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A primavera da UFRJ
Pela alta voltagem, quem apostou nas propostas da Chapa 20 considera que a UFRJ, no plano político, se prepara para viver uma espécie de primavera – para invocar a imagem que definiu mudanças em algumas áreas do planeta em tempos recentes. Com todos os desafios que a analogia traduz. Não há notícias na história desta universidade de protagonismo estudantil tão relevante na eleição de um reitor. E a proposta de realização de um congresso – com participação equânime dos três segmentos – cuja meta é sacudir o ar bolorento de bolsões carcomidos na UFRJ, traz esperança.
Para além de seus méritos acadêmicos, Roberto Leher, de 54 anos, é um humanista, de trajetória marcada organicamente pelo vínculo com o movimento social, com claras preocupações com o inferno da desigualdade que sempre prosperou na sociedade brasileira. O mais curioso é que a vitória desse projeto para governar a maior universidade federal do país ocorre precisamente quando a sociedade experimenta as sombras do obscurantismo da conjuntura conservadora.
Ameaça de despejo
Estudantes de Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social (GPDES), curso criado no âmbito do Reuni, estão sendo ameaçados de despejo dos contêineres onde assistem às suas aulas. A UFRJ atrasou o pagamento do aluguel e a empresa tentou retirar os “caixotes” da universidade. O prédio que deveria abrigar o curso, assim como o de Biblioteconomia, ainda está no esqueleto. Ele deveria ter sido entregue à comunidade em 2013. Essa semana, representantes do curso tiveram reunião com a pró-reitora de Gestão e Governança, Araceli Cristina Ferreira, que disse ter conseguido renegociar a dívida.
A Adufrj-SSind vem apontando, há tempos, o problema da terceirização do espaço universitário pelo modelo dos contêineres.
Plebiscito derruba Ebserh no Sul
A comunidade universitária da Universidade Federal de Santa Catarina decidiu contra a adesão do Hospital Universitário à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) por meio de consulta pública. No total de 8.731 votos, 6.168 (70,59%) foram contrários à adesão e 2.548 (29,18%) foram favoráveis, com 15 votos em branco (0,23%). Com o resultado por categoria, 75,62% dos estudantes votaram pela não adesão e 25,3% pela adesão. Dos técnicos-administrativos, 68,34% foram contrários e 28,67% foram favoráveis. Já entre os docentes, foram 37,94% pelo “não” e 58,51% pelo “sim”.
Após muitos anos, um 1º de maio unificado no Rio de Janeiro
Um grande palco montado aos pés dos famosos Arcos da Lapa reuniu representantes das forças da esquerda que até pouco tempo atrás não conseguiam dialogar. O 1º de maio unificado, que não ocorria há muitos anos no Rio de Janeiro, foi motivado pela luta contra o Projeto de Lei 4.330 (que amplia a terceirização no país) e contra as Medidas Provisórias 664 e 665 (que restringem direitos trabalhistas eprevidenciários).
Assim, foi possível ao público ouvir, por exemplo, um representante da CUT e, logo depois, um dirigente da CSP-Conlutas. Um orador da Assembleia Nacional dos Estudantes - Livre (ANEL) foi precedido por um diretor da UNE. Lideranças dos partidos que dão base ao governo (PT e PCdoB) revezaram o microfone com nomes de legendas que fazem oposição à gestão Dilma Rousseff, como PSOL, PCB e PSTU.
Claro que as divergências apareceram: “farpas” foram trocadas aqui e ali (“Como explicar os cortes na Educação ou a escolha da ministra da Agricultura, Kátia Abreu, pelo governo?”, questionaram uns; “Esse discurso é da Globo, é da Veja; o verdadeiro inimigo são os bancos, é o capitalismo, é a mídia golpista”, responderam outros). Mas, ao longo da tarde/noite, prevaleceu o argumento de que somente a unidade dos trabalhadores poderá impedir a perda de direitos duramente conquistados.
Como ficou nítido na intervenção do diretor da Regional Rio de Janeiro do Andes-SN, Wellington Augusto da Silva: “Há uma intensa retirada de direitos, uma extrema militarização da polícia; uma mercantilização da própria vida. Somente a unidade dos trabalhadores pode evitar esta situação”, afirmou. Docentes de várias universidades do Rio reforçaram o ato.
Consenso mesmo apareceu na saudação à luta dos professores e servidores públicos do Paraná contra o governo tucano de Beto Richa. Também foram lembrados os garis demitidos pelo governo Eduardo Paes (PMDB) do Rio de Janeiro e a resistência à discriminação racial, em Baltimore (nos EUA).
Na plateia, circulavam panfletos e informativos com os nomes e fotos dos parlamentares fluminenses que votaram, contra os trabalhadores, a favor do PL 4.330, na Câmara.
A noite caía sobre a Lapa, mas ainda houve espaço para uma autocrítica da esquerda: a sub-representação feminina no palco. De todos os oradores das mais diversas centrais, correntes políticas, movimentos sociais e estudantis, havia apenas duas mulheres: uma do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e uma da União Estadual dos Estudantes.
Em reunião com o Andes-SN, secretário do Ministério do Planejamento nada falou das demandas docentes. Ele apenas reafirmou a intenção do governo em reduzir o percentual da folha de pagamento dos servidores em relação ao PIB
Uma nova reunião está prevista para junho
Em reunião com o Andes-SN no dia 6, os representantes da Secretaria de Relações do Trabalho do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (SRT/MPOG) não apresentaram resposta alguma à pauta de reivindicações já protocolada pelo Sindicato Nacional. O detalhe é que o encarregado da SRT/MPOG, Sérgio Mendonça, afirmou conhecer as demandas dos docentes federais.
A falta de retorno foi duramente criticada pela representação do Sindicato Nacional. Na abertura do encontro, Marinalva Oliveira, 1ª vice-presidente do Andes-SN, também questionou a ausência de integrantes do Ministério da Educação (MEC) na mesa. O Andes-SN reconhece o MEC como interlocutor oficial do governo para as pautas relativas à educação e argumenta que várias das demandas apresentadas não poderiam ser respondidas somente pelo MPOG.
Marinalva fez um resgate histórico de todo o processo de negociações do Andes-SN com o governo, suspenso unilateralmente em 2014, logo após a Secretaria de Ensino Superior do MEC reconhecer os princípios conceituais que o Sindicato Nacional propunha para a reestruturação da carreira docente. Ela ressaltou que a recusa do MEC em receber o Sindicato Nacional, desde então, caracterizava a falta de disposição do governo para negociar efetivamente a pauta dos docentes federais. Situação que tem intensificado a indignação e descrença dos docentes.
Além da reestruturação da carreira e valorização salarial, o Andes-SN pautou ainda a necessidade de solução efetiva à precarização das condições de trabalho e da infraestrutura nas Instituições Federais de Ensino (IFE). Cobrou do Planejamento a previsão de abertura de vagas para docentes e técnicos nas IFE para 2015 e 2016. Claudia March, secretária geral do Andes-SN, reforçou a necessidade de correção das perdas salariais dos aposentados, decorrentes da desestruturação da carreira aprofundada pela lei 12.772/2012.
Sérgio Mendonça reafirmou a intenção do governo em reduzir o percentual da folha de pagamento em relação ao PIB e novamente vinculou a discussão da reestruturação da carreira ao seu impacto financeiro. Os representantes da SRT/MPOG sinalizaram que a previsão do governo para uma nova reunião sobre a pauta específica dos docentes estava prevista apenas para o mês de junho, quando terão possibilidade de avaliar o espaço orçamentário.
Na avaliação de Claudia March, a reunião não trouxe novos elementos e comprovou a estratégia do governo em postergar o processo de negociação. “Eles só nos ouviram e não apresentaram nada de concreto, apenas um calendário que se estende por três meses, com previsão de nova reunião apenas em junho”, explicou a secretária geral do Andes-SN.
Claudia ressalta que é fundamental a participação do MEC no processo de negociação e que o processo se dê inicialmente com base nos conceitos de reestruturação da carreira. “Na nossa avaliação, não se deve iniciar a discussão pelo impacto orçamentário, mas sim pelo debate dos pontos da reestruturação da carreira que os docentes demandam e vem orientar as negociações. Por óbvio que em algum momento isso gera um debate sobre impacto financeiro, mas não devemos partir daí, como quer o Planejamento”, disse.
A secretaria geral do Andes-SN contou que a categoria está em crescente indignação e que a ausência de negociação está se transformando em mobilização. (Fonte: Andes-SN. Edição: Adufrj-SSind)
Leia mais: Governo não apresenta respostas às demandas do movimento docente
O trabalhador descartável
Em aula pública, no dia 30 de abril, Faculdade Nacional de Direito debateu a terceirização
Grupo de pesquisa da unidade elabora documento contra o PL 4.330
Filipe Galvão. Estagiário e Redação
Na véspera do Dia do Trabalhador, estudantes, professores e organizações ligadas ao Direito reuniram-se em uma aula pública, na FND-UFRJ, para discutir os retrocessos do Projeto de Lei 4.330 (em tramitação no Congresso Nacional), que amplia a terceirização no Brasil.
Se vingar este modelo básico de contratação e exploração do trabalho, será fundado o paradoxo da “reunião sem união”. O alerta foi lançado pelo professor Ivan Garcia, professor da própria FND.
A condição de trabalhadores intermitentes, manejados segundo regras e interesses das empresas mediadoras do contrato, é só um dos problemas da atual reorganização do trabalho e acúmulo de capital. A fim de evitar o efeito indesejado da concentração de trabalhadores impulsionado pelo modelo fordista de produção, que levava à identificação e união proletária, o modelo de produção foi se descentralizando. O trabalho terceirizado surge como pedra de roseta dessa produção fluida.
A aula pública tratou de contextualizar os ataques aos trabalhadores e identificar os atores e vítimas, causas e consequências das violações aos direitos trabalhistas já em curso. Escravos em canteiros de obras, funcionários sem salário, demissões em massa, acidentes fatais por falta de treinamento, sequestro da previdência dos professores estaduais do Paraná, sobraram exemplos à lista de ofensiva à classe trabalhadora.
E, como os palestrantes fizeram questão de observar, a gravidade da situação não está nada distante da universidade. A RENAPEDTS (Rede Nacional de Pesquisas e Estudos em Direito do Trabalho e da Seguridade Social) apresentou um documento segundo o qual a UFRJ já figurou em casos de uso de trabalho em condições análogas a de escravo, como resultado da terceirização.
Por sua vez, o presidente da Adufrj-SSind, Cláudio Ribeiro, apontou que o PL da terceirização é mais um elemento da atual série de ataques à classe trabalhadora do país. Como exemplo, ele lembrou o sequestro da previdência dos professores estaduais do Paraná, massacrados pela polícia do governador Beto Richa (PSDB), enquanto lutavam por seus direitos. “A terceirização do futuro dos trabalhadores também está acontecendo”, completou Cláudio.
A desembargadora Salete Maccalóz e o Procurador do Trabalho Rodrigo Carelli — que concedeu uma entrevista ao Jornal da Adufrj anterior, já no site e no perfil da Seção Sindical nas redes sociais —, ambos professores da FND, engrossaram o coro de que a terceirização é mais um mecanismo que prejudica os trabalhadores. “Quando nós lutamos somente contra a PL 4.330, nós estamos aceitando a morte de outros trabalhadores. Nós deveríamos lutar contra toda e qualquer terceirização”, disse Carelli. Ele deu o exemplo dos funcionários mortos enquanto limpavam os tanques de um navio-plataforma da Petrobrás no litoral do Espírito Santo, em fevereiro deste ano: “A terceirização dos serviços de conservação e limpeza é um resultado de nossa sociedade escravocrata”, criticou o procurador.
Diretor do DCE Mário Prata, Gabriel Ferreira afirmou que a recém-criada entidade dos trabalhadores terceirizados da UFRJ, liderada por mulheres negras e pobres, é um dos mais importantes mecanismos de luta a serem construídos.
O debate na faculdade também contou com a professora Daniele Gabrich, Ana Luisa Palmisciano (assessora jurídica da Adufrj-SSind) e um representante do sindicato dos advogados.
Dez nãos à terceirização
O grupo de pesquisa Configurações Institucionais e Relações de Trabalho (CIRT), coordenado pela professora Sayonara Grillo, organizadora do evento da FND, elaborou um documento com 10 motivos para barrar o PL 4.330.
A professora lembrou que “esse projeto de lei faz uma dupla fraude à Constituição: além de privatizar o público, permite a delegação de trabalho a terceiros sem concurso público. A terceirização é sinônimo de falta de isonomia, é sinônimo de desigualdade”.
1 – Não regulamenta: O trabalho terceirizado já é regulamentado pela súmula 331 do TST e não permite a sua ampliação para atividades-fim como quer o projeto.
2 - Aumento da Jornada de Trabalho: Pesquisa da CUT/Dieese aponta que trabalhadores terceirizados têm jornadas de trabalho 7% maiores, em média.
3 – De empresários para empresários: 86% (164) dos integrantes da bancada empresarial garantiram a votação do PL 4.330 na Câmara dos Deputados.
4 – Desarticulação dos Sindicatos: Terceirizados e contratados diretamente têm patrões e sindicatos distintos. Greves e negociações conjuntas enfrentam mais dificuldades.
5 – Alta rotatividade: o PL 4.330 prevê a chamada “flexibilização global”, um incentivo à rotatividade.
6 – Aumento do Desemprego: Terceirizados trabalham, em média, três horas a mais, logo, menos trabalhadores são necessários.
7 – Multiplicação da Escravidão: Entre 20120 e 2014, 90% dos trabalhadores resgatados dos dez maiores flagrantes de uso de trabalho escravo contemporâneo eram terceirizados. (fonte: MTE)
8 – Redução Salarial: Terceirizados têm, em média, salários 27% menores. (CUT/Dieese)
9 – Mais gastos: A terceirização aumenta os acidentes de trabalho e doenças ocupacionais e sobrecarregam a previdência.
10 – Menos Arrecadação: O recolhimento de PIS, Cofins e FGTS será reduzido.
Roberto Leher obteve mais que o dobro dos votos destinados à chapa adversária: 13.337 contra 6.580
Na média ponderada, diferença foi de pouco mais de um ponto percentual
Silvana Sá. Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
Na véspera do Colégio Eleitoral, momentos de extrema emoção marcaram a apuração, dia 7, dos votos do segundo turno da consulta para a reitoria da UFRJ. De um lado, a chapa 20 “UFRJ Autônoma, Crítica e Democrática”, encabeçada por Roberto Leher. De outro, a chapa 30 “Somos todos UFRJ”, encabeçada por Denise de Carvalho. Durante três horas, olhares atentos acompanharam urna por urna o que se desenhava para a UFRJ para os próximos quatro anos.
Ao fim da apuração das 120 urnas eletrônicas, era de Roberto Leher, Titular da Faculdade de Educação, a maioria dos votos. Àquela altura, a diferença ponderada era bem pequena: 0,79 ponto percentual (p.p.). Ao fim da contagem dos votos em separado, já após as 22h, em números absolutos, Roberto Leher obteve mais que o dobro do apoio destinado à chapa adversária: 13.337 contra 6.580. A média ponderada passou a ser: 25.007% a 23.897%. Uma diferença de 1,103 ponto percentual. O professor venceu com ampla vantagem entre os estudantes e técnico-administrativos. Enquanto Denise de Carvalho conseguiu 718 votos a mais entre docentes.
Para efeito de comparação: em 2011, a chapa do atual reitor da UFRJ, Carlos Levi, recebeu 1.441 votos de docentes, 2.659 de funcionários técnico-administrativos e 3.517 de estudantes (total de 7.617). Antes, em 2007, a chapa única de Aloisio Teixeira garantiu a reeleição com 9.413 votos (em 2003, foram 10.416).
Até as 10h40, a diferença ponderada entre as chapas era de 0,6 p.p. Haviam sido apuradas todas as urnas do CCS. Com os votos do CT e do CCMN, a Chapa 30 chegou a abrir quatro pontos percentuais de vantagem, no cálculo ponderado, sobre a Chapa 20. Ao meio-dia, a chapa de Leher virou a disputa e chegou a uma diferença ponderada de 1,7 p.p em favor do professor. Houve explosiva comemoração entre os apoiadores da Chapa 20, enquanto os da Chapa 30 pareciam não acreditar nos números.
Quem é quem
Roberto Leher foi um candidato marcado pela defesa da educação pública. O professor é conhecido articulador do Fórum em Defesa da Escola Pública. Enquanto representante dos professores Titulares do CFCH no Conselho Universitário, fez contundentes críticas à política de ajuste fiscal do governo federal, em defesa da ampliação da assistência estudantil e da representação paritária dos estudantes e técnicos nos conselhos superiores da universidade. Também manifestou-se contra o PNE que destina recursos públicos para a iniciativa privada, contra as parcerias público-privadas e contra a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). Ele foi um dos professores que assinaram a Proposta Autônoma da UFRJ para os Hospitais Universitários, quando a Ebserh esteve na pauta do Consuni.
O docente foi presidente da Adufrj-SSind entre os anos de 1997 e 1999, quando Fernando Henrique Cardoso asfixiava as universidades federais. Foi também presidente do Andes-SN entre 2000 e 2002, assumindo o Sindicato Nacional logo depois de uma gestão governista.
Denise Nascimento é professora Associada do Departamento de Clínica Odontológica da UFRJ. Foi presidenta da Comissão Permanente de Pessoal Docente (CPPD) no quadriênio 2010-2014. Antes, havia sido eleita representante dos Associados e Adjuntos junto à mesma comissão. Entre 2002 e 2005, integrou o Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho.