facebook 19
twitter 19
andes3
 

filiados

Em tom de desabafo, Mauro Sola-Penna, da Faculdade de Farmácia, fala do medo depois do sequestro no campus e cobra condições para exercer as atividades acadêmicas Uma semana depois do sequestro-relâmpago do qual ele e sua mulher foram vítimas, o professor da UFRJ Mauro Sola-Penna, da Faculdade de Farmácia, não esconde a tristeza e a revolta com o clima de medo no campus do Fundão. Sola-Penna e a mulher, Patrícia Zancan, também professora da Farmácia, foram rendidos quando chegavam ao Centro de Ciências da Saúde no dia 18 de maio e ficaram 11 horas em poder dos sequestradores. Ao Boletim da Adufrj, Sola-Penna falou em tom de desabafo. Aos 48 anos, 30 na UFRJ, 25 como professor, diz que faltam condições de trabalho na universidade e que considera a possibilidade de tirar uma licença. “O sentimento é de impossibilidade de trabalho. Não tem condição de viver nessa situação”, afirmou, em entrevista por telefone na última terça-feira. Por isso a licença: “Não é decidido, estou pensando. É covardia obrigar os docentes a trabalhar nessas condições, em salas cobertas de fungos. Temos colegas afastados por problemas respiratórios. A universidade hoje não nos dá condições de trabalho”, afirmou Sola-Penna, que disse considerar também a possibilidade de processar civilmente a UFRJ. Segundo o professor, o reitor Roberto Leher lhe telefonou e disse que acordou um aumento do policiamento. No entanto, na avaliação do docente, é preciso providências urgentes. “Não adianta empurrar a responsabilidade, que é da reitoria, não é da PM nem da Polícia Federal. A reitoria tem responsabilidade de resolver essa questão. Estou falando em tom de desabafo. Acho que a gente quer solução”, afirmou Sola-Penna. O docente reiterou que os casos de violência no campus são frequentes e comentou o risco em várias áreas da universidade. “Ontem (segunda, 21) estive no Fundão, pois precisava ir ao banco, e mudei meu itinerário. Estacionei em outra área. Saí por volta das 16h30 pelo mesmo lugar onde, dez minutos depois, uma aluna foi levada”, recordou. Segundo ele, é um erro separar em categorias os casos mais e menos violentos. “O aluno que perdeu celular ou carteira no ponto de ônibus também está sendo vítima de violência, não é que seja um mais grave que outro. Até concordo que o que aconteceu com a gente foi icônico, está desencadeando comoção”, afirmou. Seu alerta à comunidade universitária é a necessidade de dar ao problema da violência no campus a dimensão real: “Vejo muitas tentativas de minimizar o que vem acontecendo aqui, mas qualquer tentativa de minimizar é um desrespeito”.  

  Mal a comunidade universitária recuperava o fôlego com o sequestro do casal de professores, mais duas estudantes foram vítimas de ações criminosas. Na tarde de segunda-feira, 21, uma estudante do Instituto de Biofísica foi raptada do estacionamento e obrigada a circular no campus no carro dos dois bandidos armados com pistolas. Ela teve a mochila, computador e celular roubados. Menos de 24 horas depois, uma aluna do Instituto de Geociências e o namorado tiveram o carro, um HB20, fechado por um veículo com quatro homens armados em frente ao Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes). Segundo uma testemunha, os bandidos fizeram arrastão em outros três veículos - às 8h20 da manhã. A impotência é o sentimento da testemunha. “Escolheram o carro dela”, relata a pós-graduanda. “O Voyage de um senhor estava na frente. Mas preferiram o dela”. A estudante, que preferiu não ser identificada, conta que quatro homens, aparentando uns vinte anos, saíram do carro sem máscara, de cara limpa mesmo. Uma patrulha da Polícia Militar estava a trezentos metros. “Os dois carros, o dos bandidos e o dela, passaram em frente à PM”, acrescenta. Pouco antes da coletiva em que a reitoria anunciava medidas, um idoso teve o celular levado por dois homens de moto.

Divisão de Segurança da universidade amarga abandono. Há apenas 15 profissionais por turno no Fundão e cinco viaturas, nenhuma com sirenes. Só três estão com rádio funcionando Coletes à prova de bala vencidos, armamentos obsoletos, falta de uniformes, sede inadequada, carros sucateados e equipe muito reduzida. Este é o retrato das precárias condições de trabalho dos atuais 108 vigilantes federais da UFRJ. Profissionais com, no mínimo, 28 anos de casa — o último concurso foi em 1990, e o governo não autoriza novas contratações —, eles conhecem os problemas de segurança da universidade como poucos. Mas não contam com o mínimo de infraestrutura para enfrentar o cotidiano de violência do Fundão. “Deveríamos ter, pelo menos, 300 vigilantes. E mil, se fôssemos substituir os funcioná- rios terceirizados de segurança que cuidam dos prédios”, afirma o coordenador da Divisão de Segurança (Diseg), Robson Gonçalves. O plantão da Cidade Universitária é feito, em média, por 15 profissionais. O ideal seria o triplo. “Temos cinco carros, um deles está na oficina. Só em três os radiocomunicadores funcionam; o giroflex (a sirene em cima do carro) está queimado em todos”, denuncia Luiz Guerreiro, servidor da Diseg. A reitoria promete comprar quatro viaturas. Os vigilantes afirmam que seriam necessários oito carros para um trabalho adequado. “Não somos polícia para enfrentar traficante, mas nosso poder de reação em alguma eventualidade é quase zero”, completa. Ele faz referência aos obsoletos revólveres 38 usados pela Diseg, em vez de pistolas mais modernas. A ausência de treinamento é outro detalhe: só existe reciclagem a cada dois anos, para manutenção do porte de arma. A sede também é motivo de tristeza. A Diseg fica em um galpão adaptado, num nível abaixo do terreno em volta. “Quando chove forte, alaga todo o chão”, diz Guerreiro. Os banheiros não têm manutenção. O “alojamento” tem apenas três colchões em um cômodo apertado. Os aparelhos de ar-condicionado, tirando o da sala de operações, só ventilam. Os servidores sequer têm controle sobre as câmeras de vigilância do campus. Hoje, o Centro de Controle Operacional é vinculado ao gabinete da Prefeitura. “Precisamos, urgentemente, ser aparelhados. Falta valorizar a ‘prata da casa’. Estamos acreditando que, depois destes fatos de violência, a reitoria e a Prefeitura vão atender a nossas carências”, afirma Robson. Após a coletiva do dia 23, o prefeito da UFRJ, Paulo Mário Ripper, reconheceu ao Boletim da Adufrj o estado “crítico” da sede da Diseg. Ele afirmou que planeja uma reforma do imóvel e a construção de um novo espaço para os vigilantes. Sobre as demais demandas dos servidores, enviadas posteriormente por e-mail, a Prefeitura Universitária não respondeu até a conclusão desta edição.

Mais quatro carros e oito policiais 24 horas por dia para patrulhar a Cidade Universitária. Este é o reforço prometido pela reitoria com a implantação do Programa Estadual de Integração na Segurança (Proeis), que deve ocorrer até a primeira quinzena de junho. Mas a administração central sabe que só o Proeis não será suficiente para proteger a comunidade acadêmica. “A efetividade vamos garantir com o Proeis, mas não se esgota no Proeis. Seguiremos precisando do suporte da Polícia Militar e da Polícia Civil”, diz o reitor Roberto Leher. O campus será dividido em quatro quadrantes. Cada um terá uma patrulha e dois policiais. “O 17º BPM (Batalhão da Ilha do Governador) está participando do planejamento do Proeis. E vai continuar aqui. A integração vai trazer bons frutos”, afirma o prefeito da UFRJ, Paulo Mário Ripper. Ele atribui a demora na contratação do Proeis, ventilado desde o fim do ano passado, ao “porte” do projeto. Enquanto o Proeis não vem, foi negociado um aumento do patrulhamento junto à Secretaria de Segurança Pública. “São 6 a 8 viaturas, contando motos, além de policiais à paisana”, acrescenta o prefeito. “Normalmente, temos uma viatura fixa e uma circulando”. Questionado se a ampliação da presença da polícia pode dar resultado, Paulo Mário responde que todo aumento de efetivo reduz índices de violência: “Quando vem cometer o delito aqui dentro, a pessoa observa. Quando percebe a presença ostensiva da polícia, desestimula”. MUDANÇAS NO TRÂNSITO O prefeito da UFRJ e o diretor da CET Rio, Joaquim Dinis, reuniram-se no dia 24. Profissionais das duas instituições vão estudar quais alterações no tráfego do Fundão poderiam ser feitas para reduzir o fluxo de veículos, ajudar as estratégias de segurança da PM e causar menor impacto para os motoristas no campus e nos arredores. “Temos três entradas e quatro saídas, cem mil veículos por dia. Vamos fazer mudanças, com possível fechamento de entradas e saídas em determinados horários”, disse Paulo Mário, sem adiantar propostas. Até a primeira quinzena de junho, promete a reitoria, serão instaladas câmeras nos pórticos nos acessos à universidade. O equipamento será capaz de capturar a imagem do motorista para ajudar em investigações. Serão solicitados recursos ao MEC para compra de mais câmeras de vigilância (hoje, são 288), carros e melhoria da iluminação. Foi enviado ao MEC o pleito de R$ 280 mil para comprar carros da Diseg. SUBNOTIFICAÇÃO Um obstáculo para entender a violência do Fundão é a dificuldade de checar números. Muitas vítimas não registram os crimes, de menor ou maior grau, na Diseg. Nem mesmo vão à 37ª Delegacia (Ilha do Governador) registrar boletins de ocorrência. Na DP, não existe separação entre casos do campus e os do bairro da Ilha do Governador. Todos ficam agrupados na Área Integrada de Segurança Pública (AISP)17. Diretor da Adufrj, o professor Felipe Rosa considera as medidas positivas, mas ressalva: “A principal preocupação dos professores é se essas medidas serão concretizadas. Queremos ver as promessas cumpridas”.   CHECAMOS O QUE JÁ FOI PROMETIDO ANTES   Não é a primeira vez que a reitoria promete ações para melhorar a segurança. Em alguns casos, as medidas nunca foram implantadas. Em outros, dependem da polícia, que abandona o campus depois que a repercussão dos episódios some da mídia.   Outubro de 2015– Prefeitura Universitária anunciou que seria intensificado o patrulhamento na área perto da Residência Estudantil, onde um aluno de Psicologia foi assaltado. Nove meses depois, o estudante Diego Vieira Machado foi assassinado perto da moradia. Julho de 2016 – após a morte de Diego, o reitor se reuniu com o 17º BPM. A reitoria informou que seria reforçado o policiamento em horários noturnos e nas saídas da Faculdade de Letras, CT, CCMN, CCS e EEFD. Dezembro de 2016 – Prefeitura passou a receber informações sobre crimes ocorridos na Cidade Universitária, pelo Whatsapp. O número foi atualizado para 99195-0593. O canal está ativo. Novembro de 2017 – Prefeitura disse que estudava novas formas para controlar acesso ao Fundão. A promessa foi feita, pela primeira vez, em outubro de 2016 com o início da instalação de três pórticos e um semipórtico nas entradas do campus. Informou que em cada um haveria câmeras. Os pórticos foram instalados em dezembro daquele ano. A reitoria diz que as câmeras serão instaladas até a primeira quinzena de junho.  

Após uma semana de pânico no Fundão, com três sequestros e um arrastão em quatro dias, comunidade acadêmica protestou e exigiu ações contra violência no campus. Só este ano, foram sete sequestros-relâmpago no Fundão Se o medo paralisa, a indignação mobiliza. A UFRJ começou a semana paralisada pelos sequestros-relâmpago de dois professores da Faculdade de Farmácia, na sexta-feira, 18, e de uma aluna, na segunda-feira, 21 de maio. O medo não desapareceu, mas a indignação ajudou a escrever os dias seguintes. Professores, estudantes e técnicos organizaram protestos e cobraram medidas concretas da reitoria e das autoridades de segurança pública para reduzir a violência no campus. “Estamos trabalhando com medo. Não basta só apresentar intenções. Precisamos de ações”, destacou a vice-presidente da Adufrj, Ligia Bahia. Só este ano, foram sete sequestros-relâmpago no Fundão, além de relatos cotidianos de assaltos, furtos e arrastões - com a presença ostensiva de criminosos armados. A Adufrj compreende que combater a violência exige recursos orçamentários que o governo não repassa e que a universidade está inserida numa cidade massacrada pela criminalidade. “Porém é nosso dever também zelar pelas condições de trabalho da comunidade acadêmica”, resume o vice-presidente Eduardo Raupp de Vargas. “Há ações pontuais que podemos fazer mesmo na crise e que podem ajudar a minimizar o problema. Soluções administrativas podem e devem ser implementadas. A Adufrj vai procurar os órgãos de segurança para discutir estas medidas e cobrar internamente sua execução”. A reitoria aposta na implantação do Programa Estadual de Integração na Segurança (Proeis) para diminuir a violência no Fundão. O programa, que utiliza PMs em horário de folga, está previsto para entrar em operação até a primeira quinzena de junho. Em mais um boletim especial da Adufrj, procuramos retratar o cenário que transformou o Fundão numa ilha sitiada pelo medo e mostrar soluções que podem aliviar a agonia.

Topo