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Elisa Monteiro
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Promovido pelo Observatório do Conhecimento na última terça-feira (23), o debate "Economistas Pensam a Universidade" reuniu visões diferentes que convergem na necessidade de fortalecer o sistema científico brasileiro em um cenário radical de retirada de direitos e de ataques às políticas públicas. Monica de Bolle (Peterson Institute/John Hopkins), Armínio Fraga (ex-presidente do Banco Central), André Lara Resende (ex-presidente do BNDES) e as professoras Laura Carvalho (USP) e Esther Dewck (UFRJ) trocaram análises pouco otimistas sobre o futuro do país.  

O cientista político e diretor da AdUFRJ, Josué Medeiros, mediou o encontro virtual e avaliou a iniciativa como “um excelente debate”: “É uma prova de que podemos articular amplos setores em defesa do conhecimento e da Ciência. Quanto mais gente a favor das nossas pautas, mesmo que pensem diferente em outros temas, mais chances temos de resistir ao governo Bolsonaro”, resumiu.

Em poucas horas, o vídeo alcançou mais de três mil visualizações. O debate rompeu a bolha da esquerda tradicional e incomodou conservadores, como o economista e polemista Rodrigo Constantino que, desde a véspera do encontro, já criticava o elenco de debatedores, alegando – surpreendentemente e equivocadamente – que todos eram de esquerda.

“Infelizmente, estamos em uma situação em que o relatório de uma Proposta de Emenda Constitucional é apresentado na terça-feira para ser votado na quinta-feira ou na próxima semana, porque o governo tem maioria no Congresso”, advertiu a docente do Instituto de Economia, Esther Dewck. “O tempo médio de aprovação de uma PEC era um ano e meio, depois de debates, audiências públicas com discussão e análise de impacto”, ela acrescenta.

O mais recente presente de grego da articulação política do governo Bolsonaro no Congresso, a Proposta de Emenda à Constituição n° 186 — que condiciona o financiamento do auxílio emergencial à eliminação dos mínimos constitucionais estabelecidos para a Educação e Saúde — foi relacionado à política de austeridade adotada no país desde 2016.

“O teto de gastos criou uma situação que coloca uns contra os outros. Alguns, com poder de influência, conseguem manter suas fatias nesse bolo cada vez menor, enquanto outros perdem recursos”, frisou a docente da Universidade de São Paulo, Laura Carvalho. E exemplificou: “Com uma flexibilidade cada vez menor, você joga a universidade contra a Saúde, a Saúde contra a Cultura, a Cultura contra a Ciência e Tecnologia, a Ciência e Tecnologia contra o sistema social. De alguma forma, ao invés de alocar os recursos de forma mais eficiente, como era vendido, o teto coloca setores prioritários uns contra os outros”.

A crise econômica e sanitária permeou a troca de avaliações. Para a economista Monica de Bolle, o Brasil está atrasado no debate global. “Nós não vemos uma discussão de orçamento que contemple a questão da pandemia”, criticou. Atualmente residente nos Estados Unidos, a pesquisadora vê na pandemia uma pá de cal sobre políticas fiscais de austeridade.

Já André Lara Resende falou sobre a responsabilidade dos macroeconomistas no impasse atual. Segundo ele, os intelectuais “encamparam a percepção laissez-fairista de que existe progresso, desenvolvimento e avanço com o estado tendo as mãos completamente atadas. Ou seja, quanto mais restringir o estado, mais a iniciativa privada será capaz de resolver as questões e esse mito ideológico foi dominante nos últimos anos”, disse.

Sobre as universidades, Armínio Fraga pontuou mudanças de paradigmas na produção do conhecimento: “Não podemos ficar parados no tempo. Concordo com a Monica de Bolle em relação à importância de explorar espaços multidisciplinares. As coisas estão evoluindo rapidamente e novas áreas vão surgindo. É fundamental que as universidades federais tenham  flexibilidade para abrir esses campos que interessam aos alunos, com temas que vão do meio ambiente à desigualdade”.

O ex-presidente do Banco Central também argumentou por uma maior aproximação das instituições da iniciativa privada. “Não só em função das dificuldades orçamentárias, mas em função da riqueza que isso traz . Entendo que o  tema é polêmico nas federais, mas acho que cabe explorar e aprender com universidade públicas de grande sucesso, pelo mundo afora, a importância e as vantagens em se desenhar bem parcerias com o setor privado. Isso na área da Ciência tem funcionado muito bem”, defendeu.

 

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MONICA DE BOLLE
Peterson Institute / John Hopkins

"Ainda que a gente esteja no início das campanhas de vacinação e tenhamos boas vacinas, a gente sabe como esse processo está difícil até nos países que têm doses suficientes, para não falar do Brasil, onde esse processo está muito difícil. O panorama que a gente tem pela frente ainda é pandêmico por algum tempo. Então os temas que estão colocados serão mais ou menos os mesmos com alguma evolução para melhor, a gente espera, ao longo do tempo. Mas, em termos de entendimento desse momento inédito, nunca foi tão importante que cientistas e pesquisadores de diferentes áreas se unissem para tentar pensar juntos no que tudo isso significa em termos de impacto para a sociedade, impacto nas nossas vidas, impacto em como o mercado de trabalho vai se organizar ou não se organizar. Impacto sobre como a gente vai pensar política econômica, a política de saúde pública, a política de meio ambiente. Enfim, todas as políticas públicas, de uma forma geral, estão sob questionamento nesse momento. E essa junção de pesquisadores de diversas áreas tem sido muito rica. Aqui em Washington eu me juntei a algumas dessas redes e você percebe muito nitidamente a importância do financiamento.”


ARMÍNIO FRAGA
Ex-presidente do Banco Central

"O momento requer uma atitude de sobrevivência e resistência. E a academia é um espaço natural para isso. A academia tem como base a busca pelo conhecimento com rigor, com honestidade intelectual. A academia é um antídoto, é um filtro contra esse mundo de fakenews. E é, portanto, um espaço essencial. E também, por muitos, percebido como um inimigo. As universidades federais no Brasil vêm de muito tempo, a Faculdade de Medicina da Bahia, por exemplo, foi fundada em 1908. E elas têm demonstrado, portanto, capacidade de resiliência, e têm dado uma contribuição histórica. E é importante que elas continuem a dar. Elas têm, como todas as boas universidades do planeta, que zelar pela sua independência. Eu penso que é uma marca dos tempos muito bem-vinda uma crescente diversidade. As universidades públicas sempre foram gratuitas, mas isso, na prática, era um filtro que funcionava ao contrário, só conseguia passar no vestibular quem estudava em escola privada. Isso vem mudando, os ambientes vêm ficando mais plurais, e eu vejo isso como grande avanço. Uma marca que as universidades têm no Brasil é a importância para a pesquisa, elas são responsáveis por fatia muito elevada da pesquisa.”


ANDRÉ LARA RESENDE
Ex-presidente do BNDES

"No campo político, há evidentemente no Brasil um processo autoritário em curso. E não é um processo tímido, é um processo anunciado, explícito. E nós temos sido muito condescendentes com esse processo autoritário. Não temos sabido reagir a isso como deveríamos reagir. Na Economia, o que nós precisamos pensar é como fazer investimentos públicos e prestar serviços públicos de alta qualidade. Investimentos em infraestrutura, em energia limpa, em Saúde e em Educação, em pesquisa e desenvolvimento. E isso não se faz sem o apoio e sem a ação direta do Estado. E não se faz da noite para o dia. É preciso ter programa, é preciso pensar bem. É isso que define um projeto para o país nos próximos anos, na próxima década. Infelizmente, no Brasil, nós continuamos com as mãos atadas e completamente restritos por uma visão de que o Estado nada pode fazer porque estamos à beira de um abismo fiscal. E isso é rigorosamente falso. Quando você impede o investimento público, impede também o crescimento econômico e o progresso do país.”


LAURA CARVALHO
USP

"Estamos com corte de recursos justamente para as áreas que a sociedade mais demanda nesse momento. E a universidade é uma delas, tanto por seu papel no ensino — que enfrenta desafios enormes nessa pandemia para não perder o caráter democrático que ganhou graças à política de cotas — quanto na pesquisa. Os desafios são muitos e os recursos, cada vez mais escassos. Sobre a questão específica do teto de gastos da PEC colocada para fundir o piso de Saúde e Educação é preciso retomar que, no momento em que foi aprovada, em 2016, havia uma ideia de que a restrição teria como resultado natural uma melhor alocação dos recursos. Passados alguns anos, a dinâmica do teto de gastos é tal que as despesas com previdência, que vão crescendo independentemente da reforma, vão espremendo as demais despesas. No caso das universidades, isso é nítido. As despesas obrigatórias são mantidas sem reajustes para salário de servidores. Mas as despesas discricionárias, não obrigatórias, vão ficando cada vez menores. Assim como em outras áreas, os investimentos públicos vão sendo zerados. E, com isso, é interrompido o processo de expansão das universidades que a gente viu nos anos de 2000.”


ESTHER DWECK
UFRJ

"No cenário atual, as universidades brasileiras mostraram a importância que elas têm não só do ponto de vista da pesquisa básica, mas também da pesquisa aplicada no enfrentamento à pandemia. Veja a quantidade de soluções que foram criadas em um ano de grande dificuldade de se fazer pesquisa, não só pela ausência de orçamento, mas pela ausência do próprio laboratório que pudesse ser acessado de forma segura. Mesmo assim, as universidades  conseguiram enfrentar e trazer soluções importantes para localidades distintas, como fez em outras situações graves como no caso do enfrentamento da Zika. As universidades sempre estiveram ali para mostrar que estavam prontas para atuar se elas tiverem espaço, se elas tiverem orçamento. A universidade pública está sob ataque. Por isso o debate orçamentário é tão importante. Essa é uma forma de atacar a universidade na qual ela vai ter muita dificuldade em se reerguer. Muitas coisas que estão sendo mudadas são estruturais. São padrões e instrumentos que levaram mais de um século para serem formados e que, se forem destruídos, não se sabe quanto tempo será necessário para reconstruí-los”.

Lucas Abreu
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No último dia 5, o governo federal publicou o decreto nº 10.620/2021, que passa para o INSS a gestão das aposentadorias e pensões de servidores de autarquias, institutos e fundações federais, o que inclui as universidades, afetando professores e servidores. Isoladamente, a medida é meramente administrativa, porque não altera o regime previdenciário dos servidores e regulamenta uma mudança que foi aprovada na reforma da Previdência de 2019. Mas, no contexto do governo Bolsonaro e sua “granada no bolso” do funcionalismo, a mudança, associada às propostas da PEC Emergencial e da reforma administrativa, que tramitam no Congresso, abre o caminho para a destruição do Serviço Público brasileiro. Essa é a avaliação de especialistas da área e dirigentes sindicais ouvidos pelo Jornal da AdUFRJ.

Para a professora aposentada da UFRJ Maria Lúcia Werneck, o decreto muda só a gestão das aposentadorias, mas o ataque do governo vai vir mesmo com a reforma administrativa e a PEC emergencial. “Acho que esse decreto é uma prévia do que será a reforma administrativa”. Especialista em Previdência Social e ex-presidente da AdUFRJ, Maria Lúcia explicou que a mudança vai afetar as carreiras do funcionalismo público. “Eu não vou mais ser uma professora aposentada, mas apenas uma aposentada. Isso tem implicações de curto prazo para carreiras que têm paridade, ou seja, aumentos para inativos que acompanham os aumentos do pessoal da ativa”.
Maria Lúcia ainda chama atenção para uma consequência de longo prazo do conjunto de medidas, que é o fim das carreiras dentro do funcionalismo público. “É uma conquista importante que vai acabar. São os funcionários públicos que fazem a máquina do Estado andar, que prestam serviços públicos de Saúde, Educação, Assistência Social, tarefas importantes para o funcionamento da sociedade”, explicou a professora, que definiu o decreto como uma das ações que vão desgastando a estrutura do funcionalismo.

DESMONTE DO ESTADO
Para a professora Denise Gentil, do Instituto de Economia da UFRJ, o decreto é uma medida administrativa que pretende extinguir o sistema de previdência dos servidores, e os aposentados serão indiretamente afetados. “Eu enxergo esse decreto como uma transição para o regime único de Previdência. Quando houver a união dos dois regimes previdenciários, o déficit vai ser enorme”, explicou a professora, chamando atenção para os efeitos do desemprego e da reforma trabalhista na queda da arrecadação do INSS. “Se você junta os dois regimes e procura um equilíbrio fiscal, esse equilíbrio vai atingir os que já estão aposentados, porque vai permitir cobrar alíquotas extraordinárias”.

Segundo a professora, o decreto tem que ser analisado em conjunto com o que o governo propõe na reforma administrativa e na PEC emergencial, e que em conjunto as medidas propõem um desmonte do Estado e um ataque aos servidores. “Esse decreto desvincula todos os servidores aposentados e pensionistas dos seus órgãos de origem. E também divide os servidores do Executivo”, disse a professora. A divisão foi determinada pelo decreto, que passou a gestão das aposentadorias dos servidores da administração direta para o Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (Sipec), e não para o INSS, como os funcionários de autarquias, fundações e institutos. “Isso vai provocar uma cisão dentro do funcionalismo público, para não criar resistência em outros setores do funcionalismo”, criticou Denise.  

“O decreto é uma consequência da derrota que sofremos com a reforma da Previdência, e muita gente na época não se deu conta da extensão do prejuízo que ela nos traria”, apontou Eleonora Ziller, presidente da AdUFRJ. Segundo Eleonora, a principal tese que sustenta o questionamento legal das mudanças é que a regulamentação deveria ser feita através de uma nova legislação, discutida no Congresso Nacional, e não por um ato de vontade do presidente da República. “Estamos diante de um procedimento que, em certa medida, pode ser considerado constitucional e previsível, mas que é de uma perversidade enorme, inclusive porque não há em andamento nenhuma proposta de reestruturação e fortalecimento do INSS, tão sobrecarregado. Nunca foi tão evidente que o governo planeja jogar muitas granadas nos nossos bolsos”, criticou. O INSS deve receber pelo menos 1,2 milhão de aposentados vindos do funcionalismo público, e já vem passando por um processo de precarização nos últimos anos.

Já a Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público Federal (CONDSEF) considera o decreto ilegal e inconstitucional, e se junta aos demais críticos ao considerar o ato um primeiro passo para o desmonte da Previdência do funcionalismo público. “O decreto é ilegal porque as pessoas que estão sob a lei do funcionalismo público, independentemente de estar na administração direta ou em autarquias e fundações, têm que ser regidas pelo regime próprio”, explicou Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da CONDSEF. Segundo o dirigente sindical, não há respaldo legal para o governo fazer essas mudanças, mesmo que elas fossem previstas pela reforma da Previdência, por um decreto. “Para fazer essas mudanças é preciso passar pelo Congresso, ela não pode ser feita de maneira monocrática como o governo quer fazer. Há uma maneira legal para fazer isso, que é via Congresso Nacional”, criticou Sérgio. A CONDSEF pretende entrar com uma ação na Justiça para enfrentar a decisão.

MAIS GENTE NA FILA
O decreto pode ter efeitos imediatos no funcionamento do INSS. Uma nota oficial publicada pela Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (FENASPS) também criticou a decisão por sobrecarregar o INSS. “A atual realidade do INSS, por sua vez, é de uma autarquia que vem sendo deliberadamente sucateada”, diz o texto, que fala que, nos últimos dez anos, o número de funcionários da autarquia caiu de 38.529 para 23.661, e apenas 68 novos servidores foram contratados desde 2018. “Desse descalabro administrativo – deliberadamente criado, mantido e incentivado pelo governo federal –, resulta o absurdo quadro atual, em que os trabalhadores que necessitam da Previdência Social precisam esperar meses, senão anos, pela concessão dos esperados benefícios de aposentadoria ou auxílio-doença”, diz a nota.

O decreto tem efeito imediato, mas segundo a pró-reitoria de Pessoal da UFRJ, “ainda há a necessidade do estabelecimento de cronograma e regras para a transição para a absorção por parte do INSS das aposentadorias e pensões dos servidores da UFRJ” e a transferência só vai acontecer após a execução de todas as pendências relacionadas a cadastro e pagamento. “A PR-4/UFRJ ainda não tem ciência se a transferência será feita em bloco após a resolução de todas as pendências, ou individualmente, conforme forem sendo resolvidas. Segundo o decreto, ainda há a necessidade de alguns atos suplementa
res para a execução desta centralização”, informou a pró-reitoria.

bandeira adufrjDiretoria da AdUFRJ

2021 começa difícil e com enormes desafios. Estamos cansados, desanimados, super atarefados? Parece que muitos escolheram uma espécie de anestesia para poder continuar a viver, algo como “nada mais nos surpreende”. Sim, precisamos de alguma acomodação para seguir vivendo, mas não ao ponto de nos iludirmos com a ideia de que logo logo nossas vidas voltarão ao normal. Não há mais esse “normal” que tanto ansiamos, e o que está em jogo hoje é a nossa carreira, a universidade como instituição pública, a sobrevivência do sistema de pesquisa. Todos nós que ingressamos na UFRJ no século XXI, ou seja, nos últimos vinte anos, desfrutamos de uma estrutura que foi construída com muito esforço, dedicação e senso de responsabilidade por tantos que nos antecederam. O esforço monumental de remoção do entulho autoritário na década de 1980 e a resistência ao amplo processo de privatização da década de 1990 só foi possível nas mais diversas frentes, das mais diversas formas, com muita sola de sapato gasta nas ruas, nas passeatas, e muito tempo em assembleias também. Assim como o SUS, hoje tão festejado e finalmente reconhecido por sua grandeza e pelo papel social que desempenha, foi fruto de uma grande e persistente mobilização. Muitos dedicaram suas vidas para que ele fosse construído.
Hoje temos um governo que nos escolheu como seus inimigos. Um governo que também se declara inimigo da imprensa, da diversidade, dos direitos humanos, da proteção ao meio-ambiente. São tempos de perdas, de distanciamento social, com uma pandemia que já matou mais de 230.000 pessoas. Por tudo isso, e por muito mais que não conseguiríamos listar nesse pequeno editorial, o tempo é de escolha. Precisamos escolher viver. Viver e preservar a vida. É tempo de proteção e escuta, de solidariedade. Nossos instrumentos parecem velhos, os discursos também. Mas seremos nós a construir o caminho da mudança, ou simplesmente ele não existirá. Hoje temos alguns instrumentos de pressão direta aos parlamentares, com o envio de mensagens em massa, com campanhas virtuais e com militância nas redes. Temos também um calendário de atos na rua, como a carreata de 21 de fevereiro. Pode não ser a melhor manifestação, ficarmos dentro de carros, buzinando, mas é o possível no momento.
A verdade é que a universidade ainda não entrou em campo com seu time completo. Temos resistido bem, temos sido uma referência fundamental em tempos de pandemia, nosso trabalho tem ampla repercussão social, estamos presentes em todas as ações importantes de combate ao coronavírus, mas nossa força pode nos fazer ir muito mais longe. Desde a mobilização espontânea em ações menores, junto a colegas de departamento, até a participação mais organizada em nosso Conselho de Representantes, com reuniões nas unidades, ainda há muito a fazer.
Convocamos a todos para que se somem a esse imenso cordão. Depois do Carnaval que não teremos, façamos nós a nossa parte. Hoje as chances de um impeachment parecem pouco prováveis, mas a política não é uma ciência exata, e o quadro pode ser modificado a partir de nossa intervenção. Acreditemos na nossa força, na nossa presença na sociedade, no quanto somos importantes para o país, para a vida de tantas pessoas. Porque se não formos nós a acreditar, ninguém fará isso por nós.

pressioneEducação tem Valor. Este é o eixo da campanha que a AdUFRJ participa ativamente nos últimos dias para pressionar o Congresso pela aprovação do orçamento federal sem cortes nas verbas para a Educação. A campanha foi criada ainda em outubro do ano passado pelo Observatório do Conhecimento — rede de associações e sindicatos de docentes de todo o país, com participação da AdUFRJ — com o objetivo de recompor o orçamento federal relacionado às universidades.
A mobilização acompanha a tramitação orçamentária no Congresso Nacional. Instalada no dia 10, a Comissão Mista deve aprovar o Orçamento até março. Para pressionar os parlamentares por um Orçamento do Conhecimento justo, o Observatório criou uma ferramenta virtual, em parceria com a União Nacional dos Estudantes, que possibilita o envio imediato de uma carta às presidências da Câmara e do Senado.
WhatsApp Image 2021 02 11 at 21.32.39No dia 10, a campanha lançou vídeos oficiais e realizou um tuitaço, às 10h, com as hashtags #ConhecimentoSemCortes e #EducaçãoTemValor. A mobilização ganhou o apoio de deputados de oposição, como Marcelo Freixo e Sâmia Bomfim (ambos do PSOL-RJ), e Túlio Gadêlha (PDT-PE). Como parte das próximas atividades da campanha, o Observatório irá realizar, nos dias 23 e 25 de fevereiro e 2 e 4 de março, uma série de debates sobre a universidade e a sociedade brasileira. Professores da UFRJ compõem o ciclo em mesas temáticas sobre economia, democracia e cultura.
“Quando nós falamos que a Educação tem Valor, significa desde a possibilidade da formação de cidadãos mais críticos, até possibilitar o que nós estamos vendo no serviço público com relação ao enfrentamento da pandemia”, aponta Sílvia Gatti, presidente da Adunicamp. Segundo ela, para que a Ciência seja devidamente valorizada pela população, é preciso demonstrar as transformações que as universidades exercem sobre a vida das pessoas. “Atingir apenas a nós mesmos é extremamente restrito. Precisamos alcançar o apoio de toda sociedade, do cidadão que não foi à universidade, mas quer ver seu filho e neto nela”, ressalta.
“Nossa ideia é que o Observatório atue justamente nos temas que o sindicalismo tradicional não atua, como a defesa da Ciência. Nós lançamos essa campanha para mobilizar a comunidade acadêmica, pressionar os deputados e conseguirmos reverter esses cortes”, explica o professor Josué Medeiros, diretor da AdUFRJ. A campanha denuncia as sucessivas reduções no “Orçamento do Conhecimento”, que junta os gastos com as universidades federais, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Capes, institutos tecnológicos federais e centros de pesquisa.
“É um verdadeiro ataque a todo um sistema de produção de conhecimento e de formação profissional, no qual as universidades têm um papel destacado no país. A campanha busca dialogar com a sociedade, para que ela nos ajude a evitar o pior”, afirma Carlos Alberto Marques, presidente da Associação de Docentes da UFSC (APUFSC). Ele explica que o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2021 é mais um passo rumo à destruição da pesquisa no país. “Ao somar os cortes no orçamento do conhecimento, ano após ano, desde 2015, o valor de perdas acumuladas chega a R$ 80 bilhões”.WhatsApp Image 2021 02 11 at 21.32.40
Uma das ações do Observatório nas redes foi produzir cards sobre os gastos do governo federal em alimentos. “Apenas com os valores gastos com leite condensado, seria possível ofertar pelo período de um ano: 592 Bolsas de Doutorado; ou 869 Bolsas de Mestrado; ou 3.258 Bolsas de Iniciação Científica”, diz uma publicação da campanha. “Quando se compara isso à educação, vemos que são gastos extravagantes”, critica Carlos Alberto.
O atraso na votação do orçamento de 2021 desordenou o planejamento financeiro das universidades. “Nós, na UFSC, assim como as outras universidades federais, recebemos apenas 1/18 do orçamento. O que a nossa reitoria fez foi atrasar o pagamento da conta de água e de outros serviços”, relata Carlos. Ele se preocupa ainda com a situação dos alunos que dependem do auxílio do governo para se manter no ensino superior. “Considerando que haverá ainda uma retração de 17% do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), nós estamos utilizando os recursos da universidade para dar um auxílio a esses estudantes mais carentes”.

O QUE É O OBSERVATÓRIO DO CONHECIMENTO

O Observatório do Conhecimento é uma rede formada por Associações e Sindicatos de Docentes de universidades de todo o país, com o propósito de defender a ciência brasileira. “O Observatório foi criado por conta desse avanço negacionista e dessa desqualificação da vida universitária, da produção do conhecimento e da pesquisa científica no Brasil”, explica a presidente da AdUFRJ, Eleonora Ziller. A rede articula ações em defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade, monitora e denuncia políticas e práticas de perseguição ideológica à comunidade acadêmica, e se mobiliza para enfrentar os cortes no orçamento da ciência.
Criado em abril de 2019, o Observatório é uma iniciativa suprapartidária e independente, que busca levar ao debate público as dificuldades enfrentadas pela educação. “Além de estratégia, competência e inteligência, a gente precisa que a população esteja com a gente. O elemento que falta para virarmos o jogo é agregar todas as forças, para que tenham consciência do valor, do papel e da necessidade da educação pública brasileira”, completa Eleonora.

WhatsApp Image 2021 02 11 at 21.03.45Professores e técnicos-administrativos sem salários e atrasos de pagamentos em quase todos os contratos. Se o Congresso Nacional não aprovar a lei orçamentária (LOA) nas próximas semanas, este será o caótico cenário administrativo da UFRJ em abril.
Sem orçamento autorizado pelos parlamentares, o governo limita o custo mensal da máquina pública a um duodécimo da despesa anual prevista — já bastante reduzida, no caso da universidade. A verba discricionária da UFRJ caiu de R$ 374 milhões, em 2020, para R$ 310,5 milhões, na proposta orçamentária de 2021. Um corte de 17% que, em valores reais, representa um retrocesso de dez anos.
A “tempestade perfeita” fica completa com um mecanismo implantado pelo governo Bolsonaro há dois anos, que dividiu os gastos públicos em duas partes: uma garantida e outra condicionada à aprovação de créditos suplementares pelo Congresso. Apenas uma parte da primeira está sendo repassada à instituição.
“Os recursos não condicionados do pagamento de ativos duram até abril”, explica o pró-reitor de Planejamento e Finanças, professor Eduardo Raupp. Sessenta e sete por cento do orçamento destinado ao pagamento de pessoal ativo dependem de aprovação extra do Congresso. Para os inativos, há um pouco mais de fôlego, pois 75% da verba destinada aos proventos e pensões estão livres da chamada “regra de ouro” — que proíbe o governo de fazer dívida para custear despesas correntes. “Há saldo até setembro”, completa Raupp.WhatsApp Image 2021 02 11 at 21.35.06
A manutenção da universidade está sob um cobertor mais curto. A verba discricionária só está garantida até 51% do previsto. Ou R$ 158 milhões. A UFRJ recebeu, em janeiro, R$ 1,5 milhão para a assistência estudantil (PNAES) e R$ 8,6 milhões para as demais despesas, como luz, segurança e limpeza.
“Precisaríamos que o governo liberasse pelo menos um doze avos do orçamento total previsto (incluindo o supervisionado), ou R$ 25,8 milhões, para que não houvesse problemas”. A administração também espera a aprovação do orçamento para avaliar quantas emendas parlamentares (individuais e de bancada) poderão beneficiar a instituição. “Ainda não temos uma posição das que serão destinadas à UFRJ”.
Sem orçamento desbloqueado até abril, as perspectivas são sombrias. “Considerando as possíveis paralisações por parte dos prestadores de serviços, tais como limpeza, vigilância, essa situação inviabilizaria o funcionamento das áreas acadêmicas e administrativas”, afirma o pró-reitor.
A situação só não está pior, pois a universidade zerou seu déficit operacional em 2020. “Como estivemos em dia até dezembro, há um certo fôlego”. E uma liberação especial de R$ 2,2 milhões garantiu o pagamento dos funcionários extraquadros dos hospitais da UFRJ, linha de frente contra a pandemia.

ORÇAMENTO INSUFICIENTE
O repasse de 100% do orçamento previsto impediria o colapso de abril, mas não significa tranquilidade para a universidade. Os R$ 310,5 milhões são insuficientes para o funcionamento mínimo da instituição. Em dezembro, o Consuni aprovou um gasto de R$ 383,7 milhões para este ano.
“Trabalhar dentro da PLOA significaria parar em agosto. Ou, no máximo, até setembro, dependendo do sucesso na renegociação de contratos”, disse o pró-reitor Eduardo Raupp, na ocasião.

VERBAS PARA A CIÊNCIA ESTÃO EM QUEDA LIVRE

Um Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação com orçamento inferior a menos de um terço do que dispunha há 10 anos. Uma Capes que acumula perdas financeiras de quase 30% em apenas dois anos. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico que já entra em 2021 com 90% dos recursos contingenciados. A proposta do governo Bolsonaro enviada ao Congresso Nacional é uma afronta aos pesquisadores brasileiros.
WhatsApp Image 2021 02 11 at 21.35.06 1A necessidade de mudar os números do Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) é destacada pelo presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, professor Ildeu Moreira. “Há uma visão economicista estreita que arrebenta com a Ciência e Tecnologia no Brasil. Num momento de crise econômica, sanitária, social grave que estamos vivendo, isso é comprometer o futuro”, afirma.
O orçamento global do MCTI voltado para pesquisa está em R$ 2,7 bilhões. O discricionário da pasta já foi de R$ 10,4 bilhões em 2010. A PLOA 2021 reduz recursos do CNPq na ordem de 10%, para apenas R$ 1,2 bilhão. “O fomento para pesquisa está em apenas R$ 22 milhões apenas, o que não dá para nada”, diz Ildeu. Em relação às bolsas, a “tesourada” pode significar que o dinheiro acabe em novembro.
Outro obstáculo para a pesquisa este ano é a redução da cota de importações livre de impostos do CNPq. O Ministério da Economia fixou o limite em US$ 93,2 milhões contra US$ 300 milhões de 2020.
A Capes, que já contou com um orçamento de R$ 4,2 bilhões em 2019, aparece na PLOA 2021 com apenas R$ 3 bilhões. Houve uma redução de 28% dos recursos para bolsas da educação básica e 10% nos recursos para bolsas da pós-graduação.

CONTRA OS VETOS
Em paralelo à batalha do orçamento, a SBPC quer derrubar os vetos do presidente Bolsonaro à lei complementar nº 177, que transformou o FNDCT — gerido pela Finep — em fundo financeiro. O objetivo é retirar a reserva de contingência que incide sobre 90% dos recursos (R$ 4,8 bilhões de um total de R$ 5,3 bilhões). Além disso, os cientistas querem liberar o montante contingenciado em 2020 (mais R$ 4,2 bilhões).
“Isso é fundamental para as universidades. Em todos os laboratórios da UFRJ, se olhar, tem algum aparelho com plaquinha da Finep”, defende Ildeu. Os parlamentares que votarem contra os recursos para a Ciência, avisa o presidente da SBPC, terão os nomes divulgados pela entidade.
A SBPC também mantém uma petição online para derrubar os vetos que, até o dia 10, já superou 94 mil assinaturas.

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