações sobre o Brasil contemporâneo”, no dia 29. O professor Flávio Gomes explicou o processo de constituição das "escravidões brasileiras". “A escravidão nas grandes plantações de açúcar é diferente da escravidão nas cidades. Só para dar um exemplo. Há múltiplas escravidões”, disse o autor de diversos livros nas áreas de História Comparada e Antropologia . Flávio também analisou os reflexos daquela época nos dias atuais: “Desigualdade, racismo estrutural, naturalização de castigos físicos – principalmente contra mulheres e crianças —, e propriedade dos corpos são consequências diretas desse período e da falta de políticas no pós-abolicionismo”, destacou. Do ponto de vista econômico, Gomes derrubou a tese de que o capitalismo é incompatível com uma sociedade escravista. “No Rio de Janeiro, ainda há uma parte da cidade intocada, onde funcionavam antigas fábricas, próximas à rua Sacadura Cabral. Ali havia maquinários, se desenvolviam fábricas de chapéus, de charuto. São lugares em que houve a incorporação de máquinas e de mão de obra escravizada. Não é verdade, portanto, que a ascensão do capitalismo e do modelo industrial acaba com a escravidão”, afirmou o docente. A liberdade de ex-escravos não foi um processo conseguido apenas com a abolição. As alforrias foram concedidas em grande escala ainda durante o auge do período escravagista. Brasil e Cuba são os países com maior número de escravizados libertos durante a escravidão. “Era uma forma de dominação e controle. Muitos senhores prometiam a alforria a quem se comportasse. Havia aqueles que recebiam a liberdade como forma de se manterem fiéis aos ex-senhores”, explicou Gomes. As maiores cidades escravistas das Américas estiveram concentradas no Brasil. “O Rio de Janeiro é a maior cidade africana do Atlântico no século XIX. Nenhum lugar tinha uma concentração tão grande de africanos, nem mesmo as cidades da África”. Nessas cidades, bem como em fazendas, os quilombolas tinham uma relação bastante próxima com os escravizados ainda cativos e com o comércio nas cidades. “A ideia de que os fugitivos viviam isolados é falsa. As sociedades quilombolas ficaram invisíveis do poder público, mas não ficaram isoladas. Os quilombos tinham relação com o mercado interno. Há documentos que relatam festas em senzalas com presença de quilombolas”. Para ele, a abolição da escravidão aconteceu em 1888 para evitar um fenômeno de migração em massa de escravizados. Quatro anos antes, Amazonas e Ceará acabaram com a escravidão. “Não se sabia que a Abolição seria em 88, mas, se demorasse mais, poderia haver um fluxo de escravizados fugindo para áreas onde não havia mais escravidão”. O professor avaliou a falta de políticas públicas para os libertos. Para Flávio Gomes, a omissão do Estado brasileiro acentuou as desigualdades e o próprio racismo do país no pós-abolicionismo. “Quando você tira o elemento da escravidão, a forma usada de dizer que aquele ex-escravizado é ‘inferior’ ocorre pela diferenciação da cor da pele. O racismo, então, se constitui como forma de segregação muito mais forte do que quando ainda existia a escravidão”. O ciclo de palestras “Interpretações sobre o Brasil contemporâneo” acontece todas as quartas-feiras e sábados, até o dia 24 de outubro. Nas quartas, os encontros são na Casa da Ciência, em Botafogo, das 17h às 20h30. Aos sábados, as aulas acontecem na sala 210 do Instituto de Economia, campus da Praia Vermelha.

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