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bandeira adufrjDiretoria da AdUFRJ

Nas próximas semanas, estaríamos nos preparando para concluir o ano de 2020. Uma parte dele com certeza se extinguirá, e não deixará saudades. Mas, para muitos de nós, ele apenas começa, com o início oficial de 2020.1 marcado para segunda-feira, 30 de novembro. Até o fechamento desta edição, o Siga não estava numa situação muito amigável. Segundo explicações oficiais, a sobrecarga de lançamento de notas e inscrição em disciplinas feitas simultaneamente e em tão curto espaço de tempo estariam causando as dificuldades. Vamos ver o que ocorrerá durante a próxima semana. Muito além do Siga, no entanto, estão os acontecimentos de domingo, com o segundo turno das eleições municipais. Podemos confirmar um quadro mais otimista para 2021 caso as principais batalhas sejam vencidas por candidatos do campo progressista e de esquerda.
Mesmo assim, as perspectivas para o que virá ainda são as mais sombrias: o corte no orçamento das universidades, a devastação no CNPq e na Capes, as nomeações de reitores sem legitimidade estão aí a nos desafiar. Mal tivemos tempo para comemorar a derrota de Trump nas eleições dos EUA. Em 19 de novembro, véspera do Dia da Consciência Negra, a morte por espancamento de Beto Freitas no Carrefour de Porto Alegre trouxe um doloroso dèjá vu, que se repete em nosso cotidiano de violenta exclusão e de racismo impune. É a face mais hedionda de um racismo estrutural, que é capaz de sustentar uma história que ofende os fatos que se apresentam de forma incontornável, e permite que os ocupantes do Planalto avancem com desfaçatez sobre a sociedade afirmando que ele, o racismo, não existe no Brasil. A pergunta que merece ser feita é a de assombro em relação ao modo quase pacífico de nossas instituições atravessarem essa tormenta. Sim, há aqui e ali alguma resistência, algum ganho.
É verdade que avançamos, o gabinete do ódio perde espaço, os antídotos vão se espalhando e as fakenews vão sendo um pouco mais controladas. Também podemos nos agarrar à ideia de que, há alguns anos, a morte de Beto sequer seria notícia. E não lembraríamos de Amarildo Dias de Souza, Claudia Silva Ferreira, Winner Nascimento, Marcos Vinícius, Ágatha Félix, João Pedro, Miguel Otávio. Eles sequer teriam seus nomes reconhecidos e suas mortes não passariam de pequenas notas. A execução de Marielle Franco talvez tenha sido o maior erro de cálculo que já fizeram. Ela nos faz falta, e a impunidade de seus assassinos é a pedra que precisa ser removida de nossos caminhos. Mas apesar da impunidade, sem medo de enfrentar as mais adversas situações, um verdadeiro exército de Marielles se pôs em marcha. Há então alguma novidade no cenário. E também na UFRJ. Os docentes negros e negras se movimentam, se organizam. É uma ação inédita, que irá movimentar e desafiar as nossas estruturas. Portanto, tiremos desse quadro tão contraditório o alimento de nossas esperanças.

WhatsApp Image 2020 11 20 at 23.11.14No ano em que o livro “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada” completa 60 anos de publicação, sua autora, Carolina Maria de Jesus (1916-1977), está prestes a ser reconhecida pela primeira vez como Doutora Honoris Causa. O título foi aprovado por unanimidade no Conselho de Coordenação do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) da UFRJ. A homenagem póstuma foi sugerida pela professora Susana de Casto, diretora do IFCS/UFRJ e co-coordenadora do Grupo de Pesquisa Decoloniais Carolina Maria de Jesus. “É um resgate de uma autora que as novas gerações precisam conhecer. Talvez a importância do título seja dar o reconhecimento que ela merece no campo das artes e letras”, diz Susana. O parecer que concede o título à escritora foi assinado pela Comissão Acadêmica do Conselho, composta pelos conselheiros Maria Muanis, Maria de Fátima Galvão, Jeane Alves da Silva, Miriam Krenzinger e Vantuil Pereira. A indicação ainda precisa ser aprovada no Conselho Universitário.
“É uma sociedade que foi construída no apagamento cultural das contribuições literárias, políticas e culturais dos intelectuais negros e das mulheres de maneira geral. Não só a Carolina, mas muitas autoras intelectuais mulheres que foram silenciadas na história precisam desse resgate. Não um resgate identitário, mas sim pela contribuição literária delas, que é importante para entendermos esse país e passarmos isso para as novas gerações”, salienta Susana.
Mulher, negra e pobre, Carolina Maria de Jesus foi uma autora improvável. Nasceu em 14 de março de 1914 em Sacramento, Minas Gerais, em uma comunidade rural, filha de João Cândido e Dona Cota, ambos analfabetos. Frequentou o Colégio Allan Kardec, de orientação espírita, até o 2º ano do Ensino Fundamental. Em pouco tempo, aprendeu a ler e escrever e desenvolveu o gosto pela leitura. Por sua persistência com os livros, deram-lhe a alcunha de “louca”. Em 1937, após a morte da mãe, ela se mudou para São Paulo. Aos 33 anos, desempregada e grávida, iniciou sua jornada.
“O que percebemos ao ler e estudar a obra dela é um perfil de fronteira, portanto decolonial”, afirma Susana, para quem a história colonial pode ser vista como uma história de derrota ou fracasso dos povos que foram oprimidos e escravizados, mas sim como uma luta de resistência. “Nesse aspecto, Carolina é negra e mulher em um Brasil que ainda estava se refazendo de toda a violência que significou a escravidão. Ela não é oprimida exclusivamente. Ela é uma lutadora. Uma mulher que criou três filhos e que continuou escrevendo”, conta. Carolina nunca aceitou que a colocassem num lugar que ela mesma não quisesse estar. Sua vida de trabalhadora braçal, que vai de babá a empregada doméstica, de cozinheira a operária de fábrica, a faz tornar-se uma peregrina.
Ela morava na favela do Canindé, localizada às margens do Rio Tietê, na Zona Norte da capital paulista, quando começou a trabalhar como catadora de papel. Entre os cadernos, buscava os que estavam em melhores condições para, nas horas vagas, registrar o seu cotidiano. Dificuldades diárias para garantir comida, preconceito racial, problemas com vizinhos e com a educação dos filhos eram alguns dos temas desses cadernos, escritos em linguagem simples. Em 1958, o jornalista Audálio Dantas e Carolina se encontraram no Canindé e os 20 cadernos de anotações viraram seu primeiro e mais famoso livro, o “Quarto de despejo”.
Após a publicação e o sucesso, a autora se mudou para Santana, bairro de classe média da capital. Três anos depois, publicou o romance “Pedaços de Fome” e o livro “Provérbios”. Carolina nunca quis se casar e cuidou só dos filhos João José, nascido em 1948, José Carlos, de 1949, e Vera Eunice, de 1953, cada um de um relacionamento diferente. Morreu em fevereiro de 1977, aos 62 anos, de insuficiência respiratória. Outras seis obras foram publicadas após sua morte, compiladas a partir dos cadernos e materiais deixados pela autora.
Para Mariana Patricio Fernandes, professora adjunta no Departamento de Ciência da Literatura da UFRJ, Carolina tinha na escrita uma maneira de não morrer. “Não só fisicamente, mas não morrer como pessoa, de afirmar o seu lugar e a sua singularidade no mundo. O seu direito de existir passa também pelo direito de escrever”, afirma. Depois da publicação do primeiro livro, Carolina continuou na batalha para ser publicada, mesmo com os editores tentando convencê-la a não publicar mais. “Ela mesmo pagou pela publicação dos outros livros dela, porque era uma necessidade de vida”, diz. Hoje em dia, existe um consenso da força literária da escritora Carolina Maria de Jesus, e também um reconhecimento do que havia de racismo e preconceito no questionamento do valor literário de seus escritos.
Vantuil Pereira, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas em Direitos Humanos do NEPP-DH da UFRJ, ressalta que o reconhecimento é uma ação de reparação histórica e, ao mesmo tempo, um olhar para o passado e para o futuro. “Essa reparação tem a ver com um processo histórico de racismo que se construiu ao longo de 400 anos de escravidão e, no caso do Brasil republicano, de um processo combinado de exclusão social, de exclusão da identidade nacional e do branqueamento da sociedade. Esses três pilares constituíram uma divisão onde, por exemplo, um negro não ocupava um lugar de relevo na Literatura”, afirma. Para Vantuil, o título representa um avanço político da pauta racial brasileira no século 21. Carolina, que dizia que o Brasil deveria ser governado por alguém que já passou fome, está perto de um novo atributo: mulher, negra, escritora, favelada e... Doutora Honoris Causa.

WhatsApp Image 2020 11 20 at 12.59.27Diretoria da AdUFRJ

Os estragos provocados pela pandemia de covid-19 vão deixar marcas indeléveis na vida de cada um de nós e na sociedade como um todo. Perdas imensas, transformações profundas e uma sensação de que jamais poderemos voltar ao que existia. O novo coronavírus trouxe consigo uma espécie de lente de aumento para todas as nossas mazelas e iniquidades que, jogadas para baixo do tapete por tanto tempo, cobraram seu quinhão na hora de contabilizarmos perdas e danos. Difícil disfarçar a impiedade dos fatos.
O vírus não reconhece classe, cor ou idade, mas os seus efeitos, sim. Em diversos estudos aparecem os estragos maiores em regiões onde a renda é menor, onde há maior pobreza e menos aparatos de proteção às pessoas. São mais frágeis aqueles que vivem em situação de vulnerabilidade, sem acesso ao saneamento básico e água potável. Também nas escolas fechadas, a desigualdade deixa suas marcas, excluindo do precário ensino remoto aqueles que não possuem acesso à internet, nem condições de construir um ambiente propício ao estudo em suas moradias. Também estão muito mais expostos aqueles que dependem de transporte público, que não têm como opção o teletrabalho.
Mas nenhum desses dados é tão revelador quanto a indicação de que é a população negra quem mais sofre, pois é ela que está mais exposta a todos esses fatores. Ainda nos primeiros meses da pandemia, estudos já demonstravam que a população negra brasileira era a mais afetada, sendo que em São Paulo o risco de morrer de covid-19 é 62% maior para ela. Nos balanços das autoridades sanitárias, a taxa de mortalidade do coronavírus estava em 15,6/100.000 habitantes entre negros, e 9,6 entre os brancos. A proporção entre internações e óbitos é ainda mais reveladora: embora o número de pessoas negras internadas seja menor, o número de óbitos é maior. Menos acesso aos hospitais, saúde mais frágil porque também muitas vezes carregam comorbidades não conhecidas ou tratadas.
Não há novidade nesse quadro num país que ainda não conseguiu superar seu passado escravocrata. A novidade é outra, e é dela que queremos falar nesse 20 de novembro de 2020. A escolha do título de Doutora Honoris Causa para Carolina de Jesus na UFRJ revela que alguma coisa também vem mudando no país. Fruto de uma luta incansável dos movimentos negros, de muitas gerações que construíram uma consciência negra no país, que formaram seus intelectuais e escreveram seus nomes na conquista de políticas públicas compensatórias, em ações afirmativas, e na paulatina construção por representatividade em todos os espaços sociais. Não é exagero afirmar que finalmente as prateleiras de nossas livrarias estão mais negras, como estão mais negras nossas salas de aula. É dessa enorme força que está nascendo um novo país, que muitos teimam em sufocar e fazer definhar. Desde o assassinato de Marielle Franco estamos em uma guerra declarada. Uma guerra que sempre existiu, que matou todos os anos milhares de jovens sem nome e sem futuro, mas que em março de 2016 foi escancarada numa ousadia que não acreditávamos que pudesse ocorrer: executaram uma vereadora em pleno centro da cidade, sob olhos de todos. Há algo de muito podre num país onde isso acontece, onde alguém que exalta um torturador é eleito. Mas as eleições da semana passada demonstraram que Marielle de fato foi semente. As candidaturas de mulheres negras em todo o país cresceram, frutificaram em luta e mais espaço.
Ainda está difícil respirar, mas eles passarão e nós...
Já estávamos fechando esta edição quando recebemos a notícia que pela primeira vez estava sendo organizado na UFRJ um encontro de docentes negros e negras. Repassamos a notícia, cobrimos o evento e é ele que encerra este jornal. Esperamos que seja também o início de um novo tempo para esta que foi uma das últimas universidades do país a aderir ao sistema de cotas. Agradecemos ao professor Vantuil pela organização do evento, do qual participamos com uma saudação e a garantia de que as portas da AdUFRJ estarão sempre abertas e à disposição. Que venham outros encontros, que a memória de Zumbi dos Palmares seja sempre lembrada, e que o Dia da Consciência Negra seja todos os dias, todas as horas, em todas as salas de aula, em todos os laboratórios.

WhatsApp Image 2020 11 20 at 10.56.35Na última terça-feira (17/11), um grupo de 30 docentes negros se reuniu, pela primeira vez, para dialogar sobre os desafios das relações raciais na universidade e o papel deles no enfrentamento ao racismo institucional. O encontro por videoconferência foi organizado pelo professor Vantuil Pereira, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP-DH). Estiveram presentes professores do CFCH, CCMN, Macaé, CT, que marcaram um próximo encontro para o dia 15 de dezembro, às 18h.
Depois de ler “O Poder Negro”, de Stokely Carmichael, Vantuil reconheceu a necessidade de as pessoas negras ocuparem espaços políticos na sociedade. “É preciso expressar o poder negro, ele não pode estar invisibilizado”, disse. “Precisamos ocupar espaço estrutural. Um caminho para mudar o racismo é ocupar e mudar a cultura das instituições, sem ter ilusões sobre mudar o sistema como um todo”, afirmou. Para o professor, o primeiro passo já foi dado com a presença deles, docentes negros, na universidade. “O segundo é ocupar os espaços institucionais, como congregação, CEG, CEPG, Consuni”, acredita. Na reunião, foi divulgado o formulário de uma pesquisa desenvolvida por Vantuil, que está traçando o perfil Étnico-Racial/Gênero dos Servidores, Docentes e Técnico-Administrativos em Educação da UFRJ.
Em depoimento emocionado, a professora associada do Departamento de Metodologia da Enfermagem, Maria da Soledade, agradeceu pelo encontro. “A gente está aqui se reconhecendo. As vezes entramos em alguns espaços e não olham para a gente como preto também. Precisamos nos equilibrar e ver que estamos juntos, um para o outro”, reconheceu. Alzira Guarany, professora adjunta da Escola de Serviço Social, também expressou gratidão. “É uma universidade branca no nível docente, mas que bom essa iniciativa”, disse. “Que a partir daqui a gente consiga nos reunir e pensar ações de fortalecimento e de visibilidade lá dentro. Essa universidade branca nos torna invisíveis. Que bom reconhecê-los, irmãos presentes nessa universidade”, agradeceu.
Fabio Pereira, do Departamento de Engenharia Química, lembrou que nenhum dos cursos do Centro de Tecnologia (CT) possui cotas para professores. “Somos dois ou três de 120 professores no total. A gente por muito tempo ficou avesso a discutir questões raciais. Isso não é assunto que se abre na Engenharia, na Física ou na Matemática”, explicou.
A UFRJ foi uma das universidades que mais demorou a aderir às cotas, já que o tema não passou pelos conselhos universitários e só virou uma realidade após a Lei Federal de Cotas (Lei Nº 12.711), de 29 de agosto de 2012.

Cansaço é sensação comum aos docentes

WhatsApp Image 2020 11 14 at 00.58.021Se a avaliação do Período Letivo Excepcional pudesse ser resumida em uma palavra, pela perspectiva dos professores, ela seria ‘cansaço’. Essa é a sensação que atravessa boa parte dos depoimentos de docentes que falam sobre as atividades no período, sobretudo em decorrência da necessidade de adaptar o conteúdo das aulas presenciais ao ensino remoto. Mas se o cansaço é um ponto em comum, as avaliações do PLE  podem ser bem diferentes, considerando caso a caso. Há perspectivas otimistas: muitos acreditam que as aulas remotas vão acrescentar conteúdo à vivência das aulas presenciais, quando elas retornarem. E há também duras críticas ao modelo adotado durante o isolamento social.
No começo do período excepcional, o professor Nelson Braga, do Instituto de Física, estava empolgado e ansioso com o trabalho que teria com a elaboração do conteúdo para as aulas. Quase três meses depois, as suas expectativas, boas e ruins, se concretizaram. “O PLE foi uma experiência muito interessante, mas deu muito trabalho. O trabalho neste semestre foi umas quatro ou cinco vezes maior”, disse o professor. O saldo, na avaliação de Nelson, foi positivo, sobretudo pela boa participação dos alunos nas atividades. Para o professor, o material criado para as aulas remotas poderá ser usado quando as aulas voltarem a ser presenciais, como conteúdo complementar ao da sala de aula. “Estou convicto de que os alunos aprenderam bastante coisa da disciplina. Se comparar ter feito isso com não ter feito nada, o lucro foi gigantesco”, celebrou.
“Eu tive que mudar completamente a minha forma de lecionar”, contou a professora Walcy Santos, do Instituto de Matemática. Terminado o período, sua avaliação é positiva. A mudança foi uma exigência da própria disciplina, Geometria I, uma cadeira do primeiro semestre. O resultado da dedicação foi um engajamento maior da turma, que chegou ao fim do PLE com quase 30 alunos. “Eles começaram tímidos, falavam só pelo chat. Mas ao longo do curso se abriram mais, o que melhorou muito as aulas síncronas”, disse a professora, que foi construindo uma relação com a turma ao longo do curso. “Foi um relacionamento muito bom durante todo o processo”. Walcy também precisou adaptar o material para as aulas, mas agora o conteúdo deve ser utilizado novamente, já que ela vai oferecer a disciplina no próximo período.
A professora Hilda Petrs, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, não contou com o mesmo engajamento, e admitiu ter ficado decepcionada com a pouca presença dos alunos, especialmente nas aulas síncronas. “Uma das turmas tinha 52 alunos, a média de presença era entre 16 e 20, e foi diminuindo”, contou a professora. Na opinião de Hilda, os alunos foram se ajustando ao curso, já que faziam as atividades assíncronas propostas. “Acho que cada um foi se adaptando. E como as turmas eram grandes, eu tentei deixá-los livres, para ver como funcionaria. Mas eu senti falta de feedback”, confessou a professora, que achou a experiência “um pouco fria”.
A busca por uma participação maior dos alunos, mesmo que mediada pela tecnologia, foi um fator de desgaste para o professor Pedro Lima, da Ciência Política. Especialmente nas aulas síncronas, que trazem uma novidade que não tem paralelo na sala de aula: o chat. “Quando aparecia um comentário no chat sobre a aula, eu via como um certo imperativo responder. É mais atenção que você precisa ter, então é uma coisa que acumula para te exaurir”, explicou. Pedro acha que as aulas remotas funcionaram, mas que não há comparação com a sala de aula. “Você perde muito quando não está trocando, mesmo que sejam olhares, com os alunos. É uma aula que perde essa interação em termos de participação dos alunos”.
Mas o PLE também foi alvo de críticas de professores. Na Faculdade de Letras, os docentes publicaram esta semana uma carta de avaliação do período excepcional. O documento repudia a substituição das férias por um recesso, e sua curta duração, previsto para as duas semanas que separam o fim do PLE e o começo do período 2020.1. O texto denuncia o adoecimento de docentes expostos a uma sobrecarga de trabalho e aponta a precarização da situação dos professores substitutos. “Todos os sacrifícios a que nos expusemos até aqui tiveram como objetivo diminuir ao máximo o impacto da pandemia sobre o ensino que oferecemos aos nossos alunos. O que não podemos, enquanto comunidade acadêmica, é aceitar que um momento de exceção se torne regra”, diz a carta.
Para o professor Felipe Rosa, do Instituto de Física e vice-presidente da AdUFRJ, a UFRJ, idealmente, poderia haver um calendário com um espaço maior entre o PLE e 2020.1. Mas ele aponta que outros vínculos foram levados em consideração, como o interesse da reitoria e de outros setores de que a universidade não perdesse o próximo SiSU, na montagem do calendário. “A pergunta-chave é se vai valer a pena fazer esses períodos corridos para pegar os alunos do SiSU. Acho que isso a gente vai debater depois”, analisou Felipe. Para ele, a dinâmica das discussões políticas sobre o PLE criou uma solução que acabou sendo ruim. “Teria sido melhor que o PLE não estivesse existindo como um período extra. A maneira como essas discussões ocorreram no colegiado de graduação não foram as mais saudáveis, havia um grupo de conselheiros e conselheiras pouco preocupado com o funcionamento da universidade, infelizmente”, observou. (Lucas Abreu)

DEPOIMENTO I Júlia Ávila Franzoni, professora da Faculdade Nacional de Direito

“Os alunos tinham dificuldade em se engajar nas aulas”

“O centro da discussão sobre aulas remotas deveria estar no cuidado com os professores e, sobretudo, com os alunos, diante do cenário de pandemia que enfrentamos. Um problema de saúde pública não pode reverberar para dentro da universidade soluções com uma métrica de eficiência que não leva em conta a centralidade da questão da saúde. Dei duas disciplinas obrigatórias de primeiro período para mais de 120 alunos. Eles estavam sobrecarregados com a diversidade de plataformas, os chips oferecidos pela universidade não foram suficientes para atender à demanda. Os alunos tinham dificuldade em se engajar nas aulas e estudantes com deficiência não conseguiram acompanhar o curso. Tudo isso gerou uma sobrecarga para outros professores. Tem um problema grave no PLE, que é a ausência de uma política de cuidado e de uma estratégia mais efetiva de construir uma metodologia de ensino. A aprovação do calendário de 2020.1 e 2020.2 sem uma avaliação do que foi o período excepcional é um absurdo, especialmente diante da mudança que permitiu a equivalência entre o PLE e 2020.1. O PLE foi criado como facultativo para estudantes e professores, e a mudança cria problemas em unidades que, como a Faculdade Nacional de Direito, fizeram uma oferta massiva de disciplinas, porque com a equivalência os professores estariam liberados de oferecer cadeiras no período 2020.1. Isso prejudica os alunos que optaram por não ingressar no PLE, ou não conseguiram acompanhar as aulas remotas por qualquer razão que seja. Os estudantes estão muito indignados com os professores. E o professor vira seu principal inimigo quando você não consegue perceber que nós estamos com um problema muito mais grave. A discussão deveria ser sobre a precariedade material que se vive na universidade”.

Suporte da UFRJ foi fundamental para alunos

WhatsApp Image 2020 11 14 at 00.58.261ÍCARO E LUCIANA dividem mesmo ambiente de trabalho e estudoMais uma etapa de desafios foi vencida. O Período Letivo Excepcional (PLE) da UFRJ começou carregado de dúvidas, mas com o objetivo comum de retomada das atividades de ensino da universidade. No começo desse processo, o Jornal da AdUFRJ fez uma matéria para descrever a adaptação de cinco estudantes de cursos diferentes ao ensino remoto. Com a conclusão do período, a avaliação destes mesmos alunos é de um cansaço inevitável, mas uma experiência bem-sucedida.
“Do meu ponto de vista, como aluna, eu não mudaria nada no PLE”, comenta Victoria Cristina, de 21 anos, estudante de Enfermagem. Victoria elogia o desempenho dos docentes no desenvolvimento das atividades e atendimento das turmas. “Em uma disciplina tive avaliações semanais, e em outra montei um artigo científico ao longo de 12 semanas. Foram avaliações bem estruturadas e condizentes com as matérias, e com os professores sempre dando atenção a todos”.
Ela conseguiu concluir as três disciplinas em que se inscreveu, e afirma não ter tido dificuldade em acompanhar as aulas. “Tenho um bom acesso à internet, tanto em casa quanto no Fundão, através da minha iniciação científica, e um ambiente favorável para estudar. Não tive dificuldades”, conta.
A acessibilidade foi uma das principais preocupações da reitoria antes de dar início ao ensino remoto. Denildo Vidal, de 27 anos, atualmente em Vale Verde, distrito de Porto Seguro (BA), demorou mais de um mês para receber o chip oferecido pela universidade, devido à greve dos Correios. “A internet aqui era horrível, mas o chip e o modem que a universidade me ofertou foram uma ajuda enorme”, relata.
Próximo de concluir o curso de Design, Denildo realizou apenas uma disciplina, e não precisou recorrer à internet na casa da irmã, 60 quilômetros distante, para assistir às aulas, como temia no início do período. “Minha dúvida era sobre o limite de dados do chip, mas mesmo após estourar a franquia de 50 GB eu consegui continuar acessando, apenas de forma mais lenta. O meu uso principal era para pesquisa, então funcionou e eu fiquei bem satisfeito”.
O chip também atendeu às necessidades de Eduarda Vasconcelos, de 21 anos, estudante de Nutrição do campus Macaé. “Como não recebi o modem, eu roteava a internet do celular para o computador. Talvez por isso a internet às vezes ficava mais lenta, mas consegui fazer tudo com exatidão”.
Segundo ela, a oferta de disciplinas do PLE deixou a desejar. “Eu estou no 5º período e não pude fazer nenhuma matéria obrigatória. E só consegui vaga em uma eletiva do meu curso, pois eram poucas disciplinas e poucas vagas”, critica. Contudo, ela elogia a interação entre alunos e professores de unidades distintas trazida pelo ensino remoto. “A gente tá podendo se misturar virtualmente, enquanto presencialmente não teríamos essa mesma oportunidade”.
As atividades extracurriculares colocaram a estudante de Geologia Diana Tabach, de 21 anos, em uma rotina de conciliação de tarefas. A dificuldade de concentração aumentou, mas ela conseguiu concluir as três disciplinas em que se inscreveu, e atender às demandas do estágio. “No PLE, todas essas atividades se resumiram a ficar sentada na frente do computador”, pontua. Diana considera que a UFRJ  deveria ter optado por uma plataforma única a ser usada por todos os docentes. “Acho que teria sido bom unificar, e não deixar que os professores usassem a plataforma que quisessem para as aulas e atividades”.
O ambiente caseiro não diminuiu o cansaço da rotina universitária. “Mesmo quando fiz mais disciplinas na forma presencial, eu achava menos cansativo, pela separação maior entre o ambiente de trabalho e o ambiente de lazer”, aponta Ícaro Sol, de 21 anos, estudante de Engenharia Elétrica. Filho da professora Luciana Salgado, do Instituto de Matemática, Ícaro presenciou também os bastidores e os novos desafios da vida docente. “Para gravar aulas, por exemplo, vi a dificuldade dela em aguardar o silêncio da rua. Esse aspecto do barulho também foi ruim em momentos em que eu estava fazendo algumas provas”, diz.
Apesar do estranhamento de todos com o novo contexto, os alunos concordam que a experiência do PLE foi satisfatória. “Não sei como poderia ser diferente disso, pois nessa situação atípica as mídias digitais foram a forma de mantermos o contato com os professores, colegas e continuar estudando, mesmo sem acesso direto à biblioteca”, avalia Ícaro. Para ele, o debate acerca do calendário foi o que conturbou mais a situação dos estudantes. “Com essas mudanças todas ficamos sem saber exatamente o que iria acontecer. Acho que poderiam ter cumprido com o que foi acordado antes, ao invés de mudar a regra no meio do jogo”. (Kim Queiroz)

DEPOIMENTO I Kim Queiroz, estudante da ECO e estagiário da AdUFRJ

“Também sofremos com os obstáculos das relações virtuais”

WhatsApp Image 2020 11 14 at 00.58.26A vida universitária me traz surpresas a cada período. Mesmo diante das experiências mais diversas que vivi na Escola de Comunicação, desde 2017, nunca imaginei que o ensino remoto faria parte da minha graduação. Agora, com o final deste Período Letivo Excepcional, não restam dúvidas da minha preferência pelo presencial.
Neste momento em que a alfabetização virtual se faz necessária para todos, frases como “professor, seu microfone tá desligado” passaram a ser recorrentes. Logo, as travadas de conexão foram naturalizadas como parte da nossa escuta. A aceitação de só mais uma das tantas travas impostas pela pandemia. E mesmo nós estudantes, já nascidos em um mundo digital, também sofremos com os obstáculos das relações virtuais.
Incontáveis horas gastas frente à tela, entre aulas, textos e avaliações. Muitas vezes, com uma postura corporal quase estática ao longo do dia. Um semestre vivido sem nenhuma gargalhada nos corredores do Palácio Universitário. No máximo, algumas risadas tímidas com o microfone desligado. Os olhos cansados quando chega a noite. A concentração interrompida pelos afazeres domésticos. A família. O namoro. A exaustão emocional. O sono.
Consciente desses desafios, puxei três disciplinas no PLE, e tranquei uma delas logo no início. Se não fossem as aulas assíncronas, talvez não tivesse conseguido concluir nenhuma. Estagiar na Equipe de Comunicação da AdUFRJ é uma oportunidade singular que tem preenchido boa parte dos meus dias. Para fazer jus ao Jornalismo, missão inédita para mim, são horas de dedicação diária, repleta de um aprendizado prático muito valioso.
Apesar das adversidades, admiro o empenho da UFRJ em retomar as atividades do ensino da maneira mais democrática possível. Vi o esforço de grande parte dos professores em se reinventar nessa experiência, o que motivou muitos de nós a não abandoná-la. Nesta quarentena, nos vemos cercados por refeições a serem feitas e referências a serem lidas. Uma rotina de incontáveis demandas pessoais e tarefas a serem cumpridas.
Não posso negar, sinto saudade do espaço físico da universidade. Principalmente das histórias que nascem lá, no calor dos encontros vividos dentro e fora da sala de aula. Hoje, o tempo gasto no computador é uma travessia diária, que por vezes cansa mais do que os deslocamentos pela cidade.
Mas esse experimento do ensino remoto exige de nós resiliência. E é por isso que ele reforça, para mim, a importância dos laços. Pois tanto os conflitos e afetos do convívio familiar, quanto a perseverança da Ciência em manter a sua chama acesa, servem para provar que as dificuldades também podem nos unir.

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