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WhatsApp Image 2023 08 18 at 12.33.21 4Por Igor Vieira e Silvana Sá

Depois de dez anos em vigor, a Lei de Cotas foi rediscutida e modificada na Câmara dos Deputados. Agora, cotistas disputarão as vagas ofertadas à ampla concorrência. Caso não alcancem nota suficiente, passam a concorrer pelo critério de cotas. “O fato de deixar de restringir os cotistas a 50% das vagas tende a aumentar a presença desses grupos no ensino superior, o que é muito positivo”, analisa a professora Nedir do Espirito Santo, presidente da AdUFRJ. “Os quilombolas também são um grupo negligenciado há muitos anos. Importante a inclusão”, destaca a professora.
O Projeto de Lei 5384/20 foi aprovado no dia 9 e agosto e celebrado também por especialistas. “Os críticos sempre utilizaram a meritocracia para combater as cotas. Agora, o cotista vai concorrer com todo mundo. E muitos vão conseguir acessar sem as cotas, abrindo vaga para quem precisa mais”, avalia o professor Gabriel Siqueira, militante do movimento negro e especialista em políticas públicas. “A lei é uma reparação histórica”, ele afirma.
A revisão da Lei 12.711/2012 deveria ter acontecido no ano passado, mas os movimentos sociais avaliaram que o cenário político – pré-eleições e com Bolsonaro ainda no poder – era hostil a proposições progressistas. “Houve revisão e houve aprimoramento da lei, que era omissa em algums questões, como, por exemplo, assistência estudantil, bancas de heteroidentificação”, argumenta Gabriel Siqueira.WhatsApp Image 2023 08 18 at 12.45.03

REDUÇÃO DA RENDA
Outra mudança foi a redução da renda per capita familiar do candidato às cotas, de 1,5 para apenas 1 salário mínimo. “Não era isso que a gente queria, mas foi a mediação possível”, afirma o especialista. “Outros cálculos entraram no argumento da redução, mas queríamos que o valor aumentasse e não reduzisse”.
Diante da derrota pontual, os movimentos articulam que esteja em lei que todos os que ingressarem por ações afirmativas sejam contemplados com bolsa-permanência ao longo de todo o curso. Por enquanto, a lei fala em “prioridade”. “O custo desse aluno é um valor que retorna para o Estado depois que este estudante se forma”, afirma Gabriel.
WhatsApp Image 2023 08 18 at 12.45.03 2Sobre a redução do valor, a relatora do projeto aprovado, deputada Dandara (PT-MG), discorda de Gabriel. “Em 2012, no primeiro ano da lei de cotas, o salário mínimo tinha um valor muito menor do que o de hoje. Agora, quem ganha hoje um salário mínimo e meio, com quatro pessoas na família, tem uma renda familiar de R$ 6 mil. É preciso afunilar ainda mais para atingir as pessoas que realmente precisam”, defendeu.
Mas, entre 2012 e 2023 houve queda e não aumento do poder de compra do trabalhador. Em 2012, um salário mínimo (R$ 622) era capaz de comprar duas cestas básicas. Hoje, com R$ 1.302, um trabalhador brasileiro compra uma cesta e meia.
Na cotação do dólar, também houve redução do poder de compra. Em 2012, um salário mínimo equivalia a US$ 365; em 2023, US$ 260.

MAIS DIVERSIDADE
Para a parlamentar, que é professora e se define como “fruto das cotas”, a lei foi melhorada, já que os cotistas não estarão mais restritos a 50% das vagas. “Nós corrigimos uma distorção, para que mais dos nossos possam entrar na universidade, somos maioria no Brasil”, afirmou.
A deputada afirmou que ouviu as universidades e estudantes, que se queixaram principalmente da evasão e do acesso à pós-graduação. “Por isso, o texto estipula que os cotistas terão prioridade para receber bolsas afirmativas e de permanência dentro das universidades”.WhatsApp Image 2023 08 18 at 12.45.03 1
Superintendente de Ações Afirmativas, Diversidade e Acessibilidade, Denise Góes destaca que o ganho da nova lei é o aumento dos perfis de cotas. “É uma vitória, pois além dos pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência, tem os quilombolas”.
Outro ganho é que a lei estipula a prioridade de bolsas para os cotistas, além de ter expressado o seu caráter permanente, com atualização a cada dez anos. “É um grande avanço, porque agora estamos falando de permanência, não só de entrada”.

AUTONOMIA
A nova lei não determina como o processo seletivo vai acontecer ou como as vagas serão distribuídas. Cada universidade terá autonomia para definir seus critérios. Há dúvidas se haverá aumento da nota de corte da ampla concorrência, ou redução entre os cotistas.
A Superintendência Executiva de Acesso e Registro da UFRJ foi procurada para esclarecer o que pode mudar no ingresso na universidade, mas não respondeu aos questionamentos até o fechamento desta edição.
O projeto foi encaminhado em caráter conclusivo para o Senado e deve ser submetido apenas às comissões especiais, sem ir a plenário.

WhatsApp Image 2023 08 18 at 12.33.23Fotos: Alessandro CostaSe pudessem ser analisadas com rigor científico, não seriam exatamente ternas as lembranças do físico alemão Albert Einstein de sua visita ao Brasil, entre 4 e 12 de maio de 1925. Aos 46 anos, já agraciado com o Nobel de Física de 1921 — por suas pesquisas sobre o efeito fotoelétrico — e consagrado pela Teoria da Relatividade, comprovada em 1919, o cientista achou que o Brasil era “quente e úmido demais para se efetuar qualquer trabalho intelectual” e foi apresentado, sem teste prévio, a um vatapá com pimenta, qual fosse um nativo do Recôncavo. Mas, entre uma visita protocolar ao presidente Arthur Bernardes e uma palestra sufocante em auditório superlotado no Clube de Engenharia, Einstein conheceu a sede da Rádio Sociedade, fundada apenas dois anos antes. E, aí sim, ficou encantado com o que viu — e ouviu.
“Após minha visita a esta Rádio Sociedade, não posso deixar de mais uma vez admirar os esplêndidos resultados a que chegou a ciência aliada à técnica, permitindo aos que vivem isolados os melhores frutos da civilização”, discursou Einstein, em alemão, no estúdio da rádio, depois de ouvir uma apresentação da orquestra da emissora. “Na cultura levada pela radiotelefonia, desde que sejam pessoas qualificadas que se encarreguem das divulgações, quem ouve recebe além de uma escolha judiciosa, opiniões pessoais e comentários que aplainam os caminhos e facilitam a compreensão: esta é grande obra da Rádio Sociedade”, completou.
A visita de Einstein ao Brasil tem lugar de destaque na exposição “Rádio Sociedade: 100 anos de rádio no Brasil”, aberta esta semana na Casa da Ciência da UFRJ. Emissora pioneira do país e uma das primeiras do mundo, a rádio teve sua irradiação experimental em 1º de maio de 1923, e passou a transmitir regularmente a partir de 19 de maio daquele ano. Não foi criada por obra e graça do governo nem da iniciativa privada. Foi concebida para ser um veículo de divulgação científica e cultural por um movimento de cientistas e intelectuais do Rio de Janeiro, reunidos na Academia Brasileira de Ciências (ABC) e capitaneados por Edgard Roquette-Pinto, considerado o “pai da radiodifusão no Brasil”.WhatsApp Image 2023 08 18 at 12.33.57CHRISTINE RUTA “enquadra” o diretor da Casa da Ciência, Ismar Carvalho - Foto: Divulgação
“Ao mesmo tempo em que relembra o processo de criação, amadurecimento e transformação da rádio no Brasil, essa exposição retrata um momento muito interessante da história, no qual a Ciência estava se consolidando no país. E sendo reconhecida, como vemos na exposição com os registros das visitas de Albert Einstein e Marie Curie, em 1925 e 1926, dois expoentes mundiais da Ciência até hoje”, destaca a professora Christine Ruta, coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura, ao qual a Casa da Ciência está vinculada.
Para a pesquisadora Luisa Massarani, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), a criação da Rádio Sociedade se deu em um contexto de ebulição da Ciência. “Ela foi criada apenas um par de anos depois da primeira rádio no mundo. Além disso, foi concebida no escopo da Academia Brasileira de Ciências por cientistas e intelectuais, tendo entre seus objetivos divulgar a ciência. Sua criação teve grande relevância tanto na história da rádio como da divulgação científica, em um momento de efervescência como a década de 1920”, lembrou Luisa, que é curadora da exposição, ao lado do professor Ildeu Moreira, do Instituto de Física da UFRJ.
A pesquisadora também coordena o Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT/Fiocruz), que digitalizou todo o acervo da Rádio Sociedade, base da exposição. É possível ao visitante ouvir áudios originais da emissora, como o “Quarto de Hora Infantil”, voltado às crianças. A emissora também transmitia palestras de diversos cientistas, como as conferências feitas pela física e química polonesa, naturalizada francesa, Marie Curie, em sua visita ao Brasil, em 1926. Ela também visitou a Rádio Sociedade e, assim como Einstein, ficou encantada.
WhatsApp Image 2023 08 18 at 12.33.59 1 equipamentos e objetos usados em estúdios de rádios nas décadas de 1920, 1930 e 1940, assim como dezenas de fotos de época. Uma parada obrigatória é a seção dedicada a cartas dos ouvintes.
Depois do auge dos anos 1920, a Rádio Sociedade começou a enfrentar a concorrência das rádios comerciais a partir dos anos 1930. Em 1936, com o compromisso do presidente Getúlio Vargas de manter suas características originais, a rádio foi doada à União e passou a se chamar Rádio MEC — que se mantém até hoje.
De acordo com Luciane Correia, diretora da Divisão de Programas da Casa da Ciência, a exposição conduz o leitor à reflexão. “Pretendemos mostrar a evolução tecnológica que o conhecimento científico traz no seu embrião. Por isso a exposição termina com os podcasts, que nada mais são do que programas de rádio”, diz Luciane.
O estúdio é o ponto final da mostra, onde mediadores ajudam os visitantes a criarem podcasts. “Você sabia que essa casa em que estamos foi um alojamento de pacientes tuberculosas do antigo Hospital Nacional dos Alienados e foi inaugurado em 1926?”, diz logo na entrada o mediador João Pedro Fernandes de Melo, de 20 anos, aluno de Psicologia da UFRJ, com o mesmo brilho nos olhos que Roquette-Pinto deve ter ostentado ao conceber a Rádio Sociedade.

ROQUETTE-PINTO JOGAVA NAS 11

WhatsApp Image 2023 08 18 at 12.33.57 1Com seu vozeirão de locutor, seria mesmo uma injustiça se o antropólogo, escritor, etnólogo, professor e médico Edgard Roquette-Pinto não incorporasse ao seu currículo a atividade de radialista. A voz de locutor poderá ser conferida pelo visitante na entrada da exposição, onde áudios reproduzem narrações de Roquette-Pinto na Rádio Sociedade. Já o currículo mereceria uma exposição própria.
“Pai da radiodifusão” no Brasil, título ao qual fez jus com a criação da Rádio Sociedade, o carioca Roquette-Pinto (que dá nome à rádio oficial do governo do Rio de Janeiro) se graduou em Medicina na Universidade do Brasil em 1905 e conseguiu conciliar suas atividades na área médica com as de antropólogo. Foi diretor do Museu Nacional e coube a ele receber Albert Einstein em sua visita à instituição em 1925.
Em 1927, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras e, em 1932, criou o Instituto Nacional de Cinema Educativo. Foi também membro da Academia Brasileira de Ciências e um dos fundadores do Partido Socialista Brasileiro.
Mas sua paixão mesmo era o rádio. “Ele literalmente colocava a mão na massa, trazendo as notícias do dia para os ouvintes, com seu vozeirão potente”, diz Luisa Massarani, lembrando que Roquette-Pinto criou o setor educativo no Museu Nacional.
Um dos painéis da exposição traz o seguinte texto: “Rádio é o jornal de quem não sabe ler. É o mestre de quem não pode ir à escola. É o divertimento gratuito do pobre. É o animador de novas esperanças; o consolador dos enfermos; o guia dos sãos, desde que realizado com espírito altruísta e elevado”. Assinado: Edgard Roquette-Pinto.

SERVIÇO
- “Rádio Sociedade: 100 anos de rádio no Brasil”
- De 15 de agosto a 8 de outubro de 2023
- Terça a sexta, de 9h às 20h; sábados, domingos e feriados, de 10h às 17h
- Casa da Ciência da UFRJ: Rua Lauro Muller, 3 — Botafogo — Rio de Janeiro
- Agendamento de grupos e escolas pelo site www.casadaciencia.ufrj.br

Minerva CT UFRJDoze mil, setecentos e cinquenta e quatro alunos aprovados para a maior universidade federal do Brasil abriram mão de suas graduações desde que a pandemia de covid-19 se instalou no país. Desses, cinco mil ingressaram por ações afirmativas e, por conseguinte, são mais dependentes de políticas de permanência e assistência estudantil.
O dado alarmante foi informado pelo reitor Roberto Medronho, logo após sua cerimônia de posse. Oficialmente há pouco mais de um mês no cargo, Medronho afirmou que a prioridade zero de seu mandato é a assistência estudantil. “Nós precisamos fazer com que o aluno que entra na universidade não saia. Só com o diploma! A evasão escolar é um combate imediato”, disse.
A equipe da reitoria faz um levantamento, de acordo com o dirigente, das informações de contato desses estudantes para buscar ativamente todos os que trancaram seus cursos durante a pandemia. “Queremos convidá-los a retornar à universidade. Queremos que eles concluam sua formação. Um aluno que entra para esta universidade por ações afirmativas muda a sua vida, muda a vida da sua família e muda a vida da sua comunidade, da sociedade. Por isso nós temos que ter toda atenção e carinho para isso”, avaliou Medronho.
O reitor afirmou buscar soluções para um grande gargalo quando o tema é assistência estudantil: a oferta de bolsas de permanência. “Estamos buscando parcerias para a manutenção de bolsas – inclusive com o setor privado – já que as bolsas do PNAES (Programa Nacional de Assistência Estudantil) ainda não existem em quantidade necessária”.
Medronho garantiu que a UFRJ fará de tudo para que esses alunos concluam seus cursos. “Daremos toda a assistência necessária e nos empenharemos na busca de bolsas para que eles se formem e façam a diferença na transformação dessa realidade tão desigual que é a sociedade brasileira”.
O orçamento para a assistência já está sendo discutido e negociado com a bancada federal do Rio e com os ministérios, segundo o reitor. Mas ele avisou que buscará parcerias com outros entes. “Não ficaremos restritos aos orçamentos governamentais. O setor produtivo tem o dever de investir na educação. Em todos os países do mundo desenvolvido, isso ocorre. Estou instando o setor produtivo a nos ajudar inicialmente focando nas ações afirmativas, nos alunos que precisam de bolsa-permanência, para que nós consigamos formar todos esses estudantes”.
O reitor também informou que está em conversas avançadas com o prefeito Eduardo Paes para transformar prédios vazios do Centro do Rio de Janeiro em dormitórios para estudantes universitários. “Com a pandemia, vários edifícios próprios do governo federal foram desocupados. Estamos negociando um local no Centro. Precisamos formar cidadãos éticos, compromissados e competentes. Essa é nossa missão. Para isso, precisamos investir em assistência estudantil e nas nossas estruturas”.

savings 2789112 640A UFRJ ainda vai enfrentar problemas orçamentários graves neste ano e em 2024. Em plenária realizada no dia 15, o reitor Roberto Medronho informou aos decanos e diretores que a maior federal do país deve encerrar o exercício com um déficit estimado de R$ 110 milhões. O cálculo já considera o reforço de caixa de R$ 64 milhões no primeiro semestre do governo Lula. “Nós teremos muitas dificuldades de funcionamento, a partir de meados de setembro, caso não haja uma suplementação para as verbas de custeio”, observou o dirigente.
À reportagem, o pró-reitor de Finanças, professor Helios Malabranche, contou sobre os esforços da instituição para conseguir chegar ao fim do ano. “Estamos transferindo para 2024 tudo que é possível, como algumas reformas ou serviços de manutenção”, disse. “Estamos aprovando apenas as despesas que são absolutamente necessárias ao funcionamento da universidade”.
Para 2024, o cenário não é muito melhor. A informação que a administração superior recebeu do MEC é que não haverá ampliação do orçamento. E que as verbas de investimento só serão distribuídas via PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), lançado na semana passada. A UFRJ ainda não sabe quanto terá.

ORÇAMENTO PARTICIPATIVO
Ainda durante a plenária de decanos e diretores, a reitoria apresentou uma proposta para revisão dos critérios do chamado orçamento participativo — receitas que Centros e Unidades recebem ao longo do ano para despesas do cotidiano. A matriz atual, aplicada desde 2007 e com mudanças pontuais desde então, não acompanhou o crescimento da UFRJ. A discussão ficou restrita a parâmetros, sem mostrar as diferenças entre o que se recebe hoje e como poderá ficar.
Duas alterações importantes são a inclusão das ações de extensão no cálculo (o que não ocorre na matriz atual) e a substituição da residência médica — como o MEC adota em sua distribuição de recursos para as universidades — pelos atendimentos hospitalares, na partilha de recursos para as unidades de saúde. Outro tópico — que rendeu bastante polêmica na reunião — é a possível concessão de um bônus para as unidades que oferecem disciplinas para alunos de outros cursos. O documento com as propostas pode ser conferido na página da pró-reitoria de Finanças, com o nome “Nova matriz - orçamento participativo”.
A reitoria decidiu montar uma comissão com representantes de todas as decanias, PR-3, Caxias e Complexo de Formação de Professores para refinar a proposta. O grupo terá um prazo máximo de 60 dias para apresentar os resultados, que deverão ser discutidos nos centros e unidades. A ideia é votar a nova matriz no Conselho Universitário até dezembro.
(Kelvin Melo)

WhatsApp Image 2023 08 11 at 14.19.30 4Em menos de dez dias, o governo de São Paulo anunciou duas medidas na área de Educação que valem por décadas de retrocesso. A primeira, de 28 de julho, determina que os diretores vigiem os docentes em sala de aula e produzam relatórios bimestrais. Na segunda, divulgada no início de agosto, o governo abre mão dos recursos do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) do MEC e passa a usar livros didáticos digitais com conteúdo próprio. Tão extraordinária quanto a capacidade de produzir retrocessos em tão pouco tempo foi a reação negativa de especialistas às duas medidas.
“O anúncio do material didático digital foi criticado por dez entre dez especialistas em Educação. Você não precisa abrir mão do livro didático para ter o recurso digital em sala de aula. Nem vice-versa. Não há dicotomia. Não faz o menor sentido abrir mão dos livros do PNLD, que são revisados por especialistas sérios, com editais detalhados, financiados por recursos federais. Substituir isso por material digital e dizer depois que ele será impresso para as escolas é de uma irracionalidade brutal”, criticou o professor Fernando Cássio, da Universidade Federal do ABC e estudioso de políticas educacionais.
VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS
Tão logo a decisão de abolir os livros didáticos impressos foi anunciada pelo governo do bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos), o Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito para apurar a decisão. “Há uma potencial restrição da liberdade de cátedra dos professores, diante da provável limitação de escolha e padronização do material a ser disponibilizado pelo Estado de São Paulo em comparação com a pluralidade dos títulos disponíveis pelo PNLD, com possível violação aos princípios constitucionais da liberdade de ensinar e do pluralismo de ideias e concepções pedagógicas”, alertou a promotora Fernanda Peixoto Cassiano, que assina o documento.
Ao fazer o anúncio no início de agosto, o secretário de Educação, o empresário Renato Feder, defendeu assim a decisão. “A aula é uma grande TV, que passa os slides em PowerPoint, alunos com papel e caneta, anotando e fazendo exercícios. O livro tradicional, ele sai”.
Enquanto o programa federal oferece uma lista de obras didáticas e permite que professores e diretores escolham com quais livros querem trabalhar, o material preparado pela Secretaria de Educação é padronizado para todas as escolas. A rede tem 3,5 milhões de alunos e 250 mil professores.
Diante da repercussão negativa, o governo paulista recuou. Mas nem tanto. Tarcísio de Freitas declarou que o material digital será impresso e ficará à disposição dos alunos. Mas o governo manteve a decisão de não adotar os livros do PNLD. O secretário Renato Feder convocou uma coletiva no início desta semana para dizer que a opção de ficar fora do programa federal se baseia no fato de que “os livros do MEC não podem ser grifados pelos alunos”, já que são reaproveitados por outras turmas nos anos seguintes.
O professor Fernando Cássio considera insustentáveis as alegações do governo paulista. “O que tem circulado nas escolas de Ensino Médio são conjuntos de slides, de Power Point, de baixíssima qualidade, com conteúdo retirado de plataformas de internet”, apontou. Segundo ele, países que passaram a adotar material 100% digital nas escolas recuaram.
A Suécia é um exemplo. O país vinha substituindo os impressos por materiais digitais ao longo dos últimos 15 anos, e fazendo pesquisas para aferir a eficácia dessa substituição. Em artigo escrito em dezembro do ano passado a um jornal de Estocolmo, a ministra da Educação e Pesquisa da Suécia, Lotta Edholm, revelou que as pesquisas mostraram prejuízos ao processo educacional dos alunos sem os impressos. Em maio deste ano, a Suécia anunciou investimentos anuais de R$ 315 milhões para a compra de livros didáticos em papel.
Para o professor Fernando Cássio há ainda um conflito de interesses. “A medida embute um interesse de mercado. Temos um secretário de Educação que não é um educador, é um empresário do ramo de tecnologia, acionista de uma empresa que vende equipamentos para o governo de São Paulo. Faz prospecção de negócios como secretário de Educação. E não só para agora, mas para o futuro”, alertou. O MPSP investiga esse eventual conflito de interesses (veja matéria abaixo).
O aparente recuo do governo paulista é visto com cautela por Fernando Cássio. “O governo usa táticas bolsonaristas, isso tem sido feito sistematicamente desde que Tarcísio de Freitas assumiu. Faz um anúncio, testa a repercussão, faz outro anúncio, muda de ideia, e assim por diante”, detectou o professor.
O Jornal da AdUFRJ encaminhou pedidos de esclarecimentos ao governo de São Paulo sobre as duas medidas. Mas, até o fechamento desta edição, não houve retorno (prática também consagrada pelo governo Bolsonaro).

MONITORAMENTO
Se recuou, ao menos parcialmente, na questão dos livros didáticos, o governo paulista não dá mostras de arrependimento em relação à vigilância dos professores. Mesmo com as críticas em peso, a portaria continua de pé. “É uma aberração sob todos os pontos de vista. Do ponto de vista legal, viola o princípio constitucional de liberdade de cátedra. No aspecto pedagógico, é totalmente contrário ao princípio da gestão democrática, consagrada na Constituição de 1988, e consolidada na Lei de Diretrizes e Bases de 1996. E tem um viés autoritário inequívoco”, resumiu Ana Lúcia Fernandes, professora da Faculdade de Educação e diretora da AdUFRJ.
Além do viés autoritário, segundo Ana Lúcia, há também um viés ideológico. “A educação é um pacto social amplo e isso parece ser a vontade de um grupo de fiscalizar o que o professor ensina em sala de aula. Essa proposta coloca o professor como um executador de uma proposta que vem de cima para baixo. E transforma os coordenadores e diretores em fiscais. O argumento de que a medida é em favor da eficiência é uma falácia. Já existe um mecanismo para averiguar isso, que são as provas. Nada justifica que um monitoramento persecutório cumpra esse papel”, observou.
O presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Fábio Moraes, disse que os professores vão se mobilizar para derrubar a medida. “É absolutamente arbitrário esse negócio de colocar diretor de escola vigiando professor e produzindo relatório. Isso é bizarro. O objetivo dessa portaria não é dar suporte. É de colocar o terror”, denunciou Fábio.
Para o sindicalista, a medida é nefasta tanto para o professor quanto para o diretor. “Veja o lado do diretor que está numa escola onde não tem merendeira, pois é terceirizada e não recebe o salário, onde faltam professores porque não tem concurso, onde tem goteira e falta papel no banheiro. Esse diretor ainda é obrigado a ir para a sala de aula vigiar professor e fazer relatório. Tudo para checar se o professor está dando em aula aquele pensamento único que eles querem impor, com a retirada do material didático do PNLD. É tudo pensado. Fere a nossa liberdade de cátedra”, argumentou.
O sindicato convocou um ato contra as medidas na próxima quarta-feira, às 16h, na Praça da República, região central de São Paulo. E recomendou que cada manifestante leve um livro.
Na quinta-feira (10), o PSOL protocolou uma representação no Ministério Público de São Paulo pedindo nova investigação contra a Secretaria de Educação por violação à privacidade de professores e alunos da rede estadual. Sem autorização, a secretaria instalou o aplicativo “Minha Escola” nos celulares conectados ao seu sistema. O aplicativo é usado para alunos verificarem notas e faltas e pode captar dados pessoais dos usuários, o que contraria a Lei Geral de Proteção de Dados. Foi a terceira medida polêmica, para dizer o mínimo, em pouco menos de 15 dias. É realmente extraordinário.

FEDER: ATUAL SECRETÁRIO, QUASE MINISTRO, SEMPRE EMPRESÁRIO

WhatsApp Image 2023 08 11 at 14.20.53 3O MPSP instaurou em março uma investigação sobre eventual conflito de interesses em contratos da Secretaria de Educação do estado. O procedimento tem como foco o secretário Renato Feder, que é acionista da Dragon Gem LLC, offshore com sede no estado norte-americano de Delaware, conhecido paraíso fiscal. A Dragon detém 28,16% das ações da Multilaser Industrial S.A., empresa que fornece notebooks e tablets para a Secretaria de Educação, comandada por Feder. Firmados em 2022 — portanto antes do início da atual gestão —, os contratos movimentam cifras em torno de R$ 200 milhões.
O empresário que comanda a pasta da Educação do governo paulista já ocupou o mesmo cargo no Paraná, onde se destacou por promover a maior ampliação da rede de escolas cívico-militares do país — um dos “feitos” do governo Bolsonaro na área da Educação: 195 escolas estaduais passaram a adotar o modelo. Além disso, sob a batuta do governador bolsonarista Ratinho Junior, Feder abriu editais para a gestão de escolas públicas por empresas e fundações educacionais. Mais: por meio da faculdade privada Unicesumar, a secretaria passou a oferecer teleaulas para o ensino médio profissionalizante.
Talvez por conta desse seu desapego ao ensino público, Feder quase foi alçado à condição de ministro da Educação no governo Bolsonaro, para suceder Carlos Alberto Decotelli, que durou poucos dias no cargo por fraudar seu currículo.
A sua “nomeação” chegou a ser anunciada pela deputada bolsonarista Bia Kicis em seu perfil no Twitter em 3 de julho de 2020. A tática bolsonarista de vazar o nome para aferir a repercussão foi fatal para Feder. A bancada evangélica e a seita olavista foram contra, e logo se descobriu que o empresário fora um dos mais generosos doadores para a campanha do governador João Dória, em São Paulo, inimigo de Bolsonaro.

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