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WhatsApp Image 2022 05 27 at 18.13.46ATO em solidariedade ao professor Nonato Lima, contra a censura e em defesa da democracia e da comunicação pública reuniu a comunidade da UFC - Foto: Nah Jereissari/ADUFC-SindicatoBeatriz Coutinho, Estela Magalhães e Lucas Abreu

A história do governo Bolsonaro pode ser contada a partir dos ataques desferidos contra a Ciência e as universidades brasileiras. Mas, para cada ataque, houve resistência. A investida mais recente foi a exoneração — no último dia 16 — do professor Nonato Lima da direção da Rádio Universitária FM, da Universidade Federal do Ceará (UFC). E não ficou sem resposta. Entidades de todo o país, desde a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) até o Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará (ADUFC), manifestaram apoio ao professor, que também recebeu a solidariedade de toda a comunidade acedêmica da UFC.
De acordo com o professor, havia um clima de censura imposto ao seu programa, o “Rádio Livre”, pelo presidente da Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura (FCPC), gestora da rádio, Francisco Paulo Aragão, que foi nomeado para o cargo pelo interventor da UFC, Cândido Albuquerque. Em 2019, apesar de ter recebido apenas 4,6% dos votos e ficado em último na lista tríplice para a cadeira de reitor, Albuquerque, que é advogado criminalista, foi nomeado por Jair Bolsonaro.
Nonato estava no cargo desde 2007, e apresentava o programa há 26 anos. Logo no começo da gestão de Francisco de Paula Brandão, em novembro, ele percebeu que enfrentaria problemas com o nomeado pelo interventor. Na primeira reunião, segundo o professor, Brandão fez críticas ao programa e à programação musical da rádio. “Ele me chamou para dizer que meu programa era incompatível com a programação e que a rádio tocava muita música de macumba, o que eu rechacei na mesma hora”, contou Nonato. No mês passado, em nova reunião, Brandão subiu o tom dos ataques e tentou interferir no conteúdo do programa e na programação da rádio.
No último dia 16, Nonato esteve no gabinete do reitor para ser exonerado. Segundo ele, na ocasião, o interventor Cândido Albuquerque disse que substituir gestores “é republicano”. “Eu não tinha problema em deixar a direção da rádio, mas eu não fui exonerado por motivos republicanos. Eu fui tirado da rádio para que ela seja censurada”, disse Nonato. Dois dias depois da exoneração, o programa “Rádio Livre” foi tirado da grade da emissora.
“Meu programa era um espaço para receber discursos que não circulam na mídia tradicional, como o de sindicatos e movimentos sociais. Mas também fazíamos divulgação científica, campanhas de informação aos consumidores. Claramente não era um programa bolsonarista”, explicou o professor. Ele não se furtava a ter, na pauta do programa, notícias sobre atitudes antidemocráticas do presidente Bolsonaro ou do governo. “Estou na rádio desde a sua fundação, em 1981, quando eu ainda era estudante da UFC. É a primeira vez na história que a Fundação interferiu na programação da rádio”, desabafou.
Em nota, a ADUFC defendeu o professor e criticou a censura imposta à rádio, lembrando que a intimidação tem sido um expediente comum na UFC desde que Cândido Albuquerque assumiu a reitoria. “Os ataques e as práticas de silenciamento no caso da RUFM se somam a outros que temos vivenciado na UFC, seja por meio de processos administrativos, perseguição política a docentes e discentes, notas desinformativas, uso personalista da comunicação oficial e demais expedientes antidemocráticos useiros e vezeiros na administração superior sob intervenção”, diz a nota.
Na última quarta-feira (25), foi realizado um ato em frente à Rádio Universitária em defesa da democracia e da comunicação pública, e denunciando a censura no veículo. O ato contou com a participação de professores, técnicos e estudantes. O próprio Nonato, presente à manifestação, explicou o que estava acontecendo ali. “Não se trata do meu retorno à rádio. Este movimento é para defender a instituição da censura que se instaurou sobre ela”.

INTIMIDAÇÃO BOLSONARISTA
Outro caso notório de ataque e resistência aconteceu na Universidade de São Paulo (USP). O procurador-geral da República, Augusto Aras, processou Conrado Hübner Mendes, professor da universidade, por crimes de calúnia, injúria e difamação, em maio de 2021. A reclamação foi sobre tweets do professor de Direito e colunista da Folha de S.Paulo em crítica à atuação de Aras em seu cargo público, mas a queixa-crime foi rejeitada, sob a justificativa de que as expressões usadas não eram lesivas. O PGR também pediu que a Comissão de Ética da instituição investigasse o professor, mas teve seu pedido recusado.
Hübner Mendes sustentou que o processo é parte de uma estratégia de intimidação com o objetivo de silenciar a comunidade acadêmica a partir do medo. “Eu recebi muito apoio de entidades da sociedade civil, da comunidade acadêmica brasileira e internacional, e esse tipo de construção de redes de resistência é muito importante na defesa de liberdades em geral e certamente também é no campo da liberdade acadêmica”, explicou.
O professor ainda destacou a importância da ação coletiva na defesa da liberdade no contexto do ensino superior. “É muito fácil perceber quando cortes arbitrários, seletivos e numa proporção que não é justificável mesmo diante de uma crise econômica, são produto de perseguição propriamente dita. É preciso ter clareza de que a essa ameaça não se reage sozinho por um heroísmo individual”, ponderou.
Para o professor Ricardo Galvão, ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foi “terrível” o ataque do presidente Jair Bolsonaro contra a credibilidade de sua pesquisa. Em 2019, Galvão apresentou ao presidente dados parciais sobre o desmatamento da Amazônia. Bolsonaro afirmou que eram falsos. Apesar de não esperar um período pacífico, Galvão se chocou com os ataques pessoais vindos do governo. “Desde que o governo Bolsonaro assumiu, Ricardo Salles (ex-ministro do Meio Ambiente), principalmente, fazia ataques e tinha dificuldades de relacionamento com o Inpe. Havia setores do governo que tinham interesse em colocar uma direção militar. Eu sabia disso, mas não oficialmente”.
A resistência de Galvão levou à sua exoneração do cargo de diretor, mas sua integridade permaneceu intacta. O apoio ao professor e ao Inpe se alastrou pelas mais diversas entidades acadêmicas e científicas do mundo. Após a demissão, Galvão deu mais de 200 palestras. Questionado sobre como continuar firme frente aos ataques, o professor explicou que não há muitas ferramentas, mas aponta duas essenciais: manifestar-se publicamente, “o mais forte possível”, e diretamente ao governo.
Às novas gerações, Galvão pede que não percam as esperanças e que continuem lutando. “Uma resiliência inteligente: saber se organizar e atuar de forma positiva, construtiva”, completou. Para a sociedade, em ano eleitoral, o professor foi conciso. Nenhum cidadão brasileiro pode votar em políticos negacionistas. “Temos que nos conscientizar que o desenvolvimento sustentável e socialmente justo do país, neste século, vai depender de políticas públicas fortemente embasadas na Ciência e na Tecnologia”, completou.

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