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WEBPALACIOFoto: ETU-UFRJFalta de sinalização sonora para pessoas cegas, poucas rampas para cadeirantes e reduzido número de intérpretes da Linguagem Brasileira de Sinais (Libras). Na semana em que se comemora o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência (3), a UFRJ mostra estar distante da plena inclusão de todos os seus estudantes e servidores na vida acadêmica. A situação também expõe uma das consequências mais graves da asfixia orçamentária a que estão submetidas as universidades federais.
A UFRJ conta com uma Diretoria de Acessibilidade (Dirac), ligada ao gabinete da reitora. Criada no final de 2017, atua como instância de acolhimento e integração de alunos, técnicos e professores que tenham necessidades específicas, e executa ações que promovam a acessibilidade, como o replanejamento de espaços ou campanhas de conscientização a respeito do tema. A diretoria não tem os dados completos das pessoas com deficiência ligadas à UFRJ. Um censo começou a ser feito no começo deste mês.
Mas, de acordo com a diretora Amélia Rosauro, a atuação do Dirac acaba limitada por restrições orçamentárias, especialmente para obras de adaptação dos espaços dos campi. Outro problema é a falta de mão de obra, principalmente dos intérpretes de libras. “São apenas quatro intérpretes para atender a toda a universidade, e por questões legais, eles só podem trabalhar quatro horas por dia, em revezamento com outro colega”, explica. Enquanto não supera a barreira do dinheiro, a universidade faz o que pode: um dos programas da Dirac é o de facilitadores de aprendizagem, alunos que recebem um auxílio para se dedicar 20 horas por semana na atenção de um colega com deficiência que precise de suporte para exercer algumas atividades. Hoje são 32 facilitadores atuando para um público estimado de 500 estudantes.
Outras iniciativas são mais antigas. Em 1993, a presença de um aluno cego no curso de computação gráfica provocou o professor José Antonio Borges. Ali começou a pesquisa que criou o Dosvox, sistema que permite aos cegos utilizarem um computador. “O Dosvox é um conjunto de soluções. Na época, os computadores não tinham placas de som. Então criamos um conjunto que transformasse bits em sons”, contou o professor. “Depois começamos a criar novas soluções, para navegação em internet, para jogos, e hoje ele é um sistema muito mais rico e complexo do que o que criamos em 1993”. A experiência foi transformadora para Borges. que hoje é chefe do Laboratório de Pesquisa e Desenvolvimento de Tecnologia Assistiva, o Tecnoassist. “Minha sensibilidade para pessoas com deficiência aumentou”, revelou.
Mais de 20 anos depois da criação do Dosvox, os benefícios proporcionados pelo sistema fazem diferença na vida de alunos da universidade. Um deles é Patrick Silva Barboza, de 21 anos, aluno do curso de engenharia de computação e informação e integrante do grupo de pesquisa do professor Borges. Patrick perdeu a visão ainda nos primeiros meses de vida. Em 2009, ainda na escola, começou a usar um computador graças ao sistema criado na UFRJ.
Mas, mesmo contando com tecnologias que o ajudam na vida acadêmica, Patrick afirma que há muito espaço para melhorias. Algumas delas dependem dos professores, que precisam repensar os cursos ao lidar com alunos cegos. “A matemática como estudamos ainda é muito visual, então é importante ter adaptações”, explicou.
Patrick mora em Quintino e vem para o campus sozinho. Mesmo assim, ainda passa por dificuldades ao se deslocar nas dependências da universidade. “Não falo só de buracos nas calçadas, porque esse problema afeta a todos, deficientes ou não, mas faz falta uma sinalização melhor para pessoas cegas, como semáforos sonoros e piso tátil”, contou. “Eu sempre preciso de ajuda, por exemplo, para saber onde fica a minha sala de aula ou o banheiro” conta.
Além da falta de sinalização para pessoas cegas, a falta de acessos para cadeirantes é outro grave problema nas instalações dos campi. Nem todos os acessos aos prédios contam com rampas, e em alguns casos, como no CCMN, a rampa só é acessada pelo estacionamento, obrigando quem chega de transporte público a enfrentar dois lances de escada. Há casos como o do Palácio Universitário, na Praia Vermelha, onde todas as entradas são por escada, sem uma opção acessível.

WEBcircuito2Experimentos educam e divertem - Foto: DivulgaçãoA Casa da Ciência vai abrir as portas para uma atividade do projeto de extensão “Tem Menina no Circuito”. Oficinas, bate-papo com professoras da Física e experimentos vão tomar conta do local, entre 13h e 18h, no sábado (7). O objetivo é incentivar as alunas das escolas a ingressarem em carreiras de ciências exatas.
Duas linhas de trabalho são seguidas pelo projeto. Uma delas é feita nas próprias escolas; a outra é a divulgação científica para o público em geral, realizada em diferentes lugares. Atividades como as programadas para a Casa da Ciência já ocorreram no Museu do Amanhã, no Museu de Astronomia e Ciências Afins e até no meio da rua: na Cinelândia, no Largo do Machado e na Quinta da Boa Vista.
“No início do ano, vamos às escolas, visitamos todas as turmas de primeiro ano e fazemos uma atividade com a turma toda”, conta a professora Thereza Paiva, que integra o projeto ao lado das docentes Elis Sinnecker e Tatiana Rappoport. “Nesse encontro, conhecemos as meninas e apresentamos o projeto, explicando que temos essa atividade semanal e quem quiser vir é bem-vindo”.
O primeiro “fruto” foi colhido em 2016. Gabriella Galdino, ex-aluna do Colégio Alfredo Neves, de Nova Iguaçu, onde o projeto começou, foi a primeira menina participante do Tem Menina no Circuito a ingressar na universidade. A estudante iniciou seus estudos no Instituto de Física em 2016.
“Eu nunca faria Física, mas com as atividades que realizávamos no projeto, comecei a me familiarizar mais com o curso”, conta. “Sempre quis a UFRJ e hoje eu sei que isso foi por conta do vínculo que criei visitando a instituição com o grupo”.
“A expectativa nessas escolas é de que o ensino médio seja terminal. Os alunos já saem de lá em busca de um emprego”, observa a professora Thereza. “Quando conseguimos trazer uma menina dessas escolas para a UFRJ ou para qualquer outra universidade, já é um conquista enorme. Esse contato é muito importante”, completa.

SERVIÇO
A entrada na Casa da Ciência é gratuita e as vagas são limitadas, senhas serão distribuídas no local 20 minutos antes do início do evento.

Leia também Herdeiras de Marie Curie: elas querem mais respeito

WEBmuseu1IMAGEM de Nossa Senhora já sobreviveu a dois incêndios na UFRJ - Foto: Fernando SouzaUm dos acervos mais raros e bonitos da UFRJ não pode ser visitado pela comunidade acadêmica há mais de três anos. Localizado no sétimo andar do prédio da reitoria, o Museu Dom João VI, da Escola de Belas Artes (EBA), está fechado desde o incêndio ocorrido em outubro de 2016 no topo do edifício. Apenas funcionários e alguns professores acessam o local para procedimentos mínimos de preservação das obras.
O Museu não foi atingido pelas chamas – que destruíram parte do oitavo andar – mas fica na área interditada do prédio, ainda sem energia e água. As peças, algumas do século XV, ficam na escuridão.
“Esse museu recebia muitas visitas do corpo discente e é um espaço de pesquisa. Recebíamos pesquisadores de diversos países”, lamenta Andrea Balduino, funcionária do local. “Hoje, não podemos receber os pesquisadores nem agendar visitas. Foi um dos prejuízos do incêndio”, completou.
O medo de uma nova tragédia também faz parte do cotidiano de quem trabalha no espaço. “Uma das nossas prioridades é tirar o museu daqui do sétimo andar. Se houver um incêndio, perdemos tudo, porque não tem por onde sair”, disse Marize Malta, coordenadora do setor de memória e patrimônio do Museu D. João VI.
Marize e os demais funcionários do espaço cumprem uma rotina diária de cuidados com o museu. Eles se deslocam até o sétimo andar para abrir as janelas e arejar as salas, garantir a conservação e preservação das obras e manter os projetos de catalogação e restauração de diferentes itens com o apoio de estudantes da EBA. Graças a uma ligação elétrica feita a partir do quarto andar, o Museu consegue sustentar o funcionamento de alguns computadores e ventiladores. Mas, em dias quentes, não há como evitar o mal-estar das pessoas. Por falta de espaço, muitas peças estão espalhadas sobre as mesas das salas de trabalho dos funcionários.
WEBmuseu2ÀS ESCURAS pinturas não podem ser apreciadas pelo público - Foto: Fernando SouzaO Museu existe para contar a história do ensino da arte no Brasil. Reúne um acervo repleto de pinturas, esculturas, gravuras e outros trabalhos de grandes mestres como Pedro Américo, Grandjean de Montigny e Cândido Portinari.
Parte integrante do acervo de esculturas, uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, de autoria desconhecida, já sobreviveu a dois incêndios: o primeiro, quando estava na capela do Palácio Universitário, em 2011, na Praia Vermelha, e o segundo, no prédio da reitoria, de 2016.

REITORIA
A Reitoria da UFRJ promete empenho na recuperação dos andares atingidos pelo incêndio. Mas não deu previsão para o retorno do funcionamento normal do Museu. Além disso, informou que há projeto para a construção de um prédio, ao lado do atual, que receberia a EBA – hoje dispersa pelo Fundão – e seu Museu. A estimativa de investimento é de R$ 35 milhões, verba que a universidade não tem.

WEBNASSIFFoto: João LaetUm sistema institucional desregrado nas mãos de figuras públicas sem visão de país. O resumo do cenário político atual foi feito pelo premiado jornalista Luis Nassif na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), na noite de quarta-feira (27). Nassif foi convidado a debater “as ameaças à democracia e à soberania no Brasil”.
O jornalista recapitulou os fatos mais marcantes da história recente do país. E comparou os projetos políticos e econômicos dos últimos governos. Para Nassif, após a crise de 2008, o país governado por Lula cresceu nos dois aspectos. “O Brasil que emerge vira uma subpotência com seu soft power, um articulador internacional”, argumentou. Internamente, na visão de Nassif, também existiu um empoderamento popular por meio de Conselhos e de Conferências. “Havia um modelo de democracia que estava em avanço”, disse.
Já no governo atual, há “uma mudança no eixo econômico para uma desregulamentação”. E a ausência de um projeto de país. “Esse é o ponto: acabar com exigências legais e abrir espaço para a informalidade ou para organizações criminosas”, avaliou.
Nasssif não poupou a mídia no balanço sobre o processo de transição. Para ele, desde a cobertura do caso Mensalão, a imprensa “substituiu informações por factoides”, pavimentando o terreno para as fake news que depois dominaram os novos ambientes das redes sociais e do whatsapp. “Em qualquer país civilizado, a informação é sagrada. Aqui, a imprensa passa a desorganizar a informação”, criticou. “Quando você destrói o sistema de comunicação, a democracia vai para o vinagre”, acrescentou.
A saída seria a construção de um novo pacto ampliado com o centro-direita. “Muita gente me pergunta como fazer aliança com quem apoiou o golpe. Não tem outro jeito. Se fizer autocrítica, não vai sobrar ninguém”, disse.
Cerca de duzentas pessoas acompanharam as reflexões de Nassif no auditório da ABI. A sessão, que contou com transmissão online, foi realizada pelo Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge-RJ), pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Município do Rio de Janeiro (SJPMRJ) e pela ABI, com apoio da AdUFRJ – entre outras entidades.
No evento, Nassif conversou com o Jornal da Adufrj. Confira a seguir.

Jornal da Adufrj - O Ministro da Educação associa as universidades ao tráfico de drogas. Como chegamos a isso?
Luis Nassif - No Brasil, houve uma cooptação do discurso da ultradireita, principalmente através da revista Veja, com a geração de factoides. Acharam que iam instrumentalizar essa direita e depois colocar de volta no pote. E a direita ganhou vida própria com as redes sociais e o whatsapp, criando seus factoides. Não tem hierarquia de conhecimento, da análise. Se um catedrático faz uma afirmação e um imbecil faz outra, as duas se equivalem.

Perto do fim do primeiro ano do atual governo, qual é o balanço da democracia no país?
Cada dia de vida do governo Bolsonaro é um dia a menos de democracia. Porque ele está se fortalecendo em cima da ambiguidade dos demais poderes. Você tem no Supremo Tribunal Federal algumas pessoas com posições corajosas: Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello. Mas, como instituição, é contaminada por interesses políticos e pessoais de ministros com menos convicção democrática. No Congresso, Bolsonaro tem condições de cooptar as pessoas. Ele é muito desastrado, não tem experiência, mas vai aprendendo com o tempo. E tem o poder da caneta. Além disso, temos a expansão dos grupos de apoio a ele: as milícias, empresas de segurança, os neopentecostais. Existe o risco claro de caminhar para o fascismo, se as instituições não se pronunciarem de forma decisiva.

Por que o senhor expressou ceticismo em relação ao movimento em curso no Chile?
Um movimento como 2013 é tudo que eles querem. Você vê as provocações que são feitas [pelo governo Bolsonaro]. Essa Garantia da Lei e da Ordem, com autorização para os militares e policiais, com excludentes de ilicitude. Tudo que querem é uma movimentação tipo Chile para justificar uma intervenção e o fim da democracia no Brasil.

Qual é o caminho então?
É preciso um grande pacto nacional que amplie, que saia das esquerdas, que fique junto aos setores democráticos que não são de esquerda. Existem esses setores democráticos. A mídia deve parar com esse jogo de tentar criar polarização entre Lula e Bolsonaro. Não existe isso: o Lula faz parte do jogo institucional, o Bolsonaro é um cara que quer destruir a democracia. O PT tem que abrir espaço, perder essa veleidade de ser o protagonista único. Os demais partidos precisam ter o bom senso de perceber que, se vier a ditadura, perdem todos.

WEBANTONIOAntonio Brasil Jr.
Chefe do Departamento de Sociologia

- Jornal da AdUFRJ: A atual conjuntura impõe desafios à Sociologia?

Permanentemente. A conjuntura atual, diante da última reforma do Ensino Médio, editada no governo Temer, traz novamente uma insegurança sobre a própria presença do curso de Sociologia no Ensino Médio. Este é um dos maiores anseios dos alunos de Ciências Sociais, sobretudo do curso noturno de licenciatura. Só em 2008 disciplina é colocada como obrigatória e em apenas dez anos está novamente ameaçada. Simultaneamente, temas de pesquisa ligados à questão da violência policial, gênero, memória e ditadura, por exemplo, importantes na nossa tradição de pesquisa, estão sendo duramente atacados por certos núcleos do governo atual. Então, são realmente muitos desafios. Por outro lado, sem a visão de conjunto e de processo que as Ciências Sociais permitem, a gente não consegue criar um bom diagnóstico sobre a crise do presente. Estamos numa situação muito vulnerável, mas, ao mesmo tempo, sua importância nunca foi tão urgente.

- Que caminhos a sociedade e a universidade podem traçar para apoiar as Ciências Sociais?

Há uma grande tarefa de fundo que é a comunicação entre as Ciências Sociais e a sociedade. Sem essa comunicação, não há como imaginarmos que haverá uma defesa substantiva por parte da sociedade e até mesmo de órgãos da sociedade civil. Desde os anos 1950 – com particular destaque no período que acompanhou a redemocratização do país na década de 1980 – houve uma forte interação entre as ciências sociais e a sociedade via comunicação pública: artigos de jornal, contatos com sindicatos, movimentos sociais. Parece-me que algo desta vocação “pública” se arrefeceu nos últimos anos. Então, a única forma de sensibilizar a sociedade sobre a importância das Ciências Sociais é elas estarem mais presentes na vida cotidiana das pessoas. Isso é um grande desafio, que envolve divulgação científica, presença mais marcante nos debates públicos. Não sei se a saída é exatamente voluntarista, porque não sei se os canais estão abertos para isso.

- Como o senhor vê esta interação entre as Ciências Sociais e a sociedade?

Há muita segmentação entre a publicação científica, propriamente dita, e os demais tipos de comunicação dos resultados de nossas pesquisas. Nós somos muito pressionados a atuar neste tipo de comunicação científica – o artigo –, que circula basicamente entre os próprios pares. Ao mesmo tempo, a divulgação científica claramente tem um espaço menor no nosso investimento de carreira, nas nossas formas de avaliação de produtividade. Esta seria uma dimensão mais interna do problema. De outro lado, grande parte do debate público está fortemente colonizado por economistas e outros especialistas sobre o social. E que têm também visões muito próprias sobre as questões do país. Para haver uma interação maior com a sociedade, seria necessário que certos temas tivessem mais ressonância no debate público, sobretudo os temas ligados à desigualdade em todos os seus níveis. De 2016 para cá, percebo claramente que estes temas saíram da pauta dos grandes debates do país, ou pelo menos da grande mídia. E se a gente pensar nos grandes nomes que construíram o curso, todos eles tinham forte inserção na vida pública. Precisaríamos de algum movimento de reconexão.

- O desprestígio econômico pode afetar essa ampliação dos canais de interação com a sociedade?

Não sei se isto se traduziria automaticamente, mas é claro que no cenário contemporâneo, neste ponto também somos muito vulneráveis. Nós somos cronicamente dependentes do financiamento público e há uma orientação em curso que pretende concentrar o investimento em campos de conhecimento que tenham alto fator de impacto. Impacto este medido por certas métricas, como produção de artigo científico, citação em grandes bases indexadoras, número de patentes, relação com a indústria, que nas Ciências Sociais não possui a mesma centralidade. Vale lembrar que o impacto de certos achados da Sociologia, quando ganha expressão em movimentos sociais, partidos, correntes de opinião é impressionante, mas não é mensurável. E isto revela um processo mais amplo, que é a luta pela persuasão na sociedade sobre a importância das Ciências Sociais. Esta não é uma dificuldade exclusiva do Brasil, mas um problema global.

- Esse movimento contrário às Ciências Sociais se deve ao fato de não se conhecer o que ela produz, ou ao fato exatamente de conhecer seu potencial transformador?

Talvez as duas coisas. Uma forma de tornar as Ciências Sociais vulneráveis é a própria indiferença em relação aos seus achados, embora os impactos possam ser imponderáveis sobre a vida social; por outro lado, essas áreas de pesquisa têm em suas agendas temas sensíveis, como violência urbana, memória, desigualdades – eles exprimem também um processo de disputa cultural sobre a mudança social. Nesse caso, grupos do atual governo estão disputando, tentando reenquadrar estes temas a partir de um outro eixo de valores. Há, então, uma disputa cultural no cerne desta questão. As Ciências Sociais também operam nessa disputa pelo controle da mudança no plano cultural. Enfim, este é um caso típico da reflexividade do conhecimento sociológico. Mostrar que gênero é uma construção social, por exemplo, reverbera no processo social e acaba sendo um dos vetores fundamentais dessa pluralização das identidades de gênero no mundo contemporâneo. As Ciências Sociais têm papel fundamental neste debate e sofre com os ataques a este tipo de formulação.

- É um desafio para o senhor estar neste momento político à frente do Departamento de Sociologia?

É um desafio em vários níveis. É um curso que completou 80 anos do curso de bacharelado e 10 anos do curso noturno de licenciatura, que deu muito certo e hoje é avaliado com conceito máximo pelo Ministério da Educação. Mostra que é um curso que está sabendo se democratizar, se renovar. Está tentando fazer face aos desafios do presente, pensando reformas curriculares, com grande renovação do seu quadro docente. Mas é um desafio grande em termos de recursos para a manutenção da excelência do curso; pensar formas de combater a evasão do curso, diante de um cenário de tantas incertezas sobre a profissão e a própria universidade pública. Só a reflexão coletiva vai poder traçar como enfrentar esses desafios.

- A evasão estudantil é um dos reflexos também da limitação de políticas públicas de acesso e permanência. Como o curso enxerga esses sujeitos e trabalha esta questão da assistência?

É uma preocupação constante e é muito agravada pela própria instabilidade da Sociologia no Ensino Médio, que seria a vocação natural da licenciatura. É muito delicado e difícil pensar o curso numa situação de incerteza sobre sua atuação no ensino médio. É um desafio muito crucial. Porém, nossa tradição em pesquisa, com forte presença já na iniciação científica, pode (e deve) contrabalançar essa tendência, motivando os alunos para o curso e para a carreira científica – como já demonstrado em pesquisas especializadas sobre o assunto.

- Todos os dias vemos enxurradas de ataques em diferentes áreas e contra o saber. Como resistir?

Há estudiosos que veem nessa enxurrada também um método de governo, e não uma simples “gestão do caos”. Aliás. este é um desafio crucial do nosso tempo. As estratégias políticas mudaram também com este novo ambiente que é a vida on line, que revolucionaram as bases da vida social. Talvez as formas de controle político e censura não passem mais pelo controle material da informação e sim pela difusão imensa de contrainformações. O cerne do problema não é mais o “acesso” à informação, mas a disputa por sua seleção, filtragem e difusão. É um desafio importante da Sociologia hoje pensar como essas formas de controle, inclusive de controle cultural, se estruturam neste ambiente de inaudita complexidade.

- Classicamente a gente associa a censura à não informação.

Sim, a forma clássica da censura implica o “sequestro” da informação. Mas num contexto em que as informações colocadas on line são praticamente inapagáveis, como diminuir o alcance de uma mensagem? Não pode ser mais pelo sequestro e sim por outras vias, como as enxurradas de informações.

- As fake news são parte disso, então?

Sim. E se pensarmos numa dimensão mais ampla, há uma espécie de cultura anti-institucional generalizada. É uma espécie de triunfo de uma cultura do amador. Há uma aparência de democratização nesse processo, pois se coloca no mesmo patamar formas de conhecimento que possuem exigências muito desiguais – por exemplo, pesquisas científicas e correntes de whatsapp, apenas para citar o mais trivial. Mas aparência apenas, pois a desigualdade implicada nas formas de circulação do conhecimento científico se reitera. Isso coloca desafios novos à Sociologia, e ao próprio conhecimento científico em geral.

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