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WEBABRE CNPQO fim do Sistema Nacional de Tecnologia e Inovação (SNTI) está nos planos do governo Bolsonaro. O plano de fusão entre CNPq e Capes e a criação da Fundação Brasil de Ciência e Tecnologia é um dos principais fatores para a destruição do SNTI, na avaliação de diversos representantes da comunidade científica. A nova instituição ficaria sob a responsabilidade do Ministério da Educação.
Originado no MEC, o plano foi rechaçado pelo ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, e pode ser levado à frente pelo presidente Jair Bolsonaro. Mesmo sob críticas de Pontes, a equipe do ministro da Educação, Abraham Weintraub, fez chegar o texto à Casa Civil já sob a forma de medida provisória. Com o CNPq, o MEC aumentaria sua pressão sobre as universidades federais, cujos projetos de pesquisa dependem fortemente da agência de fomento.
No entanto, após a reação de associações científicas e sindicais contra a fusão das duas agências, o plano parece estar em banho-maria. Parlamentares da já fragmentada base do governo, como o senador Major Olímpio (PSL-SP), fizeram críticas públicas ao plano. “Houve um recuo. Se a MP for para o Congresso, tem menos chance de ser aprovada”, disse o presidente da SBPC, Ildeu Moreira.
As últimas informações sobre as propostas do governo para a área de C&T apontam um esvaziamento do MCTI. Além da transferência do CNPq para o MEC, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), administrado pela Finep e vinculado ao MCTI, iria para o BNDES, ligado ao Ministério da Economia.
A Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) iria para o Ministério de Minas e Energia e a Agência Espacial Brasileira, para a Defesa. O Inpe poderia ir para a Defesa ou o Meio Ambiente.
O presidente do Sindicato dos Gestores em Ciência e Tecnologia e da Associação dos Servidores do CNPq, Roberto de Carvalho, lembrou que a proposta de governo Bolsonaro já sinalizava para o fim do atual sistema de C&T.
“O programa dizia que o sistema de C&T se esgotou e que era necessário ter uma mudança em torno da busca de recursos da iniciativa privada”, disse.
Carvalho enxerga como pano de fundo, para além do interesse do MEC em controlar o CNPq, o plano de reforma administrativa do ministro da Economia, Paulo Guedes, que tem defendido a forte redução do tamanho do Estado e a privatização do que for possível.
Embora veja falta de apoio parlamentar para aprovar a fusão neste momento, o presidente das entidades sindicais acredita que a ideia ainda está nos planos do governo. “Colocaram o pé no freio, mas não desistiram”, afirmou Carvalho.
Para a pró-reitora de pós-graduação da UFRJ, Denise Freire, a fusão entre Capes e CNPq é uma “medida equivocada” com consequências “muito negativas” ao SNTI, pois são instituições com propósitos distintos e complementares.
“Desde sua criação, o CNPq tem como objetivo fomentar projetos de pesquisa científicos e, recentemente, promover a inovação tecnológica e social. A Capes foi criada com a missão de qualificar profissionais de nível superior. Atualmente, fomenta a qualificação de recursos humanos de todo o sistema educacional brasileiro, com a introdução da educação básica e do ensino à distância”, disse. “A coexistência entre elas é fundamental para manter de pé os pilares da ciência, tecnologia e inovação no país”, completou.
Na avaliação da vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências, Helena Nader, o argumento da economia de recursos com a junção das duas agências de fomento não se sustenta.
“Todo mundo é a favor da eficiência. Ninguém é contra isso. Porém, a proposta de fundir para a criação de uma fundação que faria as duas coisas não vai gerar economia. Vai destruir um sistema construído com muito sacrifício ao longo de 68 anos”, disse. Para a vice-presidente da ABC, o MCTI cuida de ciência, tecnologia e inovação, enquanto o MEC trata da educação. “É como você precisar de um oncologista e ser atendido por um pediatra. Capes, CNPq e Finep têm funções complementares, não são substituíveis ”, disse.

ORÇAMENTO DE 2020
Outra preocupação da comunidade científica e dos servidores do setor é com a drástica redução de verbas para C&T em 2020.
No CNPq, as verbas previstas no ano que vem não contemplam editais de fomento a projetos de pesquisa. Estão no orçamento apenas as bolsas e em número mais reduzido.
Segundo a proposta do Executivo para o ano que vem, o CNPq teria entre 55 mil e 60 mil bolsas. Em 2019, os recursos têm coberto com muita dificuldade o pagamento de 84 mil bolsas, número bem inferior ao de anos anteriores. Em 2015, por exemplo, o CNPq concedeu 120 mil bolsas.
Na Capes, o orçamento de 2020 prevê R$ 2 bilhões a menos em relação a 2019. Uma emenda parlamentar de R$ 600 milhões pode reduzir para R$ 1,4 bi esta diferença.
Já o FNDCT está com 90% do seu orçamento contingenciado. Dos R$ 6 bilhões que recebe de fundos setoriais, menos de R$ 1 bilhão foi destinado a atividades científicas. Os recursos do FNDCT apoiam projetos da Finep, do MCTI e do CNPq,
“Em vez de discutir a fusão, o governo deveria discutir o financiamento do setor. O governo está debatendo com o foco errado. O foco hoje é discutir com a comunidade científica e com a sociedade como superar a crise de financiamento à ciência, não gerando mais uma crise. O sistema está paralisado”, afirmou o ex-ministro de Ciência e Tecnologia Celso Pansera, que ocupou o cargo entre 2015 e 2016.
Na sua avaliação, o atual governo não entende o SNCTI. “Há uma certa birra do Weintraub e do Ministério da Economia, como se nada existisse antes, é uma atitude deletéria”, completou.
Para Ildeu Moreira, se de fato avançar o plano de desidratar o setor de C&T, o efeito será devastador sobre a produção científica. “Eles não percebem a importância que a C&T tem. O Brasil está dando um tiro no pé”, afirmou o presidente da SBPC.
Preocupado com o orçamento de 2020, ele avalia que existe uma dificuldade de o Congresso brasileiro contestar aquilo que foi proposto no Orçamento pelo Executivo.
A margem de manobra são as emendas parlamentares, que, no entanto, têm valores muito baixos em relação ao orçamento necessário para a área de C&T.
“O Parlamento brasileiro ainda não tem a tradição de mudar o Orçamento. Está na Constituição que ele pode mudar. Mesmo os deputados que defendem o setor têm muita dificuldade porque vem um pacote muito fechado do Executivo”, disse Ildeu Moreira. (colaborou Elisa Monteiro)

WEBMARILUFoto: Alessandro CostaA professora e cientista política Maria Lúcia Werneck se despede do mandato à frente da AdUFRJ com o desejo de que, em meio ao cenário adverso para a educação e a democracia, a seção sindical “não deixe a peteca cair”, mantendo a representatividade alcançada nas últimas três eleições. Ela defende que a associação continue a mobilizar os professores em defesa da universidade pública e de chamar a sociedade para se engajar no tema, seja através de atividades na rua, debates ou da articulação com o Congresso a partir do Observatório do Conhecimento. “Temos que buscar apoios os mais diversos possíveis. Sozinhos, não ganhamos essa guerra”.

O que destaca na sua gestão?
Quando chegamos, o Brasil já estava complicado. Havia o desafio de enfrentar tempos muito bicudos: aprovação do teto dos gastos, Reforma Trabalhista do Temer, tentativa de Reforma da Previdência. Depois, o contexto piorou com a eleição do Bolsonaro. Além de problemas políticos, autoritarismo e contenção de gastos, houve o ataque ideológico, essa coisa folclórica que o ministro da Educação representa. Levamos o desafio adiante nas manifestações e eventos realizados internamente. O número de associados aumentou de 2017 para 2019. Fomos eleitos com um grau de aprovação bastante significativo em 2017, o que foi mantido em 2019. O que fizemos foi acompanhar e informar os associados. Nisso, o jornal teve um papel importantíssimo, se tornou leitura obrigatória. Durante o processo eleitoral de 2018, participamos ativamente com artigos de professores da UFRJ que normalmente não estavam no debate. Essa é a lógica de atuação dos professores, de defender a universidade, a democracia, o conhecimento e através de instrumentos próprios de professores – escrever, pensar, refletir, debater.

O que poderia ter feito mais?
Tivemos êxito nas atividades de rua, mas deveríamos ter feito de forma mais frequente, como aulas públicas, para que a sociedade entenda que a universidade é fundamental. Nem sempre a sociedade tem conhecimento de que os saberes estão em políticas públicas. O Observatório do Conhecimento pode ser aprofundado. É uma ideia muito boa pelo tipo de informação que pode trazer e porque significou a relação próxima com outras associações docentes ligadas ou não ao Andes. O observatório permite o contato com parlamentares, é uma plataforma com profissionais para fazer essa relação institucional, como a que temos com a deputada Margarida Salomão, das comissões de Educação e de Ciência. Trouxemos a ideia de construir a sede própria, muito bem aceita. O contexto tornou-se cada vez mais duro com os cortes. Pensamos que não poderíamos gastar o recurso porque poderia haver necessidade de um fundo de greve. Não está fora da agenda, as diretorias que vierem podem retomar a ideia. Uma associação como essa tem que ter movimentos não só políticos, mas de sociabilidade.

Continuamos em uma conjuntura adversa. O que fazer?
Temos que buscar apoios os mais diversos possíveis. Sozinhos, não ganhamos essa guerra, que faz parte de uma guerra maior, de privatização total do Estado e desmonte do pouco que há de bem-estar social, Previdência, saúde. É um projeto neoliberal autoritário que coloca pautas diferentes. Nem todos da universidade são contra a Reforma da Previdência. A Educação é uma pauta que unifica mais. O trabalho é mobilizar os professores, a rua e ganhar apoios entre deputados e senadores dos mais diversos partidos.

Qual mensagem deixa à nova diretoria?
A diretoria que vai entrar demonstrou ter afinidade grande com os temas que enfrentamos. Espero que tenham criatividade para inovar onde não conseguimos, mas que também segurem a peteca. Essa peteca é a metáfora que usei para o legado que recebemos da direção anterior: mais que dobramos o número de votantes na eleição de 2015, algo importante porque antes eram 400 professores. Segurar a peteca é manter a representatividade. Tenho certeza de que farão, mas é bom lembrar que tem uma peteca que a gente não pode deixar cair.

WEBDIRETORIAFoto: Alessandro CostaNesta última terça-feira, renovou-se mais uma vez a direção de nossa associação e seção sindical. Festejou-se, lá, a continuação de nossa afirmação como sindicato docente, ou seja, atento e sensível às questões mais caras aos nossos professores. Isso não quer dizer, de forma alguma, que não enxerguemos um papel para nós no grande arco do movimento trabalhista, apenas que a categoria docente traz consigo peculiaridades absolutamente marcantes, e que um bom sindicato deve entender e responder a tais idiossincrasias. Celebrou-se, também, a eleição de um amplo e diverso conselho de representantes, corroborando a ideia de que nossos docentes de fato querem se envolver com a associação, basta que saibamos acolhê-los.
Infelizmente, as comemorações terminam por aqui. Vivemos um momento triste de vilanização da universidade pública, inserido num contexto maior de repúdio ao conhecimento. O ministro da Educação não perde nenhuma oportunidade de mostrar o gigantesco desprezo que sente pelos seus colegas docentes. Em sua última “travessura”, por exemplo, nos rotulou de “zebras gordas”. Na mesma seara, o seu chefe e mandatário da nação exibe um comportamento que só pode ser classificado como bisonho, ao abordar tópicos importantes como preservação ecológica e tecnologia brasileira. Tudo isso, aliado a certos desejos particulares que, interessados na fatia de alunos hoje atendida pelo sistema público, “passam pano” para os ataques, se combina numa ameaça inédita ao projeto de educação pública, gratuita e de qualidade que defendemos incansavelmente.
Mas ousaremos perseverar. Ou, como melhor diria Paulo Freire, esperançaremos. Vida longa à AdUFRJ.

NOTA: A diretoria da AdUFRJ manifesta sua consternação com as denúncias de tortura física e mental praticada por agentes públicos contra detentos e detentas no Pará. Alguns dos atos denunciados são simplesmente bestiais, quase impensáveis. Mais do que pedir investigação e punição dos culpados, é importante que a sociedade se conscientize que a brutal violência só vai aumentar o número de naturalizados atos como esse.

WEBNORAFoto: Alessandro CostaCom trajetória de participação de longa data em todos os fóruns da UFRJ, Eleonora Ziller dá nova cara ao movimento docente. Continuação sim, mas com as mudanças que o momento exige. Apoiada pelas duas últimas diretorias da AdUFRJ, a nova presidente promete uma resposta firme da entidade diante de todos os ataques que a universidade vem sofrendo. Um movimento que não pretende parar nem voltar atrás, como anunciava o nome da chapa vitoriosa nas eleições. “Nosso plano é abrir portas e construir pontes”, diz.
Eleonora sabe do que fala. Desde estudante, viveu momentos importantes da UFRJ. Participou do esboço do que mais tarde viria a ser o principal pé da universidade no Complexo da Maré. “Naquela época, não havia extensão. Nós estávamos criando o conceito. Eu comecei como bolsista e depois atuei como funcionária no embrião do que se conhece hoje como PR-5 (pró-reitoria de Extensão)”.
A professora passou pelos mais diferentes setores da universidade. Foi estudante, técnica-administrativa e docente. Por oito anos, ocupou a direção da Faculdade de Letras. Como técnica, fez parte da primeira geração de representantes no Consuni: “Queríamos romper com um estigma, o de que os funcionários só se posicionavam de modo corporativo. Nossa ideia era mostrar que éramos capazes de discutir as grandes questões da universidade, como por exemplo, a autonomia. E fizemos isso”.
A eleição de Bolsonaro foi o fator determinante para trazê-la de volta ao movimento docente, após anos de dedicação à família, à carreira acadêmica e à implantação do curso noturno em sua unidade, a Faculdade de Letras. “Com o governo Bolsonaro, a perseguição política a dirigentes e a presença de interventores em diversas universidades, o sindicato volta a ter um lugar fundamental na defesa da autonomia e da liberdade de pensamento, e na proteção dos professores, ameaçados das mais diversas formas”, afirma a dirigente.

 

Qual a prioridade zero da gestão?
Quando digo que nosso plano é abrir portas e construir pontes estou falando num amplo programa de ação. Até hoje a universidade é uma espécie de arquipélago. Temos uma coesão interna complicada. As unidades têm realidades muito diversificadas, e em certa medida, ainda muito desiguais. E a Adufrj tem um papel importante para que essas experiências não se tornem incomunicáveis. É preciso mudar com urgência um sentimento de que existem fraturas internas pela forte solidariedade entre nós.

Como fazer isso?
Queremos abrir o diálogo o mais franco possível. Faremos visitas constantes às unidades e estaremos em todos debates e atividades para os quais formos chamados. Esse desejo de aproximação é um sentimento forte de toda a diretoria eleita. Também há uma expectativa em relação ao Conselho de Representantes. Esperamos que seja um espaço para oxigenar e impulsionar a participação política dos docentes.

Essa é a terceira eleição consecutiva do mesmo grupo à frente da Adufrj. Qual o principal acerto a ser mantido?
As duas últimas gestões ampliaram a representação da entidade, e é pouco exato dizer que somos um grupo que se perpetua na diretoria. Hoje, o fato é que a Adufrj está mais próxima da maioria dos professores da UFRJ. Antes, havia muita confusão nas proposições de grupos políticos em relação ao conjunto de professores. Sindicato é para ser a cara da maioria dos professores, mesmo que essa cara não seja aquela que eu ou o meu grupo defenda. Não adianta projetar uma imagem narcísica de uma categoria se essa só existe na imaginação do grupo que a criou. Essa diferença é fundamental. O acerto é justamente não sermos um grupo com propostas definidas e alto grau de homogeneidade. O que caracteriza nossa atuação é muito mais sermos uma ampla articulação, que inclui muita diversidade e que busca exprimi-la, sendo essa sua maior riqueza, e não um problema.

E o que deve ser revisto?
O momento histórico agora exige um grau de participação dos professores que não existia até o início do ano. Com Bolsonaro, vigora a perseguição política a dirigentes e a presença de inúmeros reitores que não foram os eleitos pela comunidade. O sindicato volta a ser o local da defesa da autonomia e da liberdade de pensamento. O que está em jogo é a defesa da universidade pública e gratuita, porque o que se está gestando com o Future-se é a destruição dela tal como a conhecemos. Essa dimensão exige a experiência e a participação de todo mundo, independentemente dos grupos de origem a que pertençam.

Carreira, salário: como serão tratadas as pautas corporativas?
A pauta corporativa deve ser tratada de maneira articulada com a defesa da universidade. O espaço para acordos e negociações com o atual governo hoje é nenhum. O cenário é não perder o que conquistamos.

Como será a relação com o Andes?
Nossa perspectiva é participar mais do debate. E fazer a discussão envolvendo os professores para que compreendam o que está em jogo. Não existe nenhuma proposta de ruptura. Por outro lado, o Andes precisa ser mais do que uma entidade nacional que baixa calendários de lutas e greves para as universidades. Os congressos, por exemplo, onde essa política é formulada, precisam ter mais capilaridade, serem de fato discutidos por nós.

Quais as alternativas para a defesa da universidade?
A gente não se basta. Os professores precisam estar conectados aos estudantes aos funcionários, aos professores do ensino fundamental e médio. A grande virtude do 15M foi a confluência, havia diferentes grupos, de experientes pesquisadores universitários a jovens secundaristas. Também foi marcante uma organização mais amadurecida e horizontal. E com maior capacidade de diálogo com a sociedade. É importante que as estruturas dos atos comportem desde as entidades até os movimentos mais autônomos e criativos. A parceria com os setores da arte e da cultura, nesse momento de censura, é importante. A universidade está sendo pressionada por ser um espaço permanente para produção de conhecimento autônomo, e exatamente por isso não podemos recuar. A liberdade de pensamento, a liberdade de criação artística, a liberdade para a produção do conhecimento, são fundamentais e indissociáveis da vida universitária, é simples assim. Não temos opção.

WEBHADDAD2Foto: Alessandro CostaO Future-se vai desmontar a carreira docente, que garante um espaço na jornada de trabalho para o professor se dedicar à pesquisa”, criticou o ex-ministro da Educação Fernando Haddad, durante visita à UFRJ no dia 4 de outubro, quanto participou de um ato público organizado pelos estudantes. Em entrevista ao Jornal da AdUFRJ, o professor e ex-ministro por sete anos falou sobre o momento político, as alianças progressistas e os ataques às universidades promovidos pelo governo Bolsonaro. “O Future-se é um desmonte-se”, afirmou o candidato à presidência nas últimas eleições. Sobre a intervenção do governo federal em reitorias país afora, Haddad considera que as comunidades acadêmicas têm prerrogativa para escolher seus dirigentes máximos. “Estamos falando de uma elite intelectual”.  O ex-ministro desafia o atual titular do MEC, Abraham Weintraub, para um debate. “Já que o chefe dele não quis debater durante a campanha, eu topo debater com ele”.

 

Este encontro na universidade foi o ensaio de uma frente progressista de oposição ao atual governo?
Fernando Haddad – Quem realmente está fazendo uma oposição consistente e propositiva são os partidos progressistas que estavam representados aqui [PT, PCdoB e PSOL] e outros que mantêm diálogo permanente conosco. Temos que estar muito afinados para o ano que vem e mais afinados ainda para 2022, colocando as vaidades e pretensões pessoais de lado e o interesse do país e das cidades na frente de todo o resto. Se depender de mim, cidadão Fernando Haddad, eu vou estar na luta para que a gente esteja o mais unido possível em 2020.

Como o senhor define o Future-se?
O Future-se é um “desmonte-se”. É um programa para desmontar a universidade pública. Não tem nada a ver você contratar uma organização social para gerir recursos públicos. Quem é essa OS? De onde saiu esta ideia? Não tem nada a ver acabar com a carreira docente. Sabemos que 90% de toda a pesquisa no Brasil são feitas pela universidade pública. O projeto desmonta a carreira docente, que é o que garante um espaço na jornada de trabalho para o professor se dedicar à pesquisa. Se não, vai virar escolão de ensino. E isso já tem quem faça. O que não tem quem faça no Brasil é pesquisa e extensão na qualidade que a universidade pública faz. Precisamos ter muito cuidado, até porque isto impacta o ensino. Uma coisa é você ter aula com um pesquisador, que está na fronteira do conhecimento. Outra coisa é ter aula com quem conhece e dissemina conhecimento. Pesquisador não dissemina conhecimento. Ele produz conhecimento. Toda uma geração vai se perder com o Future-se. Por isso, as grandes universidades já rechaçaram o modelo, que é inapropriado para a gestão de recursos públicos das universidades. O modelo que deu certo no Brasil é o das universidades estaduais paulistas, que implementamos durante o governo Lula por decreto, porque o Congresso não aprovou a reforma universitária. É um modelo em que a universidade tem o fundo público à sua disposição e o que ela conseguir ampliar [de recursos próprios] é dela, mas sem afetar o orçamento público.

O atual ministro da pasta não fez nenhuma visita até hoje a nenhuma universidade pública e chegou a dar declarações de que as universidades têm “cracolândias”. Como o senhor avalia esta postura?
Ele não é uma pessoa da área. Ele é uma pessoa que entrou recentemente num concurso (da Unifesp) em condições bastante inusuais. Era um edital para doutor, ele não é doutor, aí não apareceu ninguém, republicaram o edital para mestre. Em São Paulo não tem doutor? É muito estranha esta história, mas eu não quero aqui ficar discutindo o currículo dele. Em vez de querer proibir o debate dentro da universidade, ele deveria promover. Ele deveria estar aqui comigo discutindo o Future-se. Isto seria interessante. De todos os ministros da Educação vivos, eu fui o que mais tempo fiquei no ministério. Por que ele não debate comigo em um lugar público? Já que o chefe dele não quis debater durante a campanha, eu topo debater com ele.

Como o senhor avalia a postura do governo federal de não respeitar as listas tríplices? A UFRJ foi uma das poucas que teve seu processo eleitoral respeitado.
Eu sou de um tempo – e não faz tanto tempo assim – em que a gente achava que as melhores pessoas para escolher o reitor de uma universidade eram os membros de uma comunidade acadêmica. Nós estamos falando aqui de uma elite intelectual. Quem é que tem uma prerrogativa maior do que uma comunidade tão bem preparada para escolher sua liderança maior? Não faz o menor sentido imaginar que o Bolsonaro saiba mais do que a comunidade acadêmica da UFRJ. Nenhum presidente saberia, em minha opinião, mas este, em particular, não tem a menor condição de escolher quem quer que seja. Já está falando em reforma ministerial. Em seis meses, desandaram Educação, Meio Ambiente, Economia, Relações Exteriores, Direitos Humanos. Para onde olha, você vê caos, falta de rumo, falta de consistência nas propostas. É um governo muito ruim.

Neste arco de alianças que envolve PT, PSOL e até lideranças de centro, cabe o Lula Livre?
O Lula Livre não é uma questão de forças progressistas ou não. É de Estado de Direito. Uma pessoa de direita, que tem acompanhado o processo, não pode se negar a gritar Lula Livre. O Reinaldo Azevedo, que é um jornalista que se tornou famoso pelo seu viés antipetista, leu o processo. Só isso que ele fez. Ele não deixou de ser conservador por causa disso. Ele continua uma pessoa que se vê no espectro da direita liberal. Apesar de sua posição ideológica – e até por ela, porque os liberais são a favor do Estado de Direito – ele leu o processo. Quem quer que leia este processo não pode concordar com esta prisão. Ela não tem amparo em fatos, em acontecimentos, em nada. Uma pessoa está presa há um ano e meio. Você tem um massacre midiático de cinco anos contra esta pessoa. Esta pessoa bota em três semanas o seu candidato no segundo turno e é visitado por chefes de Estado do mundo inteiro. É agraciado com prêmios ininterruptamente – de doutor honoris causa a cidadão honorário de uma das maiores cidades do mundo. O que está acontecendo? O Sergio Moro está certo e o mundo está errado? Isto não vai ter fim enquanto não fizerem justiça.

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