Accessibility Tools
Foto: Alessandro CostaRenan FernandesEm 1969, Flávio Molina, aluno da Escola de Química, foi preso após uma invasão da polícia ao campus da Praia Vermelha. Perseguido, trancou a matrícula e se filiou à Aliança Libertadora Nacional. Foi preso e torturado até a morte em São Paulo, em 1971.
Molina foi um dos 25 estudantes da UFRJ mortos pela ditadura militar que foram homenageados em um memorial inaugurado em dezembro. “Somente em 1981 tive notícias da localização dos restos mortais dele. Depois de anos de buscas, testes de DNA no Brasil e no exterior, ele foi identificado em 2006”, lembrou Gilberto Molina, irmão de Flávio, que fez questão de estar presente ao ato de inauguração. “Foram 35 anos de angústia buscando saber o que aconteceu com ele”.
O totem está localizado em frente ao Restaurante Universitário Edson Luís, cujo nome homenageia o secundarista assassinado por policiais em 28 de março de 1968, durante manifestação por melhores condições no restaurante popular Calabouço, no Centro do Rio. A peça, produzida em aço inox, foi desenvolvida pelas estudantes Marcelle Lins e Natália Rodrigues, do curso de Comunicação Visual Design, sob a supervisão das professoras Irene Peixoto e Madalena Grimaldi. “É uma homenagem singela, mas com um peso emblemático de memória e reparação”, destacou Grimaldi, diretora da Escola de Belas Artes.
“É simbólico estar aqui”, afirmou a deputada estadual Dani Balbi. “Continuamos lutando contra o arbítrio que vitimou esses estudantes e continua vitimando a juventude negra, pobre e periférica”, completou ela.
O coordenador da Comissão de Memória e Verdade da UFRJ, professor José Sérgio Leite Lopes, diz que o totem é apenas a primeira de outras ações que estão por vir. “Está em fase de estudo o projeto de construção de um monumento aos mortos e desaparecidos também aqui em frente ao RU Central”, disse.
O reitor Roberto Medronho encerrou o ato chamando os nomes dos homenageados para a saudação do público.
A disputa entre o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional pela transparência das emendas parlamentares produziu um efeito inesperado na UFRJ. Com base em relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) do final de dezembro, o ministro Flávio Dino mandou suspender de forma imediata os repasses a 13 entidades que não divulgariam ou não forneceriam de forma adequada as informações sobre os recursos recebidos. Entre elas, a Coppetec, maior fundação de apoio à universidade.
Desde 2020 — período analisado pela CGU —, a entidade recebeu pagamentos de 22 emendas parlamentares que totalizam R$ 61,9 milhões. “Os dados estavam todos disponíveis. A terminologia que a gente usa aqui é projeto, convênio ou contrato. Projeto pode estar associado a um convênio ou contrato. Por trás deste projeto, tem um financiador, que pode ser uma emenda. Mas o filtro da CGU era baseado em ‘emenda’ e a gente não tinha isso diretamente”, esclarece o professor Glaydston Mattos Ribeiro, diretor-executivo da Coppetec.
A decisão do ministro Flávio Dino foi divulgada no dia 3 e a fundação tem trabalhado desde então para se adequar aos parâmetros da CGU. “A nossa primeira providência foi aperfeiçoar o site para torná-lo mais acessível e completo em relação às emendas”, afirma o diretor-superintendente da Coppetec, professor Antonio Figueiredo. Desde o dia 9, o portal da Coppetec apresenta um link exclusivo para os projetos financiados por emendas.
Esta semana, ao lado de outras fundações de apoio, a Coppetec participou de uma reunião com a CGU para debater o problema. Os dirigentes explicaram aos representantes do órgão de controle que, para além da suspensão dos repasses dos emendas, a decisão do STF tem outro aspecto que pode prejudicar as pesquisas da UFRJ: o ministro Flávio Dino também determinou a inscrição das 13 entidades no Cadastro de Entidades Privadas Sem Fins Lucrativos Impedidas (CEPIM) e no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS) pelos órgãos competentes do Poder Executivo.
“Isso teria um impacto enorme sobre todos os recursos oriundos da esfera federal. Ficariam automaticamente bloqueados”, diz Figueiredo. Entes públicos de outras esferas e empresas também poderiam deixar de aplicar verbas via Coppetec. Hoje, a fundação atende mais de 40 unidades e Centros da UFRJ.
“Enviamos os aperfeiçoamentos no Portal de Transparência da Coppetec para a CGU, que já fez a verificação e aprovou. Já encaminhamos para o STF a petição de anulação das sanções. Aguardamos resposta para as próximas horas”, disse Figueiredo, no dia do fechamento desta edição.
FUJB NÃO FOI AFETADA
A Fundação Universitária José Bonifácio (FUJB), outra fundação de apoio da UFRJ, não foi afetada pela medida do STF. Ela nao se enquadrou entre os critérios de seleção adotados pela CGU, relacionados ao volume de empenhos de emendas em dezembro último.
ATUALIZAÇÃO: ainda neste dia 10, após o fechamento desta edição, o ministro Flávio Dino se manifestou sobre a petição enviada pela Coppetec. O ministro solicitou que a CGU verifique se a fundação cumpriu os requisitos de transparência dos dados em até 15 dias corridos.
Publicoado no Boletim nº 150 - 28/10/2018
ANA BEATRIZ MAGNO
Na manhã de 31 de março de 1964, a professora Maria Lúcia Teixeira Werneck Vianna deixou a maternidade com seu primeiro filho nos braços e um enorme aperto no peito. Aos 21 anos de idade, Marilu não sabia se João Pedro cresceria num Brasil capturado pela barbárie ou num país reinventado pelos sonhos libertários que sua família acalentava.
Àquela altura os brasileiros se dividiam entre os que flertavam com o golpismo e os que deviam lealdade à democracia. Os Teixeira eram radicalmente democratas. “Meu pai era homem tão crédulo em seus ideais que no dia que João Pedro nasceu encheu o quarto do hospital de rosas vermelhas e comemorou a chegada do neto em tempos vermelhos”, conta.
O brigadeiro Francisco Teixeira, pai de Marilu e de mais três rapazes, um deles o ex-reitor da UFRJ, Aloísio Teixeira, cumpriu uma carreira pródiga nas Forças Armadas. Simpatizante do Partido Comunista, sempre esteve alinhado aos princípios do nacionalismo. Participou da campanha O Petróleo É nosso, chefiou o gabinete do Ministro da Aeronáutica na Era JK, e no ápice da crise do governo Jango, comandava a 3ª Zona Aérea do país. Era um cargo estratégico para a segurança nacional naqueles conturbados anos. “Meu pai estava pronto para resistir. Tinha certeza que sua tropa resistiria, enfrentaria os traidores da Constituição e garantiria a democracia”.
A esperança e a ilusão do brigadeiro se transformaram em 21 anos de pesadelo. Francisco Teixeira foi preso quatro vezes durante a ditadura. Seu filho Aloísio ficou na cadeia seis meses. Sua casa foi misteriosamente incendiada. Mudaram de endereço várias vezes. A mãe de Marilu não sofreu apenas o terror de ver o marido e os filhos perseguidos. Enfrentou a humilhação de ser declarada viúva de marido vivo. O brigadeiro foi aposentado compulsoriamente e declarado morto para as Forças Armadas. Para a filha, no entanto, ele era o mais vivo dos pais, era literalmente seu anjo da guarda, como conta pela primeira vez em um emocionante depoimento sobre os dez dias de prisão e tortura em 1970:
“Eu estava sendo perseguida. Queriam saber do meu marido, um cientista político cassado pelo regime. Era véspera da Copa do Mundo. Estava em meu apartamento ao lado do prédio dos meus pais, quando três militares tocaram a campainha.
Foi horrível, meus filhos estavam no elevador com meu irmão mais novo. Ele fazia gestos para as crianças não falarem nada. Coitados, eles lembram até hoje. Tinham cinco e seis anos de idade, ficaram nervosos e falaram na frente dos militares que não iam falar nada. Meu irmão correu e avisou ao meu pai. Ele veio correndo para o meu apartamento e disse que só me levariam se o levassem junto. Ele foi preso por minha causa, para me proteger.
Fomos vendados, num fusca, de Botafogo até a Tijuca, no Quartel da Polícia do Exército. Meu pai foi colocado numa cela em frente à minha. Deram uma vassoura para ele, era obrigada a passar o dia varrendo o chão. Um brigadeiro.
Toda hora falavam para mim: ‘olha o papai lá’. A pior parte era descer para o interrogatório. Todo dia, dez dias seguidos. Eles queriam saber onde estava meu marido. Eu não dizia. Eles davam choques em meus braços e me ameaçavam mostrando o pau de arara. Depois me deixavam na cela, ouvindo os gritos desesperados de meus companheiros.
Foi muita angústia, eu passava o tempo fazendo barquinhos de papel. Guardo até hoje. Eu resisti, mas não esqueci. Não esqueci dos efeitos sobre meus filhos, do medo deles, do impacto sobre suas vidas. Não quero que isso se repita com meus netos. Hoje temo por eles. E pelo Brasil.”
Marilu está transformando seu medo em luta. Aposentada, septuagenária, preside a Adufrj com garra. “A universidade está ameaçada. São tempos diferentes. Hoje temos instituições mais sólidas, mas o risco à democracia é real. Sou de uma geração iluminista que encara a luz como a única saída para a produção do conhecimento. Não podemos deixar as trevas e o medo voltarem”, conta a mãe de João Pedro, o primogênito que saiu da maternidade na véspera da mais longa noite brasileira e que ganhou o nome de um bravo líder camponês assassinado. “Precisamos de heróis”
“Sou de uma geração iluminista que encara a luz como a única saída para a produção do conhecimento. Não podemos deixar as trevas e o medo voltarem”
Maria Lucia Teixeira Werneck Vianna não titubeou ao aceitar o convite para ser a presidente de chapa para a diretoria da AdUFRJ, em 2017, quando tinha 74 anos. Foi a forma que encontrou de continuar fazendo política na universidade. E, ao mesmo tempo, atender a um desejo do irmão Aloísio Teixeira, ex-reitor da UFRJ entre 2003 e 2011.
“Uma coisa que eu nunca falei é que o Aloísio, quando saiu da reitoria, disse: ‘Agora eu quero ser o presidente da AdUFRJ’. Ele queria ficar na universidade, atuando. Ele não conseguiu satisfazer esse desejo. Faço por ele”, contou à época, em entrevista ao Jornal da AdUFRJ.
E fez em um momento muito bruto da realidade brasileira. Entre outubro de 2017 e outubro de 2019, Marilu conduziu a AdUFRJ entre o fim do governo Temer e os primeiros meses de Jair Bolsonaro — e seus péssimos ministros da Educação. Incansável, dona de uma análise rigorosa dos acontecimentos, firme em suas convicções e com muito bom humor, a professora cativou os colegas de mandato.
“Marilu escutava, se encantava, forjava caminhos e construía entendimentos”, escreveu a professora Tatiana Sampaio, 2ª secretária daquela gestão, em depoimento para esta edição. “Mulher linda, suave, generosa, polida. Amiga para sempre guardada no lado direito do peito”, registrou a professora Ligia Bahia, vice-presidente da diretoria 2017-2019.
Confira, a seguir, a íntegra dos depoimentos dos colegas.
Carlos Frederico
Leão Rocha
Diretor do Instituto de Economia
Maria Lucia era uma comunista. Foi presa pela ditadura como Eunice, e como Maria seguiu adiante. Teve pai, irmão e marido perseguidos e criou quatro filhos, que geraram nove netos, que cantaram a Internacional no seu enterro, pleno de amigos com carinhosas referências. Ao final, uma canção de Tim Maia simplesmente pedia para ela ficar. Tenho muito a agradecer a Marilu. Ela tinha uma assertividade que se conjugava com generosidade que permeavam o espírito daqueles que tiveram a sorte de conviver com ela. Em 2017, quando pedi a Marilu para assumir a presidência da AdUFRJ, ela estava ofegante, mas não titubeou em aceitar, para logo depois recuperar o fôlego. Marilu seguiu na luta. Talvez tenha sido a primeira presidente aposentada da AdUFRJ. Lutou até o final contra a reforma da previdência, contra os desarranjos do governo Temer que lhe deixamos para enfrentar. A previdência era seu tema de estudo, que carregava com o sentimento de solidariedade que deixava permear pelo seu entorno. Maria Lucia era uma humanista. Solidariedade, humanismo e generosidade são temas cada vez mais escassos nessa trajetória neoliberal do tempo em que vivemos, o tempo que o tempo lhe deu e que a nós caberá tocar adiante. Marilu, vou pedir para você ficar.
EDUARDO RAUPP
Instituto Coppead
Conheci a Marilu pessoalmente no processo de construção da chapa que viria a ser a diretoria da Adufrj na gestão 2017-2019 e que foi por ela liderada. Marilu emprestou seu nome, sua reputação e sua experiência para que um processo de mudança no sindicato iniciado na gestão anterior pudesse ter continuidade. Até então eu tinha referências da sua atividade intelectual, de sua luta contra a ditadura e das importantes funções que havia desempenhado na UFRJ. Era uma admiração distante que só cresceu com a convivência. Marilu tinha o tino da análise de conjuntura, da visão nacional, da contextualização das pautas sindicais no seu mais amplo contexto histórico e político. Vivemos um período duríssimo na conjuntura nacional, das consequências do golpe contra Dilma à eleição do golpista. Era compreensível se, àquela altura da sua trajetória, depois de tanta luta pela democracia brasileira, ela desanimasse com o que estávamos vivendo. Estávamos novamente diante de uma ameaça democrática, que não superamos de todo e que foi explicitada nos acontecimentos de janeiro de 2023. Mas desânimo e Marilu eu jamais vi conviverem. Ela foi firme na direção do nosso sindicato e liderou com ternura e firmeza as iniciativas que tomamos. Marilu propiciava uma ligação entre uma tradição militante e a sabedoria para enfrentar os novos desafios que se impunham. Um privilégio para quem podia cotidianamente aprender com ela. Um legado que impulsiona todos nós na defesa dos princípios pelos quais ela viveu.
Lembro com muito carinho do seu acolhimento, da sua paciência e da sua compreensão comigo, mesmo nos momentos mais tensos da nossa gestão.
Sem deixar de lado suas posições, sempre deu voz a todos, estimulou o debate e liderou as sínteses possíveis. Minha memória da Marilu vai ser sempre a da sua altivez, da inconformidade genuína e do jeito habilidoso de trazer à baila os pontos críticos. Suas pautas vinham de antes, eram atualizadas e vislumbravam muitos dos desafios de uma luta civilizatória que vamos continuar fazendo. Sem hesitação quanto às tarefas militantes, mesmo que já àquela época fosse desafiada pelas questões de saúde, foi sempre um exemplo. Nos dois anos de convívio na diretoria da ADUFRJ, ela nos brindou com sua lucidez, capacidade de diálogo e firmeza. A admiração se seguiu e seguirá para sempre. Seu legado é inspiração para seguirmos na luta sincera pela Universidade, pela democracia, pelo Brasil.
Marilu, presente!
TATIANA SAMPAIO
Instituto de Ciências Biomédicas
Convivi de perto com a Maria Lucia por apenas 2 anos, durante nosso mandato na diretoria da Adufrj. Não posso afirmar que a conhecia bem, mas posso dizer que adorei tudo que conheci. Tranquila, profunda e acolhedora, a imagem de um lago, recebendo muitos rios sem nunca transbordar. Marilu escutava, se encantava, forjava caminhos e construía entendimentos. Uma combatente firme e doce, que enriqueceu o mundo
por onde passou. Estava ao nosso lado fazendo de tudo, liderando sem se impor, vibrando nas conquistas, não se abatendo nas dificuldades e se alegrando ao longo do caminho. Boa de cabeça e de coração, uma pessoa admirável, uma heroína mulher a brilhar como um norte para sempre em nossa memória
FELIPE ROSA
Instituto de Física
Ao contrário da maioria dos esvaziados pela sua partida, não conheci a Maria Lúcia Werneck da luta contra a ditadura, da prisão e da jornada pela redemocratização. Tampouco convivi com a brilhante professora de economia e Decana do Centro das Ciências Jurídicas e Econômicas. Meu primeiríssimo contato com a querida Marilu foi em 2017, num dos encontros que consolidou a chapa que venceria as eleições para a AdUFRJ
naquele ano. Ficamos dois anos em nosso mandato, e apesar da dureza inerente à prática sindical, ela sempre carregava – ao lado de seu arguto intelecto – uma humanidade que quase arrastava todos ao seu redor. O estar com Marilu sempre trazia aquele conforto da conversa entre velhos amigos, e me lembro de pensar mais de uma vez que “daqui a trinta anos, se estiver como Marilu, é porque algo certo fiz na vida.” Muito obrigado
pelo carinho e ensinamentos, minha amiga. Descanse em paz.
MARIA PAULA ARAÚJO
Instituto de História
Conheci Marilu desde que fiz meu doutorado no Iuperj, nos anos 90. Eu a conheci por seus estudos de Sociologia Política e Economia. Mas era uma referência teórica apenas. Muitos anos depois, integramos a diretoria da AdUFRJ entre 2017 e 2019. E aí foi um grande encontro de amizade. Conviver com Marilu durante estes dois anos foi um aprendizado para mim: de perspicácia, de julgamento moral, de juventude, de coragem, de acuidade em relação a fatos, pessoas e posturas. E de uma enorme vivacidade. Marilu conjugava uma integridade muito absoluta com alguns momentos de grande senso de humor. Foi uma parceria importante na minha trajetória. Sempre vou me lembrar de tudo que aprendi e vivi com ela.
DEBORAH TRIGUEIRO
Técnica-administrativa
Trabalhei com a Maria Lúcia no Instituto de Economia durante muitos anos. A Marilu tinha uma história de vida que fazia toda a diferença. Tinha sido professora do ensino básico, era mãe de quatro filhos, e vinha de uma família de cassados pela ditadura. Estudava bem estar social e políticas públicas. Dialogava muito com funcionários e professores. Era muito querida por todos. Admirável mesmo. Fez parte da minha formação política junto com a Conceição e outras professoras do IE. Carinhosa, solidária, acolhedora, mas firme, convicta e segura. Foi um prazer voltar a trabalhar com ela aqui na AdUFRJ. Ô sorte a minha!
FERNANDO DUDA
Coppe
Tive o privilégio de conhecer pessoalmente a Marilu durante as articulações para a montagem da chapa que disputou e venceu as eleições para a AdUFRJ no período de 2017 a 2019. Nesse mandato, ela exerceu a presidência, enquanto eu atuei como tesoureiro, o que me permitiu acompanhar de perto sua vitalidade, energia, inteligência, carisma, bom humor e firmeza. Essas qualidades, somadas à sua sagacidade e ao seu sorriso acolhedor, marcaram profundamente sua gestão à frente da AdUFRJ. Participamos de inúmeras reuniões, congressos do ANDES em Salvador e Belém, além de muitos outros encontros. Foi um período de grandes desafios no pós-impeachment, com severas ameaças ao serviço público e às universidades públicas, em um contexto político tenso, marcado inclusive pela intervenção federal no Rio de Janeiro. Marilu foi uma liderança
ativa, resiliente e inspiradora, que enfrentou essas adversidades com coragem e determinação, deixando um legado
de resistência. Uma amiga querida que deixará muitas saudades.
ROBERTO MEDRONHO
Reitor da UFRJ
Professora Maria Lúcia foi ícone na luta pela democracia e pela justiça social em nosso país. Uma mulher forte, corajosa e generosa. Professora e pesquisadora brilhante. Seus estudos sobre a previdência social e a saúde são referências importantes
para todas as pessoas. Seu legado permanecerá. Maria Lúcia é um belo exemplo da excelência
de nossa Universidade
LIGIA BAHIA
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva
Fui convidada para escrever este texto por ter compartilhado com Maria Lucia uma gestão da AdUFRJ. Fomos da diretoria em 2017-2019, ela Presidente (não gostaria de Presidenta - importante advertir que rejeitaria por ser feminista) e eu vice. Como o espaço para o texto é exíguo e
imensa a relevância da Maria Lucia para o Brasil e UFRJ, decidi sintetizar uma parte de sua trajetória intelectual.
Sua tese de mestrado “A Administração do “Milagre” – O Conselho Monetário Nacional – 1964-1974” é um marco para a compreensão da ditadura militar, para além de seus aparatos repressivos e arrocho economico. Importante, inédita, avançou o conhecimento sobre a conformação de legitimidade, hegemonia de governos autoritários. Maria Lucia, não foi apenas vítima dos anos de chumbo, ousou estudar o monstro; dissecou suas entranhas. Passou a nos ensinar que “lei pega” (pode ser mais, menos) que as normas legais importam, fazem sentido, oprimem, produzem, intensificam desigualdades.
A obra “A Americanização (Perversa) da Seguridade Social no Brasil: Estratégias de Bem-Estar e Políticas Públicas” – resultou de seu doutorado.
Um estudo “pra ninguém botar defeito.” O que é “O Social” nas suas dimensões valorativas e pragmáticas expostos com rigor, acuidade e ultra bem documentados, estão acompanhados por análises acuradas de experiências internacionais, debates, o teor da Constituição de 1998, controvérsias após a aprovação,leis regulamentadoras e posicionamentos de movimentos sociais, sindicais e empresariais.
Maria Lucia, uma das criadoras da concepção sobre a inserção dos direitos sociais na Constituição, se dedicou à investigação da criatura: uma
seguridade social contraditória, seletiva, com baixo potencial redistributivo, mas “superlativa.” Tese, referência incontornável para os estudos sobre possibilidades, limites e padrões daquilo que é considerado esfera social, benefício, direito social no Brasil. O adjetivo “perversa” (para ela, conceitos qualificados, após a conclusão de pesquisas adquiriam conteúdo) tem sido substituído, em outros estudos, por excludente, incompleta,
imperfeita) .... Mas, proposição e argumentos originais permaneceram atuais.
Dois exemplos de empreendimentos teóricos e de dedicação à reflexão sobre nossa realidade e seus limites e possibilidades de mudança, sedimentados em uma longa trajetória de domínio da literatura clássica, esforços para o acompanhamento dos caminhos e descaminhos das ciências sociais e genuína abertura para o entendimento do novo-novo e novo velho. Maria Lucia nunca foi fiel a um autor, a uma escola. Marxista, gostava de Weber, de Gramsci e Stuart Mills....
Ecletismo, mas com rumo e prumo. Pensamento único jamais. Distorções, contorções e pedantismos pseudocientíficos, nunca. Nem pensar em descrições exaustivas que “morriam na praia” e números torturados, “que por si nada falam.” Professora generosa, com profundo interesse e respeito pelos distintos pontos de partida e chegada de cada aluno, pelas dúvidas, hesitações e vacilações. Pesquisadora despretensiosa
em relação a títulos e honrarias, porém hiper consciente em relação aos empreendimentos necessários, cumulativos e divergentes para o conhecimento crítico. Mulher linda, suave, generosa, polida. Amiga para sempre guardada no lado direito do peito.