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WhatsApp Image 2021 12 03 at 18.40.07A Universidade de Brasília firmou contrato com a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares há sete anos. O hospital da instituição vivia situação parecida com a das unidades de saúde da UFRJ, sobretudo o Clementino Fraga Filho: não havia autorização da União para abrir concursos públicos para substituição do grande número de extraquadros, profissionais contratados precariamente, e faltava dinheiro para obras.
Hoje, com todo o quadro de pessoal regularizado, o Hospital Universitário de Brasília possui 2.897 profissionais, segundo o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, entre residentes, estatutários e celetistas, e 215 leitos. “Eu realmente não teria condição financeira de efetuar as melhorias em infraestrutura que aconteceram nos últimos anos”, acrescenta a reitora Márcia Abrahão. A professora, 2ª vice-presidente da Andifes (associação nacional de reitores), é uma das principais dirigentes universitárias de oposição ao governo Bolsonaro.

Jornal da AdUFRJ –Qual é a atual situação do hospital?
Márcia Abrahão – Conseguimos regularizar toda a parte de pessoal, que era um problema sério, já que tínhamos muitos profissionais sem vínculo formal. Houve melhora no financiamento do hospital e investimento em infraestrutura. Na pandemia, tivemos aporte de recursos financeiros para ampliação de leitos para o tratamento da covid-19, bem como apoio institucional para a realização de pesquisas sobre a doença.

Uma das preocupações dos críticos à empresa é sobre a ingerência das universidades sobre seus hospitais após o contrato. Como funciona esta relação?
Temos uma boa relação estabelecida com a Ebserh. O hospital tem um conselho do qual eu faço parte e as unidades acadêmicas de ensino também têm assento. A superintendente da Ebserh na UnB foi escolhida por mim e é professora da Faculdade de Medicina. Eu não abro mão que o hospital seja da universidade, que as áreas de ensino, pesquisa, extensão e assistência estejam equilibradas. A Ebserh entende que o nosso hospital é de ensino. Obviamente, essa não é a melhor solução. O ideal seria que nós tivéssemos condição de contratar pessoas por nós mesmos, que tivéssemos orçamento, mas não temos. Então, contratamos uma empresa para administrar nosso hospital.

O que a senhora destaca como principais ganhos e principais problemas do hospital hoje?
Internamente ainda há problemas, sobretudo porque há vínculos diferentes de trabalho, com regimes diferenciados de pessoas, muitas vezes, exercendo as mesmas funções. Então, isso é bastante complexo tanto para os servidores, quanto para os gestores. Eu acho que esse é o problema atualmente. Por outro lado, a infraestrutura melhorou muito. Inclusive há mais obras em andamento no momento. Eu realmente não teria condição financeira de efetuar as melhorias que aconteceram nos últimos anos.

Quais cuidados são necessários numa eventual assinatura de contrato?
A reitoria não pode abrir mão de escolher sua superintendência. Um cenário possível é a empresa não acatar a escolha feita pela reitoria. A estrutura da Ebserh permite esse cenário. Por isso, acredito que seja interessante ter essa condição expressa em contrato. Outro ponto é a questão do ensino. O hospital precisa continuar sendo um hospital-escola. Creio que essa garantia também possa ser firmada em contrato. São pontos inegociáveis para uma universidade.

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ALEXANDER W. A. KELLNER
Diretor do Museu Nacional

A maior homenagem que um paleontólogo — pesquisador que estuda os registros da vida do passado geológico do planeta — pode fazer é dedicar o nome de uma espécie a uma pessoa ou instituição. Esse foi justamente o caso de Berthasaura leopoldinae — o mais novo dinossauro do Brasil. Foi um trabalho de equipe, liderado por um aluno do Programa de Pós-graduação em Zoologia do Museu Nacional/UFRJ e que incluiu pesquisadores do Centro de Paleontologia da Universidade do Contestado, da COPPE/UFRJ e do Museu.
Todo organismo no nosso planeta recebe o nome composto por gênero e espécie. O nome do gênero da nova descoberta é uma junção de Bertha, homenagem a Bertha Lutz, + saurus, que vem do grego e significa WhatsApp Image 2021 12 03 at 18.40.071BERTHASAURA LEOPOLDINAE, no oásis que era Cruzeiro do Oeste há 115 milhões de anos - ARTE: MAURILIO OLIVEIRA“lagarto” ou “réptil” e é comumente utilizado na denominação de répteis fósseis. Foi utilizada a conjugação feminina, já que se refere a uma mulher. E que mulher!
Bertha Maria Júlia Lutz (1894 – 1976) foi uma pessoa notável que estava bem à frente do seu tempo. Era bióloga e realizou inúmeras pesquisas com anfíbios no Museu Nacional antes mesmo dessa instituição ter sido incorporada à UFRJ (o que ocorreu em 1946). Ingressou na instituição em 1919 como secretária, a única função disponível na época para uma mulher no serviço público (!), sendo a segunda funcionária pública do nosso país — uma conquista e tanto para a época. Mas nunca atuou em secretaria e sempre realizou pesquisa. Ela se aposentou em 1964, tendo sido eleita Professora Emérita da UFRJ.
Formada em Sorbonne (França), Bertha Lutz viajou bastante ao longo de sua carreira, incluindo a participação em diversos congressos realizados nos Estados Unidos, fato não comum para aquele tempo. Nos anos 50, passou uma temporada no British Museum (hoje Natural History Museum) em Londres. Realizou diversas atividades de campo, sobretudo no Sudeste e no Mato Grosso.
Não apenas na pesquisa essa personagem importante da ciência brasileira se destacou. Bertha Lutz foi a primeira mulher a se tornar deputada no Brasil, tendo sido candidata em 1934 quando ficou com a primeira suplência (que na época era dada ao candidato com maior número de votos entre os não eleitos). Tomou posse em 1936 (com a morte de um deputado) ficando nessa atividade até 1937, quando Getúlio Vargas fechou o Congresso Nacional. Feminista, foi uma das principais lideranças na luta pelos direitos políticos das mulheres brasileiras, reconhecida nacionalmente e internacionalmente. O nome dessa grande brasileira deveria ser mais destacado e difundido na nossa sociedade pelo seu exemplo.
O nome da espécie do novo dinossauro, B. leopoldinae, faz uma dupla homenagem. A primeira é para a Imperatriz brasileira Maria Leopoldina (1797–1826). A arquiduquesa austríaca pertencente a uma das mais poderosas dinastias europeias da época (Harbsburgo–Lorena), veio ao Brasil como esposa de D. Pedro, que viria a ser primeiro imperador do país. Grande entusiasta das ciências naturais, a futura imperatriz trouxe em sua comitiva vários naturalistas e artistas europeus, que percorreram e documentaram a história natural do Brasil Colônia. Ela mesma se interessava pelo estudo de minerais e fez coletas importantes de plantas que ainda estão guardadas no Museu Nacional. Foi graças à sua atividade, e posteriormente a do seu filho, D. Pedro II, e de sua esposa, a Imperatriz Tereza Cristina, que o palácio de São Cristóvão sempre foi um templo das ciências naturais e antropológicas no nosso país!
Porém, não apenas a ciência destaca D. Maria Leopoldina! Fato que muitos desconhecem é que foi pelas mãos da futura imperatriz que passaram os documentos enviados ao jovem D. Pedro no dia 02 de setembro de 1822, culminando com a declaração da independência do Brasil alguns dias mais tarde. Na proximidade do bicentenário dessa data tão importante, temos a oportunidade de promover um resgate histórico dessa mulher maravilhosa que era austríaca de berço, mas em cujo peito batia um generoso coração brasileiro! Na sua morte, o Brasil chorou a perda de sua primeira imperatriz, conhecida como a “mãe dos brasileiros”, que sofreu muito durante a vida, mas nunca se esquivou em ajudar com a sua bondade o povo brasileiro, tendo especial atenção para com os mais desafortunados, incluindo os escravizados. Um exemplo de abnegação que muitos poderiam seguir!
Por último, mas não menos importante, leopoldinae é uma justa homenagem à escola de samba Imperatriz Leopoldinense, que honrou o Museu Nacional/UFRJ com o tema do seu desfile na Marquês de Sapucaí em 2018 — Uma Noite Real, no Museu Nacional! A sensibilidade do carnavalesco Cahê Rodrigues na forma de retratar o Museu na avenida ainda emociona todos que se lembram daquele 13 de fevereiro de 2018. Era o ano do bicentenário da instituição, que é o primeiro museu do país e também a primeira instituição científica do país.
Naturalmente, a importância da descoberta desse novo dinossauro transcende as homenagens. Berthasaura leopoldinae representa um terópode (Theropoda) – grupo de dinossauros carnívoros ao qual pertence o T. rex. Mais especificamente, a nova espécie é um abelissauróide (do clado Noasauridae), que eram formas de animais no topo da cadeia alimentar encontradas no supercontinente Gondwana (que reunia as massas continentais da América do Sul, África, Austrália, Índia e Antártica). Sendo o dino mais completo do cretáceo brasileiro, com crânio, mandíbula, coluna vertebral, cintura peitoral e pélvica, braços e pernas (faltando os pés), era uma espécie com perto de um metro de comprimento. O mais interessante: desprovido de dentes! Porém, para se ter a certeza de que se tratava do primeiro dinossauro edêntulo da América do Sul, tivemos que lançar mão de uma tecnologia que cada vez mais tem sido utilizada na pesquisa dos fósseis: a tomografia computadorizada. Pesquisadores do Laboratório de Instrumentação Nuclear (LIN) da Coppe/UFRJ usaram o microtomógrafo para realizar as imagens que confirmaram a descoberta. Tecnologia de ponta utilizada na pesquisa de fósseis.WhatsApp Image 2021 12 03 at 18.40.42COLETA em Cruzeiro do Oeste (2013)
Outro aspecto importante da descoberta, que, como vimos, reúne ciência, tecnologia, história e cultura, é o fato de que o fóssil e uma escultura em vida de Berthasaura leopoldinae serão brevemente expostos em um centro de visitação que o Museu irá abrir ainda no primeiro semestre do ano próximo. Uma belíssima área de 44 mil m2 ao lado do parque da Quinta da Boa Vista. Obrigado, Instituto Cultural Vale, por prometer a doação de R$ 500 mil necessários para tornar esse sonho da instituição possível: voltar a receber as crianças das escolas que se encontram órfãs de Museu Nacional!
A descoberta e todo o desenrolar da pesquisa associada ao novo dinossauro mostrou mais uma vez que a nossa UFRJ continua gerando pesquisa de alta qualidade! Também cabe destaque como a colaboração entre diferentes setores da universidade pode funcionar superbem, produzindo resultados importantes. Sem contar com a gratidão que o Museu tem com os seus parceiros externos, como o CENPALEO, que com a sua generosidade tem acolhido pesquisadores e alunos, muitos dos quais estão desenvolvendo suas dissertações de mestrado e teses de doutorado com exemplares daquela instituição.
Infelizmente, nem tudo são flores... Como mencionado, Berthasaura leopoldinae terá a sua “casa” no centro de visitação, juntamente com os novos exemplares que temos recebido no esforço de recomposição das coleções (mais informações no site recompoe.mn.ufrj.br). O mesmo não ocorre com os profissionais do Museu. Passados mais de três anos da tragédia de 2 de setembro de 2018, uma grande parte dos servidores sofre por não ter local adequado para realizar seu trabalho. Dois anos após a verba assegurada pela ação determinante da Direção do Museu para a construção de seis módulos emergenciais ter sido liberada, ainda estamos longe de alcançar essa meta. Desculpas e mais desculpas pelos que deveriam ajudar os seus colegas de instituição — nem mesmo o processo licitatório foi feito! Sem contar com o fato de agora sermos “brindados” pelos que estão coordenando esse projeto com a redução para três módulos apenas... Infelizmente, alguns colegas da nossa universidade não estão fazendo a sua parte na reconstrução da área acadêmica da instituição, tão importante para a sua sobrevivência. Mas isso será objeto de um novo artigo em futuro próximo e é algo que irá mudar na próxima gestão do Museu Nacional/UFRJ.
Por hoje, vamos ficar contentes com essa belíssima e justa homenagem que mistura de forma singular ciência, tecnologia, história e cultura! A pesquisa foi desenvolvida por Geovane A. de Souza, Marina B. Soares, Luiz C. Weinschütz, Everton Wilner, Ricardo T. Lopes, Olga M. O. de Araújo e por mim. O artigo pode ser obtido no site da Scientific Reports (www.nature.com/articles/s41598-021-01312-4). Informações sobre várias descobertas de fósseis no Brasil e no mundo podem ser obtidas na coluna Caçadores de Fósseis (https://cienciahoje.org.br/artigo_category/cacadores-de-fosseis/), um projeto do Instituto Ciência Hoje que em breve completará duas décadas. Feliz 2022 para todos e que melhores dias venham brindar a ciência, a cultura e as universidades brasileiras!

TEXTO E TÍTULO DE RESPONSABILIDADE DO AUTOR

WhatsApp Image 2021 11 26 at 18.11.121FELIPE ROSA
Professor do Instituto de Física e integrante do Conselho de Representantes da AdUFRJ

Nessa última terça-feira, dia 23/11, tivemos o que alguns apelidaram como o “Consuni do fim do mundo”: depois de 8 anos congelada na gaveta reservada aos itens radioativos, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – Ebserh – foi reconduzida à pauta da UFRJ. Mais especificamente, foi iniciada uma discussão para se abrir negociações com a Ebserh, deixando-se uma possível celebração de contrato para um momento posterior. Dada a experiência pregressa (e, em alguns momentos, lamentável) do conselho máximo acerca do tema, já se esperava uma reunião bastante tensa, mas infelizmente o que se viu foi uma subida furiosa pelas escarpas da tensão até a beira do precipício da irresponsabilidade.
Antes de mergulharmos na polêmica, faz-se necessário prover um breve contexto. O Complexo Hospitalar da UFRJ passa por uma situação difícil há muitos anos, graças a um coquetel indigesto de subfinanciamento, carência de gestão e corporativismo excessivo. Assim sendo, nos idos de 2012, o conselho do CCS propôs, numa votação por ampla maioria, que se passasse a gestão dos hospitais da UFRJ para a então recém-criada Ebserh, uma empresa pública engendrada para este fim. A perda da autonomia, ainda que parcial, sobre o complexo hospitalar de uma Universidade não é algo periférico ou acessório, e um vigoroso debate tomou conta da UFRJ até uma infame reunião do Consuni em meados de 2013, quando a discussão foi interrompida com violência e tumulto. O tema então ficou submerso até o final de 2020, quando, movido por encerramentos de contratos que fechariam muitos leitos, o Complexo Hospitalar solicitou às instâncias superiores o retorno às negociações com a Ebserh.   
E um ano depois, cá estamos. Com o amadurecimento das conversas, foi convocado um Consuni extraordinário para tratar do tema. A polêmica se instalou assim que se anunciou que tal reunião seria remota, pois isso “inviabilizaria o debate verdadeiramente democrático”.
Os mais experientes sabem que, nesse caso, “debate democrático” significa pressão ostensiva de grupos organizados sobre os conselheiros/as, com invasões das salas de reunião, palavras de ordem etc. Nada disso é necessariamente mau – manifestações, mesmo que enfáticas, fazem parte da democracia – mas junte-se os ânimos acirrados com o contexto pandêmico que ainda vivemos, e a decisão de fazer um conselho remoto mostra-se bastante responsável. Não obstante, foram anunciados atos presenciais antiEbserh na reitoria no próprio dia 23, com a participação de diversas entidades. Imaginava-se que o ato poderia se dar nos pilotis da entrada do prédio, ou talvez até no hall de acesso ao gabinete da reitoria, mas qual não foi a surpresa de muitos ao perceberem que, ao abrir-se a transmissão ao vivo do Conselho, as câmeras de alguns conselheiros mostravam o Salão Nobre da reitoria apinhado de gente.
Pasmem, caras e caros leitores: as mesmas lideranças que exigem padrões sanitários nórdicos para o retorno das atividades didáticas presenciais estavam promovendo, sem a menor necessidade objetiva, uma baita aglomeração num salão pequeno e mal ventilado. Vários conselheiros presentes no salão, inclusive, retiravam suas máscaras para fazer suas intervenções. Poderia se argumentar que, devido às altas taxas de vacinação, o risco de contágio seria baixo, mas o fato é que todas as orientações técnicas são inequívocas em recomendar cautela em lugares fechados, e o que vimos foi uma grande cena de desobediência cívico-científica.
Enfim, após aproximadamente três horas e meia, com os humores recrudescendo e a aglomeração inflando, o representante dos professores titulares do CCMN pediu vistas do processo, o qual foi seguido por vários outros conselheiros. A próxima reunião do Conselho Universitário já está marcada para a próxima quinta-feira, dia 02/12. Espero não ter que bater novamente na tecla da insensatez, seria realmente o fim da picada.

WhatsApp Image 2021 12 03 at 18.44.55Josué Medeiros
Cientista político e ex-diretor da AdUFRJ

Primeiro, a boa notícia. A extrema direita vai perder as eleições presidenciais em 19 de dezembro de 2021. O deputado federal de centro-esquerda Gabriel Boric, de apenas 35 anos, será eleito e derrotará o radical de direita José Antonio Kast.
A má notícia é que a extrema direita chilena veio para ficar. Kast conquistou quase dois milhões de votos no 1o turno, ocorrido em 21 de novembro, o que o projeta como uma liderança incontestável. Além disso, seu patamar de 27% indica que há base social para um movimento político enraizado com base na defesa do autoritarismo, da violência e de um nacionalismo xenofóbico.
Não é fácil entender esse cenário tão bifurcado e ainda em aberto, mas é possível organizar as coordenadas para acompanhar o que se passa no Chile.

O estallido social de 2019
Em outubro de 2019, o Chile foi sacudido por um terremoto diferente dos abalos sísmicos que aquele país está acostumado a enfrentar. Milhões de pessoas foram às ruas em todo o país até março de 2020 e só saíram por causa da pandemia da covid-19. O estopim foi o aumento da passagem do trem em Santiago. A violência policial na repressão aos manifestantes foi a gasolina que incendiou ainda mais a fogueira da revolta social. Foram centenas de mortos e milhares de ativistas feridos e detidos.  
Os “carabineiros” cometeram inúmeras violações de direitos humanos contra a população e escancararam os limites da democracia chilena, até hoje organizada sob a égide da Constituição de 1980, elaborada pelo ditador Augusto Pinochet. Suas marcas principais são a ausência de direitos sociais — o regime autoritário pinochetista foi o primeiro laboratório neoliberal no mundo — e a existência de amarras institucionais que impedem mudanças constitucionais.
O estallido social foi o momento em que a sociedade chilena disse basta para essa Constituição. A questão é o que fazer depois disso.
WhatsApp Image 2021 12 03 at 18.42.31O estallido social se caracterizou pela ausência de lideranças constituídas. Uma nova geração política que já ocupava as ruas desde 2006 com a Revolta dos Pinguins e que, desde então, tentava renovar o sistema político, buscou representar o movimento.
O contexto era de profunda crítica ao sistema político existente, no qual a esquerda se organizou em uma coalizão chamada Concertación e governou o país de 1990 a 2010, quando o atual presidente, Sebastián Piñera, venceu as eleições e a direita democrática chilena conquistou seu primeiro mandato. De 2010 a 2019, houve uma alternância de poder entre Piñera e Michelle Bachelet, que primeiro governou de 2006 a 2010, ainda pela Concertación e depois voltou ao poder, de 2014 a 2018, já pela coalizão Nueva Mayoria. Em 2018, Piñera triunfa novamente. Todo o arranjo democrático chileno surgido em 1990 já estava em crise desde 2014 e ruiu em definitivo com o estallido social.  
A renovação se deu por duas vias e a primeira foi a Constituinte.

A Constituinte chilena
A força da renovação não se voltava apenas para o sistema político, mas alcançava todo o aparato legal e institucional chileno. O acordo pactuado entre as lideranças das mobilizações e o sistema político foi a realização de um referendo em abril de 2020, que foi adiado pela pandemia e ocorreu em 25 de outubro.
 Setenta e oito por cento dos votantes aprovaram a Constituinte. A segunda etapa foi a eleição dos parlamentares, marcada para abril de 2021 e realizada em 15 e 16 de maio. O resultado foi amplamente favorável à renovação, com 100 constituintes somando esquerda e independentes e 17 representantes dos povos indígenas contra 38 legisladores da direita.
Finalmente, em 4 de julho, a Assembleia Constituinte foi instalada com a eleição de Elisa Loncón, uma parlamentar mapuche (povo indígena da região centro-sul chilena, bastante perseguido pela Ditadura de Pinochet e que, por diversas vezes, entrou em conflitos com as instituições democráticas do Chile, acusando-as de violar seu território e ameaçar sua sobrevivência).
Já a segunda via da renovação democrática chilena se manifestou nas eleições presidenciais de 2021.

As eleições presidenciais e o futuro
Em paralelo ao processo constituinte, o sistema político tradicional seguiu governando, com Piñera presidente e um Congresso Nacional já em processo de renovação pelo surgimento de novas forças, tais como a Frente Amplio de Boric, à esquerda, e o próprio Kast, à direita. Piñera, na verdade, virou um presidente zumbi, apenas administrando o quadro pandêmico e buscando se manter no poder diante de um processo de impeachment.
Outra questão decisiva é o comparecimento eleitoral no Chile. Todo o processo constituinte foi marcado pela baixa participação, sempre menor que 50% do eleitorado. Isso limita a energia Constituinte e permite que o sistema político siga organizando os pilares institucionais chilenos, ainda que sua legitimidade seja baixa.
 Tal ambiguidade se manifestou nas eleições presidenciais. Se, por um lado, o rechaço ao sistema político presente na Constituinte se manifestou no resultado, com duas novas lideranças alcançando o segundo turno, por outro é inquestionável que Kast significa uma recusa das energias que a Assembleia Constituinte representa. Ou seja, um terço do eleitorado chileno que foi às urnas disse não ao sistema político e não à Constituinte.
Em resumo: uma vitória de Kast nas eleições seria a morte da Constituinte e um prenúncio de novas explosões sociais. Com Boric presidente, o mais provável é que exista uma convergência do novo mandatário com o parlamento constituinte, o que pode permitir um desfecho positivo para a democracia chilena. O desafio, nesse caso, será derrotar o movimento de extrema direita que seguirá vivo no país, mesmo com a derrota eleitoral.

TEXTO E TÍTULO DE RESPONSABILIDADE DA AUTORA

WhatsApp Image 2021 11 26 at 18.11.12MARINALVA OLIVEIRA
Professora da Faculdade de Educação da UFRJ e integrante do Movimento Barrar a Ebserh na UFRJ


A Ebserh foi criada para “resolver” os problemas dos hospitais universitários federais (HUs), que sofrem com estruturas físicas precárias, falta de pessoal e subfinanciamento. A empresa hoje administra 40 HUs, mas a realidade tem mostrado que sua atuação não solucionou os problemas, não trouxe mais recursos para os hospitais, nem melhorou as condições da população usuária e do/as trabalhadores/as. Pelo contrário, são várias as denúncias de descumprimento dos contratos e nas metas de ampliação de infraestrutura, tendo reduzido os espaços de ensino, pesquisa e extensão, de trabalho e de assistência à população, consolidando a terceirização e o assédio moral aos trabalhadores.
Na UFRJ, a adesão à empresa foi retirada de pauta em 2013, após amplo debate na comunidade acadêmica. Contudo, a atual reitora, contrariando promessa de campanha, ressurge com a pauta, no fim do ano, quando a universidade ainda funciona majoritariamente de maneira remota, em meio à crise sanitária, política e social no país, conduzindo o processo sem debate com a comunidade universitária.
A reitora apresenta um relatório que não avalia o conjunto das experiências dos hospitais sob a gestão Ebserh, mas analisa apenas hospitais favoráveis/parceiros da empresa. No relatório apresentado, estão ausentes os três segmentos da universidade, havendo problemas de metodologia, na amostra, no mérito e na representatividade.
A eventual transferência dos hospitais à empresa afastará a participação da comunidade acadêmica e implicará na cessão de patrimônio da UFRJ em meio a tantos ataques à educação pública em nosso país. Não podemos lutar contra a reforma administrativa e ao mesmo tempo concordar que a contratação de pessoal deixe de ser via concurso público (RJU) e passe para a lógica privada (CLT). O fato é que, além de não trazer melhorias, a Ebserh tem interferido na autonomia universitária, especialmente nas práticas de extensão, e precarizado as condições de trabalho, entre outras queixas.
Além do mais, no atual contexto político e econômico, com Bolsonaro privatista no poder, além das graves ameaças à democracia, precisamos estar atentos a tudo que possa ameaçar o patrimônio público e a autonomia universitária. Eventual adesão à Ebserh seria abrir mão dos hospitais universitários e colocá-los sob o comando de um general, Oswaldo de Jesus, presidente da empresa.
Alega-se ainda que haveria espaço para negociar contratos mais favoráveis aos interesses da UFRJ, mas todos os contratos são iguais e atendem apenas aos interesses da empresa, com poucas diferenças, e significa uma adesão para garantir os interesses da empresa, não da universidade.
Não se ignoram as dificuldades dos HUs da UFRJ, mas sabemos que essas são fruto do brutal contingenciamento orçamentário em todo o serviço público, em especial pelos cortes de recursos e limitação de concursos públicos, o que se agravou no Governo Bolsonaro. Os cortes de gastos públicos também afetam a Ebserh e não serão resolvidos mediante adesão à empresa.
É necessário ainda dizer que a UFRJ já tem decisão favorável da Justiça Federal  transitada em julgado, em fase de execução, determinando a realização de concursos para substituição dos “extraquadro”. Antes mesmo de pensar em negociação com a Ebserh, a UFRJ deveria garantir a realização desses concursos para não perder vagas.
Por fim, entendemos que qualquer proposta de adesão deve ser precedida de amplo (e presencial) debate na comunidade universitária, de forma democrática, jamais como chantagem.

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