Fotos: Fernando SouzaRenan Fernandes
Na cidade que recebeu a maior quantidade de africanos escravizados durante a diáspora negra, o sangue de corpos pretos continua escorrendo diariamente. O jovem Herus Guimarães, morto em ação do Bope durante uma festa junina no Morro Santo Amaro, está entre as vítimas mais recentes da violência de Estado que atinge a população negra no Rio de Janeiro.
Olhar para o passado e revisitar a história da escravidão no Brasil é uma oportunidade de repensar um futuro diferente. Pensando no poder da educação e da cultura como mecanismo de transformação, a AdUFRJ promoveu no sábado (7), um passeio ao Museu Memorial dos Pretos Novos, na Gamboa.
“Esse roteiro não é sobre o passado”, destacou o historiador Gabriel Siqueira, guia do passeio. “A escravidão pode parecer parte do passado, mas corpos pretos continuam sendo vítimas de violências do Estado”, completou.
O roteiro começou no Sítio Arqueológico do Cais do Valongo, onde entre 1811 e 1843 historiadores estimam que até dois milhões de africanos escravizados desembarcaram. Do cais ao museu, Gabriel — que também é capoeirista — cantou e tocou ao berimbau canções que relembram o sofrimento e a resistência do povo negro.
“Navio negreiro, tumba flutuante, terra mãe distante, dor e desespero”, dizem os versos da canção de Mestre Toni Vargas entoada pelo guia.
Os pretos novos eram os africanos escravizados recém-chegados ao Brasil. Aqueles que não resistiam aos maus-tratos na longa travessia do Atlântico eram lançados ao mar ou jogados em uma vala comum, junto com o lixo depositado pela população. Até o fechamento em 1830, entre 20 e 30 mil pessoas foram enterradas no antigo Caminho da Gamboa, hoje Rua Pedro Ernesto, no que é considerado o maior cemitério de pessoas escravizadas das Américas.
A professora Nedir do Espirito Santo, vice-presidenta da AdUFRJ, reforçou a importância do roteiro para divulgar uma história ainda pouco conhecida. “Só aqui podemos ter noção de toda dor e sofrimento que essas pessoas passaram”.
O cemitério foi descoberto em 1996, quando moradores do local iniciaram obras de reformas na casa que hoje abriga o museu. Na fundação da casa foram encontrados milhares de fragmentos de ossos que as pesquisas arqueológicas apontaram pertencerem majoritariamente a crianças e adolescentes.
A visita ao museu comoveu o professor Hugo Nóbrega, do Instituto de Computação. “Fiquei arrepiado do começo ao fim. É muito impactante ver esses pedaços de ossos de pessoas que foram brutalizadas”, comentou. O docente refletiu sobre a condição em que os restos mortais foram encontrados. “É simbólico que tenham sido descobertos sob a fundação de uma casa, diz muito sobre a fundação na nossa sociedade. Precisamos sempre olhar as coisas com essa lente para entender o presente”.
A professora Rozane Tardin, da Escola de Educação Física e Desportos, participou pela primeira vez de um passeio cultural promovido pela AdUFRJ e aprovou a experiência. “Achei um espetáculo. É uma história muito profunda da escravidão e dos movimentos de resistência do povo negro”, exclamou. A atividade foi a oportunidade que a docente precisava para conhecer o museu. “Sempre tive vontade de conhecer esse local. Com certeza, estarei presente nos próximos passeios”.
O impacto do passeio nos docentes fomentou o desejo por novos programas com essa temática. Nedir garantiu novas atividades para divulgação da história da escravidão e da herança africana no Rio de Janeiro. “Os professores pediram e nós faremos novamente um passeio pela região da Pequena África para dar continuidade a esse processo de aprendizagem”, afirmou, ao final da visitação.