facebook 19
twitter 19
andes3
 

filiados

WhatsApp Image 2021 09 18 at 10.03.40 ILUSTRAÇÃO de como seria o Hamititan xinjiangensisNovas descobertas que revelam velhas histórias. Um estudo publicado na revista Scientific Reports apresentou duas novas espécies de dinossauros, caracterizadas a partir de fósseis encontrados no noroeste da China, na província autônoma de Xinjiang. Resultado de uma parceria entre pesquisadores brasileiros do Museu Nacional da UFRJ e pesquisadores chineses do Institute of Vertebrate Paleontology and Paleoanthropology (IVPP), de Pequim, a descoberta suscita questões pertinentes para a paleontologia. “Na nossa profissão, a gente procura entender como se deu a evolução da vida no tempo profundo, há milhões de anos. Então, ao encontrar uma espécie que não havia sido registrada antes, nós aumentamos a paleobiodiversidade de um determinado grupo”, comenta Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional e coordenador da pesquisa no Brasil.
Os fósseis foram encontrados há mais de dez anos em uma região chinesa denominada Hami. Apesar de ser rica em ossos de pterossauros, essa é a primeira vez que fósseis de dinossauros são descritos nessa localidade. “Um deles é baseado no pescoço e o outro, na cauda. Além de terem sido encontrados em camadas de rocha diferentes, a análise de morfologia que fizemos demonstrou que eles representavam dois grupos totalmente diferentes”, relata Kellner. A primeira espécie, denominada Silutitan sinensis, faz parte de um grupo tipicamente asiático, os Euhelopodidae, e foi identificada a partir de uma série de vértebras cervicais médias e posteriores articuladas. Seu nome é uma combinação do termo “Silu”, que significa “Rota da Seda” em mandarim, em memória das grandes rotas comerciais que conectavam o Oriente e o Ocidente, e “titan”, em alusão aos titãs gregos, um termo muito usado em saurópodes devido ao seu tamanho.
No entanto, foi a segunda espécie descrita que mais intrigou os cientistas. O Hamititan xinjiangensis, identificado a partir de uma sequência de vértebras caudais anteriores articuladas, faz parte do grupo denominado de Titanosauridae, raro na Ásia e muito comum na América do Sul, inclusive no Brasil. “Existe toda uma gama de novas informações que esse achado vai propor: o que estaria fazendo na Ásia um animal mais relacionado às formas sul-americanas?”, indaga Kellner. O nome “Hamititan” da espécie surge da junção do nome da localidade onde o fóssil foi encontrado (Hami) e novamente o termo “titan”. “Essa é uma descoberta que abre enormes perspectivas a serem resolvidas, até porque naquele tempo não tinha avião e eu desconfio que dinossauro não tinha passaporte”, brinca.

NOVOS ESTUDOS
Assim como uma das espécies descritas, a própria pesquisa é fruto de um intercâmbio entre países. Iniciada em 2004, a parceria entre pesquisadores do Museu Nacional e do IVPP (com coordenação do Dr. Xiaolin Wang) já resultou na realização de dezenas de trabalhos. “A China é realmente surpreendente em termos da riqueza de fósseis que são encontrados e, sobretudo, do grau de investimento deles na Ciência em geral”, afirma Kellner. Para a coleta e análise do material, a pesquisa contou também com a colaboração de paleontólogos do Beijing Museum of Natural History e do Hami Museum, além da paleontóloga Kamila Bandeira, doutoranda pelo Museu Nacional que se dedica a estudar os dinossauros saurópodes, que são aqueles com pescoços muito longos.
“Os titanossauros foram o último grupo de saurópodes a surgir no planeta. Existem registros muito antigos deles, com pelo menos 120 milhões de anos. E nessa época já havia titanossauros espalhados pelo planeta inteiro”, explica Kamila, que é orientanda do professor Kellner. A princípio, os pesquisadores acreditaram que os dois fósseis se tratavam de uma mesma espécie de titanossauro. Por isso, convidaram Kamila, que é especialista nesse grupo, para ajudar na identificação. “Foi uma surpresa bem grande quando verificamos que eram elementos que na verdade pertenciam a duas espécies diferentes”, lembra. Ela esteve na China para avaliar os fósseis em outubro de 2019, pouco antes do início da pandemia.
Segundo Kamila, o achado abre porta para novos estudos a respeito da movimentação geográfica desses animais. “Entre todas as espécies conhecidas de titanossauros, a maioria está aqui na América do Sul, principalmente na Argentina. Então é interessante notar que, apesar dessa diversidade aqui, ainda existem formas que podem ser encontradas em outros países, como essa que identificamos na China”, aponta.
Por se tratar de um grupo de animais herbívoros gigantes, com espécies que variam de seis a 40 metros de comprimento, a sua colonização do planeta de forma tão rápida ainda intriga os cientistas. “A gente espera que esse tipo de sucesso se encontre em animais muito menores. Geralmente não se vê um grupo de animais tão grandes conseguir se espalhar tão rápido assim”, acrescenta a pesquisadora. Tendo em vista a presença de ninhos de pterossauros na região onde foram encontrados esses saurópodes, Kamila pondera também outras questões paleoecológicas. “Será que eles estavam realmente só passando, ou será que eles viviam naquela região? Será que eles também construíam ninhos ali? Levanta muitas perguntas”, completa.

MUSEU NACIONAL VIVE
A publicação da pesquisa vem em boa hora. O dia 2 de setembro marca os três anos do incêndio do Museu Nacional, naquela que é considerada a maior tragédia para o patrimônio cultural na história do Brasil. “Eu acho que em qualquer outro governo, que leva pesquisa a sério, já haveria sido feito um investimento muito maior para uma restauração mais rápida do museu”, critica Kamila. A doutoranda ressalta o forte investimento da China na Paleontologia e em outras áreas da Ciência, principalmente quando em comparação ao Brasil. “Eu espero que em algum momento isso mude, e que o Brasil também passe a investir mais em pesquisas de base em geral, porque elas são necessárias até mesmo para o nosso enriquecimento cultural”, diz.
Segundo Alexander Kellner, a ideia é que em 2022, ano do bicentenário da declaração da Independência do Brasil, parte do Museu Nacional seja disponibilizada para a população. “Queremos abrir o Jardim das Princesas, que é uma área que nunca tinha sido aberta ao público antes, aquele jardim frontal, e também uma área para circulação em torno do palácio, que ainda estará em obras”, pontua. O professor enaltece a descoberta em parceria com os chineses como um exemplo do potencial do Museu Nacional. “Mesmo diante de todas essas dificuldades, a gente demonstra mais uma vez que a nossa universidade consegue gerar produto de qualidade, produto de Ciência, e contribuir para um entendimento melhor desse mundo que nos cerca. Mais uma vez a UFRJ e o Museu Nacional provam que estão vivos”, finaliza.

Topo