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FSOU9368Presidente da AdUFRJ, professor João Torres fala ao Consuni de 11 de agosto - Foto: Fernando SouzaJoão Torres
Presidente da AdUFRJ

A cidade de Leiden estava em ruínas após a longa guerra dos oitenta anos entre os Países Baixos e a Espanha. Um terço da cidade morreu de fome ou de doenças. O príncipe Guilherme de Orange precisava abrir negociações com a Espanha e se legitimar diante das províncias separatistas. E, em dezembro de 1574, numa visita à cidade arrasada, anunciou que criaria o que hoje é a Universidade de Leiden. A comunidade levou o projeto a sério e, seis semanas depois, a universidade foi inaugurada.
Esse espírito criativo, comprometido com a Ciência e a Educação, tornou a Holanda uma grande potência na Ciência e na Arte. Ainda no século XVI, há inovações espetaculares na indústria náutica holandesa. No século XVII, as artes floresceram, com Rembrandt e Van Dycke. A luneta e o microscópio foram inventados na Holanda. Leeuwenhoek lançou as bases da Microbiologia. Isso para não falar de Espinosa e outros. Retomo aqui essa história para lembrar que a criação de uma universidade provocou o renascimento de uma cidade devastada.
E isso é deveras auspicioso se olharmos para o Brasil de hoje. Vivemos a antítese da Holanda de 1574: para destruir o país, para desmontar o que já foi motivo de orgulho para os brasileiros — a nossa tradição em vacinas, o nosso sistema eleitoral, o SUS, a floresta amazônica e vários outros — o atual governo sufoca a universidade. A penúria das instituições federais de ensino é um projeto do governo, e se mostra como a antítese do projeto de Guilherme de Orange.
Desde o início da gestão Bolsonaro, em 2018, há um embate com as universidades públicas. O bolsonarismo defende a tese de que as universidades são a ponta de lança da chamada guerra cultural. Seus ideólogos — se é que podemos chamá-los assim — acreditam que as universidades são lugares de disseminação do comunismo, do “gayzismo”, que plantamos maconha em grande escala e outras bobagens que insuflam a base da extrema-direita.
Devemos lembrar que estudantes e professores protagonizaram grandes embates contra o governo. Por exemplo, o 15M de 2019 contra os cortes na educação mobilizou centenas de milhares de jovens.
No entanto, estamos observando que a Física não vale para a política. Se para cada ação corresponde uma reação, não há como entender as reações no Brasil de hoje. Em 2014, sem entrar no mérito dos erros e acertos do governo Dilma, uma parte considerável das forças progressistas foi para a rua protestar contra o governo. Eu sei que a política não é a terceira lei de Newton, mas não consigo me conformar com o que está acontecendo hoje, com as reações que articulamos, quando penso em 2014!
E como a universidade tem sido uma das instituições mais atacadas nesta onda conservadora, me parece que a nossa reação tem sido, sim, muito desproporcional à gravidade do momento. De forma nenhuma faço uma acusação, apenas partilho a minha perplexidade.
É óbvio que por lutar não me refiro a esvaziar a universidade por três meses numa greve confortável, gastando nosso capital simbólico diante da população. Ao contrário. O momento requer uma universidade viva, pulsante, e sua pujança precisa ser um espinho no corpo do conservadorismo.
Nossa ação tem que ser generosa, não há espaço para sectarismos. Na realidade, precisamos de uma reação e de uma ação muito consequente. Há exemplos recentes para isso bem perto de nós, no Chile, com a vitória de Gabriel Boric, e na Colômbia, com a de Gustavo Petro. É preciso alcançar algo semelhante no Brasil: a vitória de forças progressistas que pregam um reformismo social moderado contra a extrema-direita. É apenas isto que está em pauta, é o que as condições objetivas nos impõem!
E sendo apenas um rapaz latino-americano com algum dinheiro no bolso — corrigindo, um senhor latino-americano —, eu encaro as Forças Armadas dos Estados Unidos com muita desconfiança. Mas somos forçados a reconhecer que lá, nos EUA, as Forças Armadas sustentaram a democracia e não embarcaram em aventuras golpistas. Não é claro que poderemos falar o mesmo aqui em 2023. E, se nossas Forças Armadas falham no suporte aos valores republicanos, outras instituições têm que compensar! Volto a afirmar: a universidade precisa fazer mais. A Andifes precisa fazer mais, a AdUFRJ precisa fazer mais, o Andes precisa fazer mais, a APG, a UNE e a UEE precisam fazer mais, os DCEs e os CAs precisam fazer mais!
Que a leitura da Carta da Democracia impulsione todas as forças democráticas no Brasil inteiro a fazer mais, que impulsione a todos nós a fazer mais, a colocar a nossa ação e reação à altura do momento histórico que estamos vivenciando e construindo! E quem sabe assim teremos nossas universidades florescendo de novo!

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