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Para quem estuda o desenvolvimento urbano brasileiro, não basta pensar em medidas pontuais para evitar tragédias como a que aconteceu em Petrópolis. É preciso retomar uma política de planejamento das cidades. Quem defende esta posição é o professor Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, do IPPUR/UFRJ. “A Constituição de 1988 estabelece os princípios de planejamento e de reforma urbana, obrigando que a cidade pratique uma gestão baseada nesses princípios, traduzidos nos planos diretores e nas leis de planejamento urbano. Mas esse projeto acabou sendo derrotado na sociedade brasileira”, explicou o professor.

A derrota do projeto de planejamento urbano proposto pela Constituição de 1988, na avaliação do professor, levou a um modelo que privilegia os interesses econômicos de grandes agentes. “As cidades são também os lugares onde se organizam os blocos de poder que dirigem o nosso desenvolvimento capitalista. Os interesses econômicos e políticos têm uma importância muito grande na gestão do planejamento urbano como negócio e como moeda política”, avaliou.

Luiz Cesar é também coordenador do Observatório das Metrópoles, que reúne pesquisadores de 16 capitais do Brasil pensando os desafios do planejamento urbano no contexto social, econômico e político do país. “Estamos preparando um trabalho, para ficar pronto este ano, com um diagnóstico com as 16 metrópoles onde estamos, com propostas que retomem esses princípios e instrumentos da reforma urbana”, contou o professor. Algumas ações que ele citou como exemplo são um maior controle do uso e ocupação do solo, restrição do uso das áreas de encostas e de preservação ambiental, além de políticas de ampliação do acesso à moradia. “Precisamos de uma política habitacional de massa, para dar alternativa àqueles que não têm acesso à habitação pelo mercado”. (Lucas Abreu)

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LUIZ CESAR DE QUEIROZ RIBEIRO
Professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da UFRJ
e coordenador do Observatório das Metrópoles

Devemos, na medida do possível, procurar atuar na desconstrução da narrativa do senso comum presente na mídia baseada na suposição da “desordem urbana” como a causa dos tantos desastres urbanos que têm ocorrido: Petrópolis (RJ), Franco da Rocha (SP), Belo Horizonte, sul da Bahia.

Estamos assistindo às consequências trágicas de uma ordem urbana fundada no laissez-faire do mercado, do mandonismo urbano e da estrutural desinstitucionalização e desestatização dos governos municipais. A gramática do governo das emergências substituiu a gramática do planejamento, dos planos diretores e das leis de desenvolvimento urbano. A burocracia profissional na gestão das cidades foi desprestigiada e deslocada para abrir espaço para o governo direto pelas forças e interesses do mercado e patronagem urbana.

A adoção do governo das emergências é mais rentável eleitoralmente que o pouco visível governo do planejamento e da norma. Gera votos, alimenta clientelas eleitorais e incentiva financiamento de campanha, além de legitimar narrativas salvacionistas. Imaginem o rendimento político alcançado pelos donos do poder, prefeitos, governadores e até o presidente, ao aparecerem na grande imprensa e nas telas dos jornais nacionais com o colete das “defesas civis” e apresentando as “soluções salvadoras”!

Enquanto isto, vemos o que não foi feito para preparar antecipadamente as cidades para atravessarem estes eventos extremos do clima. A evidência deste padrão de governo das emergências como prática consciente dos donos do poder: a gestão de Cláudio Castro (PL), governador do Rio, gastou apenas metade do previsto em prevenção de tragédias no Rio de Janeiro. Segundo matéria da Folha de São Paulo com dados do Portal da Transparência, apenas 47% do valor previsto em orçamento para ser gasto em 2021 no programa de prevenção e resposta a desastres foi de fato empenhado. Em 2013, o então governador Sergio Cabral (PMDB) investiu apenas 37% da verba destinada a obras na Serra e na Baixada — dos R$ 4 bilhões disponíveis, apenas R$ 1,5 bilhão foi efetivamente usado em obras, segundo a Revista Veja. Isso tudo mesmo com o conhecimento das tragédias anteriores ocorridas na Região Serrana, como a que ocorreu em 2011 e afetou os municípios de Nova Friburgo, Teresópolis, Petrópolis, Sumidouro e São José do Vale do Rio Preto, resultando em mais de 900 mortos e 100 desaparecidos, além das 35 mil pessoas que perderam suas casas ou tiveram que sair por conta do risco de desabamento.

Estes são desfechos esperados da nossa ordem urbana.

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