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WhatsApp Image 2022 06 15 at 20.42.35 1A universidade não vai admitir nenhum retrocesso à lei federal das cotas, que completa 10 anos em agosto e deverá ser rediscutida no Congresso. Pelo contrário, é preciso avançar ainda mais em políticas de inclusão e permanência na educação superior. Esta foi a mensagem do debate organizado pelo Observatório do Conhecimento — rede de associações docentes da qual faz parte a AdUFRJ — e a plataforma Perifa Connection, no dia 10.

A plateia do encontro não poderia ser mais emblemática do tema “Universidade antes e depois das cotas”. Cenário inimaginável há uma década, o auditório Moniz de Aragão, no campus da Praia Vermelha, estava recheado de estudantes pretas e pretos que aplaudiam com entusiasmo cada depoimento em favor das ações afirmativas.

Relatos como o de Wesley Teixeira, ativista da Perifa Connection e da Coalização Negra por Direitos. O morador do Morro do Sapo, em Duque de Caxias, montou com os colegas um pré-vestibular intitulado “+ Nós”, em 2015. “Porque queríamos mais de nós na universidade”, disse. A iniciativa deu certo: Wesley conseguiu ingressar no curso de Pedagogia da Uerj e vários outros egressos do pré-vestibular conquistaram vagas em instituições públicas. “Não vamos deixar nenhum dos nossos para trás e vamos ocupar todos esses espaços, mesmo que não queiram”, completou.

O ativista contou que, há dois anos, o bolsonarismo tentou acabar com a lei estadual de cotas raciais na Uerj, instituição pioneira no país na aplicação das ações afirmativas. Após muita pressão, a proposta foi derrotada. “2022 é o ano de dar o mesmo recado”, disse, em referência à rediscussão da lei federal de cotas pelo Congresso Nacional.

Cria da Rocinha e estudante de Jornalismo da PUC-Rio, Eduardo Carvalho compartilhou a experiência de ingresso na educação superior por meio de bolsas e também se manifestou a favor das cotas nas instituições públicas. “A política de cotas é, mais que tudo, mudança de paradigmas. Ela potencializa pessoas, em sua maioria, invisibilizadas”, disse.

“O que precisamos pensar é política de continuidade. São muitos os problemas que o estudante universitário enfrenta. Precisa de auxílio-transporte, precisa de alimentação”, afirmou. “Para enfim empunhar na mão o tão sonhado canudo e validar uma trajetória de sonhos e possibilidades que são, sobretudo, nosso direito”, completou.

BATALHA ÁRDUA
Coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura, anfitriã do debate, a professora Tatiana Roque contou a dura história das cotas na UFRJ, desde o primeiro governo Lula. “A esquerda, que estava no poder, sofreu oposição da esquerda, contra as cotas. Foi muito surpreendente”, afirmou. “Quem era a favor venceu, mas com muita luta, com muito estresse”.

O resultado da batalha hoje é visível nos corredores e salas de aula da maior federal do país. Docente do Instituto de Matemática, Tatiana dava aula de Cálculo para turmas da Engenharia, nos anos 1990. “Não tinha nenhum aluno negro, naquela época. Só brancos, ex-alunos de escola particular, da Zona Sul. Essa realidade mudou completamente”, comemorou. “Claro que falta muito, mas considero que aconteceu nessa universidade uma revolução. É preciso ter políticas de permanência: bandejão, alojamento, bolsas, acolhimento”, completou.

Coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação Superior, a professora Rosana Heringer também enfatizou a necessidade de apoiar os estudantes que ingressam nas universidades públicas pelas cotas. “Não é só vir para a aula e ir embora. Pertencer à universidade de fato é participar de seminários como este, interagir com os colegas”, disse.

A docente da Faculdade de Educação foi além. “Essa transformação que a universidade vivenciou precisa repercutir para outros aspectos”. Rosana lembrou que, somente no ano passado, a UFRJ modificou a legislação interna para contemplar de fato as ações afirmativas em concursos docentes.

Mas, aos poucos, a universidade avança. Criado em dezembro do ano passado, o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi) da UFRJ, vinculado ao Fórum de Ciência e Cultura, foi lançado institucionalmente em 2 de junho. A diretora do Neabi, professora Gracyelle Costa, fez a mediação do debate e ressaltou o papel de um trabalho coletivo para a consolidação das ações afirmativas. “Isso significa buscar o apoio de todos os segmentos da universidade para pensar currículos e processos pedagógicos antirracistas, assistência estudantil, acompanhamento discente e, ao mesmo tempo, envolve defender um orçamento público amplo para financiamento da educação e de outras políticas públicas”, disse.

MÍRIAM LEITÃO GERA POLÊMICA

A presença da jornalista Miriam Leitão no debate sobre as cotas causou polêmica. No perfil da AdUFRJ no Facebook, muitos criticaram o espaço concedido à debatedora, que é considerada uma inimiga dos serviços públicos.

Presidente do sindicato, o professor João Torres respondeu: “É importante o contraditório num debate. Com certeza, a jornalista Miriam Leitão já defendeu posições que não concordamos de forma nenhuma”, disse. “Mas, especialmente sobre cotas, quero recordar aos colegas que setores e lideranças expressivas da esquerda da UFRJ já foram visceralmente contra as cotas. E nós continuamos a convidá-los para o debate”.

Já Miriam se manifesta a favor das cotas muito antes da lei federal de 2012. “A primeira coluna que escrevi defendendo as cotas foi de 1998”, disse. “O mais duradouro obstáculo ao desenvolvimento do Brasil é o racismo. Portanto, políticas que confrontem o racismo, esse obstáculo ao desenvolvimento, têm sempre minha defesa”. E concluiu: “Queremos que os espaços de poder tenham a cara da sociedade brasileira, tão rica na sua diversidade étnica. Essa diversidade é nossa força”.

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