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IMG 20250530 154202 1Foto: Silvana SáColetivo de professoras e professores aposentados do CAp

A FALA DOS PROFESSORES DO COLÉGIO DE APLICAÇÃO QUE TÊM DIREITO AO RECONHECIMENTO DE SABERES E COMPETÊNCIAS

Somos professoras e professores aposentados do Colégio de Aplicação da UFRJ. Dedicamos os melhores anos de nossas vidas à formação de milhares de crianças e adolescentes. Foi o trabalho diuturno numa época em que o magistério era mais desvalorizado do que hoje e que as tarefas familiares ainda eram mais fortemente concentradas nas mulheres. Uma lida árdua que impediu muitos de nós de concluir a titulação..
Nossa história e nosso contexto foi reconhecido pela lei nº 12.772/2012, o chamado Reconhecimento de Saberes e Competências (RSC), legislação que abriu as portas para um justo retorno financeiro para nós. No entanto, há mais de dois anos vivemos uma situação kafkaniana em que temos que cumprir uma maratona burocrática para receber algo que é nosso por direito.
O Jornal da AdUFRJ abriu espaço para nossa luta em reportagem de capa há duas semanas e nos convidou para escrever um artigo detalhando nosso calvário. É o que fazemos aqui.
Primeiro queremos explicitar que o RSC permite aos docentes do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) receberem valores de Retribuição por Titulação (RT), mas para isso é necessário comprovar documentalmente a prática pedagógica, conhecimentos e competências adquiridas que façam equivalência com a especialização, mestrado e doutorado.
No âmbito da UFRJ, a Resolução n° 02/15 do CONSUNI dispôs sobre a regulamentação da avaliação e fluxo de procedimentos para a concessão do RSC.
Em fins de 2022, a ADUFRJ venceu ação coletiva que determinou a extensão do direito ao RSC a 74 docentes do Colégio de Aplicação que se aposentaram na vigência da lei da paridade remuneratória. Nesse mesmo período, foi firmado com a UFRJ um compromisso para que esses docentes, após cumprimento de todo o protocolo de avaliação, tivessem a imediata revisão de seus proventos de aposentadoria.
O não cumprimento desse acordo por parte da UFRJ nos causa indignação. Dos 23 docentes que entraram com o pleito junto à CPPD/EBTT/RSC, 9 foram avaliados e seus respectivos processos encaminhados à PR4, que, até o momento, não efetivou o pagamento, tendo, inclusive, negado procedência a um deles.
E por que toda essa indignação diante da desconsideração aos nossos direitos?
A grande maioria dos pleiteantes ao RSC iniciou a sua atuação no CAp na década de 80, atravessando os anos 90, até mais ou menos a primeira década dos anos 2000. Trata-se de uma geração de docentes que, resgatando o contexto histórico mais amplo, viveu o momento do fim da ditadura e início do processo de reconstrução democrática, resistindo à ameaça de retrocesso nas políticas educacionais com a persistente tentativa de imposição das reformas neoliberais na educação.

MOVIMENTO SINDICAL
Lembramos que nós professores vivíamos uma conjuntura de luzes e sombras, mas, sem dúvida, com um horizonte mais aberto para a discussão de novos caminhos para a educação brasileira, em seus diferentes níveis. Vale lembrar também que o CAp, conosco na linha de frente, sempre participou ativamente do movimento sindical, mobilizando-se em todas as greves e manifestações, e assumindo, anos seguidos, o profundo desgaste que é a reposição de aulas no ensino básico.
No nível interno, nossa geração de docentes vivenciou um clima de efervescência e intensos debates provenientes das mudanças no pensamento pedagógico crítico e das novas concepções de educação escolar.
Resgatando a trajetória histórica do CAp, é importante lembrar que, embora criado em 1948 e concebido como um espaço privilegiado para a formação docente na UFRJ, até meados dos anos 80, o colégio não era uma unidade autônoma, encontrando-se subordinado, primeiramente, ao Departamento de Didática da Faculdade Nacional de Filosofia e, posteriormente, à Faculdade de Educação e ao CFCH.
Internamente, forjou-se um movimento de resistência ao papel subordinado do CAp e se estruturou um movimento de renovação da prática pedagógica, que levou à elaboração de novas propostas programáticas por todos os diferentes setores curriculares do colégio. Contudo, só em 1985, o corpo docente do CAp elegeu sua primeira diretoria. A partir daí, ocorreram grandes mudanças na estruturação interna do colégio.

CONDIÇÕES DE TRABALHO
E antes de abordarmos algumas dessas mudanças, é importante destacar que muitos desses professores da lista dos 74 docentes habilitados ao pleito do RSC assumiram cargos de direção e de coordenação e tiveram uma participação de extrema dedicação e compromisso na luta pela construção de autonomia administrativa e pedagógica de nosso colégio.
Assim, após a conquista do direito de eleger sua diretoria, verifica-se uma intensa mobilização do corpo docente em torno de questões institucionais, como a conquista de representação no Consuni, no CEG e no Conselho do CFCH. Do mesmo modo, surge uma nova estrutura de funcionamento da escola, através da criação das Direções Adjuntas, do Conselho Pedagógico e das coordenações dos setores curriculares. Ainda que a implantação dessa nova estrutura tenha representado um avanço indiscutível, perduraram, ao longo das décadas de 80 e 90, condições de trabalho precárias, evidenciadas por contratos temporários extorsivos, atraso de pagamento, demora na contratação de professores concursados e substitutos. Certamente, todos nós sofremos as repercussões dessa precariedade em nossas condições de trabalho.
Lembramos também que, ainda que já tivesse sido instituído o concurso público como condição de ingresso dos professores, o regime de trabalho predominante era, na década de 80 e em parte dos anos 90, de 20 horas semanais. Com uma carga muitas vezes exaustiva de aulas/turmas e de licenciandos, mergulhávamos, sobrecarregados, no estudo e preparação das aulas, acreditando na proposta de enriquecer nossa prática pedagógica e propiciar uma educação crítica e de qualidade para os nossos alunos e licenciandos.
Nós, professores aposentados, temos a memória viva de nossa atuação naquele período. Fomos, junto com as nossas respectivas equipes de setor curricular, elaboradores e integrantes dos primeiros projetos de pesquisa e extensão aprovados junto ao CEG/CEPG. Acreditamos, portanto, que em muito contribuímos para o reconhecimento do caráter universitário do trabalho do CAp-UFRJ ao implantar e desenvolver sua premissa central, que é o elo entre ensino, pesquisa e extensão.
Na década de 90 e até meados da primeira década de 2000, a maioria de nós participou da construção do primeiro projeto político- pedagógico do colégio, que foi resultado de inúmeras discussões e debates sobre o papel dos colégios de aplicação na formação dos professores, na pesquisa sobre a educação básica, sobretudo, na democratização da educação pública. Foi nesse contexto que foram implementadas as novas formas mais democráticas de acesso ao CAp.

DIREITO DE PARIDADE
É importante afirmar que, ao longo desse período final, cresceu em muito o número de professores que passaram para o regime 40 h/DE. Contudo, o breve relato da ampliação das responsabilidades e tarefas presentes no processo de conquista de autonomia administrativa e pedagógica, bem como as dificuldades na concessão de licença para capacitação dos docentes, nos ajuda a esclarecer os motivos pelos quais muitos professores da educação básica não encontraram fôlego para completar a sua titulação em nível formal.
Não à toa foi instituído o RSC que, em última análise, representa um entendimento consensual das dificuldades presentes no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico no que se refere à capacitação docente, buscando contemplar o direito de paridade remuneratória entre os docentes das IFEs
Queremos ainda expressar, mesmo não estando presentes na reformulação da carreira EBTT, o orgulho que sentimos ao constatar que a implantação de mecanismos de estímulos à capacitação docente mudou significativamente o perfil acadêmico dos professores do CAp - UFRJ. Segundo Carvalho (2025), o corpo docente atual do CAp, composto por 98 professores, chegou, em 2024, ao número de 65 doutores, 17 doutorandos e 15 mestres. Acreditamos firmemente que nosso esforço pedagógico e nossas lutas reivindicatórias contribuíram para a configuração desse novo perfil e, certamente, pavimentaram o caminho que os novos professores estão percorrendo.
Pleitear o RSC representa um ato de extrema coragem e resiliência para nós, professores aposentados, – alguns há mais de 20 anos - na medida em que foi necessário se submeter a um complexo fluxo de procedimentos, que envolveu a elaboração de um memorial descritivo/analítico completo, englobando toda a atuação profissional desenvolvida até o momento da aposentadoria.
O memorial deve percorrer parâmetros pré- estabelecidos e normatizados, tais como, a título de exemplo, o inventário de todas as turmas trabalhadas e licenciandos orientados ao longo dos anos letivos na ativa; projetos de pesquisa e/ou extensão desenvolvidos; cursos de capacitação certificados; atuação em gestão, comissões e representações institucionais; atuação em bancas de seleção; produção de material didático e aplicação de métodos e tecnologias educacionais; artigos e livros publicados e muitos outros itens que justifiquem a solicitação do pleito.
Cada uma das atividades apresentadas no memorial deve ser referendada por documento comprobatório. Tratou-se de tarefa indescritivelmente exaustiva coletar documentos de um período anterior à era digital.
Em seguida, toda a documentação do professor pleiteante segue para a CPPD/EBTT/RSC, instituída no CAp, com vistas a coordenação do processo avaliativo de cada docente, cabendo-lhe o trabalho de formação da banca, composta por 4 avaliadores, sendo dois internos e dois externos.
Esses avaliadores são sorteados pelo SIMEC a partir de uma lista nacional de avaliadores inscritos no sistema. Na prática, a questão da formação das bancas é, segundo esclarecimentos da CPPD/EBTT, altamente problemática porque, na real, os professores que se dispuseram a participar solidariamente da avaliação dos colegas, ao serem sorteados, argumentam sentirem-se sobrecarregados e não se disponibilizam a mais esse trabalho não remunerado.
Segundo a CPPD, este é o principal fator que explica porque, apesar de terem entregues o memorial há cerca de 2 anos, a maior parte dos docentes pleiteantes ainda não teve sua avaliação concluída e encaminhada para homologação pelo Conselho Diretor do CAp, etapa que precede o envio do processo para a PR4.

FORÇA E ENERGIA
A partir deste sucinto relato, é possível entender porque nos sentimos profundamente indignados quando nove companheiros, com o processo avaliativo concluído e enviado para a PR4, não conseguem ter a retribuição por titulação incorporada imediatamente nos seus respectivos proventos.
Carregando dentro de nós a força e a energia oriundas de muita dedicação, estudo e vivência de luta cotidiana na construção de novos e mais democráticos caminhos para o ensino básico, queremos deixar claro que NÃO abdicaremos do direito ao Reconhecimento de nossos Saberes e Competências.

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