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Josué MedeirosPrimeiro, a boa notícia. A extrema direita vai perder as eleições presidenciais em 19 de dezembro de 2021. O deputado federal de centro-esquerda Gabriel Boric, de apenas 35 anos, será eleito e derrotará o radical de direita José Antonio Kast.
A má notícia é que a extrema direita chilena veio para ficar. Kast conquistou quase dois milhões de votos no 1o turno, ocorrido em 21 de novembro, o que o projeta como uma liderança incontestável. Além disso, seu patamar de 27% indica que há base social para um movimento político enraizado com base na defesa do autoritarismo, da violência e de um nacionalismo xenofóbico.
Não é fácil entender esse cenário tão bifurcado e ainda em aberto, mas é possível organizar as coordenadas para acompanhar o que se passa no Chile.
O estallido social de 2019
Em outubro de 2019, o Chile foi sacudido por um terremoto diferente dos abalos sísmicos que aquele país está acostumado a enfrentar. Milhões de pessoas foram às ruas em todo o país até março de 2020 e só saíram por causa da pandemia da covid-19. O estopim foi o aumento da passagem do trem em Santiago. A violência policial na repressão aos manifestantes foi a gasolina que incendiou ainda mais a fogueira da revolta social. Foram centenas de mortos e milhares de ativistas feridos e detidos.
Os “carabineiros” cometeram inúmeras violações de direitos humanos contra a população e escancararam os limites da democracia chilena, até hoje organizada sob a égide da Constituição de 1980, elaborada pelo ditador Augusto Pinochet. Suas marcas principais são a ausência de direitos sociais — o regime autoritário pinochetista foi o primeiro laboratório neoliberal no mundo — e a existência de amarras institucionais que impedem mudanças constitucionais.
O estallido social foi o momento em que a sociedade chilena disse basta para essa Constituição. A questão é o que fazer depois disso.
O estallido social se caracterizou pela ausência de lideranças constituídas. Uma nova geração política que já ocupava as ruas desde 2006 com a Revolta dos Pinguins e que, desde então, tentava renovar o sistema político, buscou representar o movimento.
O contexto era de profunda crítica ao sistema político existente, no qual a esquerda se organizou em uma coalizão chamada Concertación e governou o país de 1990 a 2010, quando o atual presidente, Sebastián Piñera, venceu as eleições e a direita democrática chilena conquistou seu primeiro mandato. De 2010 a 2019, houve uma alternância de poder entre Piñera e Michelle Bachelet, que primeiro governou de 2006 a 2010, ainda pela Concertación e depois voltou ao poder, de 2014 a 2018, já pela coalizão Nueva Mayoria. Em 2018, Piñera triunfa novamente. Todo o arranjo democrático chileno surgido em 1990 já estava em crise desde 2014 e ruiu em definitivo com o estallido social.
A renovação se deu por duas vias e a primeira foi a Constituinte.
A Constituinte chilena
A força da renovação não se voltava apenas para o sistema político, mas alcançava todo o aparato legal e institucional chileno. O acordo pactuado entre as lideranças das mobilizações e o sistema político foi a realização de um referendo em abril de 2020, que foi adiado pela pandemia e ocorreu em 25 de outubro.
Setenta e oito por cento dos votantes aprovaram a Constituinte. A segunda etapa foi a eleição dos parlamentares, marcada para abril de 2021 e realizada em 15 e 16 de maio. O resultado foi amplamente favorável à renovação, com 100 constituintes somando esquerda e independentes e 17 representantes dos povos indígenas contra 38 legisladores da direita.
Finalmente, em 4 de julho, a Assembleia Constituinte foi instalada com a eleição de Elisa Loncón, uma parlamentar mapuche (povo indígena da região centro-sul chilena, bastante perseguido pela Ditadura de Pinochet e que, por diversas vezes, entrou em conflitos com as instituições democráticas do Chile, acusando-as de violar seu território e ameaçar sua sobrevivência).
Já a segunda via da renovação democrática chilena se manifestou nas eleições presidenciais de 2021.
As eleições presidenciais e o futuro
Em paralelo ao processo constituinte, o sistema político tradicional seguiu governando, com Piñera presidente e um Congresso Nacional já em processo de renovação pelo surgimento de novas forças, tais como a Frente Amplio de Boric, à esquerda, e o próprio Kast, à direita. Piñera, na verdade, virou um presidente zumbi, apenas administrando o quadro pandêmico e buscando se manter no poder diante de um processo de impeachment.
Outra questão decisiva é o comparecimento eleitoral no Chile. Todo o processo constituinte foi marcado pela baixa participação, sempre menor que 50% do eleitorado. Isso limita a energia Constituinte e permite que o sistema político siga organizando os pilares institucionais chilenos, ainda que sua legitimidade seja baixa.
Tal ambiguidade se manifestou nas eleições presidenciais. Se, por um lado, o rechaço ao sistema político presente na Constituinte se manifestou no resultado, com duas novas lideranças alcançando o segundo turno, por outro é inquestionável que Kast significa uma recusa das energias que a Assembleia Constituinte representa. Ou seja, um terço do eleitorado chileno que foi às urnas disse não ao sistema político e não à Constituinte.
Em resumo: uma vitória de Kast nas eleições seria a morte da Constituinte e um prenúncio de novas explosões sociais. Com Boric presidente, o mais provável é que exista uma convergência do novo mandatário com o parlamento constituinte, o que pode permitir um desfecho positivo para a democracia chilena. O desafio, nesse caso, será derrotar o movimento de extrema direita que seguirá vivo no país, mesmo com a derrota eleitoral.
TEXTO E TÍTULO DE RESPONSABILIDADE DO AUTOR
FELIPE ROSA
Professor do Instituto de Física e integrante do Conselho de Representantes da AdUFRJ
Nessa última terça-feira, dia 23/11, tivemos o que alguns apelidaram como o “Consuni do fim do mundo”: depois de 8 anos congelada na gaveta reservada aos itens radioativos, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – Ebserh – foi reconduzida à pauta da UFRJ. Mais especificamente, foi iniciada uma discussão para se abrir negociações com a Ebserh, deixando-se uma possível celebração de contrato para um momento posterior. Dada a experiência pregressa (e, em alguns momentos, lamentável) do conselho máximo acerca do tema, já se esperava uma reunião bastante tensa, mas infelizmente o que se viu foi uma subida furiosa pelas escarpas da tensão até a beira do precipício da irresponsabilidade.
Antes de mergulharmos na polêmica, faz-se necessário prover um breve contexto. O Complexo Hospitalar da UFRJ passa por uma situação difícil há muitos anos, graças a um coquetel indigesto de subfinanciamento, carência de gestão e corporativismo excessivo. Assim sendo, nos idos de 2012, o conselho do CCS propôs, numa votação por ampla maioria, que se passasse a gestão dos hospitais da UFRJ para a então recém-criada Ebserh, uma empresa pública engendrada para este fim. A perda da autonomia, ainda que parcial, sobre o complexo hospitalar de uma Universidade não é algo periférico ou acessório, e um vigoroso debate tomou conta da UFRJ até uma infame reunião do Consuni em meados de 2013, quando a discussão foi interrompida com violência e tumulto. O tema então ficou submerso até o final de 2020, quando, movido por encerramentos de contratos que fechariam muitos leitos, o Complexo Hospitalar solicitou às instâncias superiores o retorno às negociações com a Ebserh.
E um ano depois, cá estamos. Com o amadurecimento das conversas, foi convocado um Consuni extraordinário para tratar do tema. A polêmica se instalou assim que se anunciou que tal reunião seria remota, pois isso “inviabilizaria o debate verdadeiramente democrático”.
Os mais experientes sabem que, nesse caso, “debate democrático” significa pressão ostensiva de grupos organizados sobre os conselheiros/as, com invasões das salas de reunião, palavras de ordem etc. Nada disso é necessariamente mau – manifestações, mesmo que enfáticas, fazem parte da democracia – mas junte-se os ânimos acirrados com o contexto pandêmico que ainda vivemos, e a decisão de fazer um conselho remoto mostra-se bastante responsável. Não obstante, foram anunciados atos presenciais antiEbserh na reitoria no próprio dia 23, com a participação de diversas entidades. Imaginava-se que o ato poderia se dar nos pilotis da entrada do prédio, ou talvez até no hall de acesso ao gabinete da reitoria, mas qual não foi a surpresa de muitos ao perceberem que, ao abrir-se a transmissão ao vivo do Conselho, as câmeras de alguns conselheiros mostravam o Salão Nobre da reitoria apinhado de gente.
Pasmem, caras e caros leitores: as mesmas lideranças que exigem padrões sanitários nórdicos para o retorno das atividades didáticas presenciais estavam promovendo, sem a menor necessidade objetiva, uma baita aglomeração num salão pequeno e mal ventilado. Vários conselheiros presentes no salão, inclusive, retiravam suas máscaras para fazer suas intervenções. Poderia se argumentar que, devido às altas taxas de vacinação, o risco de contágio seria baixo, mas o fato é que todas as orientações técnicas são inequívocas em recomendar cautela em lugares fechados, e o que vimos foi uma grande cena de desobediência cívico-científica.
Enfim, após aproximadamente três horas e meia, com os humores recrudescendo e a aglomeração inflando, o representante dos professores titulares do CCMN pediu vistas do processo, o qual foi seguido por vários outros conselheiros. A próxima reunião do Conselho Universitário já está marcada para a próxima quinta-feira, dia 02/12. Espero não ter que bater novamente na tecla da insensatez, seria realmente o fim da picada.
Foto: Fernando Souza/Arquivo AdUFRJO primeiro Conselho de Representantes convocado pela nova diretoria da AdUFRJ mostrou uma organização bastante diversa do retorno presencial em toda a universidade. Há unidades que retomaram grande parte de suas atividades presencialmente. Já outras, com graves problemas estruturais, estão sem condições de receber estudantes em suas instalações. O CR virtual, dia 22, reuniu 38 conselheiros, além da diretoria.
“Foi uma boa reunião. Havia muitas unidades presentes. Foi bastante representativa”, avaliou o presidente da AdUFRJ, professor João Torres. “Tivemos um retrato de como está a volta presencial, com situações muito distintas. Sem dúvida, a segurança, sobretudo para os cursos noturnos do Fundão, é uma das principais preocupações neste momento”, ressaltou.
O alerta veio das representações do Instituto de Biologia e da Escola de Educação Física e Desportos. “O quadro mais grave é do pessoal do nosso noturno. No diurno, cerca de 50% dos nossos estudantes querem retornar presencialmente. Mas, no noturno, mais ou menos 5% dos alunos querem retornar agora, numa situação ainda de muita insegurança no campus”, afirmou a ex-diretora da AdUFRJ, professora Christine Ruta, da Biologia.
O conselheiro Marcelo Melo, da EEFD, falou no mesmo sentido. “A nossa solução foi voltar ao presencial com eletivas para minorar os impactos na nossa comunidade acadêmica. Oferecemos o mínimo de eletivas no período tarde-noite para não expor os alunos num Fundão ainda vazio”.
Na Praia Vermelha, o maior problema é o aulário (conforme adiantado pela edição nº 1.204 do Jornal da AdUFRJ). A estrutura não permite o retorno presencial das aulas nos contêineres habitáveis. “Na Faculdade de Educação, nós voltamos o mínimo possível. A maior parte de nossas atividades acontece no aulário, que não tem nenhuma condição de receber alunos”, informou a professora Marinalva Oliveira. “Os estudantes estão também em situações precárias, muitos fora do estado”.
Outros conselheiros descreveram um retorno presencial amplo de suas unidades. Sobretudo as que funcionam nas instalações do Centro de Tecnologia. “Obviamente nunca paramos. Produzimos álcool desde o início da pandemia, fizemos palestras virtuais, colamos grau, organizamos a escola”, descreveu Ricardo Medronho, diretor da AdUFRJ e professor emérito da Escola de Química. “A gente já começou a oferecer muitas disciplinas práticas presenciais e algumas teóricas. As salas foram todas sinalizadas para garantir o distanciamento de 1,5 metro. Nós procuramos nos adequar da melhor forma possível a essa exigência da volta”, disse.
Outro relato veio da Escola Politécnica. “A universidade é muito diferente em tudo, sobretudo na sua estrutura física. No caso do CT, a infraestrutura é boa, há salas de aulas amplas, com janelas que podem ser abertas, há portas largas”, ressaltou o conselheiro Eduardo de Miranda Batista. “A informação que tenho é que o semestre seria adequado para disciplinas laboratoriais e atividades práticas. Continuamos majoritariamente em aulas remotas. O retorno presencial massivo acontecerá conforme o plano da UFRJ, a partir de 2022”, finalizou.
AÇÕES DA DIRETORIA NO PRIMEIRO MÊS DE MANDATO
O momento serviu também para que a diretoria apresentasse suas ações neste primeiro mês de mandato. O presidente João Torres fez um breve relato das movimentações jurídicas da AdUFRJ. Uma delas é o recurso contra a instalação de ponto eletrônico para os docentes do Colégio de Aplicação. “A primeira instância negou recurso e recorremos em segunda instância. Aguardamos o resultado”, contou. Outra ação foi o recurso da AdUFRJ movido no Tribunal Regional Federal da 2ª região contra a volta açodada das aulas presenciais.
Do ponto de vista político, o professor destacou a atuação com o Andes e outros sindicatos. “Temos trabalhado bastante com o Andes, inclusive na campanha contra a PEC 32, que é algo que atinge o serviço público e, principalmente, os jovens professores que ingressam na carreira”. A AdUFRJ foi uma das entidades que financiaram a campanha no Rio de Janeiro, com outdoors (foto) que convocavam a população para os atos de outubro, contra a reforma administrativa.
Outro aspecto ressaltado pelo dirigente foi a atuação do setor jurídico do sindicato. “Entre 2020 e 2021, foram feitos 866 atendimentos de filiados. A assessoria tem atualmente 226 processos ativos, sendo 22 ações coletivas e 204 individuais. Foram, ainda, ajuizados 66 processos judiciais nesse período”, informou João.
Forçada por decisão judicial ao retorno presencial possível das aulas, a UFRJ segue atenta às movimentações do recurso que tramita no Tribunal Federal da 2ª Região. E uma recente manifestação da Procuradoria Regional Federal pode ajudar a universidade a organizar a volta aos campi de forma mais cuidadosa e planejada.
Em documento divulgado no dia 19, o procurador Paulo Fernando Corrêa concordou, em boa parte, com os argumentos da defesa das instituições de ensino — além da UFRJ, são citadas no processo a UniRio, a UFRRJ, o IFRJ, o Cefet, o Pedro II e o Instituto Nacional de Educação de Surdos.
O procurador é favorável à determinação de retorno às aulas presenciais, mas observa que a medida deve ser adaptada ao planejamento pedagógico de cada instituição, assegurando a continuidade do ensino remoto para estudantes “cujas condições pessoais, econômicas e de saúde, não permitam o retorno presencial no corrente ano letivo”. Além disso, Paulo Fernando Corrêa destaca as dificuldades financeiras das universidades, institutos e Pedro II: “Permitindo-se àquelas entidades de ensino que comprovem não possuir condições de cumprir tais exigências de imediato, notadamente por questões orçamentárias, a manterem, até o fim do corrente ano letivo, a modalidade de ensino remoto, com a apresentação, desde logo, do plano de retorno às atividades presenciais para o primeiro semestre do ano letivo de 2022”.
Advogada da AdUFRJ, Ana Luísa Palmisciano considerou positiva a manifestação, mais sensível às dificuldades das instituições de ensino. E, portanto, com um ponto de vista diferente dos procuradores de primeira instância que moveram a ação junto ao TRF-2. “Ela concorda com os argumentos de que o retorno só pode ocorrer de forma segura. Foi uma manifestação feita pelo mesmo procurador da segunda instância que recebeu as entidades na reunião do MPF”, lembrou a assessora jurídica, em referência à reunião ocorrida dia 10 que contou com a presença da AdUFRJ.
Não há prazo definido para o desembargador Marcelo Pereira da Silva, que determinou o retorno das aulas, deliberar sobre o recurso das instituições de ensino. Também não há decisão do desembargador em relação ao recurso apresentado pela AdUFRJ. (Kelvin Melo)
TEXTO E TÍTULO DE RESPONSABILIDADE DA AUTORA
MARINALVA OLIVEIRA
Professora da Faculdade de Educação da UFRJ e integrante do Movimento Barrar a Ebserh na UFRJ
A Ebserh foi criada para “resolver” os problemas dos hospitais universitários federais (HUs), que sofrem com estruturas físicas precárias, falta de pessoal e subfinanciamento. A empresa hoje administra 40 HUs, mas a realidade tem mostrado que sua atuação não solucionou os problemas, não trouxe mais recursos para os hospitais, nem melhorou as condições da população usuária e do/as trabalhadores/as. Pelo contrário, são várias as denúncias de descumprimento dos contratos e nas metas de ampliação de infraestrutura, tendo reduzido os espaços de ensino, pesquisa e extensão, de trabalho e de assistência à população, consolidando a terceirização e o assédio moral aos trabalhadores.
Na UFRJ, a adesão à empresa foi retirada de pauta em 2013, após amplo debate na comunidade acadêmica. Contudo, a atual reitora, contrariando promessa de campanha, ressurge com a pauta, no fim do ano, quando a universidade ainda funciona majoritariamente de maneira remota, em meio à crise sanitária, política e social no país, conduzindo o processo sem debate com a comunidade universitária.
A reitora apresenta um relatório que não avalia o conjunto das experiências dos hospitais sob a gestão Ebserh, mas analisa apenas hospitais favoráveis/parceiros da empresa. No relatório apresentado, estão ausentes os três segmentos da universidade, havendo problemas de metodologia, na amostra, no mérito e na representatividade.
A eventual transferência dos hospitais à empresa afastará a participação da comunidade acadêmica e implicará na cessão de patrimônio da UFRJ em meio a tantos ataques à educação pública em nosso país. Não podemos lutar contra a reforma administrativa e ao mesmo tempo concordar que a contratação de pessoal deixe de ser via concurso público (RJU) e passe para a lógica privada (CLT). O fato é que, além de não trazer melhorias, a Ebserh tem interferido na autonomia universitária, especialmente nas práticas de extensão, e precarizado as condições de trabalho, entre outras queixas.
Além do mais, no atual contexto político e econômico, com Bolsonaro privatista no poder, além das graves ameaças à democracia, precisamos estar atentos a tudo que possa ameaçar o patrimônio público e a autonomia universitária. Eventual adesão à Ebserh seria abrir mão dos hospitais universitários e colocá-los sob o comando de um general, Oswaldo de Jesus, presidente da empresa.
Alega-se ainda que haveria espaço para negociar contratos mais favoráveis aos interesses da UFRJ, mas todos os contratos são iguais e atendem apenas aos interesses da empresa, com poucas diferenças, e significa uma adesão para garantir os interesses da empresa, não da universidade.
Não se ignoram as dificuldades dos HUs da UFRJ, mas sabemos que essas são fruto do brutal contingenciamento orçamentário em todo o serviço público, em especial pelos cortes de recursos e limitação de concursos públicos, o que se agravou no Governo Bolsonaro. Os cortes de gastos públicos também afetam a Ebserh e não serão resolvidos mediante adesão à empresa.
É necessário ainda dizer que a UFRJ já tem decisão favorável da Justiça Federal transitada em julgado, em fase de execução, determinando a realização de concursos para substituição dos “extraquadro”. Antes mesmo de pensar em negociação com a Ebserh, a UFRJ deveria garantir a realização desses concursos para não perder vagas.
Por fim, entendemos que qualquer proposta de adesão deve ser precedida de amplo (e presencial) debate na comunidade universitária, de forma democrática, jamais como chantagem.
Diretoria da AdUFRJNão foi uma semana fácil. Iniciamos a travessia no domingo com o gosto amargo de mais uma barbárie policial contra moradores de comunidades. Dessa vez, os relatos de desespero vieram do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, onde nove rapazes foram mortos por militares do Batalhão de Operações Especiais, o Bope. Como de hábito, a tragédia começou de véspera, sob o ritmo da pior das conselheiras, a vingança.
Na manhã de sábado, 20 de novembro, o sargento Leandro Rumbelsperger da Silva, de 38 anos, foi assassinado por traficantes enquanto patrulhava a favela. Em represália, as tropas do Bope passaram 33 horas tocando o horror dentro de um mangue da região. Ao saírem, deixaram um rastro de sangue que, segundo relatos de moradores, inclui tiros nas costas, cortes de órgãos genitais, balas na cabeça. Covardes, os agentes do Estado não voltaram sequer para recolher os corpos – alegaram risco de vida. Coube aos familiares o de sempre: denunciar, chorar e identificar seus mortos.
“Isso vai continuar acontecendo enquanto as principais autoridades da área continuarem negando suas responsabilidades. As autoridades deveriam investigar o que aconteceu, pedir as armas dos policiais envolvidos e afastá-los”, resume o professor Michel Misse, um dos maiores estudiosos da violência policial no Brasil, e professor da UFRJ. “É com pesar que comento a mesma coisa há 50 anos”.
Ainda na terça-feira, a revolta e a tristeza com a chacina do fim de semana se somaram a uma espécie de torpor com o retorno de velhas questões da UFRJ. Saíamos das agruras da violência urbana para as disputas do mundo acadêmico, essa espécie de ilha que insiste em se fragmentar em debates fratricidas enquanto nossos reais inimigos travam embates reais para destruir a Ciência e a universidade. Na manhã do dia 23, em sessão extraordinária do Conselho Universitário da UFRJ, voltamos oito anos no tempo e, como em 2013, travamos um diálogo de surdos.
O Consuni foi convocado para decidir se a universidade reabre as discussões sobre a adesão à Ebserh, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares. O relator, professor Walter Suemitsu, defendeu a abertura de negociações com a estatal. Um dos argumentos centrais do seu parecer é a posição de diretores do CCS, favoráveis à contratação da empresa para aliviar a profunda crise dos hospitais da UFRJ. “Escutei ambos os lados. Eu me reuni com os diretores dos hospitais, com o coordenador do Complexo Hospitalar, e também com o movimento Fora Ebserh”, ponderou Suemitsu.
Ponderações, no entanto, não foram o forte do último Consuni. De um lado, estudantes, técnicos e alguns docentes do Movimento Barrar a Ebserh e da atual diretoria do Andes gritavam contra a adesão à estatal. Xingavam a reitora, acusavam os oponentes de privatistas e outros istas impublicáveis. Poucos mostravam dados, números ou soluções concretas para salvar os hospitais universitários da UFRJ – só o HU, por exemplo, tem cerca de 600 funcionários que trabalham sem qualquer direito garantido. Nem férias remuneradas, nem licença de saúde, nem 13º salário, nem indenização por demissão. E aqui, car@ colega, nunca é demais lembrar que somos um sindicato e que essa precarização nos incomoda e nos vergonha.
Do outro lado, no entanto, ainda há poucas certezas a favor da contratação, vista por seus defensores como a última esperança para solucionar o xadrez funcional, acadêmico e sanitário das unidades de saúde da UFRJ. O melhor exemplo do cenário dramático dos hospitais está nos dados do Clementino Fraga, um gigante no tamanho, mas com menos de 400 leitos disponíveis, sendo 150 só para a covid-19.
No Clementino, pasmem, há no total 4.000 funcionários – 2.600 RJU, 600 extraquadros e outros 800 profissionais contratados em regime provisório para o combate à covid-19, segundo dados da Administração Central. Na prática, a média leito por profissional do Clementino obedece à matemática do absurdo. Oitocentas pessoas contratadas para cuidar de 150 leitos e outras 3.200 para tratar de 220, o que significa cerca de 15 profissionais por paciente.
Evidentemente, há algo errado e precisamos tratar disso com delicadeza, mas também com algum desconforto crítico. Do contrário, ficaremos sem hospitais, sem recursos e sem argumentos. Sabemos que o debate de terça-feira passada era apenas um pedido de abertura da discussão, mas para seguir nessa seara com alguma racionalidade nos parece necessário que os dois lados apresentem mais dados e menos retórica.
Nós, na AdUFRJ, estamos apostando nesse modelo em que fazemos o que melhor sabemos – afinal, somos professores antes de sermos sindicalistas, e acreditamos que a informação qualificada enriquece o debate. Foi com esse espírito, aliás, que organizamos há duas semanas o debate sobre Ebserh com dois professores que defendiam posições antagônicas. Você pode recuperar a discussão em nosso canal no Youtube.
No Jornal da AdUFRJ, seguiremos cobrindo jornalisticamente o assunto, e abrindo nossas páginas para todos que quiserem encarar a discussão de forma fraterna e respeitosa. Um pouco desse espírito está nas páginas 4 e 5, nos artigos dos professores Felipe Rosa e Marinalva Oliveira, dois docentes que, em campos opostos, travam o bom embate. Vale ler.
Boa leitura. Até a semana que vem.